Sentença de Julgado de Paz | |
Processo: | 151/2023 – JPVFR |
Relator: | MARTA M. G. MESQUITA GUIMARÃES |
Descritores: | DIREIRO DO CONSUMIDOR - OBJETO DEFEITUOSO |
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Data da sentença: | 02/14/2024 |
Julgado de Paz de : | SANTA MARIA DA FEIRA |
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Decisão Texto Integral: | SENTENÇA Proc. n.º 151/2023 – JPVFR IDENTIFICAÇÃO DAS PARTES Demandantes: [PES-1], NIF [NIF-1], e [PES-2], NIF [NIF-2], ambos residentes na [...] II, n.º 51, 4.º Esq.º Frente, [Cód. Postal-1] [...], [...] Demandada: [ORG-1], S.A., NIPC [NIPC-1], com sede em [...], E.N. 9, Km 6,8, [Cód. Postal-2] [...] * OBJECTO DO LITÍGIO Os Demandantes intentaram contra a Demandada a presente acção enquadrável nas alíneas h) e i) do n.º 1 do artigo 9.º da Lei n.º 78/2001 de 13 de julho, formulando o seguinte pedido – que se passa a transcrever: “Termos em que, e nos mais de Direito, deve a presente ação ser julgada procedente, por provada e, em consequência: - Declarada válida a resolução do contrato de compra e venda celebrado entre os Demandantes e a Demandada com as devidas consequências legais; - A Demandada condenada a restituir o montante liquidado pelos Demandantes na quantia de € 469,00; - A Demandada condenada no pagamento de € 200,00 a título de indemnização pelos danos causados em violação do interesse contratual negativo ou de confiança.” Alegaram, em suma, que, em 05.02.2022, nas instalações da Demandada, sitas em [...], adquiriram um sommier pelo preço de € 469,00; foi acordado que a instalação ficaria a cargo da Demandada; o bem apresentava anomalias, em concreto, apresentava-se todo torcido e côncavo, não permitindo a sua utilização; os Demandantes denunciaram esta desconformidade; a Demandada procurou reparar o bem, pois o entendimento sugerido implicava que o bem não tinha sido corretamente montado; o bem não foi reparado, já que a madeira cedeu e o bem ficou ainda mais curvo; por e-mail, os Demandantes exigiram a substituição do bem, ao que a Demandada sugeriu um pedido de reparação de peças; por carta registada, os Demandantes exigiram a substituição do bem; pretendem a resolução do contrato, mediante o reembolso do valor pago, contra a entrega do bem; ficaram privados do uso do bem desde a compra, ocorrida em 05.02.2022, até à data de vencimento da obrigação de restituição do preço devida pela resolução contratual; a inação da Demandada desgastou-os – cfr. fls. 1 e seguintes. * A Demandada apresentou contestação, nos termos constantes de fls. 17 e seguintes, tendo impugnado parte da factualidade alegada pelos Demandantes, invocado que o alegado defeito foi denunciado em 10.04.2023 (portanto, um ano após a compra do bem), que o fabricante considerou que a anomalia do bem se deveu à sua manipulação, que nunca se negou a reparar o bem, tanto mais que a substituição, no caso, é possível, tendo sido os Demandantes a recusar a troca da base do sommier; caso, porventura, o pedido de declaração da resolução contratual fosse procedente, os Demandantes não poderiam ser ressarcidos da totalidade do valor pago, porque isso consubstanciaria um abuso de direito, na medida em que utilizariam o bem, mais de um ano, de forma gratuita. Pugnou, a final, pela sua condenação “a proceder à troca do forno” e pela sua absolvição do pedido de indemnização, por não provado e ilegal.Procedeu-se à realização da audiência de julgamento, com observância do legal formalismo, consoante resulta da respectiva acta (cfr. fls. 55 a 57). * O Julgado de Paz é competente em razão da matéria (cfr. artigo 9.º, n.º 1, alíneas h) e i), da Lei n.º 78/2001, de 13 de Julho), do território (cfr. artigo 12.º, n.º 1, da Lei n.º 78/2001 de 13 de Julho) e do valor (cfr. artigo 8.º da Lei n.