Sentença de Julgado de Paz
Processo: 40/2024-JPVNP
Relator: JANETE RODRIGUES FERNANDES
Descritores: INCUMPRIMENTO CONTRATUAL E RESOLUÇÃO DO CONTRATO DE ARRENDAMENTO POR FALTA DE PAGAMENTO DE RENDAS.
Data da sentença: 06/13/2024
Julgado de Paz de : VILA NOVA DE PAIVA
Decisão Texto Integral:
PROCESSO N.º 40/2024-JPVNP

SENTENÇA

I. RELATÓRIO
A) IDENTIFICAÇÃO DAS PARTES
Parte Demandante: [PES-1], contribuinte fiscal nº [NIF-1], e mulher [PES-2], contribuinte fiscal n.º [NIF-2], ambos residentes na [...] nº 3, [Cód. Postal-1] [...], concelho de [...], [...].
Parte Demandada: [PES-3], solteira, contribuinte fiscal nº [NIF-3], residente na [...] nº67 R/Ch esquerdo, [Cód. Postal-2] [...].
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B) PEDIDO
Os Demandantes propuseram contra a Demandada a presente ação declarativa enquadrada nas alíneas g) e i) do n.º 1 do artigo 9.º da Lei n.º 78/2001 de 13 de julho, pedindo que a ação seja julgada totalmente procedente por provada e em consequência: a) seja a Demandada condenada a pagar aos Demandantes a quantia de €2.058,66 (dois mil e cinquenta e oito euros e sessenta e seis cêntimos) a título de rendas vencidas e não pagas, bem como os respetivos juros vencidos até à data da entrada da ação e juros vincendos na pendência da ação até efetivo e integral pagamento; b) Seja a Demandada condenada a pagar aos Demandantes a quantia de € 411.73 (quatrocentos e onze euros e setenta e três cêntimos) a título de indemnização; c) seja determinada a resolução do contrato de arrendamento, por mora da Demandada, nos termos do artigo 1083º nº3 do Código Civil; d) Seja a Demandada condenada a desocupar a fração arrendada no prazo máximo de 30 dias. No desenvolvimento do processo, vieram os Demandantes ampliar o pedido, peticionando o pagamento das rendas que se vencerem na pendência da ação até à entrega efetiva do imóvel arrendado, acrescida de juros à taxa legal, contados desde a data do vencimento das respetivas rendas, até efetivo e integral pagamento.
Para tanto, os Demandantes alegaram os factos constantes do respetivo requerimento inicial, que aqui se dão por reproduzidos, entre o mais, que, por contrato de arrendamento celebrado em 30 de dezembro de 2020, os Demandantes deram de arrendamento à Demandada, que aceitou, a fração autónoma designada pela letra “C”, destinada a habitação, correspondente ao rés-do-chão esquerdo, do prédio urbano em regime de propriedade horizontal sito na [...] nº67, inscrito na matriz predial da respetiva freguesia de [...] sob o artigo 3643, o qual possui a licença de utilização nº102 emitida pela [ORG-1] em 21 de agosto de 1980. Mais alegaram que o referido contrato foi celebrado pelo prazo de seis meses, com início a 1 de janeiro de 2021, renovável por iguais e sucessivos períodos de tempo e que a Demandada tem vindo a incumprir a sua obrigação de pagamento da renda, devendo, à data da instauração da ação, um total de 7 meses de rendas aos Demandantes.
Os Demandantes juntaram os documentos de fls. 10 a 14 dos autos ao requerimento inicial e os documentos de fls. 48 a 50 por determinação do Tribunal, tendo sido concedida a oportunidade à Demandada para exercer o devido contraditório.
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A Demandada foi, pessoal e regularmente, citada (fls. 18) e apresentou contestação de fls. 24, cujo teor aqui se reproduz integralmente. Na sua contestação a Demandada, em suma, apresentou os seus motivos para o alegado incumprimento contratual, justificando tal incumprimento com alegadas dificuldades financeiras. A Demandada não juntou documentos.
A Demandada faltou à sessão de pré-mediação e não justificou a respetiva falta no prazo legal (tendo apresentado requerimento para justificação da respetiva falta extemporaneamente). Notificada para tal, com as legais advertências e cominações, a Demandada faltou à primeira sessão da audiência de julgamento, tendo justificado a respetiva falta (fls. 60) e tendo estado presente na data designada para a continuação da audiência de julgamento.
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Não foi possível alcançar a resolução do litígio através do serviço de mediação existente neste Julgado de Paz.
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Por requerimento de fls. 61 vieram os Demandantes requerer a ampliação do pedido, peticionando o pagamento das rendas que se vencerem na pendência da ação até à entrega efetiva do imóvel arrendado, acrescida de juros à taxa legal, contados desde a data do vencimento das respetivas rendas, até efetivo e integral pagamento. Notificada a Demandada para se pronunciar, veio esta, em sede de audiência de julgamento, dizer que nada tinha a opor a tal ampliação do pedido.
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A audiência de julgamento decorreu com observância dos legais formalismos.
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Questão prévia – da ampliação do pedido:
Dispõe o n.º 2 do artigo 265º do Código de Processo Civil que “O autor pode, em qualquer altura, reduzir o pedido e pode ampliá-lo até ao encerramento da discussão em 1.ª instância se a ampliação for o desenvolvimento ou a consequência do pedido primitivo.”
No caso dos autos, a pretendida ampliação contém-se no âmbito do pedido primeiramente deduzido, constituindo um desenvolvimento do pedido primitivo relativo à condenação da Demandada no pagamento das rendas devidas, pelo que a ampliação requerida é admissível.
Ademais, a ampliação do pedido não mereceu qualquer oposição por parte da Demandada.
Assim, defere-se a ampliação do pedido relativo ao pagamento das rendas que se vencerem na pendência da ação até à entrega efetiva do imóvel arrendado, acrescida de juros à taxa legal, contados desde a data do vencimento das respetivas rendas, até efetivo e integral pagamento, passando este a constar dos pedido de condenação da Demandada requeridos pelos Demandantes.
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II- Estão reunidos os pressupostos de regularidade e validade da instância, pois, o Julgado de Paz é competente em razão do objeto, do valor, da matéria e do território (artigos 6º, nº 1, 8º, 9º, nº 1, alíneas g) e i) e 12º, nº 1, todos da Lei nº 78/2001, de 13 de julho, na redação da Lei nº 54/2013, de 31 de julho).
As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias e são legítimas.
Não há exceções, nulidades ou outras questões prévias de que cumpra conhecer e que obstem ao conhecimento do mérito da causa.
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III - VALOR DA AÇÃO
Fixa-se em € 2.470,39 (dois mil quatrocentos e setenta euros e trinta e nove cêntimos) o valor da presente causa (artigos 296.º, 297.º n.º 2, 299.º e 306.º do Código de Processo Civil ex vi artigo 63.º da Lei 78/2001 de 13 de julho, com a redação da Lei 54/2013 de 31 de julho).
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IV - OBJETO DO LITÍGIO
Incumprimento contratual e resolução do contrato de arrendamento por falta de pagamento de rendas.
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V – QUESTÕES A DECIDIR
- Incumprimento contratual e suas consequências;
- Resolução do contrato de arrendamento por falta de pagamento de rendas.
Assim, cumpre apreciar e decidir.
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VI- FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO
Com relevância para a decisão da causa, atenta a prova produzida, resultaram os seguintes:

