Sentença de Julgado de Paz
Processo: 274/2022-JPPLM
Relator: CARLOS FERREIRA
Descritores: PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS
Data da sentença: 05/12/2024
Julgado de Paz de : PALMELA
Decisão Texto Integral: Processo n.º 274/2022-JPP
Sentença

Parte Demandante:
[ORG-1], Lda., sociedade comercial com o número único de matrícula e pessoa coletiva [NIPC-1], com sede na [...], n.º 101, 4.º direito, [Cód. Postal-1] [...], legalmente representada por [PES-1], contribuinte fiscal n.º [NIF-1], residente na [...], n.º 101, 1.º B, [Cód. Postal-2] [...]. ----
Mandatário: Dr. [PES-2], Advogado, com domicílio profissional na [...], n.º 117, 5.º andar, [Cód. Postal-3] [...]. ---
Parte Demandada:
[PES-3], contribuinte fiscal n.º 117910809, residente no [...], n.º 30-20, [Cód. Postal-4] [...]. ----
Mandatária: Dra. [PES-4], Advogada, com domicílio profissional na [...] 49, 1.º andar, [Cód. Postal-5] [...]. ---
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Matéria: Ações que respeitem a incumprimento contratual, exceto contrato de trabalho e arrendamento rural, al. i), do n.º 1, do art.º 9.º, da Lei n.º 78/2001, de 13 de julho, alterada pela Lei n.º 54/2013, de 31 de julho, doravante designada por Lei dos Julgados de Paz. ---
Objeto do litígio: Prestação de serviços. ---
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Relatório: ---
A Demandante instaurou a presente ação, nos termos do requerimento inicial constante de fls. 3 a 5, que aqui se declara integralmente reproduzido, peticionando a condenação do Demandado a pagar-lhe a quantia global de €4.329,00 (quatro mil trezentos e vinte e nove euros). ---
Para tanto, alegou em síntese que, no âmbito da sua atividade a Demandante celebrou com o Demandado dois contratos para a realização de tratamentos capilares. ---
A Demandante disponibilizou os meios necessários para a sua prestação, mas o Demandado desistiu dos tratamentos e não cumpriu a obrigação de pagar integralmente o preço estipulado.
Os contratos contêm a confissão da dívida e prevêem uma cláusula penal, contra a falta de pagamento do preço. ---
Concluiu pela procedência da ação, juntou documentos e procuração forense. ----
Regularmente citado, o Demandado apresentou contestação de fls. 20 a 24, que aqui se declara integralmente reproduzida. ---
Por impugnação, o Demandado alegou, em síntese que, o preço devia ser pago de forma avulsa, por cada tratamento, e cada vez que efetuou tratamentos pagou o respetivo preço. ---
Após ter efetuado o 11º tratamento, e não se encontrando satisfeito com os resultados obtidos, o Demandado informou a Demandante que não efetuaria mais tratamentos. ---
Os tratamentos não são aptos a fazer crescer e fortalecer o cabelo, conforme pretendido. ---
Mais, alegou que a Demandante litiga de má-fé, considerando que a ação foi instaurada sem cabimento nem razão, com deturpação consciente da verdade dos factos, devendo ser condenada em multa e indemnização, de montante não inferior a €1.000,00 (mil euros). ---
Concluiu pela improcedência da ação, juntou procuração forense e documentos. ---
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Foi realizada sessão de Mediação, na qual as partes não lograram chegar a acordo. ---
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Aberta a audiência e estando todos presentes, foram ouvidas as partes nos termos do disposto no art.º 57.º, da Lei n.º 78/2001, de 13/07, com a redação que lhe foi dada pela Lei n.º 54/2013, de 31/07 (Lei n.º 78/2001, de 13 de julho, com as alterações introduzidas pela Lei n.º 54/2013, de 31 de julho, doravante designada abreviadamente por Lei dos Julgados de Paz ou LJP). ----
Foi feito o esforço necessário e na medida em que se mostrou adequado, para explorar todas as possibilidades de acordo, nos termos do disposto no art.º 2.º, e n.º 1, do art.º 26.º, ambos da Lei dos Julgados de Paz, o que não logrou conseguir-se. ----
Frustrada a tentativa de conciliação, prosseguiu a realização da audiência de julgamento com a observância das normas de processo, como resulta documentado na respetiva ata. ----
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O objetivo de justiça próxima e pacificadora, que caracteriza o processo em Julgado de Paz já poderia ter sido apropriadamente alcançado nos presentes autos em sede de Mediação, ou por via de conciliação. ---