º 78/2001, de 13 de Julho), que se fixa em € 669,00 (cfr. artigos 297.º e 306.º, n.º 2, do Código de Processo Civil, doravante CPC, ex vi artigo 63.º da Lei n.º 78/2001, de 13 de Julho ). As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias e são legítimas. * FACTOS PROVADOS COM RELEVÂNCIA PARA A DECISÃO DA CAUSAA. Em 05.02.2022, os Demandantes adquiriram, à Demandada, nas instalações desta, sitas na [...], n.º 56, [...], [...], um sommier, pelo preço de € 469,00. B. Foi, igualmente, acordado que a respectiva instalação/montagem ficavam a cargo da Demandada. C. O sommier foi entregue e instalado/montado em 25.03.2022. D. Em março de 2023, o Demandante apercebeu-se de que o sommier se encontrava côncavo, concretamente, de que as paredes laterais do sommier estavam côncavas. E. Atento o descrito no precedente facto, por e-mail de 06.04.2023, o Demandante informou, a Demandada, de que o sommier estava “a ficar todo côncavo/torcido”, pelo que solicitou indicação dos passos a seguir com vista à recolha do sommier e montagem de um novo igual. F. Nesse seguimento, em 11.04.2023, a Demandada enviou e-mail, ao Demandante, por via do qual informou que, no decorrer da próxima semana, seria contactado pela transportadora a fim de agendar dia e hora para a retificação da montagem do sommier. G. Em 14.04.2023, foi feita a remontagem do sommier. H. Por e-mail de 29.04.2023, o Demandante expôs, à Demandada, que fazia, naquela data, 8 dias que tinha sido revista a montagem do sommier e que, segundo a equipa que fez a revisão, o sommier tinha ficado mal montado da primeira vez, daí estar a ficar curvo nas laterais; mais referiu que, no decurso da semana, reparou que o sommier estava a voltar a ficar curvo, pelo que retirou tudo o que lá tinha dentro e reparou que a madeira tinha cedido ao aperto, pelo que solicitou a resolução da situação. I. Em resposta, a Demandada informou que a equipa transportadora tinha informado que a incidência tinha ficado resolvida; mais referiu e que tinha feito pedido de novas laterais ao fabricante e que, assim que possível, entravam em contacto. J. Em 07.06.2023, o serviço pós-venda da Demandada enviou o seguinte e-mail ao fabricante: “Bom dia O sommier está bem montado, até enviamos 2 equipas ao domicílio do cliente para analise/avaliação. As laterais estão a ganhar curva Claro que os fundos saíram do sítio, a cama ficou “maior” mais larga O sommier não tem qualquer peça partida, nada saiu do sítio! Não se trata de mau uso visto que não tem peças danificadas ou partidas! Agradecemos envio das peças sem cargo para resolver incidência com cliente Melhores cumprimentos, [PES-3].”. K. Após novo contacto do Demandante, em 07.06.2023, a Demandada informou, no dia seguinte, que se encontrava a aguardar resposta do fabricante. L. A resposta dada pelo fabricante, à Demandada, foi de que a anomalia era proveniente de mau uso. M. Em 10.06.2023, a Demandada enviou e-mail ao Demandante por via do qual referiu que o reportado não era abrangido pela garantia, por não se tratar de um defeito de fabrico, na medida em que a anomalia em questão é proveniente do uso/manipulação; mais referiu que poderia efectuar pedido das peças junto do fabricante, sob orçamento. N. O Demandante não aceitou o pedido das peças junto do fabricante, sob orçamento. O. Por carta registada com aviso de recepção, expedida em 04.09.2023, e entregue em 05.09.2023, os Demandantes, por intermédio de mandatário, interpelaram a Demandada para que, no prazo de 10 dias, tomasse uma posição com vista à substituição do sommier. P. Por carta registada com aviso de recepção, expedida em 03.10.2023, e entregue em 04.10.2023, os Demandantes, por intermédio de mandatário, comunicaram, à Demandada, a resolução do contrato de compra e venda e solicitaram a liquidação do valor de € 576,00, no prazo de 10 dias, bem como o contacto com vista ao agendamento de dia e hora para o levantamento do sommier. Q. Atento o supra exposto, os Demandantes dormiram, no sommier, até final do mês de agosto de 2023, e deixaram de usar a parte de baixo do sommier, para arrumação, desde 29.04.2023. * FACTOS NÃO PROVADOS COM RELEVÂNCIA PARA A DECISÃO DA CAUSA 1. A anomalia no sommier deve-se a uma manipulação do mesmo. 