FACTOS PROVADOS
1. Os Demandantes são donos e legítimos possuidores da fração autónoma designada pela letra “C”, destinada a habitação, correspondente ao rés-do-chão esquerdo, do prédio urbano em regime de propriedade horizontal sito na [...] nº67, inscrito na matriz predial da respetiva freguesia de [...] sob o artigo 3643, o qual possui a licença de utilização nº102 emitida pela [ORG-1] em 21 de agosto de 1980;
2. Por contrato de arrendamento denominado “Contrato de Arrendamento Urbano para fins habitacionais com prazo certo”, celebrado em 30 de dezembro de 2020, os Demandantes deram de arrendamento à Demandada [PES-4], que aceitou, a referida fração;
3. Os Demandantes participaram o contrato de arrendamento à Autoridade Tributária;
4. A fração foi entregue à Demandada em perfeito estado de habitabilidade, bem conservado e limpo para o fim a que se destinava, habitação da Demandada;
5. O referido contrato foi celebrado pelo prazo de seis meses, com início a 1 de janeiro de 2021, renovável por iguais e sucessivos períodos de tempo;
6. Foi acordado entre as partes que a Demandada pagaria uma renda mensal no valor de € 280,00 (duzentos e oitenta euros), até ao terceiro dia útil do mês àquele que disser respeito, por transferência bancária para o Banco BPI para o IBAN [IBAN-1];
7. A partir do mês de julho de 2021 os pagamentos da renda por parte da Demandada começaram a ser irregulares, tendo sido intentada uma ação junto deste Tribunal (Processo 15/2023-JP [...]), que culminou em acordo de Mediação;
8. Aquele acordo foi cumprido inicialmente com o pagamento das cinco primeiras prestações das dozes acordadas, continuando o incumprimento por parte da Demandada, quer no pagamento das rendas, quer no pagamento do acordo de mediação;
9. A Demandada no momento da entrada da ação (16.04.2024) devia um total de 7 meses de renda aos Demandantes;
10. A Demandada à data da entrada da ação (16.04.2024) tinha em dívida as rendas dos meses de outubro, novembro e dezembro de 2023 e janeiro, fevereiro, março e abril de 2024 para com os Demandantes no valor total de € 2.058,66 (dois mil e cinquenta e oito euros e sessenta e seis cêntimos);
11. Por força das sucessivas atualizações, o valor mensal da renda em 2023 era de € 285,60 e em 2024 é de € 305,42;
12. Os Demandantes tentaram sempre que a Demandada regularizasse o atraso nos pagamentos da renda, quer através de telefonemas ou de mensagens escritas;
13. A Demandada encontra-se em mora no pagamento da renda num período superior a três meses, nomeadamente (à data da entrada da ação) de sete meses;
14. A Demandada ainda não regularizou a situação das rendas atrasadas, encontrando-se ainda em dívida as rendas vencidas na pendência da ação;
15. A Demandada está em dívida para com os Demandantes no valor de € 2.058,66 (dois mil e cinquenta e oito euros e sessenta e seis cêntimos) a título de rendas em atraso, acrescido do valor das rendas vencidas na pendência da ação;

