Sentença de Julgado de Paz
Processo: 168/2022–JPFNC
Relator: CELINA ALVENO
Descritores: ACIDENTE DE VIAÇÃO – RESPONSABILIDADE CIVIL
Data da sentença: 10/10/2024
Julgado de Paz de : FUNCHAL
Decisão Texto Integral:
SENTENÇA

Processo n.º 168/2022 – JPFNC

I - IDENTIFICAÇÃO DAS PARTES
Demandante: [PES-1], NIF [NIF-1], residente no [...], n.º 66 - [Cód. Postal-1] [...].
Demandada: [...], Companhia de Seguros S.A., NIPC [NIPC-1], com sede na [...], 35/41, [...], [Cód. Postal-2] [...].

II - RELATÓRIO
A Demandante instaurou contra a Demandada a presente ação declarativa enquadrada na alínea h) do n.º 1 do artigo 9.º da Lei n.º 78/2001 de 13 de julho, na sua atual redação (LJP), pedindo a condenação da Demandada a assumir a responsabilidade do seu segurado e, nessa senda, a mesma condenada: a) No pagamento de uma indemnização por danos patrimoniais na quantia de € 7.000,00 (sete mil euros), pela perda de qualidade de vida, transtornos causados, noites mal dormidas, ansiedade e stress que a situação exposta causou, pelas dores resultantes do acidente que a impede de dormir e devido descanso, pelo sofrimento causado, tristeza e abalo da harmonia familiar; b) No pagamento de uma indemnização por danos patrimoniais na quantia de € 5.000,00 (cinco mil euros), destinado ao tratamento cirúrgico com técnica mista excecional e lipoaspirava sob anestesia geral; c) A proceder à reparação dos danos causados pelo acidente no seu motociclo, a que atribui o valor de € 1.961,02 (mil novecentos e sessenta e um euros e dois cêntimos); d) No pagamento de uma indemnização por danos patrimoniais na quantia de € 504,40 (quinhentos e quatro euros e quarenta cêntimos), referente às despesas que teve; e) No pagamento de uma indemnização no valor de € 500,00 (quinhentos euros), pela privação de uso do motociclo desde o dia 06/10/2021 até à presente data. Juntou: 36 documentos e procuração forense.
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A Demandada não aceitou submeter o litígio à mediação (cfr. fls. 48). A Demandada foi citada e contestou (fls. 70 e de fls. 48 a fls. 59).
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As partes e Ilustres Mandatários foram notificados da audiência de julgamento. Foram efetuadas várias tentativas de conciliação, com o esforço necessário e na medida adequada, para explorar todas as possibilidades de acordo, nos termos do n.º 1 do art.º 26º da LJP, contudo a mesma não se revelou possível.
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Foram ouvidas as partes, nos termos do disposto no artigo 57.º da LJP, e realizada a audiência de julgamento, com observância do formalismo legal, como resulta da ata, tendo as partes exposto as suas posições perante os factos objeto do litígio, tendo sido ouvida a Demandante, em declarações de parte, testemunhas e alegações finais pelos Ilustres Mandatários das partes. * O Julgado de Paz é competente em razão da matéria, do objeto, do território e do valor. O processo é próprio e não enferma de nulidades que o invalidem. As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias e são legítimas. Não há exceções, nulidades ou questões prévias que cumpra conhecer.

III- VALOR DA AÇÃO
Fixa-se em € 14.965,42 (catorze mil, novecentos e sessenta e cinco euros e quarenta e dois cêntimos), o valor da presente causa (artigos 296.º, 297.º n.º 2, 299.º, 300.º e 306.º do Código de Processo Civil ex vi artigo 63.º da LJP).

IV- OBJETO DO LITÍGIO
Acidente de viação – responsabilidade civil: reparação do motociclo; danos patrimoniais e danos morais A questão que se controverte, consiste em saber se a Demandada deve ser responsabilizada pelo pagamento das quantias exigidas a título dos danos patrimoniais e não patrimoniais, decorrentes do acidente de viação descrito nos autos.

V- FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO
Assim e com relevância para a decisão da causa, e de acordo com as declarações da Demandante, da Demandada, das testemunhas e da prova documental carreada para os autos, resultaram os seguintes:

FACTOS PROVADOS:
1. A Demandante é proprietária do motociclo de marca [Marca-1], modelo [Modelo-1] 250 X, cilindrada 250, cor vermelho e outra, com a matrícula [ - - 1]. 2. No dia 6 de outubro de 2021, pelas 08:30 horas, o veículo supra referenciado era conduzido pela Demandante, no sentido descendente, no beco da [...], a baixa velocidade e na faixa destinada ao seu sentido de trânsito. 3. De súbito, enquanto a Demandante se aproximava da casa sita no beco da [...], n.º 23A, o veículo de marca [Marca-2], modelo [Modelo-2], matrícula [ - - 2], conduzido pelo senhor [PES-2], saiu do estacionamento privado desta casa, em marcha atrás.
4. O senhor Vítor fez a manobra de forma abrupta, repentina e velozmente, sem verificar se estavam reunidas as condições de segurança para sair do estacionamento, designadamente se não estava a circular peões ou veículos na via.
5. O senhor [PES-2] saiu de um local privado, uma saída de estacionamento, em marcha atrás, sem tomar as devidas precauções necessárias ao realizar a sua manobra e sem qualquer redução de velocidade, provocando o acidente.
6. A responsabilidade civil pelo Renault encontrava-se na altura do acidente, transferida pelo seu proprietário para a Demandada.
7. Em consequência desta situação, e de forma a evitar um embate frontal, a Demandante viu-se obrigada a desviar e travar, o que causou a sua queda.
8. Em consequência do acidente, a Demandante foi para o hospital, tendo sofrido um hematoma na coxa esquerda do qual ainda não recuperou.
9. Na nota de alta médica a Demandante foi diagnosticada com um hematoma da coxa esquerda e risco de lesão de Morel-Lavallée.
10. A Demandante foi diagnosticada com uma distrofia lipomatosa de causa pós-traumática,
11. sequela de hematoma volumoso por trauma de acidente de moto a 06/10/2021, com indicação para tratamento cirúrgico com técnica mista excecional e lipoaspirava, sob anestesia geral, que pode envolver custos globais entre € 4.000,00 (quatro mil) e € 5.000,00 (cinco mil euros).
12. A lesão da Demandante é visível, causando-lhe tristeza e problemas de autoestima.
13. O motociclo da Demandante também sofreu danos que perfazem o montante global entre € 1.732,50 (mil setecentos e trinta e dois euros e cinquenta cêntimos) e € 1.961,05 (mil novecentos e sessenta e um euros e cinco cêntimos).
14. Na sequência do acidente a Demandante também teve danos patrimoniais que perfazem o montante global de € 504,40 (quinhentos e quatro euros e quarenta cêntimos): € 163,92 referente aos danos causados no seu telemóvel; € 20,48, referente a despesas com medicação e tratamento ambulatório; € 100,00 referente a ecografias realizadas e € 220,00 referente a despesas com consultas.
15. Após o sinistro, a Demandante e o senhor [PES- 2] preencheram a declaração amigável de acidente, descrevendo a dinâmica do mesmo e esta foi remetida à Demandada.
16. Em novembro de 2021 a Demandada comunicou à Demandante que não assumia a responsabilidade pelo acidente.
17. A Demandante discordou da decisão, tendo sido apresentada reclamação. 18. A Demandada manteve a sua posição.
19. A Demandante ainda interpelou a Demandada para proceder à reparação da moto, mas sem sucesso.
20. O motociclo está imobilizado, desde o acidente, impossibilitado de circular. 21. Desde o acidente que a Demandante está impossibilitada de fruir do seu motociclo, nas suas deslocações diárias.
