Sentença de Julgado de Paz
Processo: 226/2022 -JPCN
Relator: JOANA SAMPAIO
Descritores: DIREITO DE PROPRIEDADE E DIREITO A SERVIDÃO DE PASSAGEM
Data da sentença: 04/24/2024
Julgado de Paz de : CANTANHEDE
Decisão Texto Integral: Proc. 226/2022 -JPCNT

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SENTENÇA

I. RELATÓRIO
XXXX e marido XXXX, com os NIF XXXX e XXX, respetivamente, residentes na Rua XXXX, nº XX, lugar de XXX, XXX Cadima, vieram intentar a presente ação declarativa, com fundamento na alínea e) do n.º 1 do art.º 9º da Lei n.º 78/2001, de 13 de julho (LJP), contra XXX e marido XXX, residentes na Rua XXXX, nº XX, lugar XXX, XXXX Cadima, pedindo que 1) seja declarado que os demandantes são os legítimos e exclusivos proprietários dos prédios que constam do artigo 1º do requerimento inicial, a chamada XXXX legítima e exclusiva proprietária do prédio que consta do artigo 9º do requerimento inicial, e que os demandados são os legítimos e exclusivos proprietários do prédio identificado no artigo 6º; e condenados os demandados a tal reconhecer; b) seja declarado que existe estabelecida a favor dos referidos prédios dos demandantes e da chamada XXX uma servidão de passagem constituída por destinação de pai de família há mais de 70 ou 80 anos, conforme descrita e identificada nos artigos 19º a 24º do requerimento inicial, a onerar o prédio dos demandados, e da chamada XXX, que não se extingue mesmo por desnecessidade, e condenados os demandados a tal reconhecer; c) declarar-se que o portão colocado no início da servidão de passagem e o rasgo referido no artigo 52º o foram por decisão unilateral dos demandados, sem o consentimento dos demandantes, e que impedem e/ou limitam o uso da servidão por parte dos demandantes, causando-lhes transtornos, incómodos, oneração gravosa, e danos de ordem patrimonial e não patrimonial; e condenados os demandados a tal reconhecer, retirando o portão e alagando o rasgo, ou entregando uma chave para o acesso pelo portão aos demandantes e retirando, ou cobrindo à face da terra, o rasgo existente; d) sejam os demandados condenados a indemnizar os demandantes por todos os prejuízos sofridos, e a sofrer, e que se computam no mínimo em 1.500,00€, e a que acrescem os que se vierem a liquidar em execução de sentença; e) condenados os demandados em sanção pecuniária compulsória no montante de 100,00€ por cada ocasião que impeçam o livre acesso à servidão ali existente, em toda a sua extensão; f) bem como nas custas do processo.
Para tanto, alegaram os factos constantes do requerimento inicial, o qual se dá aqui por integralmente reproduzido.
Para prova do por si alegado juntaram 10 (dez) documentos, que se dão por integralmente reproduzidos.
Os Demandados foram regularmente citados cfr. fls. 51 e 55 dos autos, tendo apresentado contestação (fls. 41 a 43) cujo teor aqui se reproduz integralmente.
Para prova do por si alegado juntaram 5 (cinco) documentos, que se dão por integralmente reproduzidos.
Realizada a sessão de mediação, não lograram as partes alcançar um acordo.
Pelos demandantes foi requerida a intervenção provocada de XXXX X e marido XXXXX, a qual foi admitida conforme despacho de fls. 139 e 140.
Citados (fls. 154 e 155), apresentaram o requerimento de fls. 150, através do qual requereram o chamamento dos filhos XXXXX e XXXX, o qual foi admitido conforme despacho de fls. 167 e foram regularmente citados (fls. 180 e 181).
Foi agendada e realizada a Audiência de Julgamento, a qual se desenrolou por seis sessões, na qual compareceram os Demandantes, os Chamados e os Demandados, tendo apresentado prova testemunhal e documental. Foi igualmente requerida e realizada a inspeção judicial que se realizou em cumprimento de todas as formalidades legais, conforme do respetivo auto e ata se infere.
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Verificam-se os pressupostos de regularidade da instância, já que:
O Tribunal é competente em razão do objeto, do valor, da matéria e do território, nos termos do disposto no artigo 6º nº 1, 8º, 9º nº 1 al. e), 10º e 11º, da Lei nº 78/2001, de 13 de julho, respetivamente.
As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias e são legítimas.
Não existem nulidades, exceções ou outras questões prévias a conhecer.
Fixa-se o valor da ação em €15.000,00 (quinze mil euros), cfr. posição das partes e artigos 306º n.º 1, 299º n.º 1, 297º n.º 1 do CPC, ex vi art. 63.º da Lei 78/2001, de 13 de julho, na redação que lhe foi dada pela Lei 54/2013, de 31 de julho.

ii. FUNDAMENTAÇÃO fáctica
Com relevo para a decisão da causa resultaram provados os seguintes factos:
1. Encontra-se descrito na Conservatória do Registo Predial, Comercial e Automóveis de Cantanhede, sob o nº XXXX, da freguesia de XXX, o prédio urbano, composto de casa de habitação de rés-do-chão com duas dependências, pátio e quintal, inscrito na matriz predial urbana sob o artigo XXX;
2. Encontra-se descrito na Conservatória do Registo Predial, Comercial e Automóveis de Cantanhede, sob o nº XXXX, da freguesia de XXX, o prédio rústico, composto de terra de cultura, inscrito na matriz predial rústica sob o artigo XXX;
3. Os prédios referidos em 1) e 2) advieram à propriedade da demandante XXXXX, por escritura pública de partilha da herança de XXXX E XXXX X, outorgada a XX.XX.1970 no Cartório Notarial de Cantanhede (AP X de 19XX/11/XX);
4. Encontra-se descrito na Conservatória do Registo Predial, Comercial e Automóveis de Cantanhede, sob o nº XXXX/19970107, da freguesia de XXX, o prédio urbano, composto de casa de habitação de rés-do-chão com três dependências, pátio e quintal, inscrito na matriz predial urbana sob o artigo XXX;
5. O prédio referido no ponto anterior adveio à propriedade dos demandados XXXXX e marido XXXX, por doação, da proporção de ½, de XXXX e esposa XXXX, e por compra da proporção de ½ a XXXX (AP. XX de XXX/01/07 e AP. XXX de XX/11/XX);
6. O prédio urbano inscrito na matriz com o artigo XXX localiza-se a sul do prédio inscrito na matriz com o artigo XXX, e o prédio rústico inscrito na matriz com o artigo XXX localiza-se a nascente do referido artigo XXX, e também a sul da parte de quintal deste último;
7. A nascente do prédio inscrito na matriz com o artigo XXX localiza-se ainda o prédio rústico inscrito na matriz predial rústica com o artigo XXX;
8. Encontra-se descrito na Conservatória do Registo Predial, Comercial e Automóveis de Cantanhede, sob o nº XXX/19901114, da freguesia de Cadima, o prédio rústico, composto de terra de cultura com poço, inscrito na matriz predial rústica sob o artigo XXX;
9. O prédio referido no ponto anterior adveio à propriedade da irmã da demandante, XXXXX, por escritura pública de partilha da herança de XXXX e XXXXX, outorgada a XX.XX.1970 no Cartório Notarial de Cantanhede (AP. X de XXX/11/14);
10. XXXXX, pai da demandante XXXX e chamada XXXX, era irmão de XXXX, pai da demandada XXXX;
11. XXXX (Júnior) e mulher XXXX eram os avós paternos da demandante e demandada mulheres;
12. Este XXXX tinha uma irmã, XXXX;
13. Este XXXX e irmã XXXX eram filhos de um casal, XXXX e mulher XXXX;
14. As casas da demandante e da demandada (artigos 449 e 448 respetivamente) foram construídas pelo casal de bisavós de demandante e demandada referido no ponto anterior,
15. sendo uma única habitação, comunicavam diretamente por dentro, existindo ainda a viga em pedra e o preenchimento do espaço de uma porta, e por um portão de madeira que ainda se localiza a sul do prédio urbano da demandante;
16. Eram pertença dos bisavós os prédios rústicos localizados a nascente;
17. Quando decidiram partilhar os bens localizados naquele espaço geográfico, os bisavós decidiram atribuir à filha XXXX a parte do prédio urbano sito a norte, com o quintal anexo a norte-nascente (hoje dos demandados), e ao filho XXXX a parte do prédio urbano sito a sul (hoje da demandante);
18. Bem como ficando este filho XXXX com os prédios rústicos localizados a nascente (artigos rústicos nº XXX e XXX);
19. Desde a partilha referida anteriormente pelos bisavós XXXX e mulher XXX, que aconteceu há mais de 70 ou 80 anos, o acesso aos interiores e pátios de ambos os urbanos e acesso aos limites poentes dos rústicos doados aos filhos era feito por uma faixa de terreno, num leito de terra inculta e batida, e iniciava-se junto da via pública, prolongando-se para nascente ao longo da confrontação norte do prédio urbano artigo XXX, com uma largura não inferior a 2,5 metros e numa extensão de cerca de 13 metros;
20. Uma vez chegado ao fim do espaço físico da habitação da demandada (artigo XXX), esquina norte-nascente, flete para sul, no mesmo espaço físico de largura não inferior a 2,5 metros, até atingir o portão do prédio artigo XXX, numa extensão de cerca de 5,5 metros, que dá acesso ao interior do prédio urbano artigo XXX;
21. Segue também daquela esquina norte-nascente para nascente com a mesma largura até atingir o prédio rústico artigo XXX, numa extensão de cerca de 10 metros;
22. Após o que, com a mesma largura, percorre espaço físico do prédio XXX em cerca de 5,60 metros até atingir o prédio XXX, que se localiza à esquerda;
23. E bem assim na mesma extensão e largura segue do exterior do portão do prédio XXX em direção ao início do prédio rústico XXX, e seguindo o mesmo trajeto referido no ponto anterior até ao prédio XXX;
