Sentença de Julgado de Paz | |
Processo: | 42/2022-JPBCR |
Relator: | CRISTINA EUSÉBIO |
Descritores: | INDEMNIZAÇÃO POR DANOS |
![]() | ![]() |
Data da sentença: | 08/08/2024 |
Julgado de Paz de : | COIMBRA |
![]() | ![]() |
Decisão Texto Integral: | SENTENÇA Processo nº 42/2022-JPBCR
[ORG-1] LDA, devidamente identificada nos autos a fls.1 propôs a presente ação declarativa de condenação contra [ORG-2] LDA E [PES-1], pedindo que estas fossem condenadas a pagar-lhe a quantia de 14.945,00€ (catorze mil, novecentos e quarenta e cinco euros), relativa a danos provocados na loja arrendada, privação de uso e lucro cessante. Subsidiariamente peticiona que a mesma quantia lhe seja paga a título de desvalorização do locado por força dos danos que as demandadas ali provocaram. Para tanto, alegou os factos constantes do Requerimento Inicial de fls.1 a 15 que aqui se dá por reproduzido e juntou 10 documentos (fls. 16 a 34) que, igualmente, se dão por reproduzidos. Regularmente citadas, as demandadas apresentaram as suas contestações de fls. 72 a 74 e 101 a 103), invocando a nulidade do contrato de arrendamento porquanto verificaram que a demandante não é proprietária do imóvel, como se arroga no contrato, antes locatária financeira. Por outro lado, invocam que as obras que a primeira demandada efetuou na loja, se destinaram a adaptar a loja à sua atividade comercial, o que fez com consentimento da demandante. Por requerimento de fls. 170 veio a demandante responder à exceção invocada, requerendo a redução do pedido (ao valor de reparação dos danos deduziu o valor do IVA referindo que as obras ainda não foram realizadas) e requereu a alteração da causa de pedir, ampliando o pedido a título de lucros cessantes, ao que as demandadas não se opuseram, exercendo o contraditório cfr. requerimento de fls. 401 a 403. A demandante juntou 14 documentos fls. 123 a 145 e 182 a 273. Afastado o recurso à mediação para resolução do litígio, agendou-se a audiência de julgamento, que se realizou com cumprimento das formalidades legais conforme da respetiva ata se alcança. Estando reunidos os pressupostos da estabilidade da instância, cumpre apreciar e decidir se as Demandadas são responsáveis pelo pagamento da quantia peticionada, após apreciação da validade do contrato celebrado. Valor da ação: 14.945,00 (catorze mil novecentos e quarenta e cinco euros)
FUNDAMENTAÇÃO 2 - A fração descrita em 1 é propriedade do [ORG-3] S.A. cfr. doc. Fls. 75 a 80 e 123 a 124. 3 – Em 29 de novembro de 2019, a demandante (na qualidade de senhoria) e a 1ª demandada celebraram contrato de arrendamento comercial, - pelo prazo de 1 ano não renovável - com opção de compra, tendo por objeto a referida loja, sendo o valor da renda mensal de 650,00€. Cfr. doc. Fls. 17 e 18 4 – Nos termos da clausula sexta do referido contrato, ficou a 1ª demandada autorizada a realizar obras de adaptação ao exercício da sua atividade, ficando as benfeitorias derivadas das referidas obras a pertencer ao locado sem direito a indemnização ou direito de retenção. 5 – Ainda nos termos da referida cláusula a 1ª demandada será responsável por quaisquer danos ou prejuízos causados por força ou em conexão com as obras por ela realizadas. 6 - Quando a fração foi entregue à demandada o espaço era amplo, tinha uma casa de banho sem duche e uma copa/cozinha, encontrando-se o espaço amplo, sem divisórias, ali tendo funcionado uma lavandaria e um café; 7 – A 1ª demandada realizou obras na loja por forma a adaptar o espaço a gabinete de estética, no âmbito da sua atividade comercial, nomeadamente pela divisão do espaço em gesso cartonado, alteração dos wc, pontos de água, pontos de luz, ar condicionado, colocação de piso flutuante, rebaixamento do teto falso, com conhecimento da demandante. 8 – Em 1 de dezembro de 2021, a demandante e a 1ª demandada celebraram contrato de arrendamento pelo prazo de 6 meses, a que denominaram “Adenda Contrato de Arrendamento Comercial com opção de compra”, cujas clausulas são idênticas ao contrato anterior, estendendo o seu prazo. Cfr. doc. Fls. 19 e 20. 9 – Em 1 de junho de 2021, demandante, 1º demandada e 2ª demandada outorgaram documento sob a epígrafe “2ª Adenda ao contrato de arrendamento comercial com opção de compra outorgado em 29 de novembro de 2019”. Cfr. doc. Fls. 34 e 35. 10 – Da cláusula primeira do documento referido no item anterior, consta que “Todos os outorgantes acordaram introduzir no contrato a figura do fiador sendo este representado pela terceira outorgante (…)” “assumindo a categoria de fiadora com efeitos retroativos, obrigando-se esta a cumprir todo o estipulado no contrato originário e nas adendas do mesmo” e encontra-se assinado pela 2ª demandada. 