22. A Demandante teve incómodos pela privação do seu motociclo, alteração de rotinas e constrangimentos no planeamento do seu quotidiano.
23. A Demandante possui outro veículo. Consideram-se reproduzidos os documentos de fls. 5 a fls. 43, de fls. 57 a fls. 59.
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Motivação da matéria fática:
O Tribunal formou a sua convicção com base no conjunto da prova produzida, cotejada com as regras da experiência, tendo considerado os elementos documentais juntos pela Demandante e pela Demandada, que aqui se dão por reproduzidos e integrados, conjugados com as declarações da parte e das testemunhas, inquiridas em sede de audiência de julgamento. Nos termos do n.º 2, do art.º 574.º, do CPC, aplicável ex vi, art.º 63.º, da LJP, consideram-se admitidos por acordo os factos constantes nos números 1, 6, 15, 16, 17 e 18. Considera-se provado, resultante das alegações e declarações da Demandante os factos respeitantes aos números 1, 2, 3, 4, 5, 7, 8, 9, 10, 11, 12, 13, 14, 15, 16, 17, 18, 19, 20, 21, 22 e 23, conjugado com a prova documental junta aos autos. A restante matéria resulta provada pela análise crítica de todas as provas que foram dadas a conhecer em sede de audiência, o que foi ponderado de acordo com as regras da experiência e no âmbito da prova global produzida de modo a não existir contradições entre os documentos e a prova testemunhal. Durante a audiência procedeu-se à audição de testemunhas. O depoimento da testemunha [PES-3], que presenciou o sinistro, foi efetuado de forma idónea, credível e isenta, tendo explicado em suma que: é vizinho da Demandante, que vive naquele beco e conhece muito bem o beco; que o acidente ocorreu há cerca de 3 anos; que aquele beco tem dois sentidos; que no local do acidente, onde o senhor [PES-2] saiu com o carro tem um desnível e por isso ele teve que dar balanço para conseguir sair à primeira do estacionamento, senão o carro ia “patinar”; que já tinha visto vários dos rapazes que trabalhavam ali a fazer aquela manobra e tinha alertado para a falta de prudência e para o perigo, tendo até sugerido que uma vez que trabalhavam lá vários rapazes, um deles poderia vir à estrada ajudar na manobra, acautelando que não estava a passar ninguém quando saiam do estacionamento; que viu a Demandante a descer calmamente, quando o rapaz saiu de repente do estacionamento em marcha atrás; que o rapaz de certeza que não viu a Demandante porque não tinha visibilidade, ainda para mais porque a carrinha ia carregada com material desportivo; que no dia do acidente o tempo estava bom, que o chão não estava molhado; que viu a Demandante a tentar evitar o acidente, desviando-se, mas que era impossível evitar, ou batia ou desviava-se e caía, e que o instinto foi desviar e por isso foi ao chão; que já houve outros acidentes naquela zona e por isso várias garagens optaram por sinalização luminosa de saída de viaturas, o que não é o caso desta casa de onde saiu o Renault; que devido aos vários sustos, a empresa que trabalhava nesta casa já saiu do local. Mais disse que estava a subir o beco quando presenciou o acidente, que estava a cerca de 7 a 8 metros do local, que viu a Demandante a descer e viu a carrinha a sair de repente em marcha atrás do estacionamento; que a Demandante estava a descer devagar; que o Renault quando ganha tração joga e por isso é que o rapaz saiu com grande velocidade na sua opinião, até porque era o que costumava fazer; que ainda ouviu o Renault a “patinar”; que o rapaz nem sequer buzinou para avisar que estava a sair, nem tinha os piscas ligados, foi sair “a abrir”; que depois do acidente apareceram várias pessoas no local; que quando a Demandante caiu o rapaz parou logo o carro; que não conseguiu perceber muito bem se a Demandante travou ou não, mas deve