24. Com a atribuição dos prédios aos filhos XXXX e XXX, os mesmos autonomizaram-se e deram origem aos artigos urbanos nº XXX e XXX;
25. Enquanto foram vivos estes dois irmãos, XXXX e XXX, respeitaram sempre a passagem constituída por seus pais, e o seu leito;
26. O qual foi sempre constituído por terra batida, inculta, e espaço livre e desocupado;
27. No seu prédio urbano (artigo XXX) os avós da demandante e demandada tinham um pátio que dava acesso ao interior da habitação e aos currais do gado, onde criavam porcos, vitelos, galinhas e patos;
28. E para onde transportavam com carro de vacas o mato, agulhas, fenos;
29. e de onde retiravam os estrumes para os terrenos agrícolas;
30. Pela faixa de terreno descrita supra em 19 até 23, acediam para dentro, e de dentro para fora, dos referidos prédios urbano e rústicos suprarreferidos, percorrendo o seu espaço físico;
31. De igual modo, a irmã XXX fazia o acesso ao seu prédio pela referida passagem, e permitia que o seu irmão o fizesse, do modo suprarreferido;
32. O que ambos fizeram durante algumas dezenas de anos, enquanto proprietários dos seus prédios;
33. Há mais de 50 anos, os avós da demandante e demandada XXXX e XXX partilharam os prédios pelos seus filhos, XXXX e XXXX,
34. sendo adjudicado ao pai da demandante e da XXXX (XXXXX) o prédio urbano com o artigo XXX e o rústico com o artigo XXX e XXX,
35. sendo adjudicado ao pai da demandada (XXXX), entre outros, metade indivisa do prédio urbano com o artigo XXX e o rústico com o artigo XXX;
36. A proporção de metade do artigo urbano XXX da referida XXX, porque solteira e sem filhos, foi por esta atribuído ao sobrinho XXXX (filho de seu irmão XXX e pai da demandada);
37. Enquanto os prédios estiveram na esfera jurídica dos pais e tia da demandante e demandada, foi respeitada na íntegra o uso e conservação da faixa de passagem referida supra em 19 a 23;
38. Os avós de demandante e demandada, XXX e XXX tinham uma vaca e porca criadeira, circulando sempre pela referida faixa de terreno no acesso aos seus prédios, e mais tarde o filho XXX e esposa XXX fizeram quatro currais de gado, onde a filha XXXX teve depois uma vaca, no decurso da vida deles;
39. E onde também criou vitelos no local onde hoje os demandantes fizeram uma garagem, e dali retirando os estrumes para as terras de cultivo;
40. Nesse local existia um espaço fechado com um tabuado fixo por pregos e com travessas de parede a parede para segurar;
41. E no espaço frontal exterior, lado da estrada, existia uma vala funda, com jarros plantados;
42. O que veio a ser alterado pelos demandantes, com a colocação de manilhas e realização de obras para a construção de uma garagem;
43. Tendo alargado as paredes, retirando a madeira que segurava as tábuas e uma viga grossa em madeira, colocando uma mais fina em cimento para ganhar altura e retirando as pedras de lado;
44. E colocando em 2021 um portão automático;
45. Até aos seus falecimentos sempre os pais da demandante se serviram, ao longo de dezenas de anos, da passagem descrita nos factos nº 19 a 23,
46. Seja circulando a pé, de bicicleta, com carros-de-mão, carros de vacas e com trator;
47. E desde a morte deles, com a partilha de 27 de junho de 1990, de igual modo, sempre os demandantes e a irmã e cunhada XXXX fizeram o acesso aos referidos prédios pela referida passagem, a pé, de bicicleta, de motorizada, com carros-de-mão, carros de vacas e com trator;
48. O que sempre fizeram de forma pacífica, à vista de toda a gente, sem oposição de ninguém e de forma contínua;
49. A passagem referida foi igualmente respeitada pela referida XXXX e pelo seu sobrinho XXXX, a quem doou o seu prédio urbano;
50. Por sucessão hereditária, o prédio urbano com a matriz XXX veio a ser adjudicado aos filhos do XXX, a demandada e a seu irmão XXXX, a quem esta e o marido adquiriram a sua parte;
51. Desde que são proprietários do prédio inscrito sob o artigo XXX, os demandados até ao decurso da primavera do ano de 2022, e o referido XXX não colocaram em causa a passagem descrita nos factos nº 19 a 23;
52. No decurso da primavera do ano de 2022, os demandados decidiram colocar uma corda no início da faixa de terreno referida em 19, junto à via pública, que depois substituíram por colocação de ferros em metade da passagem, e remexendo o piso daquela faixa de terreno ao longo das paredes da sua habitação;
53. Ao mesmo tempo que colocaram um rasgo com cerca de 40 a 60 cm ao longo das paredes do lado nascente;
54. Tanto os demandantes como a XXXX decidiram continuar a passar no local;
55. No dia 14 de novembro de 2022, no início da manhã, os demandados decidiram colocar um portão no local onde antes tinham a corda e os ferros;
56. Advertidos pela demandante e pela sua irmã XXXX da ilegalidade do procedimento, pelos demandados foi dito que davam uma chave à XXXX, mas que não davam chave à ora demandante;
57. Os demandantes necessitam de aceder ao seu pátio pelo portão de acesso em madeira, com trator para levar lenhas e outros produtos ou retirar outros materiais e para poder transportar o estrume para os terrenos que cultivam;
58. Situação que não tem acolhimento com a passagem do trator pelo espaço da atual garagem, pois não existe espaço de manobra adequado para o trator e atrelado;
59. Os demandantes necessitam aceder ao prédio rústico que constitui o seu quintal, e de proceder à sua fertilização com adubos e estrumes, que necessitam de transportar com trator;
60. O prédio urbano inscrito com o artigo XXX, tem comunicação direta com a via pública;
61. Consta do artigo 5º da contestação que: aquando da aquisição do prédio (artigo XXX) pelos pais da Demandante, porque também lhes foi adjudicado o quintal, correspondente à terra de cultura inscrita na respetiva matriz da freguesia de XXXX com o artigo XXX, foi deixada a passagem para acesso àquele a nascente do prédio hoje dos Demandados (artigo XXX), onerando este mesmo prédio;
62. Consta do artigo 6º da contestação que: esta servidão de passagem sobre o prédio inscrito com o artigo XXX (dos Demandados) a favor do quintal (artigo XXX) dos Demandantes, faz-se por uma faixa de terreno, que tem o seu início junto ao pátio do artigo XXX, onde existe um portão, próximo da zona dos currais, com a largura de 2,20 metros, e que se prolonga por uma faixa de terreno com a mesma largura até entestar nos quintais (terras de cultura) dos Demandados (XXX) e da chamada XXXX (XXX);
63. Consta do artigo 7º da contestação que: Os Demandados sempre respeitaram a existência e o exercício desta servidão de passagem do prédio urbano dos Demandantes para o dito quintal.
64. Consta do artigo 20º da contestação que: A passagem existente no prédio urbano com o artigo XXX dos Demandados, com uma largura de cerca de 2,20 m, que tem o seu início junto à via pública, a poente, e se prolonga para nascente ao longo da estrema norte do prédio urbano daqueles, passando entre o saneamento das águas residuais do prédio e a linha da sua estrema divisória, apenas se destina ao acesso e à circulação dos próprios Demandados e de acesso ao prédio com o artigo XXX da chamada XXXX, que é prédio encravado por não ter comunicação direta com a via pública e aqueles quem forneceram um exemplar da chave do portão que ali colocaram para vedação do seu prédio.
65. Na pendência dos presentes autos, a propriedade do prédio referido no ponto 8) (matriz XXX) foi transmitida a XXXX e XXX por doação efetuada por XXXX (AP. XXX de XX/01/XX);
66. XXXX e XXX casaram, sem convenção antenupcial, no regime da comunhão de bens adquiridos, no dia 18 de abril de 1997.

Por falta de mobilidade probatória ou prova minimamente credível e suscetível de convencer o Tribunal da pertinente factualidade não resultou provado, com interesse para a decisão da causa, que:
a) Por referência ao facto provado nº 53, que foi com o objetivo de limitar o espaço físico, no local do rasgo;
b) Com as suas condutas, os demandados vêm causando imensos incómodos e prejuízos aos demandantes;
c) O acesso ao pátio e à da habitação dos Demandantes sempre se fez pela via pública;
d) Os Demandantes, quando solicitaram a ajuda do Demandado para retirar o entulho que resultou de obras de beneficiação no prédio urbano dos Demandantes, o trator, conduzido por aquele, entrou e saiu pelo portão do prédio destes que deita diretamente para a via pública, que desde sempre existiu;
e) O próprio empreiteiro entrava com o veículo transportador pelo portão da casa dos Demandantes;
f) Os Demandantes pediram autorização aos Demandados para aceder pelo prédio destes com materiais de construção para a execução de uma cobertura na casa daqueles, assim como pediram autorização para passagem do seu carro quando foi executada a obra pública do saneamento;
g) Também solicitaram a autorização para que a máquina do “XX XX” acedesse ao prédio com areia ao prédio pelo portão da casa dos Demandantes;
h) Por várias vezes, pediram autorização para passar com lenha;
i) Antes de os Demandantes terem colocado um portão automático a deitar diretamente para a via pública, a poente, na sua habitação, sempre existiu no mesmo sítio um portão em madeira, que aquele veio substituir;
j) Os Demandantes só após a colocação do portão automático é que começaram a reclamar passar pelo prédio dos Demandados para aceder ao pátio da sua casa.

