Sentença de Julgado de Paz
Processo: 236/2023-JPCBR
Relator: CRISTINA EUSÉBIO
Descritores: CONTRATO DE ARRENDAMENTO QUE NÃO CHEGOU A FORMALIZAR-SE
Data da sentença: 09/05/2024
Julgado de Paz de : COIMBRA
Decisão Texto Integral:
Proc. n.º 236/2023-JPCBR

SENTENÇA
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RELATÓRIO:
[PES-1], identificada a fls. 1 dos autos, propôs a presente ação declarativa de condenação contra [PES-2] E [PES-3] melhor identificadas no requerimento inicial, pedindo que estas sejam condenadas a devolver a caução que pagou no âmbito de negociações tendentes á celebração de contrato de arrendamento que não chegou a formalizar-se pela existência de alguns defeitos no apartamento, que as demandadas não se repararam.
Para tanto, alegaram os factos constantes do Requerimento Inicial de fls. 1 a 6 que se dá por reproduzido.

Juntou 11 documentos (fls. 7 a 17) que se dão por reproduzidos.
Regularmente citadas, as demandadas apresentaram contestação de fls 35 a 40 invocando a validade do contrato de arrendamento e o seu direito a receber indemnização pelo pré-aviso que a demandante não cumpriu, devolvendo as chaves que lhe tinham sido entregues em 27 de setembro de 2023 e não assinando o contrato de arrendamento. Deduziram, portanto, pedido reconvencional.

Juntaram 18 documentos de fls. 41 a 64 que se dão aqui por reproduzidos.
Por despacho de fls 75 foi julgada a inadmissibilidade da reconvenção nos presentes autos, nos termos do disposto no art. 48º da LJP e com os fundamentos ali aduzidos.

Tendo as partes afastado o recurso à mediação, a audiência de julgamento foi agendada, tendo-se realizado em duas sessões com observância do formalismo legal, conforme das respetivas atas melhor se alcança, designando-se a presente data para prolação de sentença.
Foram juntos aos autos os documentos de fls. 85 a 132 pelas partes.

Fixa-se o valor da ação em 480,00€ (quatrocentos e oitenta euros).
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Estando reunidos os pressupostos da estabilidade da instância, cumpre apreciar e decidir:
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FUNDAMENTAÇÃO - MATÉRIA DE FACTO
Com interesse para a decisão ficaram provados os seguintes factos:
1. As demandadas são donas e legitimas possuidoras da fração autónoma designada pela letra J correspondente ao 1º andar esquerdo do prédio sito na [...], n.º 446, de tipologia T2 inscrito na matriz predial urbana com o n.º [Nº Identificador-1] na qualidade de herdeiras de [PES-4]. (cfr. doc. Fls. 42 e 46).
2. As demandadas colocaram anúncio para arrendamento da fração referida em 1 pelo valor de renda de 480,00€/mensais.
3. No dia 23 de setembro de 2023, conforme combinado com a demandada [PES-3], a demandante acompanhada por uma amiga, visitaram o apartamento com vista ao arrendamento.
4. Na referida visita, porquanto a demandante apontou alguns problemas de conservação e limpeza do apartamento, foi referido pela segunda demandada que este iria ser pintado e limpo.
5. Após refletir a demandante contactou a 2ª demandada no mesmo dia, á noite, transmitindo-lhe que pretendia arrendar o imóvel, nas condições que lhe foram transmitidas na visita.
6. No dia 26 de setembro de 2023, a 2ª demandada enviou por email o modelo 2 (comunicação do contrato ao Serviço de Finanças) à demandante, estando apenas em falta a certificação energética para a assinatura do contrato. (doc. Fls. 3)
7. No dia 27 de setembro de 2023 a demandante e 2ªdemandada encontraram-se no apartamento onde já decorriam as pinturas, tendo a demandante solicitado o NIB para pagamento, pediu autorização para retirar as prateleiras da despensa e do arrumo e o exaustor da cozinha, (que se encontravam em mau estado)o que lhe foi concedido.
8. No dia 28 de setembro de 2023, a 2ª demandada entregou a chave do apartamento à demandante para que esta pudesse ir fazendo alguns arranjos, mas ficou acordado que esta só procederia à mudança depois do imóvel ser pintado e limpo.
9. No dia 28 de setembro de 2023 a demandante transferiu para a conta indicada pela 2ª demandada a quantia de 960,00€ correspondente à renda do mês de outubro de 2023 e caução.
10. Em 29 de setembro de 2023 a demandante requisitou os serviços de abastecimento de água e eletricidade em seu nome.
11. No dia 5 de outubro de 2023 a demandante remeteu à 2ª demandada um email no qual lhe dava conta do seu descontentamento com a limpeza efetuada, com as torneiras do wc, a necessidade de intervenção no chão do apartamento e janelas de madeira.
12. O certificado energético foi emitido no dia 6 de outubro de 2023.
13. No dia 8 de outubro de 2023 a segunda demandada enviou cópia do contrato de arrendamento à demandante com vista á sua assinatura.
14. No dia 10 de outubro de 2023, não se encontrando satisfeita com a limpeza do chão do apartamento que pretendia envernizar, a demandante informou a 2ª demandada que não iria assinar o contrato e pretendia entregar as chaves.
15. A demandante procedeu à troca das anilhas das torneiras que estavam a verter.
16. A demandante adquiriu um novo exaustor para a cozinha;
17. A demandante procedeu à reposição das prateleiras da despensa e arrumos e uma alcatifa do chão do arrumo.
18. A demandante solicitou à segunda demandada a devolução da caução paga o que esta recusou.
19. No dia 14 de outubro de 2023 a demandante entregou as chaves do apartamento á 2ª demandada.

