Sentença de Julgado de Paz
Processo: 88/2016-JP
Relator: IRIA PINTO
Descritores: CONTRATO COMPRA E VENDA - CONSUMO
Data da sentença: 06/29/2016
Julgado de Paz de : TROFA
Decisão Texto Integral: Sentença
Relatório
O demandante X, melhor identificado a fls. 2 dos autos, intentou em 3/5/2016, contra a demandada que gira sob o nome comercial xxx, legalmente designada X e melhor identificada a fls. 2, 23 e seguintes, ação declarativa para restituição do valor do bem, formulando o seguinte pedido:
- Ser a demandada condenada à restituição do valor de aquisição do equipamento.
Tendo, para tanto, alegado os factos constantes do requerimento inicial, de folhas 1 a 3 dos autos, que se dá por integralmente reproduzido. Juntou 6 (seis) documentos.
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O demandante prescindiu da sessão de pré-mediação (fls. 16).
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Regularmente citada (fls. 15), a demandada não apresentou contestação, impugnando em audiência os factos relatados no requerimento inicial. Juntou em audiência 5 (cinco) documentos.
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Foi realizada audiência de julgamento em 20/6/2016, com a observância das formalidades legais (como da respetiva Ata se infere).

Cumpre apreciar e decidir
O Julgado de Paz é competente. As partes têm personalidade e capacidade judiciárias e são legítimas e não se verificam quaisquer outras exceções ou nulidades de que cumpra conhecer.
Fixo à causa o valor de €379,00 (trezentos e setenta e nove euros).

Fundamentação da Matéria de Facto
Assim, com interesse para a decisão da causa, ficou provado que:
1 - Em 31 de janeiro de 2016, o Demandante adquiriu à Demandada um equipamento TV LG FHD – 300 PMI – HDM. USB -43 LF510V, no valor de €379,00 (trezentos e setenta e nove euros).
2 - Ao longo do mês de fevereiro de 2016, o equipamento começou a revelar defeitos que foram informados à Demandada, em 22/2/2016, através da entrega do mesmo, tendo feito a menção: “cliente comprou e não tirou da caixa pelos motivos de mudanças de casa, e quando retirou no sábado viu no ecrã pontinho e quando ligou passado uma hora apareceu no ecrã raido e na zona do pontinho está branco”.
3 - Curiosamente, o Demandante verificou que o duplicado do recibo de entrega n.º xxx foi alterado pela Demandada, sem o seu conhecimento e não correspondendo à verdade, ou seja, nele passou a constar: “cliente comprou e não tirou da caixa pelos motivos de mudanças de casa, e quando retirou no sábado viu no ecrã pontinho e quando ligou passado uma hora apareceu no ecrã partido e na zona do pontinho está branco” .
4 - Conforme exposto anteriormente o equipamento foi entregue, pelo Demandante, para efeitos de reparação junto da Demandada a 22 de fevereiro de 2016.
5 - A Demandada procedeu à verificação do equipamento a 09 de março de 2016.
6 - A 01 de abril de 2016, o Demandante foi informado que o equipamento se encontrava junto da Demandada, para que aquele procedesse ao levantamento do mesmo.
7 - Em 15 de abril de 2016 o equipamento encontrava-se disponível na loja da Demandada.
8 - O Demandante foi informado que a Demandada não procedia à reparação do equipamento, dado que, segundo a demandada, este se encontrava danificado (partido) e com horas de uso.
9 - Nessa altura (após 15 de abril de 2016), o Demandante procedeu à respetiva reclamação, junto da Demandada, sob os n.ºs xxx e xxx.
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Para a fixação da matéria fática dada como provada, foi tida em consideração a audição das partes, os factos admitidos, bem como a prova testemunhal apresentada e demais prova que a seguir se mencionará.
A prova testemunhal apresentada pelo demandante, xxx que com o demandante vive em união de facto, confirmou a tese exposta pelo demandante, expondo que adquiriram o equipamento aproveitando uma promoção e que como estavam em mudanças abriram a televisão quando mudaram de casa, apercebendo-se de um pontinho no ecrã, que foi passando para derrame e raiado, dirigindo-se à loja para reclamar e deixando lá o equipamento para reparação, tendo aguardado e não aceitando que a loja não tenha aceite a reclamação, tendo constatando que a duplicado do aviso de reparação foi alterado e a caixa da televisão se encontra agora esfarelada e a TV partida, quando entregaram a caixa intacta e a TV intacta, pelo menos visivelmente. Esta testemunha teve um depoimento credível com conhecimento dos factos em discussão.
A testemunha apresentada pela demandada, xxx, funcionária do serviço pós-venda, expôs o encaminhamento dado à reclamação do cliente e que o equipamento foi para o fornecedor e veio com a informação de 141 horas de uso, no estado de partido e portanto não abrangido pela garantia. Este depoimento apresentou-se credível, porém só demonstra conhecimento relativamente ao tempo posterior à reclamação e não da fase anterior, pelo que se considera limitado factualmente.
À prova mencionada acresce os documentos de fls. 4 a 13, 36 a 38, 40, elementos que conjugados com critérios de razoabilidade e normalidade alicerçaram a convicção do julgador.
Não se provaram quaisquer outros factos, com interesse para a decisão da causa, dada a sua insuficiência ou inexistência.