11 – Ainda nos termos da referida adenda o contrato foi prorrogado estabelecendo-se o seu terminus no dia 30 de novembro de 2021, data em que a 1ª demandada deveria entregar o locado caso não se realizasse a escritura de compra e venda até à referida data. 12 – Em 29 de setembro de 2021, a 1ª demandada comunicou por carta à demandante que entregará o locado no final do mês de novembro de 2021. 13 - No dia 30 de novembro de 2021, a 1ª demandada enviou as chaves do locado pelo correio para a representante legal da demandante. 14 – Na posse da chave do imóvel, a representante legal da demandante deslocou-se à loja, verificando-se que: - O quadro elétrico tinha sido substituído; - As divisórias em gesso cartonado encontravam-se danificadas por terem sido arrancadas as portas. - Existiam diversos orifícios no chão, onde tinham estado instaladas as divisórias em pladur que foram retiradas, - Existiam orifícios onde estiveram instaladas as tomadas e ar condicionado, com os fios elétricos à vista. - A base de duche estava arrancada, ficando o buraco. - O respiradouro estava partido - Lavatório dos wc estava retirado e no chão. - Os rodapés foram retirados. - As paredes estruturais apresentavam-se em mau estado, com vários orifícios, riscos e danos no reboco e pintura. 15– Em 28 de dezembro de 2021, a empresa [ORG-4] emitiu orçamento para demolir as divisórias, reparar e pintar a loja, por solicitação da demandante, no valor de 10.830,00€, Cfr. doc fls. 33. 16 -Em 26 de maio de 2022, o [ORG-5] e a demandante resolveram, por acordo, o contrato de locação financeira que tinha por objeto a fração em causa nos autos. Cfr. doc. Fls. 141 a 143. 17- A demandante promoveu - através da empresa imobiliária [ORG-6] em outubro de 2021 e junto da empresa [ORG-7] em 27 de novembro de 2020 - a venda da loja pelo valor de 130.000,00€. 18 – A demandante procedeu à entrega do imóvel ao banco proprietário, recebendo indemnização no valor de 29.328,43€ cfr. doc. Fls. 141 e 144 a 145. 19 – Não foi desenvolvida qualquer atividade no imóvel a que os autos se referem desde 30/11/2021 até 26/05/2022. Factos não provados: - O valor das obras para reparação dos concretos danos da fração referidos em 14.
Não resultaram provados quaisquer outros factos, alegados pelas partes ou instrumentais, com interesse para a decisão da causa.
MOTIVAÇÃO Resultou profusamente explicado, pelas testemunhas da demandante, que conheciam o imóvel antes e depois da existência do estabelecimento da demandada, que aquele espaço tinha sido utilizado como lavandaria e posteriormente como café, apresentando-se como um espaço amplo, com apenas uma divisória em pladur e uma casa de banho sem banheira ou duche. Mais explicaram as referidas testemunhas que a demandada fez obras com vista à prestação de serviços de estética e que o espaço ficou muito bonito e apresentável, tendo sido colocado chão flutuante, feitas divisórias em gesso cartonado para gabinetes, foi alterada a casa de banho onde foi colocada uma base de duche foi rebaixado o teto falso para permitir maior privacidade, colocação de ar condicionado. Algumas testemunhas que estiveram presentes na inauguração do espaço referiram que a representante legal da demandada, teve conhecimento das obras, porquanto também assistiu à inauguração. A testemunha [PES-3] e [PES-4] , indicadas pela demandante admitiram que as obras foram um grande investimento da demandada, porquanto tinha a expectativa de vir a adquirir o espaço e que as mesmas eram adequadas à atividade que ali desenvolvia. No que diz respeito à entrega do imóvel à demandada, foi confirmado pela testemunha [PES-3] que as chaves foram enviadas pelo correio como documentado nos autos. O item 14 da matéria provada resultou do depoimento das testemunhas da demandante e das declarações de [PES-5], indicado pela demandada, que foi desinstalar alguns elementos da loja, referindo que os foi instalar no novo espaço entretanto aberto pela demandada. Assumiu que retirou os projetores do teto, as colunas de som, tomadas, ficando os fios desprotegidos e os buracos no pladur. Pese embora tenha referido que não viu quaisquer danos, o que é certo é que estes foram relatados, confirmando as fotografias juntas aos autos, por [PES-6], [PES-4] e [PES-7], contribuindo para a convicção de que a demandada deixou o locado inutilizável. As referidas testemunhas assinalaram danos que viram na loja, ao nível do chão, paredes, casa de banho, pinturas, descrevendo-os de forma assertiva e convincente. O item sob o nº 19 resultou, igualmente das declarações das mesmas testemunhas. Existiram algumas hesitações da testemunha [PES-8], consultora imobiliária que se prenderam apenas quanto às questões jurídicas que se colocam do facto de ter promovido a venda do imóvel, sem dar relevo ao facto de o legitimo proprietário ser o [ORG-3], mas que não lhe retiraram credibilidade. Quantos aos factos não provados, estes resultam de ausência de concreta prova que os infirmasse. DO DIREITO Nos termos do Decreto-Lei n.