A convicção do Tribunal, relativamente à factualidade supra descrita, resulta da conjugação ponderada do acordo das partes, das declarações de parte, dos depoimentos e confissão de parte (art.º 356º nº 1 e 2 do CC), dos documentos juntos aos autos pelas partes, da prova testemunhal e da inspeção judicial, tendo em conta o princípio da livre apreciação da prova previsto no artigo 607º, nº 5 do CPC, aplicável subsidiariamente por força do disposto no artigo 63º da Lei nº 78/2001, de 13 de julho e no artigo 396º do Código Civil (CC).
A inspeção judicial aos imóveis das partes permitiu ao tribunal perceber a concreta configuração, a composição, localização e delimitação dos prédios dos intervenientes, bem como foi fundamental para constatar a existência de sinais visíveis de serventia do prédio da matriz XXX para os prédios das matrizes XXX e XXX e XXX e da matriz XXX para a XXX. Permitiu, de igual modo, constatar a atuação que é imputável aos demandados, nomeadamente a colocação e existência do portão na confrontação poente, junto à via pública, as obras no exterior da habitação e na confrontação norte/nascente, bem como o rasgo desde a quina da habitação existente no prédio dos demandados até ao portão existente nos prédios dos demandantes (sentido norte/sul).
As duas deslocações do Tribunal ao local, permitiram também fazer uma melhor contextualização dos depoimentos das testemunhas.
Das testemunhas apresentadas pelos demandados, não foi considerado o depoimento da testemunha XXXX pelo facto de o mesmo não ter revelado conhecimento sobre os factos controvertidos, nomeadamente sobre os prédios urbanos e rústicos e respetivos proprietários nem sobre os acessos aos mesmos (“nunca soube nem ligava a entradas ou saídas”, “não conheço nada para trás” – referindo-se aos quintais).
Concretizando, os factos provados nº 1 a 18 resultaram desde logo do acordo das partes, já que não foram objeto de impugnação. Sobre os factos nº 10 a 18 foi recolhido o depoimento de parte da demandada mulher, tendo a mesma confessado a factualidade ali inserta com exceção, no facto 12 do apelido “XXXX”, do facto 13, pois declarou desconhecer o nome dos bisavós, e no facto 15 o que consta para além de “habitação” (fls. 225).
Os demandados em sede de contestação não colocaram em causa a proveniência dos prédios referidos em tais factos, nomeadamente os com as matrizes XXX, XXX, XXX e XXX, aceitando que os mesmos fizessem parte do acervo patrimonial dos bisavós paternos de demandante e demandada mulher, não impugnando as transmissões subsequentes dos referidos prédios, tal e qual nos termos alegados pelos demandantes. Bem assim, não obstante esta factualidade estar assente por acordo das partes, foi admitido o depoimento de parte da demandada sobre a mesma e, tal como se referiu, a demandada manteve a posição assumida em sede de contestação, através da confissão que se referiu.
Posteriormente ao depoimento da demandada e no decorrer da audiência de julgamento, a chamada XXXX referiu que o prédio com o artigo XXX, hoje propriedade da irmã XXXX aqui demandante, foi comprado pelo pai (XXXXX) a uns senhores que foram para o Brasil, e não herança do avô XXXX (fls. 228), tal como declarou o filho da XXX, XXX; apesar de questionados sobre quando e a quem foi o prédio XXXX comprado pelo pai, a chamada nada mais soube dizer.
As declarações da chamada e do seu filho não foram corroboradas por outro meio de prova e não foram suficientes para por em causa a posição das partes vertida nos articulados, nomeadamente a dos demandados que aceitaram que tal prédio proviesse do património dos bisavós.
Efetivamente, não foi produzida prova objetiva que permitisse a este Tribunal formar convicção diferente sobre a proveniência do artigo XXXX e a sua entrada no acervo patrimonial da família da demandante e demandada mulheres.
Sobre isto foi referido pela testemunha XXXXX que o “ti XXX” (ou seja, o avô da demandante e chamada XXXX, fazia no local “uma nesga de renda e depois comprou-a”, sendo que quando lá ia com o trator fazer trabalhos, fazia tudo; mais disse que essa nesga ou leira agora pertence à XXXX (repare-se que esta testemunha diz que foi o avô da demandante que comprou, ao passo que a chamada diz que foi o pai); a testemunha XXXX referiu que quando veio de França ficou a saber (em 1986 ou 1987) que o pai da XXXX tinha comprado um bocado de terra que corresponde ao que agora é da demandante, desconhecendo que aquela leira já lhe pertencesse ou fosse amanhada por aquele; nenhuma das testemunhas soube dizer a quem comprou ou quando comprou. O depoimento desta última testemunha, avaliado com reservas já que não tem boas relações com os demandantes, foi contrariado, a este respeito, pelo depoimento da testemunha XXXXX, que se mostrou sério e espontâneo. Esta referiu que quando casou, em 1969, foi viver para casa dos sogros, XXXXX e XXXX, e nessa altura, já o sogro tinha os dois quintais (XXX e XXX) que depois ficaram a pertencer às cunhadas (XXX e XXXX).
A documentação que consta dos autos não é igualmente suficiente para corroborar a afirmação genérica da chamada XXXX. O registo predial apenas contém a menção da aquisição a favor da demandante, por efeito da partilha da herança dos pais, já que o prédio não estava descrito no registo predial (Ap. 2 de 1990/11/14 - fls. 282). Da caderneta predial rústica de fls. 295 e 296 consta como antepossuidor somente XXXX, ou seja, o pai da demandante.
Da escritura pública de doação e partilha de fls. 310 e seguintes (outorgada em 19.06.1974) consta que os avós XXXXX e XXX doaram aos seus filhos XXXX e XXXX um conjunto de bens imóveis entre os quais consta metade indivisa do artigo urbano XX, o XX, o XXX e o XXX, que depois foram partilhados pelos filhos. O facto de o artigo XXX não constar de tal lista não pode, a nosso ver, significar a certeza de que tal prédio não pertencia ou não pertenceu aos referidos ali donatários. Pode ter havido um lapso na relação de bens, pode ter ocorrido uma transmissão anterior ao ato em análise, pode a inscrição ter alguma imprecisão (nas áreas, confrontações, na identificação dos titulares, etc.); razão pela qual o Tribunal não considerou estes elementos documentais suficientes para, por si, abalar a convicção das partes que nos foi apresentada.
A prova documental - informação do registo predial de fls. 282, 283, cópia da Escritura Pública de Partilha de 27 de junho de 1990, exarada de fls. 40 verso a fls. 43 verso do Livro XX-C do Cartório Notarial de Cantanhede (fls. 12 a 23), informação do registo predial de fls. 268 a 270 e 257 a 259, foi igualmente relevante na consideração dos factos nº 1, 2, 3, 4, 5, 8 e 9.
Os factos nº 19, 20, 21, 22 e 23 resultaram da conjugação dos seguintes elementos: os factos nº 22 e 23 do acordo das partes, já que não foram objeto de impugnação; os demandados, desde logo, em sede de contestação confessaram que o acesso ao prédio com a matriz XXX era efetuado desde o portão existente no artigo XX e percorrendo o espaço do artigo XX até embocar no prédio XXX e depois deste para o XXX (artigos 5º, 6º e 7º da contestação – factos provados 61, 62 e 63), confissão reforçada em sede de depoimento de parte da demandada XXXX. Os demandados impugnaram (art.º 8º da contestação) porém, o acesso desde a via pública direto até ao XXX e desde a via pública até ao referido portão do artigo urbano XX (tal como descrito no facto provado nº 19 e 20). Já relativamente ao acesso para o artigo XXX, os demandados confessaram (artigo 20 da contestação – facto provado nº 64) que o mesmo era efetuado desde a via pública, percorrendo o caminho identificado no artigo XX até ao XX.
A confissão em sede de contestação foi valorada nos termos do disposto nos artigos 356º nº 1 e 358º nº 1 do CC, artigos 46º e 465º do CPC; tal confissão não foi retirada pelos demandados, pelo contrário, foi reiterada em sede depoimento de parte da demandada mulher (artigo 356.º nº 2 do CPC) e foi compatível com a posição demonstrada pelos demandados, desde logo, em sede de inspeção judicial, já que apresentaram proposta para mudar o trajeto da servidão de passagem (à semelhança do que apresentaram na contestação posterior ao requerimento inicial aperfeiçoado – fls. 130 a 131); ou seja, só podem pretender mudar o que reconhecem existir!
Portanto, com a confissão dos demandados, os factos controvertidos resumem-se ao acesso desde o prédio XXX a poente (via pública) para o interior do artigo XXX e para o artigo XXX.