ter travado senão batia no carro; ela não estava muito afastada do local onde o rapaz saiu com o carro; o tempo de reação não dava para mais do que ela fez. Confrontado com as fotos do local do acidente de fls. 7 a fls. 11 dos autos, confirmou o local. O depoimento da testemunha [PES-4], na qualidade de perito avaliador dos danos no motociclo da Demandante, foi efetuado de forma idónea, credível e isenta, tendo explicado em suma que: consoante o acordo a que chegou juntamente com o mecânico que verificou o estado da moto da Demandante, a reparação deste motociclo custa € 1.732,50, já com IVA; que basta um ou dois dias para reparar a moto; que a peritagem foi realizada em outubro ou novembro de 2021; que os danos no motociclo são essencialmente do seu lado esquerdo; que os danos não são enquadráveis com um embate mas apenas com uma queda; que não consegue afirmar a quantos quilómetros circulava cada condutor, mas havia movimento senão a Demandante não tinha caído; que com os danos que o motociclo apresentava no farol, mantes, punhos, volante, embraiagem, o motociclo não estava em condições de circular sem que fosse primeiro reparado.
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O depoimento da testemunha [PES-3] foi determinante para formar convicção sobre os factos 2, 3, 4, 5 e 7.
O depoimento da testemunha [PES-4] foi determinante para formar convicção sobre os factos 13 e 20.
A prova testemunhal foi considerada idónea, credível e isenta no seu conjunto. *
Considerou o Tribunal o teor dos documentos de fls. 5 para prova do facto 1; de fls. 7 a fls. 11, para prova dos factos 2, 3, 4, e 5; de fls. 57, para prova do facto 6; de fls. 24 para prova dos factos 8 e 9; de fls. 25, para prova do facto 10; de fls. 26, para prova do facto 11; de fls. 42 e de fls. 58 a fls. 59, para prova do facto 13; de fls. 27 a fls. 35, para prova do facto 14; de fls. 22 a fls. 23, para prova do facto 15; de fls. 36 a fls. 37, para prova do facto 16; de fls. 38 a fls. 39, para prova do facto 17; de fls. 40, para prova do facto 18 e de fls. 41, para prova do facto 19.
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Em suma, a fixação da matéria dada como provada resultou dos factos admitidos e do teor dos supra referenciados documentos juntos aos autos, além das declarações da parte e da prova testemunhal, o que devidamente conjugado com regras de experiência comum e critérios de razoabilidade, alicerçou a convicção do Tribunal. As declarações de parte da Demandante foram claras, coerentes, objetivas, esclarecedoras e consistentes, logrando convencer o Tribunal da sua veracidade.
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FACTOS NÃO PROVADOS:
Não se provaram quaisquer outros factos, com interesse para a decisão da causa, dada a inexistência ou a insuficiência de prova nesse sentido. Os factos não provados resultam, portanto da ausência de elementos que permitam formar convicção positiva sobre os mesmos. Consigna-se que, para apuramento da matéria de facto não foi considerado o teor dos articulados com matéria tida por irrelevante, conclusiva ou de direito.
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VI – FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO
A questão a resolver é daquelas que, se houvesse maior espírito de compreensão e tolerância, teria sido resolvida pela via conciliatória. Aliás, dúvidas não temos que a mediação e/ou conciliação teria sido o meio ideal, útil, e único de, no caso em apreço, se conseguir conciliar as partes e, inclusivamente, solucionar o litígio. Contudo, uma vez que as partes não perfilharam esse caminho há que apreciá-la sob o prisma da legalidade. Debruçando-nos, assim, nesse prisma, sobre o caso em juízo, com base na matéria de facto provada, cumpre apreciar os factos e aplicar o direito.