Os presentes autos são apenas mais um exemplo de como as relações sociais ainda estão condicionadas por um acentuado espírito de litigância, que determina à rejeição da resolução amigável e construtiva dos conflitos. ---
Certamente que, uma solução obtida por acordo traria os ganhos resultantes de uma utilidade imediata e tangível para as partes, e poderia ser capaz de lhes transmitir maior grau de satisfação das suas necessidades concretas e amplitude de reconhecimento, do que eventualmente resultará de uma decisão impositiva, limitada por estritos critérios de prova produzida e da legalidade aplicável. ---
No entanto, não foi esse o caminho que as partes entenderam seguir, devendo ser respeitada a sua decisão de não haver acordo, e desse modo, terem optado por fazer depender a resolução do litígio da decisão a tomar na sentença que agora se declara. ---
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As questões a decidir pelo tribunal são as seguintes: ---
- Se o Demandado adquiriu dois planos de tratamentos, a prestar pela Demandante no âmbito da sua atividade comercial. ---
- Se o Demandado incumpriu a obrigação de pagar o preço do referido serviço; e na positiva, se é exigível que pague à Demandante o valor em falta acrescido dos valores peticionados a título de cláusula penal. ---
- A responsabilidade pelas custas da ação. ---
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Nos termos do art.º 60.º, n.º 1, al. c), da Lei n.º 78/2001, de 13/07, alterada pela Lei n.º 54/2013, de 31/07 (Lei dos Julgados de Paz), a sentença inclui uma sucinta fundamentação. ---
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Fundamentação – Matéria de Facto: ---
Incumbe ao Demandante o ónus de provar os factos que constituem o direito invocado na presente ação (cf., n.º 1, do art.º 342.º, do Código Civil). ---
Por outro lado, cabe ao Demandado fazer prova dos factos impeditivos, modificativos ou extintivos do direito invocado pelo Demandante (cf., nº2, do artigo 342º, do Código Civil). ---
Com interesse para a resolução da causa, tendo em conta as várias soluções jurídicas plausíveis, ficou provado que: ---
1. A demandante dedica-se, entre outras atividades, à prestação de serviços médicos e de saúde, cf. fls. 6 a 9; ---
2. No desenvolvimento da sua atividade, em 24-05-2020 e 04-08-2020, respetivamente, a Demandante celebrou com o Demandado dois contratos de prestação de serviços respeitantes a tratamentos capilares, fls. 66 e 67 ---
3. O preço global dos serviços ascendeu ao montante de €2.988,00 (dois mil novecentos e oitenta e oito euros), idem. ---
4. Em 24-04-2020, o Demandado assinou um escrito com confissão de dívida a favor da Demandante, no montante de €1.188,00 (mil cento e oitenta e oito euros), fls. 66; ---
5. No documento referido no número anterior o Demandado comprometeu-se a liquidar o referido montante em 24 prestações mensais, de €99,00 (noventa e nove euros) cada, com início em 24-05-2020 e termo em 24-04-2022, sendo o vencimento ao dia 24 de cada mês, idem; ---
6. Em 04-08-2020, o Demandado assinou um escrito com confissão de dívida a favor da Demandante, no montante de €1.800,00 (mil e oitocentos euros), fls. 67; ---
7. No documento referido no número anterior o Demandado comprometeu-se a liquidar o referido montante em 12 prestações mensais, de €150,00 (cento e cinquenta euros) cada, tendo vencido a primeira em 04-08-2020, as seguintes ao dia 8, de cada mês, até 08-07-2021, idem; -
8. As partes acordaram também que a falta de pagamento de uma prestação implicava o imediato vencimento das restantes, fls. 66 e 67. ---
9. O documento datado de 24-05-2020, inclui uma “cláusula terceira”, com a seguinte redação, “A falta de pagamento de qualquer das prestações importa o vencimento imediato das restantes, pelo que o não cumprimento do presente acordo, de forma pontual e tempestiva, implica o pagamento da cláusula penal fixada em montante igual ao da dívida.”, fls. 66; ---
10. O documento datado de 04-08-2020, inclui uma “cláusula terceira”, cujo n.º 1, tem a seguinte redação, “O não pagamento oportuno de uma das prestações, implica o vencimento das restantes e obriga o pagamento da totalidade, acrescido de €1.800,00, a título de cláusula penal, e imediata execução do contrato, independentemente de notificação judicial ou extrajudicial.”, fls. 67. ---