Foi tido em consideração o depoimento das testemunhas apresentadas pelos demandantes, as quais todas, sem exceção, se referiam ao acesso como “serventia”, entre as quais XXXX (nascida em 1947), a qual declarou ter vivido, após o casamento (1969) com o falecido irmão da demandante, na casa dos sogros. A testemunha revelou conhecer os prédios dos intervenientes, e quem vivia nos mesmos, dizendo que, na casa onde viveu vivia o falecido marido e as irmãs XXX e XXX, os pais e os avós paternos; na casa ao lado viviam os pais da demandada, a demandada e o irmão e a tia XXX (irmã do avô XXX). A testemunha revelou ter uma relação próxima com a família, os pais e avós do marido, dizendo que a ajudaram a criar o filho que tinha 11 meses quando o marido foi para Angola para a guerra. Apesar da emotividade com que depôs, a testemunha mostrou-se séria e espontânea. Relativamente a acessos, explicou que o acesso para as duas casas, a pé, de bicicleta e carroça, era efetuado pela entrada ao pé da estrada, na lateral do artigo XXX, na qual existiam duas lajes e hoje foi colocado um portão; disse que a entrada sempre esteve livre, aberta e eram quatro famílias a passar por ali; referiu que o acesso para o XXX era por aquela entrada junto à estrada (na lateral do XXX) e seguiam até ao portão de madeira existente atrás; dali saiam para os quintais (XXX e XXX).
A testemunha referiu que os avós, os sogros e ela, também criavam animais, tinham currais e andava com eles a trabalhar, tinham carroça, iam buscar mato aos pinhais e entravam e saiam pelo portão de madeira existente na estrema norte do artigo XXX e dali passavam pelo XXX para a estrada; faziam-no sem que tivessem de pedir autorização a alguém e nunca tal passagem lhes foi barrada. Referiu que até recentemente o acesso era feito da forma que descreveu, relatando que tem uma mota e costumava levá-la ao cunhado XXXX, marido da XXXX, para arranjar e sempre entrou para a casa dele pela serventia que inicia na estrada até ao portão de madeira existente na estrema norte do artigo XXX; mais disse que os matadoiros iam por tal acesso para matar os porcos ao sogro, tal como os tratoristas (o XXXX) por lá passavam.
Foi igualmente apresentado XXXX (nascido em 1954), tratorista, o qual declarou que conhece perfeitamente as casas das partes, desde o tempo dos avós, para os quais o pai carregou mato; identificou as famílias que viveram nas duas casas e disse que trabalhou para os pais das partes (ia lavrar, escarificar, levar mato, tirar estrume para as terras de longe); a testemunha explicou que entrava de marcha atrás nas lajes de pedra pela serventia, o mato para o XXXX (pai demandante) deixava encostado ao portão de madeira e para o irmão (XXXX) deixava do outro lado, onde hoje fez uma cozinha. A testemunha referiu que até há dois anos sempre o acesso foi pela rua, tendo lá ido muitas vezes e nunca ninguém lhe disse que não podia entrar.
Descrevendo as manobras que fazia quando prestava serviços para aquelas famílias, a testemunha disse que nunca entrou com o trator dentro do pátio do art.º XXX mas deixava o atrelado fora, junto ao portão existente na estrema norte do artigo XXX e eles carregavam o estrume para dentro do atrelado; disse que, desde que os demandados construíram a marquise não entrou mais com o atrelado, porque a esquina da marquise não permite a manobra para descarregar ou carregar, pelo que desde aí só leva o trator para fresar e lavrar.
Foi ouvida a testemunha XXXX (nascido em 1962), vizinho, declarou que conhece as casas das partes e identificou as famílias que viveram nas duas casas, dizendo que até aos 10, 12 anos ia para lá ter com o XXX, irmão da demandada. Relativamente aos acessos a testemunha disse que era pela serventia que todos passavam, era uma família muito unida; passavam de carroça de vacas; que chegou a fazer enxertos de árvores nos quintais atrás e eles entravam pela serventia para o pátio (do 449) e depois para os quintais, dizendo que as três gerações que acompanhou, sempre por ali passaram.
A testemunha referiu que em frente às casas existia uma valeta funda que recebia água que vinha de cima e existia uma ponte com 3 lajes de pedra para a serventia, para permitir a entrada e passagem.
Foi igualmente ouvida a testemunha XXXXX (nascido em 1950), agricultor, que declarou que conhece as casas das partes e identificou as famílias que viveram nas duas casas, dizendo que andou na escola com o XXX, falecido irmão da demandante e por isso frequentou a casa deles. Sobre acessos referiu que entravam pela serventia, no pátio do XXX havia uma estrumeira e currais, estando as casas separadas pelo muro e portão; disse que as filhas e a mãe passavam com o gado e entravam pelo portão a existente na estrema norte do artigo XXX, passavam a pé, de bicicleta, carro de mão, costumando levar agulha e mato que juntavam no pinhal perto de si. Disse que existiam lajes de pedra na serventia para passar com a carroça e as vacas. Esta testemunha referiu que as famílias ali passavam “como se fosse deles” nunca tendo visto alguém a pedir autorização ou a impedir a passagem.
A testemunha XXXXX (nascida em 1952), por sua vez, referiu ter andado com a XXX na escola e costumar chamá-la da serventia, do caminho por onde passava o carro de vacas com palhas, para irem juntas para a escola.
Quanto às testemunhas apresentadas pelos demandados, de referir que todas, sem exceção, espontânea e igualmente se referiram à passagem como “serventia”.
A respeito da factualidade provada que nos encontramos a fundamentar, a XXXX (nascido em 1962), irmão da demandada, referiu que o seu tio (pai da demandante) passava pelo portão que disse existir na frente da casa e também “pelo lado de cá da serventia” quando era coisas para levar para o quintal; quando trazia coisas do quintal entrava para o pátio de casa pelo portão existente na estrema norte do artigo XXX. Esta testemunha referiu que a prima XXX mantinha a mesma dinâmica; relativamente à prima XXX, disse que “passava pelo nosso lado para ir ao quintal” e desde que saiu de casa dos pais e “foi morar para a frente só passava pelo nosso lado”, isto há mais de 40, 50 anos.
Questionado diretamente sobre os avós, referiu recordar-se bem deles e descreveu que tinham animais e usavam o carro das vacas, sendo que se fossem para os quintais iam pelo portão de trás (existente na estrema norte do artigo XXX), se fossem para outras terras iam pelo portão que disse existir na frente da casa deles, “mas não digo que nunca passassem pela serventia, saíam pelos dois”; se fosse de bicicleta, disse que o avô saía mais “pelo nosso lado”.
Esta testemunha referiu que “viviam quase em comunidade” e davam-se todos bem, e apesar de o pai lhes dizer que “não deviam passagem”, “como era família, dava para toda a gente”, nunca tendo o seu pai impedido que o irmão lá passasse, nem a mãe que faleceu posteriormente; tal como ele, disse, nunca impediu ninguém de lá passar; não residia lá (vive há 35 anos em Coimbra) mas mesmo que os visse a passar não dizia nada; questionado “se respeitava a história”, respondeu sim.
Ou seja, esta testemunha dos demandados, apesar de descrever a existência de uma entrada pela rua para a casa dos tios, refere-se ao acesso pela estrada e junto à habitação existente no XXX como “serventia”, admite que os tios e os avós passavam por tal “serventia” para entrar e sair da casa e pátio (XXX), bem como para acederem aos quintais e dos quintais para a habitação, reforçando a convicção que foi possível formar com a audição das testemunhas dos demandantes.
Foi igualmente tida em consideração a prova documental junta aos autos, nomeadamente, a imagem fotográfica de fls. 100 junta pelos demandantes na qual é possível verificar as lajes de pedra que permitiam o acesso e passagem ao lado da habitação hoje dos demandados; a imagem (de 2020) satélite de fls. 45 junta pelos demandados (que, ao contrário da junta pelos demandantes com o ri, não tem anotações) permite ver como está demarcado no solo o leito do caminho desde a estrada até aos quintais e desde o portão a existente na estrema norte do artigo XXX para os mesmos quintais; nesta imagem não é tão visível o traçado desde a quina da habitação do XX até ao portão do XXX, o que bem se compreende pela alteração nos usos da família da demandante, que as testemunhas e partes descreveram - deixaram de ter e criar animais, deixaram de usar carroça, de fazer o estrume (O demandante XXX disse que compram fora), que não têm trator, e criaram uma garagem com acesso pela estrada, fazendo com que entrem a pé e de carro no seu prédio pela estrada e se sirvam da entrada pela denominada serventia apenas para veículos agrícolas, nomeadamente o tratorista que contratam fresar o quintal.
A inspeção ao local foi determinante quanto à confirmação e visualização da existência de um portão na estrema norte do artigo XX que deita para o espaço do prédio XX, do traçado no solo e marcas da passagem desde a rua a poente para os quintais a nascente, ainda que no espaço da rua até à quina da construção existente no XX tenha sido possível visualizar que aquele traçado não estava demarcado pela intervenção dos demandados com as obras que fizeram, tanto na habitação e sua canalização como na colocação do portão (situações a que nos iremos referir mais à frente).