2. Atento o descrito em D, os Demandantes ficaram privados do uso do sommier desde a data da compra. * FUNDAMENTAÇÃO FÁCTICA Nos termos do disposto no artigo 60.º, n.º 1, alínea c), da Lei n.º 78/2001, de 13 de julho, as sentenças proferidas pelos Julgados de Paz devem conter “uma sucinta fundamentação”. Isto posto, cumpre referir que ao pronunciar-se pela forma acabada de enunciar quanto à matéria de facto em causa nos autos, o Tribunal firmou a sua convicção na análise crítica e conjugada que dos meios de prova fez. Assim, os factos A e B resultaram provados por admissão. O facto C por via do documento de fls. 3 verso (guia de remessa). Os factos D e Q por via das declarações de parte prestadas pelo Demandante, as quais, não obstante a inerente parcialidade, consideramos credíveis porque prestadas de forma espontânea e natural – cfr., ainda, quanto ao facto Q, acta de fls. 55 a 57. O facto E por via do documento de fls. 7 (e-mail), conjugado com as referidas declarações de parte do Demandante. O facto F por via do documento de fls. 7 (e-mail), conjugado com o documento de fls. 37 (no qual é referido: “Fazer retificação da montagem do sommier o mesmo está a abrir/Se necessário fazer relatório com fotografias/REF PPVT1065907 EQ LL”). O facto G por via do documento de fls. 36 verso (guia de remessa). O facto H por via do documento de fls. 6 verso (e-mail), conjugado com as declarações de parte prestadas pelo Demandante. O facto I por via do documento de fls. 6 (e-mail), conjugado com o documento de fls. 36 verso (guia de remessa, na qual é referido “OK RESOLVIDO”). O facto J por via do documento de fls. 46 verso (e-mail). O facto K por via do documento de fls. 5 verso (e-mail). O facto L por via do documento de fls. 47 (e-mail). O facto M por via do documento de fls. 53 verso (e-mail). O facto N por via dos documentos de fls. 4 e 5 (e-mails entretanto trocados entre as partes). Os factos O e P por via dos documentos de fls. 8/9 e 10, respetivamente (cartas e avisos de recepção). Os factos não provados resultaram de ausência e/ou insuficiência de prova no sentido da sua demonstração. Com efeito, e quanto ao facto 1, não provou, a Demandada, tal factualidade: é certo que, consta, dos autos, uma comunicação, do fabricante, a referir que a anomalia é devida a mau uso (cfr. fls. 47), porém, nenhuma explicação é dada para o efeito, limitando-se o fabricante a referir que o sommier foi forçado em algum momento. Acresce que, o representante voluntário da Demandada, que prestou declarações em audiência de julgamento, também não soube esclarecer porque, supostamente, havia “mau uso”, tendo referido que o fabricante havia dito que, como havia peças partidas, era mau uso… Referiu, ainda, que as tábuas absorvem “humidades”, dando a entender que seriam estas as causadoras da quebra das peças… Ora, não obstante o Demandante ter enviado, em momento prévio à propositura da presente acção, para a Demandada, fotografias do sommier, fazendo expressa referência à quebra da madeira (cfr. e-mails constantes de fls. 6), em momento algum, na contestação, se faz menção a humidades – para além de que, em documento algum junto ao processo, designadamente, da autoria da Demandada ou do fabricante, é referido que a anomalia do sommier tenha sido causada por “humidades” –, pelo que, nenhuma relevância poderá ter, no caso, tal invocação. No que se reporta ao facto 2, atento o facto provado Q, a factualidade em causa só poderia resultar não provada. * DIREITOOs presentes autos têm subjacente um contrato de compra e venda de um bem móvel (cfr. artigo 874.