11. Relativamente ao contrato de 24-04-2020, o Demandado liquidou 3 prestações, de €99,00 cada, respetivamente em 24-05-2020; 21-06-2021; e 18-08-2021, no valor global de €297,00, fls. 72 a 74; ---
12. Relativamente ao contrato de 04-08-2020, o Demandado liquidou a quantia global de €1.350,00, nos seguintes termos:
a. 12-01-2021, €150, fls. 69; ---
b. 29-04-2020, €150, fls. 70; ---
c. 13-05-2021, €300, fls. 71; ---
d. 18-08-2020, €150, fls. 75; ---
e. 21-10-2020, €150, fls. 76; ---
f. 21-10-2020, €150, fls. 77; ---
g. 23-11-2020, €150, fls. 78; ---
h. 22-12-2020, €150, fls. 79; ---
13. Em data não concretamente apurada, mas que se sabe ter sido em finais do mês de agosto de 2021, em resposta ao contacto efetuado pelos serviços da Demandante, o Demandado informou que não iria prosseguir com os tratamentos, e não iria proceder a mais pagamentos; --
14. Após o referido telefonema, o Demandado não efetuou mais tratamentos; ---
15. Após o referido telefonema, o Demandado não efetuou o pagamento nas respetivas datas de vencimento, nem posteriormente, das restantes prestações mensais; ---
16. O valor das prestações não pagas ascende ao montante de €1.341,00 (mil trezentos e quarenta e um euros); ---
17. As prestações que o Demandado liquidou foram pagas após ter efetuado sessões de tratamento. ----
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Factos não provados: ---
Não se provaram quaisquer outros factos alegados pelas partes com interesse para a decisão da causa, nomeadamente, que: ---
i. Por cada tratamento a Demandante cobrava a quantia de €150,00; ---
ii. O Demandado pagou €1.650,00; ---
iii. Quando assinou o documento, o Demandado ficou sempre convencido que se tratava de um, documento com a indicação dos tratamentos e o preço por cada tratamento; ---
iv. O Demandado nunca foi esclarecido que deveria pagar, no respetivo prazo, as prestações respeitantes à totalidade do preço, mesmo que não fizesse os tratamentos; ---
v. Os tratamentos realizados pela Demandante não são aptos à obtenção dos resultados pretendido. ---
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Motivação da Matéria de Facto: ---
Os factos provados resultaram da conjugação da audição de partes, dos documentos constantes dos autos e do depoimento testemunhal prestado em sede de audiência de julgamento, tendo os vários elementos de prova sido apreciados de forma a compatibilizar toda a matéria de facto adquirida, tendo em conta os dados da experiência de senso comum e as características próprias a relação controvertida vivenciada pelas partes. ---
Apesar de, na sua douta contestação, o Demandado ter impugnado “um documento identificado como confissão de dívida” (sic), o mesmo veio a reconhecer em sede de audiência de julgamento a sua assinatura nos documentos juntos de fls. 66 a 68 (conforme consta em ata). ---
Pelo que, sem prejuízo daquilo que caiba decidir em sede de fundamentação de direito, os referidos documentos fazem prova plena que o mesmo declarou ficar a dever à Demandante, o montante global de €2.988,00 (dois mil novecentos e oitenta e oito euros), nos termos das disposições conjugadas dos artigos 358.º, nºs 1 e 2; e 376.º, n.º 1, ambos do Código Civil.---
O facto provado em 16, resulta do teor do requerimento inicial, em conjugação com as “confissões de dívida” e das faturas-recibo juntas a fls. 69 a 79, que foram aceites pelo Demandado. ---
A testemunha [PES-5], que declarou ser funcionária da Demandante não demonstrou razão de ciência relativamente aos montantes em causa nos autos. ---
O seu depoimento apenas foi tido em conta para contextualizar a documentação junta aos autos e relativamente à forma de funcionamento dos serviços da Demandante. No restante, a testemunha limitou-se a aderir à versão dos factos alegados pela Demandante. ---
A testemunha [PES-6] declarou ser casada com o Demandado, e limitou-se a aderir à versão dos factos alegados pelo mesmo. No geral, a testemunha produziu respostas de forma conclusiva. ---
Pelo que, o seu depoimento foi considerado como sendo de parte interessada e não isento, e apenas foi considerado para prova da matéria vertida nos números 13; 14 e 15, dado que, em relação à restante matéria também não demonstrou razão de ciência. ---