Pela conjugação objetiva de todos os elementos referidos, o Tribunal ficou convencido de que os pais da demandante, à semelhança do que faziam os seus antecessores, acediam ao interior do prédio urbano XX pela faixa de terreno, de terra batida, situada na confrontação norte do artigo XX, que terminava no portão de madeira (ainda) localizado no muro confrontação norte do artigo XX; de igual modo, acediam por aquela faixa para os quintais a nascente (matrizes XX e XX), tal como do referido portão de madeira existente no XX, atravessando o espaço do prédio XX para os mesmos quintais. Esta utilização, ficou igualmente o Tribunal convencido, foi motivada pelo facto de os prédios terem pertencido aos bisavós da demandante e demandada, que construíram as casas e dividiram para os dois filhos (a testemunha XXXX disse que os sogros lhe disseram à lareira que os pais tinham passado por muitas dificuldades para construírem aquelas duas casas para deixar aos dois filhos) e atentas as boas relações entre todos (e certamente não prevendo que um dia existissem conflitos como os que hoje julgamos).
O facto provado nº 24 resultou da confissão da demandada bem como da prova documental de fls. 285 a 292 – cadernetas prediais dos artigos XX e XX com certificação dos antepossuidores, da qual constam como primeiros antepossuidores inscritos no artigo XXX XXXX e XXXXX, cada um com a proporção de ½; e no artigo XX, XXXX com a proporção de 1/1;
Os factos nº 25 e 37 resultaram das declarações das testemunhas apresentadas pelos demandantes e irmão da demandada que declararam nunca ter sido motivo de conflito entre os irmãos a passagem ou acesso aos prédios; a demandada, em depoimento de parte, confessou tal factualidade, recusando, porém, denominar a passagem por servidão.
Os factos nº 26, 27, 28 e 29 resultaram da confissão da demandada; as testemunhas dos demandantes e o irmão da demandada também corroboraram tal factualidade.
Os factos nº 30, 31 e 32 (veja-se o referido a propósito dos factos nº 19 a 23).
Os factos nº 33, 34 e 36 resultaram da confissão da demandada e declarações de parte dos demandantes.
O facto nº 35 resultou da instrução da acusa e da prova documental – caderneta predial com registo dos antepossuidores de fls. 286 a 290 referente ao prédio inscrito com a matriz urbana XX; escritura pública de doação e partilha de XX.XX.1974 (fls. 309).
Os factos nº 38 e 39 resultaram do depoimento das testemunhas apresentadas pelos demandantes e pela demandada, XXXX, os quais confirmaram que a família da demandante tinha animais e currais de gado, nos termos que melhor expusemos atrás.
Os factos nº 40, 41, 42, 43 e 44, resultaram das declarações dos demandantes, da prova testemunhal e documental. As testemunhas XXXX referiram existir no prédio hoje da demandante um tapado em madeira composto de ripas pregadas, fixas, onde o sogro colocava lenha para o inverno, o qual não servia de passagem; existia em frente à casa uma vala com água a correr e plantados jarros; o XXXXXXX referiu igualmente a existência de jarros plantados em frente à casa e a vala, bem como o tabuado fixo onde tinham lenham e criavam dentro o gado; XXXXX referiu-se igualmente ao tabuado fixo com pregos e à valeta funda; XXXX referiu-se ao tabuado dizendo que não se recorda de o ver a abrir, como se fosse portão, e confirmou a existência de jarros plantados na frente casa e da valeta com água a correr, que impedia a passagem da carroça.
As testemunhas referiram igualmente que foi o marido da demandante que retirou aquele tabuado, fez obras para garagem e colocou um portão automático.
Foi igualmente tida em consideração a imagem fotográfica de fls. 100, a qual o chamado XXX (46 anos de idade) disse ter tirado nos anos 90 quando o pai lhe trouxe a máquina fotográfica da Suíça (situação corroborada pela chamada XXXX). Tal imagem retrata a factualidade descrita pelas testemunhas referidas, ou seja, a existência de um conjunto de tábuas, empenadas, e de uma viga em madeira superior onde parecem pregadas e jarros na sua frente, não sendo visível sinal de passagem pelo espaço frontal ao tabuado (repare-se nos vigorosos e altos jarros). Na referida fotografia é visível uma rampa ou pedra para entrada junto à porta, porta que as testemunhas identificaram como sendo da sala e por onde disseram entrar ou sair nos funerais, na Páscoa e quando iam para o baile.
A este respeito a testemunha XXX referiu que no espaço do chamado tabuado existia um portão que abria e que há 40 anos abria para a rua, desconhecendo se esteve fechado muito tempo; descreveu a existência da vala em frente à casa e de por ali passar água, em especial nos invernos, e os jarros plantados. Confrontado com a fotografia de fls. 100 e com a informação de que teria sido tirada nos anos 90, admitiu que em 1990 já não passassem pelo portão que disse existir no lugar do tabuado.
Por sua vez, a testemunha XXXXX referiu que viu os avós a sair pelo portão da frente onde hoje está um portão elétrico, o qual era constituído por duas folhas de tábuas, em bom estado, abria para dentro e fechava com tramela. O depoimento desta testemunha não nos mereceu credibilidade devido ao facto de o mesmo, como dissemos, estar de mal com os demandantes e se mostrar interessado (por motivos que não ficamos a conhecer) face ao desfecho dos presentes autos, mas também, porque incorreu em incongruências face aos restantes depoimentos e elementos probatórios produzidos. Vejamos, a testemunha disse que os portões foram feitos logo que foram feitas as casas, mas questionado se presenciou ou acompanhou estas obras, disse que não e nem sabe quem fez as casas; a entrada para o tabuado/portão de madeira da casa dos demandantes disse que era através de lajes colocadas sobre a valeta, não se recordando de ver jarros em frente ao mesmo; confrontado com a fotografia de fls. 100 a testemunha disse que o portão que referiu corresponde ao tabuado ali fotografado mas não conseguiu identificar a tramela nem soube explicar o facto de as tábuas se encontrarem empenadas.
Portanto, fazendo a análise do conjunto dos depoimentos, pareceu-nos mais credível a versão dos demandantes sobre a não existência de portão na frente da casa e do caráter fixo do tabuado ali existente, até ser substituído pelo demandante marido por um portão.
Os factos nº 45, 46, 47, 48, 49, 50 e 51 – veja-se a fundamentação escrita a propósito dos factos nº 19 a 23; quanto ao facto nº 45 resultou também da confissão da demandada (com exceção da parte referente à circulação de bicicleta); o facto nº 50 resultou do acordo das partes.
Os factos nº 52, 53, 55 e 56 resultaram da confissão da demandada.
O facto nº 54º resultou das declarações das partes.
Os factos nº 57, 58 e 59 resultaram das declarações dos demandantes e chamados e da prova testemunhal apresentada pelos demandantes, nomeadamente a testemunha XXXX, a qual explicou que o trator com a fresa ou arados não consegue entrar para o prédio com a matriz XXX pelo portão automático da garagem que o marido da demandante colocou, a deitar para a rua; explicou que não tem ângulo suficiente para fazer as manobras necessárias para entrar pelo portão da rua e sair pelo portão de madeira que dá para os quintais.
Questionado sobre as medidas do trator e do atrelado que habitualmente utiliza nos serviços de preparação dos quintais dos aqui demandantes e sobre o trator que o demandado utiliza, disse que o do demandado é muito mais pequeno, é um minitrator, sem semelhança com o que o próprio usa nos trabalhos que presta.
A inspeção judicial também teve o préstimo de atribuir credibilidade ao depoimento da testemunha referida; apesar de não ter sido testado o acesso e circulação com trator, permitiu visualizar o pátio e respetiva configuração e composição do mesmo, percebendo-se a dificuldade na manobra do trator. Os demandados, a propósito, juntaram aos autos os documentos de fls. 237 a 240 referentes a imagens e especificações técnicas de dois tratores de pequenas dimensões, os quais, como disseram, conseguiriam entrar no pátio do prédio com a matriz XXX e fazer as manobras necessárias para sair para os quintais pelo portão existente na lateral. Ainda que assim fosse, resultou das declarações das partes que os demandantes não têm trator próprio, pagando ao tratorista (no caso o XXX) para que lhes faça os trabalhos que envolvem a necessidade do trator; mais resultou que aquele tratorista faz com habitualidade aqueles trabalhos, detendo para o efeito um trator com dimensões comerciais, não sendo fácil (nem normal) encontrar quem faça tais trabalhos com um trator de pequenas dimensões.
Relativamente ao facto nº 60, a inspeção judicial permitiu corroborar a informação sobre a confrontação poente (estrada/rua) que consta do registo predial do prédio com a matriz XX.
Os factos nº 61, 62, 63 e 64 resultam da contestação de fls. 128 a 131.
O facto nº 65 resulta da informação do registo predial de fls. 158 e 159.
O facto nº 66 resulta do assento de casamento de fls. 279.
Quanto aos factos não provados:
Alínea a): da prova produzida, nomeadamente das declarações da demandada e da testemunha XXXXX, que executou as obras no prédio dos demandados, resultou que o rasgo efetuado junto às paredes do prédio urbano com a matriz 448, ainda que tivesse sido efetuado no espaço que anteriormente já servia para a passagem, foi necessário para esconder e proteger a canalização da casa.
Alínea b): por ausência de prova; os demandantes, além de terem alegado de forma genérica que as condutas dos demandados lhe causaram danos de ordem patrimonial e não patrimonial, não concretizando a que danos se referiam, não apresentaram prova que permitisse a este Tribunal formar a convicção de quais e quantos foram os danos causados pelos demandados com o impedimento da passagem dos demandantes. O facto de as testemunhas XXXX, XXXX e XXXX terem referido genericamente que a situação causou muitos incómodos e arrelias aos demandantes, e a testemunha António Pereira que os deixou tristes, não foi suficiente para concretizar a parca alegação referida.
