Sentença de Julgado de Paz | |
Processo: | 222/2007-JP |
Relator: | LUIS FILIPE GUERRA |
Descritores: | HONORÁRIOS |
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Data da sentença: | 06/18/2009 |
Julgado de Paz de : | PORTO |
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Decisão Texto Integral: | SENTENÇA A, com os demais sinais nos autos, intentou a presente acção declarativa, enquadrada no artigo 9º, nº 1 a) da Lei nº 78/2001, de 13 de Julho, contra B, melhor identificada a fls. 2, pedindo a condenação desta a pagar-lhe a quantia de 1.299,91 €, acrescida dos juros de mora, à taxa legal, desde a data do seu vencimento até integral pagamento, o que até ao momento se liquida em 19,91 €, custas e demais encargos legais. Alegou, para tanto e em síntese, que, no exercício da sua profissão de advogada, prestou serviços de patrocínio judiciário à demandada, designadamente no âmbito dos processos com os nº x, do Tribunal Judicial de Vila Nova de Gaia, e nº x do mesmo tribunal, tendo acompanhado os mesmos desde o início até à sua conclusão, cujos honorários ascenderam ao valor de 1.395,00 €, de que falta pagar a quantia de 1.195,00 €, dado que a demandada havia já entregue uma provisão de 200,00 €, sendo certo que a demandante interpelou a demandada para fazer o seu pagamento, enviando-lhe nota discriminativa de honorários e despesas. Para prova dos factos por si alegados, a demandante juntou nove documentos (fls. 11 a 25). Regularmente citada na pessoa do seu defensor oficioso (cfr. fls. 87), a demandada apresentou contestação, alegando em suma que não foi notificada da nota de honorários da demandante e que só agora teve conhecimento do seu montante, pelo que não se verifica o vencimento da respectiva obrigação, não sendo devidos quaisquer juros. Não se realizou a sessão de pré-mediação, atendendo ao paradeiro desconhecido da demandada. Foi, então, marcada e realizada a audiência de julgamento, com observância do formalismo legal. O Julgado de Paz é competente em razão da matéria, do objecto, do valor e do território. O processo não enferma de nulidades que o invalidem. As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias e são legítimas. Não há incidentes processuais, excepções ou questões prévias de que cumpra conhecer e que obstem ao conhecimento do mérito da causa. FACTOS PROVADOS: 1. A demandante é advogada na comarca do Porto, fazendo da advocacia profissão habitual e lucrativa; 2. No exercício da sua actividade, em meados de Julho de 2004, a demandante foi contactada pela demandada para a patrocinar no inquérito que corria termos nos Serviços do Ministério Público do Tribunal Judicial de Vila Nova de Gaia, sob o nº x e no qual a demandada e o seu companheiro se pretendiam constituir assistentes; 3. A demandante aceitou o mandato, tendo no desempenho do mesmo e em cumprimento das instruções da demandada, prestado os seguintes serviços à mesma: a) Elaboração de minutas de procuração forense; b) Realização de consulta jurídica; c) Estudo e análise do assunto e documentos submetidos à sua consideração; d) Elaboração e entrega em tribunal de dois requerimentos de constituição de assistente e pretensão de dedução de pedido de indemnização civil; e) Leitura do despacho de deferimento da constituição de assistente; f) Consulta do processo nos Serviços do Ministério Público de Vila Nova de Gaia, com vista à elaboração do pedido de indemnização civil e acusação particular; g) Elaboração do pedido de indemnização civil e da acusação particular; h) Apreciação do despacho de acusação do Ministério Público e do despacho a acompanhar a acusação particular; i) Elaboração e apresentação do requerimento de junção do comprovativo de concessão de apoio judiciário; j) Notificação da data designada para a audiência de julgamento; k) Elaboração e apresentação do requerimento de desistência de queixa. 