º do CC), com a particularidade de a instalação do bem ter, ainda, ficado a cargo do vendedor (a Demandada). Nos termos do disposto no artigo 874.º do CC, compra e venda é o contrato pelo qual se transmite a propriedade de uma coisa, ou outro direito, mediante um preço. Dispõe, ainda, o artigo 879.º do CC que a compra e venda tem como efeitos essenciais: a) a transmissão da propriedade da coisa ou da titularidade do direito; b) a obrigação de entregar a coisa e c) a obrigação de pagar o preço. No caso, uma das partes (a Demandada) obrigou-se a fornecer o bem e, ainda, a proceder à sua instalação, enquanto a outra parte (os Demandantes) se vincularam a proceder ao pagamento do preço. Acresce que, o contrato em apreço nos autos insere-se numa relação de consumo, pois foi celebrado entre um profissional (a Demandada) e um consumidor (os Demandantes), sendo, assim, regulada pelo Decreto-Lei n.º 84/2021, de 18 de Outubro (que preceitua os direitos do consumidor na compra e venda de bens, conteúdos e serviços digitais, transpondo as Diretivas (UE) 2019/771 e (UE) 2019/770), bem como pela Lei n.º 24/96, de 31 de Julho (Lei de Defesa do Consumidor) – cfr. artigo 3.º, n.º 1, alíneas a) e b), do citado Decreto-Lei. Atenta a decisão da matéria de facto exposta, constata-se que o sommier vendido, em 05.02.2022, pela Demandada, aos Demandantes, e por aquela instalado, em 25.03.2022, foi indevidamente instalado, o que foi, até, expressamente, reconhecido, logo em 11.04.2023, pela Demandada, atento o descrito no facto provado F: com efeito, assim que a Demandada recebeu a comunicação do Demandante a expor a anomalia que verificou no sommier, a Demandada logo lhe respondeu referindo que o Demandante seria contactado com vista a proceder-se à retificação da montagem do sommier – veja-se, ainda, o e-mail que o serviço de pós-venda da Demandada enviou, em 07.06.2023, ao fabricante, aludido no facto provado J. Mais se provou que, mesmo após a remontagem do sommier, ocorrida em 14.04.2023, a anomalia – traduzida na concavidade das paredes laterais do sommier – continuou a verificar-se, do que o Demandante deu, novamente, conhecimento à Demandada – cfr. factos provados G e H. De acordo com o disposto no artigo 5.º do citado Decreto-Lei n.º 84/2021, o profissional deve entregar ao consumidor bens que cumpram os requisitos constantes dos artigos 6.º a 9.º. São conformes com o contrato de compra e venda os bens que: a) Correspondem à descrição, ao tipo, à quantidade e à qualidade e detêm a funcionalidade, a compatibilidade, a interoperabilidade e as demais características previstas no contrato de compra e venda; b) São adequados a qualquer finalidade específica a que o consumidor os destine, de acordo com o previamente acordado entre as partes; c) São entregues juntamente com todos os acessórios e instruções, inclusivamente de instalação, tal como estipulado no contrato de compra e venda; e d) São fornecidos com todas as atualizações, tal como estipulado no contrato de compra e venda (cfr. artigo 6.º do citado Decreto-Lei n.º 84/2021). Para além destes requisitos, os bens devem: a) Ser adequados ao uso a que os bens da mesma natureza se destinam; b) Corresponder à descrição e possuir as qualidades da amostra ou modelo que o profissional tenha apresentado ao consumidor antes da celebração do contrato, sempre que aplicável; c) Ser entregues juntamente com os acessórios, incluindo a embalagem, instruções de instalação ou outras instruções que o consumidor possa razoavelmente esperar receber, sempre que aplicável; e d) Corresponder à quantidade e possuir as qualidades e outras características, inclusive no que respeita à durabilidade, funcionalidade, compatibilidade e segurança, habituais e expectáveis nos bens do mesmo tipo considerando, designadamente, a sua natureza e qualquer declaração pública feita pelo profissional, ou em nome deste, ou por outras pessoas em fases anteriores da cadeia de negócio, incluindo o produtor, nomeadamente na publicidade ou na rotulagem (cfr. artigo 7.