O Direito
O demandante intentou a presente ação peticionando a condenação da demandada na restituição do valor do bem, alegando em sustentação desse pedido a celebração com a demandada de um contrato de compra e venda de um uma televisão de marca LG, que a demandada comercializou no âmbito da sua atividade comercial, que foi cumprido por parte do demandante e alegadamente incumprido pela demandada.
Estamos perante um contrato de compra e venda previsto no artigo 874º do Código Civil, cujos efeitos essenciais são a transmissão da propriedade da coisa, a obrigação de a entregar e o pagamento do preço (artigo 879º do mesmo código).
A relação material controvertida circunscreve-se a incumprimento contratual, dispondo o artigo 405º do Código Civil sobre o princípio da liberdade contratual, com os limites previstos na lei. No âmbito dos contratos, dispõe o nº 1 do artigo 406º do Código Civil que, uma vez celebrados os contratos devem ser pontualmente cumpridos, e só podem modificar-se ou extinguir-se por mútuo consentimento dos contraentes ou nos casos admitidos na lei, o que reflete o princípio da força vinculativa ou obrigatoriedade dos contratos. Assim, as obrigações contratuais devem ser cumpridas nos exatos termos em que são assumidas (pacta sunt servanta) e segundo as normas gerais da boa fé (artigo 762º do Código Civil). Ainda nos termos do artigo 227º, nº 1 do Código Civil, quem negoceia com outrem para conclusão de um contrato deve, tanto nos preliminares como na sua formação, proceder segundo as regras de boa fé.
O caso dos autos refere-se a responsabilidade contratual, sendo que a culpa do devedor, neste caso, da demandada se presume, incumbindo-lhe nessa medida provar que a falta de cumprimento ou o cumprimento defeituoso da obrigação não procedeu de culpa sua (artigos 798º e 799º do Código Civil).
Tratando-se da compra de uma televisão para uso doméstico por parte do demandante e atuando a vendedora ou demandada no âmbito da sua atividade profissional, há que qualificar esta relação contratual como uma relação de consumo, protegida por diversos instrumentos legais, dos quais salientamos a Lei de Defesa do Consumidor (Lei nº 24/96, de 31 de julho e o Decreto-Lei nº 67/2003, de 8 de abril, alterados pelo Decreto-Lei nº 84/2008, de 21 de maio).
Dispõe o nº 1 do artigo 4º do supra citado Decreto-Lei que “em caso de falta de conformidade do bem com o contrato, o consumidor tem direito a que esta seja reposta sem encargos, por meio de reparação ou substituição, à redução adequada do preço ou à resolução do contrato”, clarificando o n.º 5 do mesmo artigo que “o consumidor pode exercer qualquer dos direitos referidos nos números anteriores, salvo se tal se manifestar impossível ou constituir abuso de direito, nos termos gerais”.
Nos termos do artigo 5º, nº 1 do Decreto-Lei nº 84/2008, o consumidor pode exercer os seus direitos, quando a falta de conformidade se manifestar dentro de um prazo de dois anos, a contar da entrega do bem, já que se trata de bem móvel. E ainda nos termos do artigo 5º-A desse Decreto-Lei, os direitos atribuídos ao consumidor caducam no termo do prazo acima mencionado.
Ainda, a propósito, dispõe o nº 2 do mesmo artigo, que, para exercer os seus direitos, o consumidor deve denunciar ao vendedor a falta de conformidade num prazo de dois meses, caso se trate de bem móvel, a contar da data em que a tenha detetado.
Do exposto resulta que em caso de falta de conformidade do bem com o contrato, o que compreende defeitos, vícios e avarias, como consta do artigo 2º do mencionado decreto-lei, o vendedor responde tanto no momento da entrega do bem como dentro do prazo de garantia, tendo o consumidor direito a que tal conformidade seja reposta sem encargos, por meio de reparação ou de substituição, à redução adequada do preço ou à resolução do contrato.
Vejamos, então, se existe a falta de conformidade do bem vendido.
Assim, a coisa entregue pela vendedora, na execução do contrato de compra e venda, deve estar isenta de vícios físicos, defeitos intrínsecos inerentes ao seu estado material que estejam em desconformidade com o contratualmente estabelecido, ou em desconformidade com o que, legitimamente, for esperado pelo comprador.
Por último, com interesse para os autos, importa referir que, nos termos da legislação sobre defesa do consumidor, o consumidor tem o direito de optar por responsabilizar diretamente o produtor ou o seu representante, ou seja, o vendedor, como fez neste caso.
Da factualidade provada resulta que o demandante adquiriu um bem, no caso, uma televisão, em 31/1/2016, a qual esteve na caixa durante certo tempo, por motivo de mudança de casa e, quando retirada da caixa foi constatado um defeito, designadamente um pontinho branco no ecrã que após estar ligado ficou raiado, tendo o demandante procedido a reclamação junto da demandada, em 22/2/2016, que por sua vez encaminhou a reclamação, para verificação do vício, tendo em resposta, passado mais de um mês, informado o demandante que a reclamação apresentada foi recusada, atendendo a apresentação no equipamento de 141 horas de utilização e o painel partido.