Consigna-se que, para apuramento da matéria de facto não foi considerado o teor dos articulados, da audição das partes ou das testemunhas com matéria tida por irrelevante, conclusiva ou de direito. –
Os factos não provados resultam da ausência de elementos que permitam formar convicção positiva sobre os mesmos. ---
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Fundamentação – Matéria de Direito: ---
A causa de pedir na presente ação respeita ao alegado incumprimento da obrigação de pagamento do preço integral e atempado, conforme estipulado em contrato de prestação de serviços. ---
Sendo assim, a causa é enquadrável na al. i), do n.º 1, do art.º 9.º, da Lei n.º 78/2001, de 13/07, com a redação que lhe foi dada pela Lei n.º 54/2013, de 31/07 (Lei dos Julgados de Paz). ---
Dos pedidos deduzidos pela Demandante extrai-se, entre outras, a pretensão de obter a condenação do Demandado ao pagamento da quantia global de €4.329,00 (quatro mil trezentos e vinte e nove euros). ----
Vejamos se lhe assiste razão perspetivando a resposta com o recurso às questões acima enunciadas: ---
Dos factos provados resulta que entre Demandante e Demandado foram celebrados dois contratos de prestação de serviços. ---
A lei define a prestação de serviços no 1154º, do Código Civil, como o contrato pelo qual “(…) uma das partes se obriga a proporcionar à outra, certo resultado do seu trabalho intelectual ou manual, com ou sem retribuição.” ---
A disciplina do contrato de prestação de serviços deve ser integrada com as normas do regime do mandato (cfr. artigo 1156.º do Código Civil). ---
Ao caso dos autos aplicam-se ainda as disposições da legislação de proteção e defesa do consumidor. ---
Isto porque, face aos factos provados, na presente ação estamos perante uma relação jurídica de consumo, nos termos dos artigos 2.º; 3.º, al. a); 4.º e 12.º, da Lei da Defesa do Consumidor, abreviadamente LDC (redação atualizada da Lei n.º 24/96, de 31 de junho) ---
A característica fundamental da relação jurídica de consumo reside na verificação de requisitos cumulativos, respeitantes à específica qualidade de cada uma das partes contratantes e do objeto do contrato. —
Assim, no contrato subjacente a uma relação de consumo o fornecedor, vendedor ou prestador de serviço é, necessariamente, um profissional, que atua no âmbito de uma atividade económica destinada à obtenção de benefícios e, ou, lucro; e que, por sua vez, o consumidor é uma pessoa particular, que atua no âmbito da satisfação de necessidades pessoais, adquirindo bens, serviços, ou direitos que são destinados ao uso não profissional. ---
Assim é no caso "sub judice", uma vez que a Demandada é uma sociedade comercial que atou no âmbito do desenvolvimento do seu objeto social e prossecução dos seus fins lucrativos, e em que o Demandante interveio como adquirente de serviços de tratamento capilar. ----
Ora, pelo conteúdo dos contratos em causa nos autos, a Demandante obrigou-se a prestar o resultado da sua atividade profissional ao Demandado, mediante o pagamento de uma retribuição. ---
A obrigação da Demandante traduziu-se na disponibilização dos meios necessários, designadamente, o espaço clínico, pessoal qualificado e administração de substâncias químicas, destinados à realização de sessões para tratamento capilar, conforme descrição dos respetivos planos de tratamento, aos quais o Demandado aderiu. ---
Por sua vez, o Demandado assumiu como principal obrigação, o pagamento integral e pontual da retribuição, ou seja, do preço estipulado para cada um dos planos de tratamento que adquiriu, nos termos da alínea b), do artigo 1167º, do Código Civil, aplicável por remissão do referido artigo 1156.º, ambos do mesmo Código. --
Resulta ainda da matéria provada que, ambas as partes acordaram que a falta de pagamento de uma prestação implicava o imediato vencimento das restantes. ---
Aliás, em ambos os contratos, ficou convencionada por escrito, respetivamente, uma cláusula penal. ---
A forma mista dos referidos contratos, ou seja, a convenção verbal complementada com a estipulação de determinadas cláusulas escritas é admissível nos termos dos princípios da liberdade de forma (cf. art.º 219.º, do Código Civil), e da autonomia da vontade (cf. art.º 405.º, do Código Civil). ---
Assim, salvo o devido respeito por opinião contrária, a nossa interpretação sobre o conteúdo da convenção estabelecida pelas partes (cf. art.º 236.º, do Código Civil), leva a considerar que a “confissão de dívida” traduz uma aceitação expressa do preço do serviço contratado pelo Demandado à Demandante. ---