Alínea j): por ausência de prova.
Alíneas c) e i): veja-se o que referimos supra a propósito dos factos provados 40 a 44 e das testemunhas dos demandados XXX e XXXX que referiram existir no lugar de um tabuado fixo um portão de madeira.
Alíneas d), e), f), g), h) e j): por total ausência de prova.

III. FUNDAMENTAÇÃO JURÍDICA
Relativamente ao pedido deduzido sob a alínea a): pedem os demandantes que seja declarado que são os legítimos e exclusivos proprietários dos prédios que constam do artigo 1º do requerimento inicial (com as matrizes XXX e XXX), a chamada XXXX legítima e exclusiva proprietária do prédio que consta do artigo 9º do mesmo articulado (matriz XXX), e que os demandados são os legítimos e exclusivos proprietários do prédio identificado no artigo 6º (matriz XXX); e condenados os demandados a tal reconhecer.
Conforme fizemos referência na fundamentação fáctica dos factos provados nº 1 a 18, o direito de propriedade dos demandantes, demandados e chamados foi factualidade aceite por todos os intervenientes.
O artigo 1316º do CC enumera os modos de aquisição da propriedade: contrato, sucessão por morte, usucapião, ocupação e acessão.
Assim, para se reconhecer alguém como proprietário de um bem é necessário que esse interessado prove a aquisição desse direito por uma daquelas formas.
Com efeito, o artigo 7º do Código do Registo Predial (CRP) vem facilitar aquela prova a quem tenha o bem – imóvel – registado em seu nome, estabelecendo a presunção da respetiva propriedade.
Prescreve a citada norma que “O registo definitivo constitui presunção de que o direito existe e pertence ao titular inscrito, nos precisos termos em que o registo o define”.
Assim, a inscrição no registo da aquisição em nome do reclamante faz presumir que o direito registado lhe pertence – artigo 7.º do CRP – e, quem tem a seu favor presunção legal, escusa de provar o facto que a ela conduz – artigo 350.º, n.º 1 do CC.
No caso em análise, os demandantes alegam ser proprietários dos prédios inscritos com as matrizes XXX e XXX, por disporem de título legítimo de aquisição e inscrição, factualidade que não foi controvertida como referimos.
Resultou provado que tais prédios se encontram inscritos e descritos a favor da demandante XXXX na conservatória do registo predial, beneficiando, pois, aquela demandante da presunção (não ilidida) resultante do registo, pelo que é de considerar incontestada a sua qualidade de proprietária.
Consta da informação do registo predial que a aquisição da demandante (registada em 14.11.1990) fora enquanto solteira e o casamento com o demandante XXXXX teve lugar em 18 de abril de 1997, sob o regime da comunhão de bens adquiridos (assento de casamento de fls. 279), razão pela qual os bens em análise são bens próprios da demandante mulher (artigo 1722.º al. a) do CC), procedendo o pedido deduzido sob a alínea a) apenas em relação à demandante XXXX e já não quanto ao marido XXXX.
Resultou provado que o prédio inscrito com a matriz XXX se encontra inscrito e descrito na conservatória do registo predial, a favor dos chamados XXXXX e XXXXX, por doação efetuada por XXXX, beneficiando, pois, aqueles da presunção (não ilidida) resultante do registo, pelo que é de considerar incontestada a sua qualidade de proprietários.
Relativamente ao pedido de reconhecimento do direito de propriedade dos demandados sobre o prédio inscrito com a matriz XXX, é nosso entendimento que os demandantes não possuem legitimidade processual para requerer o reconhecimento do direito de propriedade em nome dos demandados, por falta de interesse direto em demandar, conforme prevê ao artigo 30º, número 1, 1.ª parte e número 2, 1.ª parte do Código de Processo Civil, aqui aplicável por remissão do artigo 63º da Lei dos Julgados de Paz, pelo que, nesta parte, tem o pedido de improceder.

Relativamente aos pedidos deduzidos sob as alínea b) e c): do reconhecimento do direito de servidão de passagem sobre o prédio inscrito no artigo matricial urbano XXX, constituído por destinação de pai de família, a favor dos prédios inscritos nos artigos matriciais rústicos XXXX e XXXX e urbano XXX; e condenação dos demandados a retirar o portão e alagando o rasgo, ou a entregar uma chave do portão e cobrir à face da terra o rasgo existente.
Pedem os demandantes que seja declarado que existe estabelecida a favor dos prédios com as matrizes XXX, XXX e XXX uma servidão de passagem constituída por destinação de pai de família há mais de 70 ou 80 anos, conforme descrita e identificada nos artigos 19º a 24º do articulado, a onerar o prédio com a matriz XXX dos demandados, e XXXX da chamada XXXX, que não se extingue mesmo por desnecessidade, e condenados os demandados a tal reconhecer.
Relativamente ao pedido de reconhecimento da existência do direito de servidão a onerar o prédio XXXX, refira-se desde já que o mesmo tem de improceder, pois tendo sido os proprietários de tal prédio chamados e admitidos a intervir na causa por terem um interesse igual ao dos demandantes, ou seja, na parte ativa da causa, não podem simultaneamente figurar na parte passiva; tão-pouco o exercício da servidão de passagem sobre o prédio XXXX foi posto em causa ou objeto do litígio que nos clama decisão.
Quanto ao mais,
Da confissão dos pedidos:
Nos termos do disposto no artigo 283.º do Código de Processo Civil, aqui aplicável por remissão do artigo 63º da Lei dos Julgados de Paz, o réu pode, em qualquer altura, confessar todo ou parte do pedido.
Conforme referimos supra, a propósito da fundamentação fáctica dos factos nº 19 a 23, os demandados em sede de contestação confessaram que o acesso ao prédio com a matriz XXX era efetuado desde o portão existente no artigo XXX e percorrendo o espaço do artigo XXX até embocar no prédio XXX e depois deste para o XXX, (artigos 5º, 6º e 7º da contestação – factos provados 61, 62 e 63), confissão reforçada em sede de depoimento de parte da demandada XXX. Os demandados impugnaram (art.º 8º da contestação) porém, o acesso desde a via pública direto até ao XXX e desde a via pública até ao referido portão do artigo urbano XXX (tal como descrito no facto provado nº 19 e 20).
Já relativamente ao acesso para o artigo XXXX, os demandados confessaram que o mesmo era efetuado desde a via pública, percorrendo o caminho identificado no artigo XXX até ao XXXX.
A confissão em sede de contestação foi valorada nos termos do disposto nos artigos 356º nº 1 e 358º nº 1 do CC, artigos 46º e 465º do CPC; tal confissão não foi retirada pelos demandados, pelo contrário, foi reiterada em sede depoimento de parte da demandada mulher (artigo 356.º nº 2 do CPC) e foi compatível com a posição demonstrada pelos demandados – a apresentação de proposta para mudar o trajeto da servidão de passagem.
Portanto, com a confissão dos demandados, os factos controvertidos resumem-se ao acesso desde o prédio XXX a poente (via pública) para o interior do artigo XXX e para o artigo XXXX.
Os demandantes reivindicam dos demandados o referido direito de servidão de passagem, uma vez que a ação de reivindicação é aplicável à defesa do direito de propriedade, mas também dos demais direitos reais de gozo, como é o caso da servidão predial (artigos 1311º e 1315º do CC).
A lei define a servidão predial como o encargo imposto num prédio, o chamado prédio serviente, em proveito exclusivo de outro pertencente a dono diferente, designado prédio dominante (artigo 1543º do Código Civil).
Trata-se, pois, de uma restrição ao direito de propriedade sobre o prédio dito serviente, isto é, ao direito de gozo do respetivo proprietário, sendo oponível não só ao proprietário do prédio serviente como também, de harmonia com o princípio da inerência, aos seus futuros adquirentes.
As servidões prediais podem ser constituídas por contrato, testamento, usucapião ou destinação do pai de família, e as legais, na falta de constituição voluntária, podem ser constituídas por sentença judicial ou por decisão administrativa, conforme os casos (artigo 1547º do Código Civil). Verificando-se este último título constitutivo, se em dois prédios do mesmo dono, ou em duas frações de um só prédio, houver sinal ou sinais visíveis e permanentes, postos em um ou em ambos, que revelem serventia de um para com outro, pois, serão esses sinais havidos como prova da servidão quando, em relação ao domínio, os dois prédios, ou as duas frações do mesmo prédio, vierem a separar-se, salvo se ao tempo da separação outra coisa se houver declarado no respetivo documento (artigo 1549º). Com efeito, sendo os sinais visíveis e permanentes constata-se a existência de uma servidão aparente (artigo 1548º, nº 2), o que permite que possa ser conhecida por todos.
Cumpre-nos, agora, verificar se no caso concreto dos autos tais requisitos se encontram preenchidos e, na afirmativa, em relação a que prédios dos autos.
Da factualidade considerada provada, resulta que os prédios urbanos aqui em causa, tanto da demandante como dos demandados, tiveram origem na divisão material de um mesmo prédio, e que foi do mesmo dono – os bisavós da demandante e demandada mulheres (XXXX e mulher XXXX). Com efeito, as casas que hoje pertencem à demandante e demandados foram construídas pelos bisavós, constituindo uma única habitação, que veio a ser dividida materialmente pelos mesmos em duas casas que foram distribuídas pelos filhos (XXXX – avós da demandante e demandada mulheres, e XXXX) e deram origem aos prédios com as matrizes urbanas XXX e XXX; foram igualmente divididos os prédios rústicos denominados pelas partes como quintais das habitações – factos provados 10 a 18 e 24.