Assim, considerando a existência de um pontinho branco no ecrã da televisão, que passou a raiado, conforme ficou descrito no recibo de entrega de material de fls. 7, daí resulta a existência de desconformidade do bem.
Ademais não foi produzida prova da conformidade do bem em causa pela demandada e que a desconformidade fosse de imputar à conduta do demandante, nomeadamente a demandada não fez prova de que fosse dado mau uso ao televisor, desconhecendo-se se o número de horas constatado de utilização foi em poder do demandante ou da demandada, além de que as horas de utilização não poderão ser sinal de mau uso, uma vez que uma televisão é para ser usada, acrescendo referir que o demandante entregou o televisor com o ecrã com um pontinho branco e o ecrã, após ser analisado tecnicamente, está “partido”, o que não aconteceu nas mãos do demandante, mas posteriormente, como se comprovou.
Donde se conclui, proceder o peticionado pelo demandante na medida em que o bem em causa – a televisão – está em desconformidade com o contrato de compra e venda, uma vez que padece de vício que o desvaloriza, no caso o pontinho branco no ecrã.
Em consequência, resultou provado que, o bem vendido pela demandada e adquirido pelo demandante padece de falta de conformidade, cuja denúncia ocorreu atempadamente, pretendendo o demandante exercer o direito de resolução contratual e que efetivamente lhe assiste.
Nessa sequência, os artigos 432º, nº 1 e 436º, nº 1 do Código Civil admitem a resolução do contrato fundada na lei ou em convenção, mediante declaração à outra parte, o que o demandante efetivamente fez, até com a citação para a presente ação. Os efeitos da resolução são equiparados aos da nulidade e anulabilidade, nomeadamente quanto à obrigação de restituição do que houver sido prestado (artigos 433º, 434º e 289, nº 1 do Código Civil).
Assim sendo, considerando a peticionada restituição do valor da televisão que equivale ao direito do demandante à resolução do contrato, não há dúvida que a demandada está constituída na obrigação de pagar à demandante a quantia por este peticionada no valor de €379,00, relativo ao preço pago pelo bem adquirido.
Em linguagem simples, deve a demandada restituir a quantia paga de €379,00 ao demandante, restituindo este o bem – televisão - em causa à demandada, caso esteja na posse do demandante.
Procede, em conclusão, o peticionado pelo demandante.

Decisão
Em face do exposto, julgo a presente ação procedente, por provada, declarando resolvido o contrato de compra e venda e, em consequência, deve a demandada X, restituir ao demandante o valor de €379,00 (trezentos e setenta e nove euros), contra a entrega do bem do demandante à demandada.

Custas
Nos termos da Portaria nº 1456/2001, de 28 de dezembro, condeno a demandada X (NIF xxx) no pagamento das custas totais do processo no valor de €70,00 (setenta euros), pelo que deve proceder ao pagamento do valor de €70,00 (setenta euros), no Julgado de Paz, no prazo de três dias úteis, a contar da notificação desta sentença, sob pena do pagamento de uma sobretaxa diária de €10,00 (dez euros) por cada dia atraso, comprovando no Julgado o respetivo pagamento.
Devolva ao demandante o valor de €35,00 (trinta e cinco euros).
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A Sentença (conforme A.O., processada em computador, revista e impressa pela signatária) foi proferida nos termos do artigo 60º, nº 1 da Lei nº 78/2001, alterada pela Lei nº 54/2013.
Na data e hora agendada para leitura de sentença – 29/6/2016, pelas 16H30 – a parte demandante compareceu e ficou pessoalmente notificada, faltando a parte demandada, pelo que se procede a notificação postal da demandada.
Notifique e Registe.
Julgado de Paz da Trofa, em 29 de junho de 2016
A Juíza de Paz,
(Iria Pinto)