º do referido Decreto-Lei n.º 84/2021). Considera-se existir falta de conformidade dos bens sempre que a mesma resulte de instalação incorreta, desde que, a instalação seja assegurada pelo profissional ou efectuada sob a sua responsabilidade (cfr. artigo 9.º, alínea a), do referido diploma). O profissional é responsável por qualquer falta de conformidade do bem que se manifeste no prazo de três anos a contar da entrega do bem, sendo que a comunicação da falta de conformidade pelo consumidor deve ser efectuada, designadamente, por carta, correio eletrónico, ou por qualquer outro meio susceptível de prova, nos termos gerais (cfr. artigo 12.º, nºs 1 e 5, do diploma legal que temos vindo a citar). A falta de conformidade que se manifeste num prazo de dois anos a contar da data de entrega do bem presume-se existente à data da entrega do bem, salvo quando tal for incompatível com a natureza dos bens ou com as características da falta de conformidade (cfr. artigo 13.º, n.º 1, do mesmo diploma). Em caso de falta de conformidade do bem, o consumidor tem direito: a) À reposição da conformidade, através da reparação ou da substituição do bem; b) À redução proporcional do preço; ou c) À resolução do contrato (cfr. artigo 15.º, n.º 1, do diploma). O consumidor pode escolher entre a reparação ou a substituição do bem, salvo se o meio escolhido para a reposição da conformidade for impossível ou, em comparação com o outro meio, impuser ao profissional, custos desproporcionados, tendo em conta todas as circunstâncias, incluindo: a) O valor que os bens teriam se não se verificasse a falta de conformidade; b) A relevância da falta de conformidade; e c) A possibilidade de recurso ao meio de reposição da conformidade alternativo sem inconvenientes significativos para o consumidor (cfr. artigo 15.º, n.º 2). O consumidor pode escolher entre a redução proporcional do preço e a resolução do contrato caso, designadamente, a falta de conformidade tenha reaparecido apesar da tentativa do profissional de repor os bens em conformidade (cfr. artigo 15.º, n.º 4, alínea b), do diploma). O direito de resolução é exercido através de declaração ao profissional na qual o consumidor informa da sua decisão de pôr termo ao contrato de compra e venda; esta declaração pode ser efectuada, designadamente, por carta, correio eletrónico, ou por qualquer outro meio susceptível de prova, nos termos gerais (cfr. artigo 20.º, nºs 1 e 2). O exercício do direito de resolução do contrato determina: a) A obrigação de o consumidor devolver os bens ao profissional, a expensas deste; b) A obrigação de o profissional reembolsar o consumidor do preço pago pelos bens após a sua recepção ou de prova do seu envio, apresentada pelo consumidor (cfr. artigo 20.º, n.º 4). O profissional deve efectuar o reembolso dos pagamentos através do mesmo meio de pagamento que tiver sido utilizado pelo consumidor na transação inicial, salvo havendo acordo expresso em contrário e desde que o consumidor não incorra em quaisquer custos como consequência do reembolso; no prazo de 14 dias a contar da data em que for informado da decisão de resolução do contrato, o profissional deve reembolsar o consumidor de todos os pagamentos recebidos, incluindo os custos de entrega do bem; sem prejuízo, e salvo situações em que incumba ao profissional a recolha do bem, o profissional pode proceder à retenção do reembolso enquanto os bens não forem devolvidos ou o consumidor faça prova do seu envio; o profissional deve proceder à remoção dos bens sempre que a resolução do contrato de compra e venda assim o exija, a título gratuito (cfr. artigo 20.