Sentença de Julgado de Paz | |
Processo: | 1478/2017-JPLSB |
Relator: | SOFIA CAMPOS COELHO |
Descritores: | RESPONSABILIDADE CIVIL – DANOS DECORRENTES DE ACIDENTE DE VIAÇÃO. |
Data da sentença: | 01/08/2019 |
Julgado de Paz de : | LISBOA |
Decisão Texto Integral: | Processo n.º 1478/2017 JPLSB Objecto: Responsabilidade civil – danos decorrentes de acidente de viação. Demandante: A. Mandatário: Sr. Dr. B. Demandada: C., S.A. Mandatária: Sr.ª D. RELATÓRIO: O demandante, devidamente identificado nos autos, intentou contra a demandada, também devidamente identificada nos autos, a presente ação declarativa de condenação, pedindo que esta seja condenada a pagar-lhe a quantia de € 12.719,91 (doze mil setecentos e dezanove euros e noventa e um cêntimos), acrescida de juros de mora. Para tanto, alegou os factos constantes do requerimento inicial, de folhas 1 a 15 dos autos, que aqui se dá por integralmente reproduzido, alegando, em síntese, que no dia 5 de janeiro de 2017, ocorreu um acidente de viação na Av. ….., em Lisboa, no qual o demandante foi interveniente, tendo a demandada assumido a responsabilidade do seu segurado na produção do acidente. Alega que a demandada indemnizou-o da perda total do seu veículo, mas nunca o indemnizou do período de privação de uso do mesmo desde a data do acidente até à data em que procedeu ao pagamento da indemnização pela perda total. Alega ainda que o acidente obrigou-o a realizar operação cirúrgica, tendo tido dores intensas, sido obrigado a ficar em repouso absoluto, afastando-o dos seus afazeres diários; que ficou com medo de voltar a andar em motociclo, tendo deixado de se deslocar para o trabalho em motociclo e angustiado, peticionando a condenação da demandada no pagamento de indemnização no montante de € 10.000 (dez mil euros). Juntou procuração forense e 2 documentos, que aqui se dão por integralmente reproduzidos. *** Regularmente citada, a demandada contestou (de fls. 31 a 36 dos autos, que aqui se dão por integralmente reproduzidas), aceitando a responsabilidade exclusiva do condutor do veículo matrícula 00-00-JI – seu segurado – na produção do acidente, e alegando que existindo uma situação de perda total inexiste o direito de indemnização pela privação do uso do veículo, impugnando, à cautela, o valor indemnizatório diário peticionado a este título. Alega ainda que já se predispôs indemnizar o demandante pela perda total do seu veículo e que o demandante não o aceitou. Impugna também a quantia peticionada a título de danos morais por excessiva. Juntou procuração e substabelecimento forense e 3 documentos, que aqui se dão por integralmente reproduzidos. *** A demandada afastou a mediação, pelo que foi marcada data para realização da audiência de julgamento, tendo as partes, e mandatários, sido devidamente notificados.*** Iniciada a audiência, na presença do demandante, seu mandatário e mandatário da demandada, a Juíza de Paz procurou conciliar as partes, nos termos e para os efeitos do disposto no n.º 1, do artº 26.º, da LJP, não tendo esta diligência sido bem sucedida. Foi ouvido o demandante, nos termos do disposto no art.º 57.º da LJP, e realizada a audiência de julgamento, com observância do formalismo legal, como resulta da respectiva ata, tendo sido ouvidas as testemunhas apresentadas pelo demandante. No decorrer da audiência de julgamento o demandante requereu a condenação da demandada como litigante de má fé, pelas razões e fundamentos constantes do requerimento a fls. 81 a 85 dos autos, tendo a demandada se pronunciado sobre o mesmo, pugnando pela sua improcedência. *** Nos termos do n.º 1 do art.º 306.º do Código de Processo Civil, fixa-se à causa o valor de € 12.719,91 (doze mil setecentos e dezanove euros e noventa e um cêntimos). O Julgado de Paz é competente em razão do valor, da matéria e do território. As partes são dotadas de personalidade e capacidade jurídica e são legítimas. Não existem nulidades e exceções de que cumpra conhecer ou questões prévias que obstem ao conhecimento do mérito da causa. *** FUNDAMENTAÇÃO – MATÉRIA DE FACTO Com interesse para a decisão da causa, ficou provado que: 1 – Em 05 de janeiro de 2017, pelas 18.30 horas, na Av. ………, concelho de Lisboa, ocorreu um acidente de viação no qual foram intervenientes o veículo motorizado matrícula 00-JQ-00 (doravante JQ), propriedade e conduzido pelo demandante, o veículo ligeiro de passageiro matrícula 00-64-00 (doravante JI) e o veículo ligeiro de passageiro matrícula 00-BS-00 (doravante BS) – cfr. Doc. de fls. 20 a 24 dos autos. 