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Visa a Demandante, com a presente ação, a condenação da Demandada a assumir a responsabilidade do seu segurado e, nessa senda, a mesma condenada no pagamento de uma indemnização por danos patrimoniais na quantia de € 7.000,00 (sete mil euros), pela perda de qualidade de vida, transtornos causados, noites mal dormidas, ansiedade e stress que a situação exposta causou, pelas dores resultantes do acidente que a impede de dormir e devido descanso, pelo sofrimento causado, tristeza e abalo da harmonia familiar; no pagamento de uma indemnização por danos patrimoniais na quantia de € 5.000,00 (cinco mil euros), destinado ao tratamento cirúrgico com técnica mista excecional e lipoaspirava sob anestesia geral; a proceder à reparação dos danos causados pelo acidente no seu motociclo, a que atribui o valor de € 1.961,02 (mil novecentos e sessenta e um euros e dois cêntimos); no pagamento de uma indemnização por danos patrimoniais na quantia de € 504,40 (quinhentos e quatro euros e quarenta cêntimos), referente às despesas que teve; e no pagamento de uma indemnização no valor de € 500,00 (quinhentos euros), pela privação de uso do motociclo desde o dia 06/10/2021 até à presente data, por entender que o acidente em causa nos autos se ficou a dever a culpa exclusiva do condutor do veículo com a matrícula [ - - 2], veículo este seguro na Demandada.
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Da Responsabilidade dos intervenientes no acidente: O artigo 483.º do Código Civil determina que aquele que, com dolo ou mera culpa, violar ilicitamente o direito de outrem ou qualquer disposição legal destinada a proteger interesses alheios fica obrigado a indemnizar o lesado pelos danos resultantes da violação. Para que se conclua pela existência de responsabilidade civil por factos ilícitos é, então, necessário um comportamento humano dominável pela vontade; ilicitude, ou seja, a violação de direitos subjetivos absolutos ou normas que visem tutelar interesses privados; um nexo causal que una o facto ao lesante – a culpa (o juízo de censura ou reprovação que o direito faz ao lesante por este ter agido ilicitamente, quando podia e devia ter agido de outra forma) e outro que ligue o facto ao dano, de acordo com as regras normais de causalidade. Pode revestir duas formas: o dolo e a negligência ou mera culpa. Foi dado como provado que o acidente em apreço nos autos se deveu à conduta culposa do condutor do veículo seguro na Demandada, o qual, não cedeu a passagem ao veículo conduzido pela Demandante, tendo saído de um estacionamento privado, em marcha atrás, de forma abrupta, repentina e veloz, sem verificar se estavam reunidas as condições de segurança, ou seja, sem tomar as devidas precauções necessárias para efetuar a manobra. Face à matéria provada, há que concluir que a responsabilidade do acidente em apreço se deve exclusivamente à conduta do condutor do veículo com a matrícula [ - - 2], com culpa efetiva, o qual violou o disposto nos artigos 25.º, n.º 1, alíneas g) e h) e 31.º, n.º 1, alínea a), do Código da Estrada (aprovado pelo Decreto-Lei n.º 114/94, de 3 de maio, na redação em vigor aquando dos factos), violação, essa, que foi causa adequada para a ocorrência do acidente. A Demandante logrou demonstrar a coerência da sua versão com a prova testemunhal, o tipo de danos, os quais – da experiência comum – também comprovam a dinâmica do acidente considerada provada. Conclui-se pois, estarem preenchidos todos os pressupostos (supra mencionados) do nascimento da obrigação de indemnizar por responsabilidade civil extracontratual por factos ilícitos por parte do condutor do veículo com a matrícula [ - - 2], sendo que o proprietário de tal veículo havia transferido a sua responsabilidade civil, por danos emergentes da sua circulação, para a Demandada, pelo que é sobre esta que recai a obrigação de indemnizar a Demandante pelos danos provocados pelo acidente.