º, nºs 5 a 8). Dispõe, ainda, o artigo 52.º, n.º 4, do diploma em causa que os direitos previstos nesse mesmo decreto-lei não prejudicam o direito do consumidor a ser indemnizado nos termos gerais. Já de acordo com o disposto no artigo 3.º, alínea a), da Lei de Defesa do Consumidor, o consumidor tem direito à qualidade dos bens e serviços, concretizando o artigo 4.º desse mesmo diploma legal que os bens e serviços destinados ao consumo devem ser aptos a satisfazer os fins a que se destinam e a produzir os efeitos que se lhes atribuem, segundo as normas legalmente estabelecidas, ou, na falta delas, de modo adequado às legítimas expectativas do consumidor. Por fim, o artigo 12.º, n.º 1, da Lei de Defesa do Consumidor preceitua – à semelhança do citado artigo 52.º, n.º 4, do Decreto-Lei n.º 84/2021 – que o consumidor tem direito à indemnização dos danos patrimoniais e não patrimoniais resultantes do fornecimento de bens ou prestações de serviços defeituosos. Debruçando-nos sobre o caso sub judicio, resultou provado que o bem vendido e instalado pela Demandada apresentava anomalia, conforme facto provado D, a qual se deveu à sua incorreta instalação, pelo que tal desconformidade considera-se existente (cfr. artigos 6.º, alínea a) e, maxime, 7.º, alínea d), ambas a contrario, bem como artigo 9.º, alínea a), todos do Decreto-Lei n.º 84/2021). A desconformidade manifestou-se num prazo de dois anos a contar da data de entrega do bem, pelo que se presume existente à data da entrega do bem, sendo certo não provou, a Demandada, que a desconformidade era incompatível com a natureza dos bens ou com as características da falta de conformidade (cfr. artigo 13.º, n.º 1) – note-se que a Demandada reconheceu, expressamente, a falta de conformidade, conforme exposto, pois desde logo se prontificou a proceder à remontagem do bem –, pelo que a Demandada não ilidiu a presunção de desconformidade constante do disposto no citado artigo 13.º, n.º 1, parte final. Assim, a Demandada é responsável por essa falta de conformidade, sendo, ainda, certo que o Demandante comunicou essa falta de conformidade por correio eletrónico (cfr. artigo 12.º, nºs 1 e 5). Os Demandantes têm direito, designadamente, à reposição da conformidade, através da reparação ou da substituição do bem, ou à resolução do contrato (cfr. artigo 15.º, n.º 1). No caso, e na medida em que a falta de conformidade reapareceu apesar da tentativa da Demandada de repor o bem em conformidade, os Demandantes podem escolher entre a redução proporcional do preço e a resolução do contrato (cfr. artigo 15.º, n.º 4, alínea b)). Os Demandantes exerceram, válida e eficazmente, o direito de resolução, pois fizeram-no com fundamento legal, conforme exposto, por um dos meios legalmente previstos (carta registada) – tendo-o feito após terem, de forma reiterada, possibilitado à Demandada a reposição da conformidade por meio da substituição do bem (cfr. factos provados E, H, O e P) –, pelo que têm direito ao reembolso do valor que pagaram, à Demandada, pelo bem, o qual corresponde ao valor de € 469,00. Não cremos que exista, no caso – contrariamente ao alegado pela Demandada – abuso de direito por parte dos Demandantes (cfr. artigo 334.º do CC): atente-se que, no diploma que temos vindo a citar (Decreto-Lei n.º 84/2021, de 18 de Outubro), é feita expressa referência à figura do abuso de direito no que se reporta aos direitos do consumidor no âmbito da compra e venda de bens imóveis, ao preceituar que, em caso de falta de conformidade do bem imóvel, o consumidor tem direito a que esta seja reposta, a título gratuito, por meio de reparação ou de substituição, à redução proporcional do preço ou à resolução do contrato, e que o consumidor pode exercer qualquer desses direitos, salvo se tal se manifestar impossível ou constituir abuso de direito, nos termos gerais (cfr. artigo 24.