2 – À data do sinistro, a responsabilidade civil decorrente da circulação do JI encontrava-se transferida para a demandada Companhia de Seguros, ao abrigo do contrato de seguro automóvel, titulado pela apólice nº 000. 3 – A Companhia de Seguros demandada assumiu a responsabilidade exclusiva do condutor do JI na produção do acidente. – Doc. fls. 67 e admitido. 4 – Em 7 de fevereiro de 2017 a Companhia de Seguros demandada indemnizou o demandante pela perda do capacete, casaco, luvas e botas. 5 – Em 15 de fevereiro de 2017 a Companhia de Seguros demandada indemnizou o demandante pela perda total do JQ. 6 – Antes do acidente o motociclo era o meio privilegiado de transporte do demandante. 7 – No momento do acidente o demandante foi projectado no ar, passou por cima de um veículo e foi embater com as costas, cabeça e perna esquerda no chão, perdeu os sentidos e foi transportado de ambulância para o Hospital de São José. 8 – Obrigando-o a repouso absoluto. 9 – Tendo ficado de baixa até 27 de abril de 2017 (Doc. fls.86 e 87). 10 – O demandante teve dores e sentiu uma tristeza profunda. 11 – O demandante tinha sido operado a um fémur, tendo o acidente atrasado a sua recuperação. 12 – O demandante ficou com medo de andar de motociclo, tendo deixado de se deslocar para o trabalho em motociclo. Não ficou provado: Não se provaram mais factos com interesse para a decisão da causa, designadamente: 1 – O demandante teve pânico e medo de morrer. Motivação da matéria de facto: Para fixação da matéria fática dada como provada concorreram os factos admitidos (esclareça-se que em audiência de julgamento – cfr. ata a fls. 88 e 89 dos autos – a demandada admitiu que o demandante era proprietário do JQ, bem como que em data anterior à entrada da presente acção neste Julgado de Paz, tinha pago ao demandante indemnização pela perda total do JQ), os documentos juntos aos autos e o depoimento das testemunhas apresentadas pelo demandante. As duas testemunhas apresentadas prestaram depoimento de forma segura, convincente e demonstrando terem conhecimento directo dos factos sobre os quais depunham, tendo confirmado a este tribunal os factos acima dados como provados e prestado todos os esclarecimentos solicitados: disseram que o demandante era pessoa muito dedicado a actividades desportivas, designadamente de moto, e que após o acidente deixou de fazer partes nessas, situação que se prolonga até à data. Referiram que “o antes e o depois” do demandante é grande: antes era uma pessoa dinâmica, alegre, calma, bem disposto e com iniciativa e agora é triste, sempre preocupado, reservado, lamentando-se de não ser o que era, de estar diminuído; que está psicologicamente afectado. Disseram ainda que ficou em casa em repouso absoluto durante meses, já que tinha que anteriormente tinha sido operado a um fémur e o acidente fez atrasar a recuperação desta operação; e que quando recomeçou a trabalhar não voltou a ir de mota para o trabalho, que ficou com medo de andar de mota. Não foram provados quaisquer outros factos alegados pelas partes, dada a ausência de mobilização probatória credível, que permitisse ao tribunal aferir da veracidade desses factos, após a análise dos documentos juntos aos autos e da audição da parte e testemunhas. *** FUNDAMENTAÇÃO – MATÉRIA DE DIREITO Com a presente ação, o demandante pretende ser indemnizado dos danos, patrimoniais e não patrimoniais, para si advenientes do acidente de viação referido nos autos, cuja culpa imputa exclusivamente ao condutor do veículo seguro na demandada, fundamentando, assim, a sua pretensão indemnizatória no instituto da responsabilidade civil extracontratual. E, assumida que está a exclusiva responsabilidade do condutor seguro na demandada pela produção do acidente, e consequentemente a obrigação da Companhia de Seguros demandada de ressarcimento dos danos causados pelo acidente, resta-nos analisar a obrigação da Companhia de Seguros demandada em ressarcir o demandante dos danos peticionados nos presentes autos e logrados provar, considerando o disposto no artigo 483º, do Código Civil (“Aquele que, com dolo ou mera culpa, violar ilicitamente o direito de outrem ou qualquer disposição legal destinada a proteger interesses alheios fica obrigado a indemnizar o lesado pelos danos resultantes da violação”), bem como o disposto no art.º 562.