Não resultaram provados quaisquer outros factos, alegados pelas partes ou instrumentais, com interesse para a decisão.

MOTIVAÇÃO
A convicção probatória do tribunal, ficou a dever-se ao conjunto da prova produzida, tendo sido tomados em consideração os documentos juntos aos autos, não impugnados pelas demandadas, as declarações de parte prestadas pela demandante e 2ª demandada e das testemunhas apresentadas pelas partes.
As partes divergem apenas no que diz respeito á motivação da demandante para ter desistido de arrendar o imóvel. Pelas fotografias juntas aos autos e declarações das testemunhas, o tribunal ficou convicto de que a fração tinha sinais de muito uso e que seriam necessários alguns trabalhos de manutenção e limpeza dos espaços, nomeadamente na cozinha e chão pese embora se encontrasse com condições de habitabilidade.
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FUNDAMENTAÇÃO - MATÉRIA DE DIREITO
No presente processo resulta controvertida a celebração de contrato de arrendamento, sendo que do requerimento inicial se infere que este não chegou a ser celebrado, não havendo motivo para retenção do valor pago a título de caução e da contestação infere-se que as demandadas consideram que este foi efetivamente celebrado e foi válido cessando por iniciativa da demandante.
Um e outro entendimento, a proceder, contribuem para soluções diferentes para o caso que nos ocupa. Vejamos,
O arrendamento é a locação de uma coisa imóvel e nos termos do disposto no Código Civil, “é o contrato pelo qual uma das partes se obriga a proporcionar à outra o gozo temporário de uma coisa, mediante retribuição.” (art. ºs 1022.º e 1023.º).
Nos termos do disposto no art. 1069º do Código Civil com a redação que lhe foi dada pela Lei 13/2019 de 12 de fevereiro, o contrato de arrendamento urbano deve ser celebrado por escrito, admitindo como exceção o ínsito no n.º 2 : “ Na falta de redução a escrito do contrato de arrendamento que não seja imputável ao arrendatário, este pode provar a existência de título por qualquer forma admitida em direito, demonstrando a utilização do locado pelo arrendatário sem oposição do senhorio e o pagamento mensal da respetiva renda por um período de seis meses.”