4. Tendo, para isso, suportado despesas com expediente geral (luz, papel, telecópias, correio electrónico e fotocópias), telefonemas e duas deslocações ao Tribunal Judicial de Vila Nova de Gaia, em montante indeterminado; 5. A demandante foi também contactada pela demandada para instaurar uma acção declarativa, visando a anulação dos contratos de compra e venda e de mútuo que a mesma havia celebrado e que veio a correr os seus termos sob o nº x; 6. A demandante aceitou o mandato, tendo no desempenho do mesmo e em cumprimento das instruções da demandada, prestado os seguintes serviços à mesma: a) Elaboração de minuta de procuração forense; b) Estudo e análise do assunto e documentos submetidos à sua consideração; c) Notificação dos diversos requerimentos apresentados pelos demandados, com junção de documentos; d) Realização de duas conferências com a demandada; e) Elaboração da petição inicial; f) Análise da contestação apresentada pelos demandados; g) Elaboração e envio da resposta à contestação, com notificação aos mandatários da parte contrária; h) Comparência na audiência preliminar, em que veio a ser suspensa a instância para tentativa de obtenção de acordo; i) Comparência em nova audiência preliminar; j) Elaboração e envio de diversas telecópias ao mandatário da B, bem como diversos contactos telefónicos com o mesmo, tendentes a chegar a acordo; k) Análise e notificação da sentença; 7. Tendo, para isso, suportado despesas com expediente geral (luz, papel, telecópias, correio electrónico e fotocópias), telefonemas e contactos, correspondência e duas deslocações ao Tribunal Judicial de Vila Nova de Gaia, em montante indeterminado; 8. A demandante acompanhou os referidos processos judiciais, que correram os seus termos sob o nº x da Comarca de Vila Nova de Gaia, e sob o nº x da Comarca de V. N. Gaia, desde a sua propositura até à sua conclusão. 9. No dia 8 de Agosto de 2006, a demandante expediu carta registada com aviso de recepção para a demandada, interpelando esta para pagar as quantias em dívida, não tendo esta recebido a mesma; 10. Em 22/09/2006, a demandada voltou a expedir a mesma carta, mas com o mesmo resultado; 11. Em 06/10/2006, a demandante enviou a sua nota discriminativa de honorários e de despesas à demandada pelo correio, no total de 1.395,00 €, com a dedução de 200,00 € que esta havia já entregue como provisão; 12. A Demandada recebeu esta carta e entrou em contacto com o escritório da demandante, tendo feito menção de ir pagar brevemente; 13. Até ao presente, a demandada não pagou à demandante a quantia por esta reclamada a título de honorários e despesas; CONVICÇÃO PROBATÓRIA: Os factos provados resultam directamente do teor dos documentos constantes dos autos, em conjugação com o depoimento das testemunhas, sobretudo da testemunha C, a qual mostrou conhecer a situação e os seus contornos e depôs de forma credível, pelo que foi positivamente valorado, salvo quanto aos factos que não se deram como provados, designadamente o montante das despesas suportadas pela demandante. DO DIREITO: A demandante e a demandada estabeleceram entre si um ou mais contratos de mandato, pelo qual a primeira se obrigou a praticar uma série de actos jurídicos por conta do segundo (cfr. artigo 1157º do Código Civil). O mandato é um contrato de prestação de serviços, em que uma das partes se obriga a proporcionar à outra certo resultado do seu trabalho intelectual (ou manual), com ou sem retribuição (cfr. artigo 1154º do Código Civil). Neste caso, o mandato presume-se oneroso, dado ter por objecto actos que a mandatária (a demandante) pratica por profissão (cfr. artigo 1158º, nº 1 do Código Civil). Se o mandato for oneroso, a medida da retribuição, não havendo ajuste entre as partes, é determinada pelas tarifas profissionais; na falta destas pelos usos; e, na falta de umas e outros, por juízos de equidade (cfr. nº 2 do citado artigo 1158º). Assim sendo, tendo ficado provado que demandante e demandada estabeleceram entre si um (ou mais) contrato(s) de mandato, tem aquela direito à respectiva retribuição. No caso presente, a demandante cumpriu as obrigações que lhe competiam, prestando o seu trabalho intelectual à demandada, nomeadamente praticando os actos jurídicos que se mostravam pertinentes nos processos judiciais em causa, pelo que incumbe à demandada pagar-lhe a respectiva retribuição. Quanto à medida da retribuição, não tendo sido ajustada pelas partes, tal como resulta da petição inicial, tem que ser a mesma fixada de acordo com os critérios legais: a este respeito importa seguir a disciplina do citado artigo 1158º, nº 2 do Código Civil e do artigo 100º do Estatuto da Ordem dos Advogados. No caso dos autos, não há razão para considerar, à luz dos dispositivos legais acima mencionados, que o valor dos honorários fixados pela demandante não seja ajustado aos serviços prestados pela mesma. Aliás, a demandante instou por escrito