º do Código Civil (“quem estiver obrigado a reparar um dano deve reconstituir a situação que existiria, se não se tivesse verificado o evento que obriga à reparação”). No âmbito dos danos patrimoniais, pede o demandante a condenação da demandada no pagamento de indemnização pela privação do uso do motociclo durante o período que medeia a data do acidente e a data em que a demandada o indemnizou pela perda total do JQ (15 de fevereiro de 2017), à razão diária de € 62,50 (sessenta e dois euros e cinquenta cêntimos), no montante total de € 2.625 (dois mil seiscentos e vinte e cinco euros). Quanto a esta questão prescrevem os n.ºs 1 e 2 do art.º 42.º do Decreto-Lei n.º 291/2007, de 21 de agosto, que “Verificando-se a imobilização do veículo sinistrado, o lesado tem direito a um veículo de substituição de características semelhantes a partir da data em que a empresa de seguros assuma a responsabilidade exclusiva pelo ressarcimento dos danos resultantes do acidente (…)” e “No caso de perda total do veículo imobilizado, (…) a obrigação mencionada no número anterior cessa no momento em que a empresa de seguros coloque à disposição do lesado o pagamento da indemnização”. Quer isto dizer que a legislação que regulou os procedimentos a adotar pelas empresas de seguros com vista à regularização dos litígios, de aplicação extrajudicial, prevê expressamente que no caso de perda total do veículo, existe direito a veículo de substituição até ao momento em que a empresa de seguros coloque à disposição do lesado o pagamento da indemnização e, existindo direito a veículo de substituição existirá também, consequentemente, direito a indemnização pelo incumprimento desse direito. Já no âmbito judicial, quanto à questão – direito a indemnização pela privação do uso de veículo – seguimos, a par da maioria da nossa mais recente Jurisprudência e Doutrina, que a privação de uso de um veículo constitui por si só, autonomamente, um dano indemnizável sem necessidade de comprovação de prejuízos concretos (cfr. António Abrantes Geraldes, in “Indemnização do Dano de Privação do Uso”, pág. 33-41; Menezes Leitão, in “Direito das Obrigações”, vol. I, pág. 269 e Ac. do STJ de 9.06.1996, in BMJ 457, pág. 325; Ac. Rel. do Porto de 5.02.2004, in CJ. 2004, Tomo 1, pág. 178; Ac.do STJ de 13.12.2007 e Ac do STJ de 6.05.2008, ambos in www.dgsi.pt.). Na verdade, entendemos que durante o período em que uma pessoa está privada de usar, fruir e gozar determinada coisa da sua propriedade, existe uma lesão directa do seu direito de propriedade, uma vez que o proprietário vê-se impossibilitado de usar, fruir e gozar um bem de sua propriedade, vendo-se privado de dele retirar as utilidades que presidiram à sua aquisição, ocorrendo uma lesão de um direito absoluto. Entendemos, também, que a simples possibilidade de usar, fruir e gozar um bem constituiu uma vantagem patrimonial susceptível de avaliação pecuniária, pelo que a privação do uso constitui um dano patrimonial, atento o disposto no art.º 1305.º do Código Civil, indemnizável por força do disposto nos artºs 483.º e 562.º e seguintes do mesmo Código, e que, mesmo na falta de elementos concretos que permitam quantificá-lo, ou na falta de alegação ou prova da impossibilidade de utilizar outro bem durante o período de privação, não pode deixar de ser ressarcido, com apelo à equidade, ou seja, ao prudente arbítrio do julgador, ponderadas as circunstâncias do caso, cfr. artº 566.º n.º 3 do Código Civil. E, nos tempos que correm, a utilização de um veículo automóvel faz parte, e é indispensável, ao normal decurso da vida profissional, familiar e social de praticamente todos os cidadãos. Atenta a fraca qualidade, por vezes inexistência, dos meios de transporte públicos, não são de desprezar os transtornos, aborrecimentos e perturbações que a privação do veículo sinistrado pode causar a quem o utiliza diariamente, designadamente a quem o faz no exercício da sua actividade comercial. Assim, quanto a esta questão, consideramos ser manifesto que o demandante teve transtornos e limitações decorrentes da impossibilidade de usar o veículo durante o período compreendido entre o dia do acidente – 5 de janeiro de 2017 – e o dia em que a demandada colocou à disposição do demandante o pagamento da indemnização – 15 de fevereiro de 2017, pelo que deverá ser ressarcido pela demandada. Peticiona o demandante, a este título, indemnização global no montante global de € 2.625 (dois mil seiscentos e vinte e