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Dos Danos: Está assente que o motociclo da Demandante sofreu danos, estando imobilizado, impossibilitado de circular, sendo que os danos são emergentes do acidente ocorrido, tendo a Demandante o direito a ser indemnizada pelos mesmos, em virtude da culpa exclusiva atribuída pela ocorrência do acidente ao condutor do Renault. «A obrigação de indemnizar (responsabilidade por factos ilícitos, extracontratual ou aquiliana – artigos 483.º e seguintes do Código Civil; responsabilidade pelo risco ou objetiva – artigos 499.º e ss. do Código Civil; responsabilidade por factos lícitos ou responsabilidade contratual - artigos 798.º e ss. do Código Civil) radica sempre num dano, isto é, na supressão ou diminuição de uma situação vantajosa que era protegida pelo ordenamento jurídico.» (cfr. Menezes Cordeiro, Direito das Obrigações, II, 1986 – reimpressão, AAFDL, 283). Os requisitos estabelecidos no n.º 1 do artigo 483.º do Código Civil para a obrigação de indemnizar são cumulativos. Por seu turno, nos termos do disposto no artigo 562.º do Código Civil, o princípio geral quanto à indemnização deve ser o da reconstituição “da situação que existiria, se não se tivesse verificado o evento que obriga à reparação.” Na realidade, “A reposição ou reconstituição natural (sempre que possível) como forma mais perfeita que é, deve ser considerada meio normal de indemnização do dano.” (STJ, 12-10-1973: BMJ, 230.º-107). Importa também assinalar que nossa lei civil (artigo 566.º, n.º 2 do Código Civil) consagra a teoria da diferença, como critério normativo da avaliação da indemnização pecuniária. Tal critério vale, porém, apenas para a avaliação dos danos patrimoniais, onde se impõe uma avaliação concreta do dano de cálculo (cfr. Almeida Costa, Direito das Obrigações, 4.ª edição, Coimbra, 1984, 390-391), pela qual se estabeleça a diferença entre a situação patrimonial atual (isto é, no último momento processualmente admissível) do lesado e a que ele teria se não tivesse ocorrido o facto lesivo. Por conseguinte, a nossa lei estabelece a reconstituição natural e é no âmbito deste dispositivo que temos de nos mover para dizer que a obrigação da Demandada é a de reconstituir a situação da Demandante à data anterior ao acidente, tendo em vista que a Demandante não sofra qualquer prejuízo que não sofreria se o acidente não tivesse ocorrido, isto é, se sem culpa sua, o seu veículo não ficasse danificado e impossibilitado de circular. A indeminização só é fixada em dinheiro quando a reconstituição natural não seja possível; não repare integralmente os danos, ou seja, excessivamente onerosa para o devedor. Neste caso a reparação (reconstituição natural) é possível, nada impedindo que seja levada a efeito. E, assim, não pode deixar de proceder o pedido formulado pela Demandante, quanto a esta parte, condenando-se a Demandada a reparar o motociclo, matrícula [- - 1], propriedade da Demandante, eliminando todos os danos causados pelo sinistro provocado por culpa exclusiva do seu segurado. * Na senda do supra referenciado, tem a Demandante também direito de ser indemnizada, a título de indemnização pelos danos patrimoniais, pelas despesas que não teria, não fora o acidente em causa. Na sequência do acidente a Demandante teve danos patrimoniais que perfazem o montante global de € 504,40 (quinhentos e quatro euros e quarenta cêntimos): € 163,92 referente aos danos causados no seu telemóvel; € 20,48, referente a despesas com medicação e tratamento ambulatório; € 100,00 referente a ecografias realizadas e € 220,00 referente a despesas com consultas. Tem assim a Demandante direito a título de danos patrimoniais, à indemnização de € 504,40 (quinhentos e quatro euros e quarenta cêntimos). * Quanto ao pagamento de uma indemnização por danos patrimoniais, destinada a tratamento cirúrgico: Vem a Demandante peticionar a este título a importância de € 5.000,00 (cinco mil euros). Por imperativo legal, nos termos do artigo 562.