Por isso, a relação de serviço ou de serventia (a utilidade da passagem para trânsito de pessoas e veículos agrícolas) aqui em discussão respeita, sem dúvidas, a prédios pertencentes ao mesmo dono. Conclui-se pela verificação do primeiro dos apontados requisitos.
Por outro lado, é necessária a existência de sinal ou sinais visíveis (aparentes) e permanentes, reveladores da referida serventia de um prédio para o outro. Trata-se, aliás, do mesmo tipo de sinais que denunciam uma servidão aparente, ou seja, uma prestação de utilidade não transitória, mas estável (tal como se exige nas situações em que os dois prédios pertencem a donos diferentes) e que revelam, sem equívocos, a serventia.
Os sinais têm que revelar a serventia de uma parte para a outra, o que significa que têm de ter sido postos e / ou deixados com a intenção de assegurar certa utilidade a uma à custa ou por intermédio da outra. É este pressuposto que permite concluir que a destinação de pai de família é fonte de servidões aparentes (“serão esses sinais havidos como prova da servidão” aquando da separação do domínio, provando a destinação).
Para tanto, basta que o sinal ou os sinais existam numa das partes ou num dos prédios, e devem revelar uma relação de interdependência entre os mesmos, de modo que se possa concluir pela necessidade de assegurar certa utilidade que um dos prédios é suscetível de proporcionar ao outro.
Vejamos se tal relação de interdependência ou serventia se verifica e revela no caso dos autos, por sinal ou sinais visíveis e permanentes, em relação aos prédios com as matrizes urbanas XXX e XXX e rústicas XXX e XXX.
De acordo com a factualidade provada, após a transmissão dos prédios dos bisavós para os filhos, que aconteceu há mais de 70 ou 80 anos, o acesso aos interiores e pátios dos urbanos XXX e XXX e acesso aos limites poentes dos rústicos XXX e XXX era feito por uma faixa de terreno, num leito de terra inculta e batida, e iniciava-se junto da via pública, prolongando-se para nascente ao longo da confrontação norte do prédio urbano artigo XXX, com uma largura não inferior a 2,5 metros e numa extensão de cerca de 13 metros; uma vez chegado ao fim do espaço físico da habitação da demandada (artigo XXX), esquina norte-nascente, flete para sul, no mesmo espaço físico de largura não inferior a 2,5 metros, até atingir o portão do prédio artigo XXX (ainda hoje existente), numa extensão de cerca de 5,5 metros, que dá acesso ao interior do prédio urbano artigo XXX; segue também daquela esquina norte-nascente para nascente com a mesma largura até atingir o prédio rústico artigo XXX, numa extensão de cerca de 10 metros; após o que, com a mesma largura, percorre espaço físico do prédio XXXX em cerca de 5,60 metros até atingir o prédio XXXX, que se localiza à esquerda; na mesma extensão e largura segue do exterior do portão existente no prédio XXX em direção ao início do prédio rústico XXX, e seguindo o mesmo trajeto referido anteriormente até ao prédio XXX.
Falando de sinais visíveis e permanentes, ainda hoje existe o portão no artigo XXX, na confrontação sul do artigo XXX (visível nas fotografias de fls. 29, 30 e 46), bem como o trilho decalcado no solo (fls. 45, 46, 28, 29 e 30); por outro lado, é de referir a existência na lateral do prédio com o artigo 448, junto à via pública, a faixa de terreno aberta, livre e desocupada destinada à passagem (situação que foi alterada pelos demandados com a realização de obras na habitação e colocação de um portão – factos 52, 53, 55), e o tabuado fixo por pregos e com travessas de parede a parede para segurar no prédio com o artigo XXX e no espaço frontal exterior, lado da estrada, a vala funda, com jarros plantados (imagem fotográfica de fls. 100), situação que foi alterada pelos demandantes com a colocação de manilhas e de um portão automático – factos 42, 43 e 44; ao tempo da existência da vala, no prédio 448 existiam as lajes de pedra na entrada da passagem para permitir o acesso por carro de vacas, como amplamente declarado pelas testemunhas ouvidas.
Estes sinais, alguns dos quais ainda hoje visíveis e que permanecem desde o tempo dos bisavós e avós da demandante e demandada, salvo melhor opinião, são demonstradores de uma relação de serviço ou serventia do prédio urbano com a matriz 448 para o prédio com a matriz urbana XXX e rústica XXX e XXX.
Assim sendo, cumpre agora apreciar se se verifica o terceiro apontado requisito, a falta de declaração negocial excludente da serventia, no que respeita à demonstrada relação de serviço do prédio com a matriz urbana XXX para os prédios com as matrizes XXX, XXX e XXX ao tempo da separação de domínios.
Isto é, exige-se, que os prédios ou parcelas do prédio se separem quanto ao seu domínio, por qualquer título negocial (por exemplo, compra e venda, doação, troca, partilha, testamento) ou por outro título de transmissão (por exemplo expropriação, usucapião) e que não haja no documento respetivo nenhuma declaração oposta à constituição do encargo.
Nesse caso, a constituição da serventia em servidão surge no momento em que os prédios ou frações se separam quanto à sua titularidade. A serventia dá então lugar à servidão, por destinação de pai de família, enquanto direito real menor de gozo, como que por presunção iuris tantum, ilidível por manifestação contrária das partes, como expressamente determina o próprio artigo 1549º do CC quando diz “salvo se ao tempo da separação outra coisa se houver declarado no respectivo documento”.
No caso dos autos, como já acima se deixou fundamentado e resulta da factualidade considerada provada, ocorreu uma divisão material do prédio urbano construído pelos bisavós, com subsequente transmissão para os filhos (XXX e XXX), divisão e transmissão que não se encontra documentada nos autos; posteriormente, resultou provado que aquele XXX doou aos filhos XXXX (pai da demandante) e XXX (pai da demandada) o seu património, nomeadamente ½ do XXX, XXX, XXX, o qual foi partilhado entre os referidos filhos, recebendo também o pai da demandada a parte que pertencera à tia XXX (factos provados nº 33 a 36).
Daqui se retira que não existiu (ou pelo menos o Tribunal não conhece) um documento a titular a separação de domínios, dos bisavós para os avós da demandante e demandada mulheres, apesar de aparentemente ter sido tudo feito com o conhecimento e consentimento de todos (veja-se que todas as testemunhas referiram que era uma família muito unida, que se davam muito bem, “viviam em comunidade”, não sendo conhecidos conflitos entre os vários membros (com exceção dos que motivam os presentes autos). Daqui se retirando, portanto, que não foi documentada qualquer declaração dos bisavós nem dos avós da demandante e demandada mulheres, nem posteriormente dos pais destas, a negar ou excluir a relação de serventia entre os prédios com as matrizes XX, XX, XXX e XXX (não consta, nomeadamente da escritura pública de doação e partilha outorgada a 19.06.1974 – fls. 309 a 329 – qualquer declaração de inexistência de servidão – até este ato, os avós da demandante e demandada, XXXX e XXX, para além do prédio com a matriz XX também eram proprietários de ½ do artigo XX (juntamente com a irmã XXX); após a doação aos dois filhos, XXX e XXX, e no mesmo ato, eles fizeram entre si a partilha do património recebido e nada fizeram constar que indiciasse sequer a não existência da servidão). Antes pelo contrário, todos quiseram manter tal relação de serviço (conforme factos provados nº 25, 31, 32 e 37).
Temos por isso que também se mostra preenchido este requisito, pelo que, os sinais visíveis e permanentes, existentes desde o tempo dos bisavós XXX e XXXXX (e que não foram anulados pelos avós nem pelos pais da demandante e demandada mulheres), são clara e inequivocamente demonstradores de uma relação de serventia do prédio com a matriz XX para os prédios com as matrizes XX, XXX e XXX, reveladores de uma relação de interdependência entre tais prédios no momento em que se deu a referida separação de domínios e não houve qualquer declaração, expressa ou tácita, a excluir a serventia.
Motivos pelos quais, a aludida serventia se tornou, por força da lei, em servidão de passagem, para trânsito de pessoas e veículos agrícolas (tratores), atenta a utilidade resultante dos referidos sinais (presuntivos do ato de destinação) e do seu título constitutivo – destinação de pai de família, que onera o prédio com a matriz urbana XXX em favor dos prédios com as matrizes urbana XX, rústica XXX e XXX, procedendo a pretensão dos demandantes.
A procedência de tal pedido leva, consequentemente à procedência, em parte do pedido deduzido sob a alínea c). De facto, devem os demandados não limitar o uso da servidão por parte dos demandantes. Agora, cabendo aos demandados o direito de vedar ou tapar o seu prédio (artigo 1356.º do CC), nomeadamente com a colocação de portão, não pode proceder o pedido de condenação na retirada do portão, mas, tal como alternativamente pedem os demandantes, procede a condenação dos demandados na entrega de uma chave do mesmo aos demandantes. De igual modo, relativamente ao rasgo, tendo-se provado que o mesmo foi efetuado por causa das canalizações da habitação, ao invés de “alagar o rasgo” devem os demandados cobrir o mesmo de terra, disfarçando-o e nivelando a faixa da passagem.