º, nºs 1 e 2). Ora, o legislador não estabeleceu a figura do abuso de direito no que se reporta à compra e venda de bens móveis, precisamente porque, quanto a esta – e contrariamente à compra e venda de bens imóveis – o legislador criou uma hierarquia no que se reporta ao exercício dos direitos por parte do consumidor, afastando, assim, neste concreto âmbito (compra e venda de bens móveis), a figura do abuso de direito. E, no caso, essa hierarquia foi, conforme exposto, (amplamente) respeitada pelos Demandantes, pelo que estes, ao terem exercido o direito de resolução contratual, não atuaram em abuso de direito. Quanto ao pedido de condenação da Demandada no pagamento do valor de € 200,00, a título de indemnização: Os pressupostos da responsabilidade civil contratual, geradora da obrigação de indemnização, são: o facto (danoso) objectivo do não cumprimento (a falta de cumprimento/incumprimento definitivo, o cumprimento defeituoso ou a mora), a ilicitude (desconformidade entre a conduta devida e o comportamento observado), o prejuízo sofrido pelo credor/lesado e o nexo de causalidade entre aquele facto e o prejuízo – cfr. artigos 406.º, n.º 1, 762.º, n.º 1, 798.º e 799.º, todos do CC. Quanto ao prejuízo, os Demandantes alegaram que estiveram privados do uso do bem desde a compra e que ficaram desgastados com a inação da Demandada. No que se reporta à privação do uso, o que resultou provado foi que, atenta a anomalia em causa e a não reposição da conformidade por parte da Demandada, os Demandantes dormiram, no sommier, até final do mês de Agosto de 2023, e deixaram de usar a parte de baixo do sommier, para arrumação, desde 29.04.2023. Resultou, assim, provada a privação do uso do bem, no aludido período, embora não tenha resultado provada a expressão monetária de qual prejuízo. Há, aqui, que recorrer a juízos de equidade (cfr. artigo 566.º, n.º 3, devidamente adaptado, do CC). No que ao alegado desgaste se reporta, há que referir que, só são indemnizáveis os danos não patrimoniais que, pela sua gravidade, mereçam a tutela do direito (cfr. artigo 496.º, n.º 1, do CC), pelo que o alegado desgaste – que, atentos os concretos contornos do caso, não olvidamos que tenha ocorrido – não é susceptível de ser compensado, à luz da nossa lei. Quanto à privação do uso do sommier que resultou provada, considera-se razoável fixar, ao abrigo do disposto no citado artigo 566.º, n.º 3, devidamente adaptado, do CC, o valor de € 100,00 pelo dano daí adveniente, pelo que se condena a Demandada a pagar, aos Demandantes, esta mesma quantia. * DECISÃOPelo exposto e nos termos referidos supra, julgo a presente acção parcialmente procedente e, em consequência: a) Declaro válida a resolução do contrato de compra e venda celebrado entre Demandantes e Demandada; b) Condeno a Demandada a restituir, aos Demandantes, o valor, por estes pago, de € 469,00 (quatrocentos e sessenta e nove euros); c) Condeno a Demandada a pagar, aos Demandantes, o valor de € 100,00 (cem euros), a título de indemnização, e, d) Absolvo a Demandada do demais contra ela peticionado. Custas a cargo dos Demandantes e da Demandada, na proporção de 15% e de 85%, respetivamente. Registe e envie cópia da presente sentença aos faltosos. Santa Maria da Feira, 14 de fevereiro de 2024 A Juíza de Paz, (Marta M. G. Mesquita Guimarães) Processado por computador (Artigo 18.º da Lei n.º 78/2001, de 13 de julho). Revisto pela signatária. Julgado de Paz de Santa Maria da Feira DEPÓSITO NA SECRETARIA: Recebido por: ______________, em ___/___/2024 |