cinco euros), à razão diária de € 62,50 (sessenta e dois euros e cinquenta cêntimos). Consideramos tal montante não só exagerado mas, principalmente, injustificado. Assim, em face dos factos provados, o veículo em causa (motociclo) e dos padrões indemnizatórios geralmente adotados na jurisprudência dos Julgados de Paz, entendemos justo e adequado fixar em € 10 (dez euros) o montante indemnizatório diário, fixando-se, assim, considerando os 42 (quarenta e dois) dias, em € 420 (quatrocentos e vinte euros) o montante a indemnizar. Pede também o demandante a condenação da demandada no pagamento de indemnização no montante de € 10.000 (dez mil euros) a título de danos morais sofridos em consequência do acidente de viação referenciados nos autos. Quanto aos danos não patrimoniais prescrevem os artigos 483.º e 496.º, do Código Civil, que os mesmos, considerando a sua gravidade, merecem a tutela do direito. Estes danos – não patrimoniais, ou morais – são "prejuízos (como as dores físicas, os desgostos morais, os vexames, a perda de prestígio, de reputação, de descanso, os complexos de ordem estética) que, sendo insusceptíveis de avaliação pecuniária, porque atingem bens (como a saúde, o bem estar, a liberdade, a beleza, a perfeição física, a honra ou o bom nome) que não integram o património do lesado, apenas podem ser compensados com a obrigação pecuniária imposta ao agente, sendo esta mais uma satisfação do que uma indemnização" (A. Varela, Das Obrigações, pág. 623). De harmonia com o disposto no n.º 1 do art. 496.°, do Código Civil, "na fixação da indemnização deve atender-se aos danos não patrimoniais que, pela sua gravidade, mereçam a tutela do direito", acrescentando o seu n.º 3 que "O montante da indemnização será fixado equitativamente pelo tribunal, tendo em atenção, em qualquer caso, as circunstâncias referidas no art. 494.° (…)" ou seja, atendendo ao grau de culpabilidade do responsável, à sua situação económica e às do lesado, aos padrões da indemnização geralmente adaptados na jurisprudência, às flutuações do valor da moeda, etc. De onde resulta que, no caso dos danos não patrimoniais, a indemnização reveste uma natureza acentuadamente mista: "por um lado, visa reparar, de algum modo, mais do que indemnizar, os danos sofridos pela pessoa lesada, por outro lado, não lhe é estranha a ideia de reprovar ou castigar, no plano civilístico e com os meios próprios do direito privado, a conduta do agente " (A. Varela, ob. cit., pág. 630). Assim, o montante da indemnização deve ser proporcionado à gravidade do dano, calculado segundo critérios de equidade e tendo em conta as circunstâncias concretas do caso. Atendendo ao elenco factual provado, é inquestionável que o demandante sofreu dores devido ao acidente: teve dores e sentiu uma tristeza profunda, teve de ficar em repouso absoluto e ficou de baixa até 27 de abril de 2017, o acidente atrasou a recuperação de cirurgia anterior e ficou com medo de andar de motociclo (até então seu meio de transporte privilegiado), tendo deixado de se deslocar para o trabalho de motociclo; é inquestionável a angustia e tristeza do demandante pelo facto de já não poder fazer os seus passeios de motociclo, como outrora fazia, de onde retirava satisfação pessoal, o que se traduz num dano biológico (“O dano biológico traduz-se na diminuição somático-psíquico do indivíduo, com natural repercussão na vida de quem o sofre” – Acórdão deste Supremo Tribunal de 4.10.2005 – Processo nº 05A2167 – in www.dgsi.pt). Tudo isto são perdas, de acordo com a nossa opinião indemnizáveis. Assim sendo, considerando os danos não patrimoniais provados, a conduta da demandada desde o momento em que teve conhecimento dos danos causados – que indemnizou o demandante da perda dos bens pessoais e perda total do veículo – o grau da culpabilidade e os padrões da indemnização geralmente adaptados na jurisprudência, principalmente dos Julgados de Paz, consideramos que o valor indemnizatório peticionado pelo demandante – € 10.000 – manifestamente exagerado, pelo que nos termos do n.º 3 do artigo 496.º, do Código Civil, fixa-se em € 4.000 (quatro mil euros) o montante indemnizatório a pagar pela demandada, ao demandante, a título de danos não patrimoniais. Quanto aos juros peticionados, verificando-se existir um retardamento da prestação por causa imputável ao devedor, constitui-se este em mora e, consequentemente, na obrigação de reparar os danos causados ao credor, o ora demandante (artigo 804º do Código Civil). Tratando-se de obrigações pecuniárias, a indemnização corresponderá aos juros a contar a partir do dia de constituição de mora (artigo 806º do Código Civil). Atento o prescrito no n.