º do Código Civil, sempre que alguém esteja obrigado a reparar um dano deve reconstituir a situação que existiria se não fosse a lesão. Ao responsável incumbe reparar os danos e, em princípio, todos os danos que estejam em conexão causal com o facto gerador da responsabilidade – artigo 563.º do Código Civil. A regra vigente na responsabilidade civil é a da reparação integral dos danos resultantes do facto ilícito – artigos 562.º e 566.º, nº 1 do Código Civil). Não uma reparação meramente parcial. Ora a Demandante pretende ver ressarcidos os danos físicos que teve, decorrentes do acidente. Da conjugação dos relatórios do [ORG-1], juntos aos autos como documentos 20 e 21, resulta provado que na sequência do acidente a Demandante ficou com uma distrofia lipomatosa de causa pós-traumática, na face est. coxa esquerda sequela de hematoma volumoso, com indicação para tratamento cirúrgico com técnica mista excecional e lipoaspirava sob anestesia geral, que pode envolver custos globais entre quatro e cinco mil euros. Nos termos do n.º 2, da 566.º, do Código Civil “A indemnização em dinheiro tem como medida a diferença entre a situação patrimonial do lesado, na data mais recente que puder ser atendida pelo tribunal, e a que teria nessa data se não existissem danos”, e “Se não puder ser averiguado o valor exato dos danos, o tribunal julgará equitativamente dentro dos limites que tiver por provados” (n.º 3 do artigo 566.º, do Código Civil), ou seja, para efeito de determinação do montante indemnizatório, a equidade justifica o recurso, entre outros, à gravidade dos danos provados, ao tempo decorrido, ao tipo de danos e sua localização. Deste modo, considerando os factos provados, nos termos do n.º 3 do artigo 566.º, do Código Civil, é adequado fixar-se em € 4.500,00 (quatro mil e quinhentos euros) o montante indemnizatório a pagar pela Demandada, à Demandante. * Quanto à privação do uso pela imobilização do veículo sinistrado: Vem a Demandante peticionar a este título a importância de € 500,00 (quinhentos euros). Quanto à peticionada indemnização por privação do uso do veículo, a Demandante alegou que o motociclo se encontra impossibilitado de circular, desde o acidente, que teve incómodos pela privação do seu motociclo, alteração de rotinas e constrangimentos no planeamento do seu quotidiano, bem como ficou impossibilitada de fruir do seu motociclo, nas suas deslocações diárias, sendo que, no entanto, possui outro veículo. A jurisprudência nem sempre tem sido uniforme relativamente a esta questão, entendendo uns que a indemnização pela privação do uso de um veículo depende da prova de um dano concreto, ou seja, da demonstração de prejuízos decorrentes diretamente da não utilização do bem, sustentando outros que a simples privação do uso, por si só, constitui um dano indemnizável, independentemente da utilização que dele se faça, ou não, durante o período da privação. Nos presentes autos, e tendo em conta as circunstâncias, a obrigação de indemnizar pressupõe a existência de um dano real, concreto, efetivo – artigos 563.º e 564.º, n.º 2, do Código Civil - pelo que não basta demonstrar-se a simples privação, é necessário, ainda, que o lesado alegue e prove que a privação da coisa lhe acarretou prejuízo, ou seja, que seria por ele utilizada durante o período da privação (cfr. neste sentido o Ac. do STJ de 3/5/2011, processo n.º 2618/08.06TBOVR.P1, in www.dgsi.pt/jstj). Assim, competia à Demandante, nos termos do n.º 1 do artigo 342.