º 149/95 de 24 de junho, com as suas sucessivas alterações, diremos que locação financeira e um contrato “pelo qual uma das partes se obriga, mediante retribuição, a ceder à outra o gozo temporário de uma coisa, móvel ou imóvel, adquirida ou construída por indicação desta, e que o locatário poderá comprar, decorrido o período acordado, por um preço nele determinado ou determinável mediante simples aplicação dos critérios nele fixados.” – (art.1º). O locatário financeiro pode arrendar o objeto da locação financeira. Nos termos do disposto nos artigos 1032.º a 1034.º do Código Civil, quem, não sendo proprietário, dá de arrendamento, incumpre o contrato de arrendamento se o arrendatário ficar privado ou diminuído do gozo, definitivo ou temporário, da coisa. Não há aqui qualquer invalidade do negócio. Há, tão somente, um incumprimento contratual. O incumprimento é vicissitude atinente à execução do negócio jurídico. Já a nulidade é vício atinente à formação do negócio jurídico. Na verdade, o locatário financeiro, ao "sublocar"/arrendar a coisa, torna-se um "sublocador"/senhorio e continua a ser possuidor da coisa através de outrem, como locatário, e continua a ter os direitos inerentes a tal posição. No caso em apreço, não resultou provado que o legitimo proprietário – [ORG-3] S.A. – tivesse ou não conhecimento do referido arrendamento e que o tivesse (ou não) autorizado , nos termos do disposto no art. art. 10.º/1, g) do citado Decreto-Lei n.º149/95 , pelo que tal contrato se afigura, em relação ao proprietário, como ineficaz, mas não nulo. Aliás, a ineficácia do contrato de arrendamento apenas poderia vir a ser invocada pelo próprio Banco proprietário que não é parte na presente ação. Na verdade, como resultou dos autos, o contrato de arrendamento existiu e foram praticados atos relativos aos direitos e obrigações dele decorrentes, ou dito de outro modo foi executado pela cedência do gozo do imóvel á demandada. Diferentemente, diremos que a capacidade de poder vender o referido imóvel cabe apenas ao proprietário, motivo pelo qual a “promessa de venda” ou “opção de compra” incidia sobre bem alheio. De qualquer modo, quanto a esta questão não nos vamos ocupar, uma vez que o contrato de arrendamento cessou sem que a referida opção de compra fosse feita valer. O contrato de locação financeira foi resolvido entre o proprietário e a demandante, tendo esta entregue o imóvel e recebido indemnização, sem que conste dos autos que o proprietário tenha exigido que fossem levadas a cabo quaisquer obras na loja em causa. Aliás a demandante reconhece que não as realizou. Assim, a legitimidade para invocar e ser ressarcido de quaisquer danos provocados na fração pela arrendatária – a quem foi cedido o gozo temporário do imóvel – cabe exclusivamente ao [ORG-3] S.A. e não à aqui demandante. Caberá analisar, assim o(s) contrato(s) de arrendamento e o seu (in)cumprimento e em que medida as demandadas respondem por lucros cessantes/privação de uso ou desvalorização do imóvel. Verifica-se que foi celebrado contrato de arrendamento sem possibilidade de renovação em 29 de novembro de 2019, pelo prazo de um ano. Em 1 de dezembro de 2020, perante a caducidade do primeiro contrato foi celebrado novo contrato de arrendamento pelo prazo de 6 meses que sofreu uma adenda que prolongou o prazo por mais 6 meses, com terminus em 30 de novembro de 2021. Na referida adenda convencionou-se que o contrato caducaria nessa mesma data se, entretanto, a demandada não adquirisse o imóvel. Assim, independentemente das comunicações havidas entre as partes quanto ao términus desse contrato, este cessou por caducidade na referida data. Alega a demandante que, desde a cessação do contrato de arrendamento, em 30 novembro de 2022, não mais conseguiu retirar rendimento do imóvel, por força dos danos que a loja apresentava. Da matéria provada resulta que, efetivamente a demandada procedeu a obras de adaptação do espaço para a sua atividade, sendo certo que, nos termos contratuais tais benfeitorias ficariam a pertencer ao locado. Igualmente resulta dos autos que a demanda, no processo de retirar portas, interruptores, ar condicionado e focos etc. causou danos na estrutura de gesso cartonado, paredes e chão