º 3, do 805.º, do Código Civil, são devidos juros de mora à taxa legal de 4% (artigo 559º do Código Civil e Portaria nº 291/03, de 8 de Março), desde a data de citação (2 de janeiro de 2018 – cfr. Doc a fls. 30 dos autos) até integral pagamento. *** Por último, vem o demandante peticionar a condenação da demandada como litigante de má fé, por deduzir pretensão cuja falta de fundamento não desconhecia, e omitir e distorcer factos ao tribunal. O instituto da litigância de má fé radica na boa fé, que deverá sempre nortear a atividade das partes de modo a que estas, conscientemente, não formulem pedidos injustos, não articulem factos contrários à verdade e não requeiram diligências meramente dilatórias. Não agindo segundo tais ditames, ficam as partes sujeitas às sanções do artigo 542.º do C.P.C. De acordo com o n.º 2 deste artigo, é considerado litigante de má fé quem, com dolo ou negligência grave, tiver deduzido pretensão ou oposição cuja falta de fundamento não devia ignorar, tiver alterado a verdade dos factos ou omitido factos relevantes, tiver praticado omissão grave do dever de cooperação e tiver feito do processo ou dos meios processuais um uso manifestamente reprovável, com o fim de obter objetivo ilegal, impedir a descoberta da verdade, entorpecer ou protelar, sem fundamento sério, a ação da justiça. Há porém que ter presente que a interpretação a dar ao artigo 542.º não poderá ser restritiva, de forma a inviabilizar o amplo direito de acesso dos cidadãos aos tribunais e a permitir o pleno exercício do contraditório. Na realidade, a apresentação de uma determinada construção jurídica, julgada manifestamente errada, não revela, por si só, que o seu autor a apresentou em violação dos princípios da boa fé e da cooperação, havendo por isso que ser-se prudente no juízo a fazer sobre a má fé processual. Para que exista litigância de má fé é necessário que a parte, com dolo ou negligência grave, tenha deduzido pretensão ou oposição cuja falta de fundamento não devia ignorar. É necessária uma actuação com intenção ou consciência de deduzir uma pretensão absurda ou infundada, cuja falta de fundamento não se ignora ou não se deva ignorar. Mas é necessário provar essa actuação com intenção ou consciência. Quando uma parte não logra provar os factos por si articulados, ou não consegue que a sua construção jurídica vingue, não se pode concluir, só por isso, pela falsidade, ou desconformidade com a verdade, da respectiva alegação, de forma a tornar legítima uma pronúncia de litigância de má fé com base no preceituado no artigo 542º, do Código de Processo Civil. Temos para nós que nos presentes autos não há factos que indiciem que a demandada tenha litigado de má fé, cremos que ao aperceber-se o lapso o requerido no art.º 2.º do seu articulado, bem como do alegado no art.º 20.º, veio aos autos corrigi-lo e desistir do peticionado. Tratou-se de lapso sem intenção ou consciência do mesmo. E, embora o desfecho da ação não tenha sido o por ela preconizado, tal não é suficiente para se concluir pela consciência de falta de fundamento. Reiteradamente temos vindo a defender que há que se ser prudente no juízo a fazer sobre a má fé processual. Assim sendo, improcede o pedido de condenação da demandada como litigante de má fé. *** DECISÃO Em face do exposto julgo a presente ação parcialmente procedente, por parcialmente provada, e consequentemente condeno a demandada a pagar ao demandante a quantia de € 4.420 (quatro mil quatrocentos e vinte euros), à qual acrescem a juros de mora, à taxa de 4%, desde 2 de janeiro de 2018 até efetivo e integral pagamento, indo no demais absolvida. Mais absolvo a demandada do pedido de condenação como litigante de má fé. *** CUSTAS Nos termos da Portaria n.º 1456/2001, de 28 de dezembro, condeno demandante e a demandada no pagamento das custas em partes iguais, que se encontram integralmente pagas. *** A presente sentença (processada em computador, revista e impressa pela signatária – art.º 18.º da LJP) foi proferida e notificada às partes e mandatários, nos termos do artigo 60.º, da LJP, que ficaram cientes de tudo quanto antecede. Registe. *** Julgado de Paz de Lisboa, 8 de janeiro de 2019 A Juíza de Paz, (Sofia Campos Coelho) |