º do Código Civil provar o prejuízo que teria pela impossibilidade de uso do seu bem durante esse período, prejuízo que, a ser provado, a Demandada tinha a obrigação de ressarcir. Contudo, a Demandante não o logrou provar, já que não foi apresentada qualquer prova nesse sentido, pelo que o peticionado neste âmbito terá de ser julgado improcedente. * Quanto aos danos morais: Pede a Demandante a condenação da Demandada no pagamento de indemnização no montante de € 7.000,00 (sete mil euros) a título de danos morais sofridos em consequência do acidente de viação referenciados nos autos. Nos termos dos artigos 562.º e seguintes do Código Civil, quem estiver obrigado a reparar um dano deve reconstituir a situação que existiria se não se tivesse verificado o facto gerador do dano e em relação aos danos que provavelmente o lesado não teria sofrido se a lesão não se tivesse verificado, sendo os danos morais indemnizáveis, nos termos do n.º 1, do artigo 496.º, do Código Civil, que serão estabelecidos equitativamente dentro dos limites dados como provados (n.º 3, do artigo 566.º, do Código Civil). No caso presente, a Demandante pede o ressarcimento de danos morais, no valor de valor de € 7.000,00, valor manifestamente exagerado, estabelecendo-se os danos morais no montante de € 500,00, que se considera valor adequado dentro dos limites dados como provados. O pedido procede parcialmente nesta parte, por provado, impendendo sobre a Demandada a obrigação de indemnizar a Demandante na quantia de € 500,00 (quinhentos euros), para ressarcimento dos danos morais resultantes do acidente.

VII - DECISÃO
Nos termos e com os fundamentos invocados, julgo a presente ação parcialmente procedente por provada, e em consequência, condeno a Demandada a: a) reparar o motociclo, matrícula [ - - 1], propriedade da Demandante, eliminando todos os danos causados pelo sinistro, provocado por culpa exclusiva do seu segurado; b) proceder ao pagamento de uma indemnização por danos patrimoniais, no montante global de € 5.004,40 (cinco mil e quatro euros e quarenta cêntimos); e, c) proceder ao pagamento de uma indemnização por danos morais, no montante de € 500,00 (quinhentos euros), absolvendo-a do restante montante peticionado.

VIII – RESPONSABILIDADE POR CUSTAS
As custas serão suportadas pela Demandante e pela Demandada, na proporção de 52% e 48% respetivamente (Artigos 527.º, 607.º, n.º 6 do Código de Processo Civil - aplicáveis ex vi artigo 63.º da Lei 78/2001, de 13 de julho, na sua atual redação - e artigo 2.º da Portaria n.º 342/2019, de 1 de outubro), devendo a Demandante efetuar o pagamento de € 36,40 (trinta e seis euros e quarenta cêntimos) e a Demandada efetuar o pagamento de € 33,60 (trinta e três euros e sessenta cêntimos) num dos três dias úteis subsequentes ao conhecimento da presente decisão, incorrendo cada uma das partes numa sobretaxa de € 10,00 (dez euros) por cada dia de atraso no cumprimento dessa obrigação, até um máximo de € 140,00 (cfr. Portaria 342/2019, de 1 de outubro). O prazo legal para proceder ao pagamento das custas é o mencionado na presente decisão, isto é, três dias úteis, pelo que, o prazo que vai indicado no Documento Único de Cobrança (DUC) é um prazo de validade desse documento, que permite o pagamento das custas fora do prazo legal. Assim, o facto de o pagamento ser efetuado com atraso não isenta o responsável do pagamento da sobretaxa, nos termos aplicáveis. Transitada em julgado a presente decisão sem que se mostre efetuado o pagamento das custas, emita-se a respetiva certidão para efeitos de execução por falta de pagamento de custas, e remeta-se aos Serviços da Autoridade Tributária, pelo valor das custas em dívida, acrescidas da respetiva sobretaxa, com o limite máximo previsto no art.º 3.º da citada Portaria.

Registe e notifique e após trânsito em julgado, arquive.

Funchal, 10 de outubro de 2024.
A Juíza de Paz
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Celina Alveno