Isto é, com a assinatura dos escritos intitulados “confissão de dívida e acordo de pagamento”, a Demandante pretendeu assegurar que, em alternativa ao pagamento integral e imediato do preço correspondente a cada um dos planos de serviços estabelecidos por consenso (geralmente designado por “pronto pagamento”, ou equivalente), o Demandado assumiu a obrigação de pagar o valor total do preço do serviço previsto em cada um dos planos (pacotes) contratados entre as partes, na modalidade de prestações que se encontra indicada, e que inclui o número de mensalidades, o respetivo valor unitário, datas de vencimento e consequências do incumprimento.----
Deste modo, consideramos que um declaratário normal na concreta posição do Demandado, não poderia deixar de ficar ciente que, ao assinar os referidos documentos, estaria a obrigar-se ao pagamento da totalidade do valor dos serviços contratados (ou seja, todas as prestações estabelecidas por escrito), independentemente da frequência, e mesmo em caso de desistência dos tratamentos (cf. art.º 11.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 446/85, de 25/10).--
Com efeito, ficou especificamente estipulado que as diversas prestações do preço venceriam autonomamente até final, vencendo-se todas as restantes de imediato, em caso de falta de pagamento de uma delas, conforme também resulta expressamente da lei, cf. art.º 781.º, do Código Civil. ---
Aliás, a obrigação de pagamento do preço é reforçada pela inserção da respetiva cláusula penal, em cada um dos referidos contratos. ---
Todavia, ficou provado que a partir de agosto de 2021, o Demandado não pagou nas datas dos respetivos vencimentos, nem posteriormente, as prestações dos planos de tratamento contratados. ---
Com efeito, o Demandado informou a Demandante que iria abandonar os tratamentos, e não efetuaria qualquer outro pagamento, o que configura uma situação de rompimento definitivo do contrato, e não de simples mora. ---
Deste modo, tendo em conta a factualidade provada, não há qualquer dúvida que o Demandado pretendeu extinguir unilateralmente o contrato que celebrou com a Demandante, o que regra geral, não é permitido pela lei (cf. art.º 405.º, n.º do Código Civil). ---
Ora, o Demandante cumula na presente ação o pagamento do remanescente do preço do serviço contratado e o pagamento da cláusula penal contra o incumprimento, cujo valor equivale ao preço do serviço. ---
Sobre as cláusulas penais estabelecidas, respetivamente, em cada um dos contratos: ---
Em regra, a cláusula penal corresponde a uma estipulação, pela qual, as partes determinam a indemnização exigível ao devedor em caso de incumprimento, como sanção contra a falta de cumprimento (cf., Antunes Varela “Das Obrigações em Geral”, 5ª edição, vol. II, pág.137). ---
Uma cláusula penal pode assumir várias funções, designadamente, i) fixar uma indemnização (função indemnizatória); e/ou, ii) compelir o devedor ao cumprimento (função compulsória). ---
Por outro lado, para além de sancionar o incumprimento definitivo da obrigação principal, a cláusula penal pode servir para sancionar a mora, ou o cumprimento defeituoso, quer da obrigação principal, quer de obrigações acessórias. ---
A maioria da doutrina e da jurisprudência entende que a fixação da indemnização, por via de uma cláusula penal, é feita a forfait, isto é, estabelece antecipadamente tudo o que deve ser incluído e considerado como prejuízo indemnizável. ---
Como resulta da matéria provada, a “cláusula terceira”, do contrato datado de 24-05-2020, estabeleceu uma cláusula penal com o seguinte teor, “A falta de pagamento de qualquer das prestações importa o vencimento imediato das restantes, pelo que o não cumprimento do presente acordo, de forma pontual e tempestiva, implica o pagamento da cláusula penal fixada em montante igual ao da dívida.” ---
Por sua vez, o documento datado de 04-08-2020, inclui uma “cláusula terceira”, cujo n.º 1, tem a seguinte redação: “O não pagamento oportuno de uma das prestações, implica o vencimento das restantes e obriga o pagamento da totalidade, acrescido de €1.800,00, a título de cláusula penal, e imediata execução do contrato, independentemente de notificação judicial ou extrajudicial.”