que, independentemente de quem tinha realizado os trabalhos, pertenciam ao locado. Resultou provado, ainda, que as chaves do imóvel foram enviadas pelo correio, não permitindo à demandante a verificação do espaço que estava a ser devolvido. Ora, impunha-se à demandada arrendatária, não que entregasse a loja como lhe foi entregue, mas que mantivesse as benfeitorias que ali tinha realizado, em boas condições, o que não aconteceu. Tal situação obstou a que a demandante pudesse arrendar/” sublocar” ou retirar rendimento da fração em causa. Como vimos, a demandante detinha um direito correspondente à sua posição de locatária financeira, direito complexo a que alguma doutrina denomina como uma posição contratual de “proprietário económico”. O dano da privação do uso tem vindo a ser analisado pela doutrina e jurisprudência, na perspetiva do proprietário de imóvel e, acrescentamos nós, que se aplica mutatis mutandis às situações de quem detenha um direito de gozo sobre a coisa. Conforme referido no Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa , do relator [PES-9] de 4-07-2023 : “No que tange à ressarcibilidade do proprietário de imóvel privado do seu uso, existem na doutrina e jurisprudência essencialmente duas posições: uma segundo a qual o lesado deve alegar e provar uma concreta utilização relevante do bem; outra segunda a qual basta a alegação e prova da simples privação do uso para se reconhecer o direito a indemnização, reservando-se o não reconhecimento daquele direito para situações em que tenha ficado provado que a concreta privação do uso do bem não traduz, na esfera do respetivo titular, um dano patrimonial relevante.” A demandante é uma sociedade comercial que tem como escopo, o lucro. Entendemos que, efetivamente, por força dos danos verificados na fração, existiu a lesão do direito de gozo e fruição do imóvel – que detinha pela sua posição como locatária financeira - e sua inviabilidade económica. Com efeito, o simples uso constitui uma vantagem patrimonial suscetível de avaliação pecuniária, pelo que a sua privação consubstancia um dano que deve ser indemnizado como contrapartida da perda da capacidade de utilização normal durante o período de privação (Ac. STJ de 09-05-2002, proc. 935/02: [PES-10], Temas da Responsabilidade Civil, I vol., Indemnização do Dano da Privação do Uso, 2.ª ed., 125-129). E nenhum motivo há para entender que a violação ilícita e culposa do direito de uso do imóvel não se contém na previsão do art. 483.º n.º 1 CC. São requisitos da responsabilidade civil – quer contratual quer extracontratual – i) O facto voluntário ii) A ilicitude, que consiste na violação do dever contratual, in casu a clausula sexta do contrato de arrendamento comercial iii) A culpa traduz-se no juízo de censura da conduta do agente e pode revestir a forma de dolo ou negligência. No caso, esta presume-se nos termos do art. 799º do C.C., não tendo a presunção sido ilidida iiii) O dano - revela-se na perda patrimonial sofrida pela demandante por força da privação do uso iiiii) O nexo de causalidade entre o facto e o dano. Ora, a conduta voluntária da demandada (ao deixar o locado no estado descrito sob n.º14) teve como consequência normal a inviabilidade da utilização imediata do locado para nova locação ou qualquer outro fim económico. Assim, nos termos do disposto no art. 563º e sgs do CC, tem a demandada o direito a ser ressarcida e não sendo possível a reconstituição natural, deverá ser fixada uma indemnização em dinheiro com recurso ao disposto no art. 566º n.º 3 CC. Para determinação da indemnização devida havemos de nos socorrer dos elementos processuais trazidos pelas partes, sendo o valor locativo (renda) é o único elemento de cálculo desse dano. Resultando provado que a fração esteve inutilizada pelo prazo e 6 meses, procede a indemnização peticionada. Aqui chegados havemos de nos deter sobre a fiança prestada pela segunda demandada à primeira. Alega a demandada que nulidade do contrato celebrado entre a demandante e a 1ª demandada, arresta consigo a fiança. Como explanado, consideramos válido o contrato de arrendamento e em consequência é também válida a fiança prestada pela segunda demandada, nos exatos termos em que se obrigou. Nos termos da clausula 1ª da adenda, a fiadora obrigou-se a cumprir todo o estipulado no contrato, o que incluí necessariamente a clausula sexta que se tem por incumprida e que motiva a indemnização que ora se arbitra.
CUSTAS Registe. Coimbra, 8 de agosto de 2024 A Juíza de Paz
______________________________ Processado por meios informáticos e revisto pela signatária. Verso em branco. Artigo 131º, nº 5 do CPC e artigo 18º da LJP) |