Desde a introdução do n.º 2 do referido artigo, ganhou força a tese defendida por abundante jurisprudência que a redução do contrato de arrendamento a escrito é um requisito ad probationem, para o arrendatário, significando isto que “o ato não é nulo, mas só pode provar-se por confissão expressa, judicial ou extrajudicial, devendo neste último caso constar de documento de igual ou superior valor probatório” como bem refere Pires de Lima e Antunes Varela na anotação ao artigo 364º do Código Civil, in Código Civil Anotado volume I, Coimbra, Coimbra Editora, 1987, pp. 322-323.
Ou seja, apenas o arrendatário pode fazer uso da exceção que a lei lhe confere para provar a existência do contrato desde que tenha pago 6 meses de renda.
Nos restantes casos, que não caibam na exceção do n. º2, exige-se a forma escrita e a sua falta é cominada com a nulidade.
Da matéria provada resulta que foram praticados diversos atos tendentes à celebração de um contrato de arrendamento, pelo que entendemos que nos situamos na esfera pré-contratual, contudo geradora de responsabilidade para ambas as partes.
Como se alude no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 16-12-2010, in www.dgsi.pt: «A ordem jurídica pretende conciliar, na fase pré-contratual, dois interesses a salvaguardar: por um lado, o interesse da liberdade negocial, que impõe às partes, até ao último momento, seja reconhecida liberdade de optar entre contratar ou não; por outro lado, o interesse criado pela confiança no projeto de contrato, a legítima expectativa de contratar que as próprias negociações vão consolidando, pois que normalmente tal expectativa vai aumentando à medida que as negociações vão avançando».
No presente caso, as negociações levaram à prática de atos concretos de ambas as partes que levaram à legitima expectativa da celebração do contrato de arrendamento, nomeadamente a entrega das chaves e acesso ao locado, ainda que este ainda não se encontrasse pronto para que a demandante o pudesse habitar ( decorriam as pinturas e faltava o certificado energético) ; a entrega do modelo 2 no serviço de finanças para permitir a celebração de contrato de água e luz, que a demandante chegou a requisitar; o pagamento da renda e caução por parte da arrendatária etc.
Mas mesmo que assim não se entenda, e considerando que se concretizou o contrato de arrendamento entre as partes, este será nulo por vicio de forma (art.1069º n. 1, 220º e 286º do CC) e portanto, dúvidas não se colocam que deverá ser restituído o que foi prestado.
Quer considerando uma ou outra hipótese (existência de atos preparatórios ao contrato ou contrato de arrendamento nulo por vício de forma), a demandante teria sempre o dever de repor qualquer alteração que tivesse feito no locado, o que aconteceu, e as demandadas haveriam de restituir os montantes pagos ressalvando-se os prejuízos que eventualmente as partes invocassem.

A demandante entendeu não pedir a restituição da renda do mês de Outubro, considerando o eventual prejuízo das demandadas no que à rentabilização da fração diz respeito, o que se afigura correto do ponto de vista da boa-fé quer pré-contratual quer contratual, que deve pautar a conduta das partes.
No entanto, não subsiste nenhum fundamento para que as demandadas se neguem a restituir o valor da caução, para equilíbrio das posições das partes.

DECISÃO
Nos termos e com os fundamentos invocados, julgando a presente ação procedente e provada, decido condenar as demandadas a, solidariamente, devolver à demandante a quantia de 480,00€ (quatrocentos e oitenta euros).
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Custas:
As custas serão suportadas pelas Demandadas, nos termos e para os efeitos do art. 3º da Portaria n.º 342/2019 de 1 de Outubro devendo ser pagas, no prazo de 3 (três) dias úteis a contar da notificação desta sentença –ainda que o prazo de validade do DUC seja mais alargado , sob pena do pagamento de uma sobretaxa diária de € 10,00 (dez euros) por cada dia de atraso no efetivo cumprimento dessa obrigação.
A falta de pagamento das custas acarreta a sua cobrança por processo de execução fiscal.


Registe.

Coimbra, 5 de setembro de 2024

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(Cristina Eusébio)
(Juíza de Paz que redigiu e reviu em computador – Art.º 138.º/5 do C.P.C.)