Da obrigação dos demandados indemnizarem os demandantes:
Pedem os demandantes que os demandados sejam condenados a indemnizar os demandantes por todos os prejuízos sofridos e a sofrer que computam no mínimo de €1.500,00, e a que acrescem os que se vierem a liquidar em execução de sentença.
Dispõe o art.º 496º, n.º 1, do Código Civil que “Na fixação da indemnização deve atender-se aos danos não patrimoniais que, pela sua gravidade, mereçam tutela do direito”.
Neste caso, a fonte da obrigação de indemnizar funda-se na responsabilidade civil extracontratual por factos ilícitos (artigos 483º e seguintes e 562º e seguintes), da qual são requisitos cumulativos o facto humano voluntário (dominável ou controlável pela vontade); qualificável como ilícito (contrariedade ao Direito pela violação do direito de outrem ou de disposição legal destinada a proteger interesses alheios ou pelo abuso do direito); o nexo de imputação do facto ao agente (censurabilidade do comportamento ilícito, por dolo ou negligência, por se afastar da diligência de um bom pai de família em face das circunstâncias do caso concreto); o dano (lesão do bem ou interesse juridicamente protegido, com caráter patrimonial ou não patrimonial) e o nexo de causalidade entre o facto e o dano (há causalidade adequada quando, em abstrato, certa causa se revele apropriada para produzir determinado efeito).
Nos termos do disposto no artigo 342.º nº 1 do CC, “Àquele que invocar um direito cabe fazer a prova dos factos constitutivos do direito alegado”, ou seja, é sobre o Demandante que recai o ónus da prova dos referidos danos não patrimoniais.
Contudo, atendendo à factualidade considerada não provada sob a alínea b), constata-se que os demandantes não provaram a existência de danos, não se verificando, assim, todos os pressupostos da responsabilidade civil extracontratual supra aludidos.
Não tendo ficado provado nenhum dano sofrido pelos demandantes com a falta de acesso aos seus prédios pela servidão – embora tenham o direito de a ela aceder – nem tão-pouco a perda de culturas e produtos, a indemnização almejada pelos demandantes não encontra respaldo em nenhuma factualidade apurada, nem mesmo sob a forma de liquidação em execução de sentença pelo que, por esses motivos, nunca seria de lhes atribuir qualquer indemnização, absolvendo-se nesta parte os demandados.

Da sanção pecuniária compulsória:
Por último, pedem os Demandantes a condenação dos Demandados numa sanção pecuniária compulsória no montante de €100,00 por cada ocasião que impeçam o livre acesso à servidão.
A sanção pecuniária compulsória encontra-se prevista no art.º 829º-A do Código Civil.
Ora, estabelece o citado preceito, no n.º 1, que “nas obrigações de prestação de facto infungível, positivo ou negativo, salvo nas que exigem especiais qualidades científicas ou artísticas do obrigado, o Tribunal deve, a requerimento do credor, condenar o devedor ao pagamento de uma sanção pecuniária por cada dia de atraso no cumprimento ou por cada infracção, conforme for mais conveniente às circunstâncias do caso.” A inclusão de tal sanção, como medida coerciva de cumprimento, visou, fundamentalmente: frisar a importância que o cumprimento das obrigações assume, em particular para o credor; bem como, o respeito devido às decisões dos Tribunais, enquanto órgãos de soberania (neste sentido, Pinto Monteiro, “Cláusula Penal e Indemnização”, pág. 112).
A sanção pecuniária compulsória é aplicável apenas no caso das prestações de facto infungíveis. A questão da fungibilidade ou da infungibilidade da prestação resolve-se, no aspeto prático, pela possibilidade ou impossibilidade de ter lugar o cumprimento por terceiro. Conforme decorre do disposto no artigo 767º, nº 2 do CC, a infungibilidade da prestação resulta ou da sua própria natureza ou da vontade das partes.
No caso concreto dos autos, visa, essencialmente, fazer com os demandados obedeçam à decisão que lhes vai impor a obrigação de permitirem a passagem, fornecendo uma chave do portão, que colocaram na confrontação poente do artigo 448, aos demandantes, permitindo o normal exercício da servidão – o trânsito de pessoas e veículos agrícolas para os prédios dominantes (com as matrizes XXX, XXX e XXX).
No caso sub judice, face às especificidades do mesmo, entendemos que a obrigação deve ser cumprida pela pessoa dos demandados, resultando a infungibilidade da prestação da sua própria natureza, e ainda em função da tutela do interesse concreto do credor.
Ora, de acordo com a apreciação já efetuada das questões anteriores, foi reconhecido que o prédio dos demandados está onerado com uma servidão de passagem constituída a favor dos prédios dominantes da demandante e dos chamados XXX e XXX, pelo que, foi também reconhecido que estão obrigados a respeitar tal direito e permitir a entrada na faixa de terreno destinada à passagem, devendo entregar uma chave do portão aos demandantes e cobrir à face da terra o rasgo que executaram.
Assim sendo, no caso concreto dos autos, mostra-se claramente justificada a fixação de uma sanção pecuniária compulsória, com vista ao cumprimento daquelas obrigações pelos aqui demandados, uma vez que assim não sendo, apesar de reconhecido o direito, poderão manter-se os obstáculos colocados pelos demandados à passagem.
Sendo que, a circunstância de não ser fixada qualquer indemnização aos demandantes não colide com a fixação desta sanção, pois são institutos jurídicos autónomos, como expressamente resulta da parte final do nº 2 do artigo 829º-A.
Quanto ao valor peticionado pelos demandantes, de € 100,00 (cem euros) por cada ocasião que impeçam ou incumpram as obrigações referidas, considerando que a fixação da sanção deve ser feita segundo critérios de razoabilidade e o fim concreto desta sanção, cremos que não deve fixar-se um valor meramente simbólico que votasse, de imediato, ao fracasso o efeito pretendido - o cumprimento. Assim, por se mostrar legalmente fundado e ponderados os interesses em conflito, entende-se adequado e razoável fixar a sanção no montante peticionado, de €100,00 (cem euros) por cada ocasião que impeçam o livre acesso à servidão de passagem reconhecida, e verificado que seja, naturalmente, o trânsito em julgado das presentes decisões.

IV. DECISÃO
Termos em que, pelos fundamentos expostos, julga-se a ação parcialmente procedente, por parcialmente provada e, em consequência:

a) Declaro a demandante XXXXX, casada com XXXX no regime da comunhão de bens adquiridos, exclusiva e legítima proprietária dos prédios inscritos na matriz urbana XX e rústica XXX, todos da freguesia de XXXX, concelho de Cantanhede;
b) Declaro os chamados XXXXX e XXXX, exclusivos e legítimos proprietários do prédio inscrito na matriz rústica XXX, da freguesia de XXX, concelho de Cantanhede;
c) Condeno os demandados XXXX e XXXX a reconhecer o direito de propriedade da demandante XXXX e dos chamados XXXXX e XXXX;
d) Declara-se reconhecido o direito de servidão de passagem, a pé e com veículos agrícolas, constituído por destinação de pai de família, com as características referidas nos números 19, 20, 21, 22 e 23 dos factos provados, que onera o prédio inscrito na matriz urbana XXX, em favor dos prédios inscritos na matriz urbana XXX e rústica XXX e XXX, todos da freguesia de XXX, concelho de Cantanhede, melhor identificados, respetivamente, nos números quatro, um, oito e dois dos factos considerados provados;
e) Condenam-se os demandados a reconhecer o direito de servidão de passagem referido na alínea anterior e, em consequência, a entregar uma chave aos demandantes para o acesso pelo portão colocado pelos demandados no prédio inscrito com a matriz urbana XXX, bem como, a cobrir, à face da terra, o rasgo referido em número cinquenta e três dos factos provados;
f) Condenam-se os demandados no pagamento de uma sanção pecuniária compulsória, no valor de €100,00 (cem euros), por cada ocasião que impeçam o livre acesso à servidão de passagem referida na al. d), após o trânsito em julgado da presente sentença;
g) Julgam-se improcedentes os demais pedidos formulados, dos quais se absolvem os demandados.

As custas, no montante de €70,00 (setenta euros) serão a suportar pelos demandantes e demandados, em função do decaimento que se fixa em 10% e 90%, respetivamente.
Os demandantes e os demandados deverão devem efetuar o pagamento do montante da sua responsabilidade num dos 3 dias úteis subsequentes ao conhecimento da presente decisão, sob pena de incorrerem numa sobretaxa de € 10,00 por cada dia de atraso no cumprimento dessa obrigação. (Artigos 527.º, do Código de Processo Civil - aplicável ex vi artigo 63.º da Lei 78/2001, de 13 de julho, com a redação da Lei 54/2013 de 31 de julho - e artigos 2º al. b) e nº 3 e 3º nº 4 da Portaria n.º 342/2019, de 01 de outubro).
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Registe e notifique.
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Advertem-se os demandantes que, como têm legitimidade para promover o registo da decisão final ora proferida nesta ação, deverão observar os prazos legais do artigo 8º-C do Código do Registo Predial, sob pena do pagamento acrescido de quantia igual à que estiver prevista a título de emolumento (artigo 8º-D do referido Código), considerando-se desonerado este tribunal de promover oficiosamente tal registo.
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Vila Nova de Poiares, 24 de abril de 2024
(enviada por correio eletrónico para o JP de Cantanhede)
A Juíza de Paz
Processado por meios informáticos e
revisto pela signatária. Verso em branco.
(art.º 18º da LJP