O Demandante peticionou a quantia de €2.988,00 (dois mil novecentos e oitenta e oito euros), a título de cláusula penal. ---
Recorde-se que o valor inicial e conjunto dos dois planos de tratamento subscritos pelo Demandado equivaliam, precisamente, ao montante global de €2.988,00 (dois mil novecentos e oitenta e oito euros). ---
Para além da cláusula penal, o Demandante peticionou a condenação do Demandado no valor do prejuízo decorrente do incumprimento do contrato pelo Demandado (equivalente ao remanescente do preço em falta). ---
Deste modo, verifica-se que o Demandante peticionou cumulativamente na presente ação, o pagamento do valor do preço em falta para cumprimento da prestação contratual a cargo do Demandado em ambos os contratos, e o pagamento da cláusula penal, o que, equivale a exigir o valor final (tendo em conta os valores já pagos pelo Demandado), correspondente ao dobro do preço convencionado para aquisição dos serviços.---
Pese embora a referência expressa no contrato de 24-05-2020, ao “não cumprimento pontual e tempestivo” (sic), entendemos que, no caso dos autos, ambas as cláusulas penais foram convencionadas para sancionar o incumprimento definitivo da obrigação do pagamento do preço estipulado, respetivamente, nos dois contratos. ---
Ora, como bem assinala a Demandante no seu douto requerimento inicial, a lei proíbe que o credor cumule a condenação no cumprimento da obrigação principal do contrato e a cláusula penal estabelecida contra o incumprimento. ---
Com efeito, o art.º 811.º, n.º 1, do Código Civil, tem a seguinte redação: “O credor não pode exigir cumulativamente, com base no contrato, o cumprimento da obrigação principal e o pagamento da cláusula penal, salvo se esta tiver sido estabelecida para o atraso da prestação; é nula qualquer estipulação em contrário.” ---
Todavia, dado que o pedido de condenação no remanescente do preço (isto é, o pedido de condenação no cumprimento da obrigação principal), não pode ser cumulado com o pedido de condenação no montante previsto a título de cláusula penal (cf. art.º 813.º, do Código Civil. ---
Aliás, no caso dos autos, as referidas cláusulas penais estão compreendidas no âmbito das cláusulas contratuais gerais, o que implica a sua sujeição ao regime instituído pelo Decreto-Lei n.º 446/85, de 25/10, porque o Demandado se limitou a aderir ao clausulado predisposto pela Demandante, sem negociação ou poder de influência sobre o seu conteúdo.---
Ora, nos termos da al. c), do art.º 19.º do citado Decreto-Lei n.º 446/85, de 25/10, são proibidas, e, portanto, nulas, as cláusulas penais desproporcionadas aos danos a ressarcir. ---
Note-se, que embora a desproporção das cláusulas penais não tenha sido uma questão suscitada pelo Demandado, a matéria é do conhecimento oficioso, conforme dispõe o art.º 24.º, do Decreto-Lei n.º 446/85, de 25/10, e porque a relação jurídica dos autos corresponde a uma relação de consumo, o referido normativo deve ser conjugado com n.º 1, e com a al. c) do n.º 2, ambos do art.º 9.º, da Lei n.º 24/96, de 31 de julho (Lei de Defesa do Consumidor) .---
Assim, em articulação com o disposto no art.º 811.º, n.º 3, do Código Civil, o conteúdo da cláusula penal deve ter como seu critério constitutivo, uma determinada relação de proporcionalidade entre a penalidade estabelecida e o montante dos danos a reparar.
Com efeito, não resulta objetivamente da prova que o quadro negocial padronizado pelo qual as partes se vincularam tenha implicado a afetação de recursos materiais e humanos ou produtos destinados especificamente ao Demandado, que em resultado do incumprimento tenham ficado inutilizáveis ou sido desperdiçados, com o inerente prejuízo para a Demandante. ----
Assim, para além da perda de receita derivada da falta de pagamento das prestações pelo Demandado, e dos constrangimentos respeitantes à presente ação, não se mostra evidente a existência de outras componentes prejudiciais para a Demandante em resultado do incumprimento. ---
Deste modo, as referidas cláusulas penais mostram-se desproporcionais, sendo relativamente proibidas, e, portanto, nulas, nos termos das disposições conjugados do art.º 12.º; e al. c), do art.º 19.º; art.º 20.º do Decreto-Lei n.º 446/85, de 25/10, art.º 9.º da Lei de Defesa do Consumidor.