a demandada a pagar esse valor, discriminando o conjunto de actos praticados e das despesas suportadas, não tendo esta levantado nenhuma objecção ou feito qualquer reclamação, tendo-se limitado a prometer o seu pagamento para breve. Por outro lado, além dos honorários, a demandante pede também o ressarcimento de despesas. Porém, a demandante não fez prova do seu montante, mas apenas de que as teve que suportar para poder desempenhar o mandato recebido. Ainda assim, a demandante só teria direito a ser paga das mesmas se demonstrasse que não as lançou como custos da sua actividade profissional, deduzindo-as à receita obtida, para efeitos de determinação da sua matéria colectável. De outro modo, a demandante poderia ter um enriquecimento sem causa, dado que as mesmas despesas serviriam primeiro para diminuir o montante das suas receitas para efeitos fiscais, mas depois seriam cobradas integralmente ao mandante. Ora, uma coisa são despesas realizadas por conta e em nome do mandante, como seria o caso do pagamento das taxas de justiça, de que o mandatário pode e deve ser provisionado ou reembolsado, e outra são despesas que têm a ver com o próprio exercício da profissão e que constituem custos de exploração, para utilizar uma terminologia própria das empresas. Para cobrir estas últimas, os prestadores de serviços cobram honorários, cujo montante pode e deve cobrir e incluir esses gastos, sendo, por isso, o seu lucro a diferença entre as receitas e as despesas. Por isso, neste caso, as despesas consideradas provadas só poderão ser atendidas como parte integrante dos honorários da mandatária, acrescendo ao valor daqueles. De resto, parece-nos ser isso que resulta da petição inicial, desde logo face aos valores peticionados. Com efeito, não é verosímil que a demandada tenha gasto 50,00 € em duas deslocações do Porto a Vila Nova de Gaia, para ir do seu escritório ao tribunal, só para dar um exemplo. Tudo indica, na verdade, que a demandante debitou à demandada não um custo, mas sim uma tarifa profissional por cada deslocação. Porém, essa tarifa tem que ser considerada como honorários e não como despesa. E as mesmas considerações valem para as demais despesas, cujo valor é uma mera estimativa sem critério de objectividade. Assim sendo, a demandante tem direito aos valores peticionados a título de despesas como parte dos seus honorários, tendo que suportar as despesas efectivamente realizadas no seu escritório com o desempenho da sua profissão, ainda que com o benefício de poder deduzir fiscalmente as mesmas. Entretanto, tendo a demandante recebido uma provisão inicial de 200,00 €, o seu crédito reduz-se ao valor de 1.195,00 €, tal como peticionado. Por outro lado, a menos que a demandante tenha uma receita anual inferior a 10.000,00 € (cfr. artigo 53º, nº 1 do Código do IVA), aos honorários peticionados, incluindo as despesas acima aludidas, terá necessariamente que acrescer o IVA, à taxa legal (cfr. artigo 18º, nº 1 do Código do IVA). E, finalmente, por aplicação das disposições combinadas dos artigos 804º, 805º, nº 1 e 806º, n.os 1 e 2 do Código Civil, a demandante tem ainda direito a ser indemnizada do prejuízo causado pela mora da demandada, mediante o recebimento dos respectivos juros, computados sobre o capital em dívida desde o momento da interpelação judicial desta, dada a indeterminação do momento em que a mesma foi interpelada extrajudicialmente. Com efeito, as cartas enviadas sob registo postal vieram devolvidas e a carta datada de 06/10/2006 não está acompanhada de prova de entrega, pelo que não foi possível determinar quando foi a mesma recebida. Uma última nota para recordar que nos julgados de paz não há custas de parte, pelo que a demandante poderá apenas ser reembolsada da entrega inicial feita (cfr. artigos 1º, 3º e 9º da Portaria nº 1456/2001, de 28 de Dezembro) e não das demais despesas por si alegadamente efectuadas. DECISÃO: Nestes termos, julgo a presente acção procedente e provada e, por via disso, condeno a demandada a pagar à demandante, a título de honorários, a quantia remanescente de 1.195,00 € (mil cento e noventa e cinco euros), acrescida do respectivo IVA, à taxa aplicável, bem como dos juros moratórios, à taxa legal, computados desde 19/11/2008 até ao efectivo e integral pagamento. Custas pela demandada. Registe e notifique. Porto, 18 de Junho de 2009. O Juiz de Paz, (Luís Filipe Guerra) |