Ora, nos termos do disposto no art.º 13.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 446/85, de 25/10, “O aderente que subscreva ou aceite cláusulas contratuais gerais pode optar pela manutenção dos contratos singulares quando alguma dessas cláusulas sejam nulas.” --
Assim, a entidade profissional que utilize na sua atividade cláusulas contratuais nulas sujeita-se ao exercício discricionário do consumidor relativamente à opção, que este possa fazer segundo os seus interesses, de manter (ainda que com redução, nos termos do art.º 14.º do referido diploma), ou não, em vigor o contrato. ---
Sobre a confissão de dívida: ---
Em primeiro lugar cumpre assinalar que, na presente ação não está em causa a obrigação de restituição de um montante monetário entregue ou colocado à disposição do Demandado, nem sequer a regularização de obrigações anteriormente assumidas por este. ---
A pretensão da Demandante tem por fundamento a alegada exigibilidade de um direito de crédito derivado de uma oferta de serviços, que Demandado adquiriu mediante o pagamento do preço fracionado em prestações mensais. ----
Assim, a expressão “confissão de dívida” inserida nos documentos escritos subscritos pelas partes de fls. 66 e 67, configura uma deturpação dos contratos verbais decorrentes das negociações entre as partes, dado que, não existiu qualquer transferência de valor monetário da Demandante para o Demandado, mas sim uma venda a crédito. ---
Deste modo, a formalização de uma “confissão de dívida” resulta de uma enxertia abusiva no quadro negocial, que se presume ter sido introduzida pela Demandante (cf. art.º 1.º, n.º 3, do Decreto-Lei n.º 446/85, de 25/10), tendente a criar um efeito jurídico desconforme ao conteúdo do negócio jurídico que as partes materialmente celebraram.---
Ora, tal documento visou a alterar as obrigações assumidas diretamente pela Demandante nas negociações, capacitando a mesma com um meio de prova plena, isto é, uma confissão total e antecipada sobre o valor do preço dos serviços contratados, suscetível de excluir a exceção de não cumprimento do contrato, ou a resolução pelo não cumprimento por parte da Demandante, o que configura uma cláusula absolutamente proibida, e como tal nula, nos termos do disposto no art.º 18.º, al. f), em conjugação com o art.º 20.º, art.º 21.º, al. a), e al. g), ambos do Decreto-Lei n.º 446/85, de 25/10.---
Concluindo: ---
A factualidade descrita na presente ação configura uma conduta abusiva, e proibida pela legislação aplicável, na medida em se que se traduz num desequilíbrio contratual manifestamente desfavorável ao adquirente dos serviços prestados pela Demandante. ---
Ora, nos termos do disposto no art.º 13.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 446/85, de 25/10, “O aderente que subscreva ou aceite cláusulas contratuais gerais pode optar pela manutenção dos contratos singulares quando alguma dessas cláusulas sejam nulas.” ---
Assim, a entidade profissional que utilize na sua atividade cláusulas contratuais proibidas, e portanto, nulas, sujeita-se ao exercício discricionário do aderente relativamente à opção que este possa fazer, segundo o seus interesses, de manter, ou não, em vigor o contrato. ---
Conforme resulta da matéria provada, o Demandado optou por não manter a relação contratual com a Demandante, pelo que deve ser entendido que os contratos cessaram a sua vigência após a comunicação que aquele efetuou nesse sentido (cf. art.º 14.º, do Decreto-Lei n.º 446/85, de 25/10). ---
Com efeito, a faculdade que a lei confere ao aderente de não manter em vigor o contrato que contém clausulas proibidas, apenas tem como limite o abuso de direito, o que não se verifica no caso dos autos, dado que, ficou provado que o Demandado pagou os tratamentos que realizou, o que repõe, na justa medida, o resultado a alcançar pela redução do negócio nulo (cf. art.º 14.º, do Decreto-Lei n.º 446/85, de 25/10).---
Salvo o devido respeito por opinião diversa, este é o enquadramento jurídico a dar aos factos colocando em perspetiva, designadamente, os princípios estruturantes da boa-fé, da ponderação dos interesses em jogo, do respeito pela autonomia da vontade, e da prevalência da substância sobre a forma, para interpretação e integração do negócio celebrado pelas partes, ---
Deste modo a ação deve improceder na totalidade. ---
Sobre o pedido de condenação da Demandante como litigante de má-fé: ---
O art.º 542.º, do Código de Processo Civil, aplicável por força do art.º 63.º, da Lei dos Julgados de Paz, prevê as situações relevantes para que possa ser declarada a condenação por litigância de má-fé relativamente a quem, de forma deliberada ou com negligencia grave, deduza pretensão ou oposição cuja falta de fundamento não devia ignorar; altere a verdade dos factos ou omita factos relevantes para a decisão da causa; pratique omissão grave do dever de cooperação; faça do processo ou dos meios processuais um uso manifestamente reprovável, com o fim de conseguir um objetivo ilegal, impeça a descoberta da verdade, entorpeça a ação da justiça ou protele, sem fundamento sério, o trânsito em julgado da decisão. ---
Assim, não basta uma versão dos factos discrepante da realidade (ou melhor, divergente da factualidade que ficou provada na ação), nem uma errónea construção jurídica, para afirmar a existência de má-fé. ---
Ora, pela factualidade dada como provada nos autos, verifica-se que a Demandante considerou ter havido incumprimento do contrato por parte do Demandado, sendo certo que este assinou o documento que prevê uma cláusula penal, em caso de incumprimento. ---
Deste modo, deve ser reconhecido ao Demandante o direito de discutir a sua pretensão em tribunal. ---
Por outro lado, no decurso da ação ambas o Demandante prestou o seu dever de cooperação, designadamente, pela prestação de esclarecimentos e junção de documentos que permitiram o apuramento da verdade dos factos. ---
Com efeito, a má-fé processual deve ser distinguida da má-fé substantiva, já que quanto a esta releva a decisão sobre o mérito da causa. ---
Deste modo, nada nos autos permite concluir que a Demandante litigou de má-fé, pelo que, o correspondente pedido de condenação deve improceder, com a consequente absolvição. ---
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Dispositivo: ---
Atribuo à causa o valor de €4.329,00 (quatro mil trezentos e vinte e nove euros), por corresponder à quantia em dinheiro que o Demandante pretendia obter no momento da propositura da ação, cf., normas conjugadas dos artigos 306.º, n.º 1; 297.º, n.º 1; e 299.º, n.º 2, todos do Código de Processo Civil, aplicáveis ex vi, art.º 63.º, da Lei dos Julgados de Paz. ---
Pelo exposto e com os fundamentos acima invocados: ---
Declaro a nulidade das cláusulas penais inseridas nos contratos escritos de fls. 66 e 67. -
Declaro nula a cláusula de “confissão de dívida”, inserida nos referidos contratos. ---
Julgo a presente totalmente procedente por não provada, e consequentemente, absolvo o Demandado do tudo o que foi peticionado na presente ação. ---
Absolvo a Demandante do pedido de condenação em litigância de má-fé. ---

Custas: ---
As custas nos julgados de paz estão actualmente regulamentadas pela Portaria n.º 342/2019, de 01/10. ---
Nos termos da primeira parte, da al. b), do n.º 1, do art.º 2.º, da referida Portaria, por não ter havido acordo em sede de Mediação, a taxa de justiça da presente ação corresponde ao montante de €70,00 (setenta euros). ---
Para efeito de apuramento da responsabilidade tributária do processo, declaro a Demandante parte vencida, nos termos previstos na al. b) do n.º 2, do art.º 2.º, da citada Portaria. ---
Deste modo, a Demandante deverá proceder à regularização das custas do processo, mediante liquidação do respetivo Documento Único de Cobrança (DUC), emitido pela secretaria do Julgado de Paz, no montante de €70,00 (setenta euros), a efetuar no prazo de três dias úteis, a contar da data da notificação da presente decisão, sob cominação do pagamento de uma sobretaxa no montante de €10,00 (dez euros), por cada dia de atraso no cumprimento da referida obrigação, até ao montante máximo de €140,00 (cento e quarenta euros), cf., n.º 4.º, do art.º 3.º, da citada Portaria 342/2019, de 01/10. ---
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Extraia o DUC, respeitante à responsabilidade tributária do processo, e notifique à Demandante, juntamente com a cópia da presente decisão, para liquidação das custas. ---
Na notificação advirta o responsável pelo pagamento das custas nos termos da Deliberação n.º 33/2020, do [ORG-2], salientando desde já que, o prazo legal para proceder ao pagamento das custas é o mencionado na presente decisão, isto é, três dias úteis, pelo que, o prazo indicado no Documento Único de Cobrança (DUC) corresponde ao prazo de validade desse documento, o qual permite a respetiva liquidação, mesmo após o decurso do referido prazo legal.---
Assim, o facto de o pagamento ser efetuado com atraso não isenta o responsável do pagamento da sobretaxa, nos termos aplicáveis. -
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Verificando-se a falta de pagamento das custas acrescidas da referida sobretaxa legal, conclua para emissão de certidão para efeitos de execução fiscal, a instaurar junto dos competentes serviços da Autoridade Tributária e Aduaneira (AT). ---
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Notifique pessoalmente em sede de audiência de discussão e julgamento, nos termos do disposto no artigo 60.º, n.ºs 1 e 2, da Lei dos Julgados de Paz. ---

Registe. ---
Envie cópia da mesma aos intervenientes processuais que faltaram à sessão, cf., artigo 46.º, n.º 3 da Lei dos Julgados de Paz. ---
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Julgado de Paz de Palmela, em 12 de maio de 2023
O Juiz de Paz

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Carlos Ferreira
(Em auxílio)