FACTOS NÃO PROVADOS
Não resultaram provados ou não provados quaisquer outros factos, dos alegados, que importem para a decisão da causa, constituindo tudo o mais alegado pelas partes factos conclusivos, mera impugnação motivada, meras repetições dos factos relevantes e matéria de direito, ou factos irrelevantes para a causa.
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A Lei 78/2001, de 13 de julho (com a redação da Lei 54/2013, de 31 de julho), prevê no artigo 60.º alínea c) que na sentença, o Juiz de Paz deve fazer constar uma sucinta fundamentação.
A convicção do Tribunal fundou-se na apreciação e conjugação crítica de toda a prova produzida e analisada em sede de audiência de julgamento (documentos apresentados pela parte demandante e que a seguir se vão identificar, prova testemunhal, declarações das partes proferidas nos termos do n.º 1 do artigo 57.º da Lei n.º 78/2001, de 13 de julho, e ainda as prestadas pelo Demandante, sob juramento), considerando as regras de repartição do ónus da prova (artigos 342º e seguintes do Código Civil), as regras de experiência comum e os factos instrumentais adquiridos nos termos do disposto no artigo 5º, nº 2, alínea a) do Código de Processo Civil.
Quanto às declarações das partes proferidas nos termos do n.º 1 do artigo 57.º da Lei n.º 78/2001, de 13 de julho e às declarações de parte do Demandante (sob juramento) foram valorados com reserva, atento o especial interesse no desfecho da causa e atendidos na medida em que se mostraram corroboradas pelos demais meios de prova produzidos, ou na medida que os factos por si alegados resultaram provados por admissão (nos termos do artigo 574.º, n.º 2, do Código de Processo Civil).
No que respeita à prova documental, foram apreciados os seguintes documentos: Caderneta predial urbana, respeitante à fração C do artigo matricial 3643 da freguesia da [...], [...] (fls. 10); Contrato de arrendamento urbano para fins habitacionais com prazo certo (fls. 11, 50 e 51); Declaração Imposto de Selo (fls. 13); Documento com montante e valor das rendas em dívida (fls. 14); Certidão permanente respeitante ao prédio descrito sob o número 52 (fração C) da freguesia da [...] ([...]) da [ORG-2] (fls. 48 e 49).

Assim:
O facto dado como provado sob o número 1 foi considerado provado pelos documentos de fls. 10 (caderneta predial urbana, respeitante à fração C do artigo matricial 3643 da freguesia da [...], [...]) e de fls. 48 e 49 (certidão permanente respeitante ao prédio descrito sob o número 52 (fração C) da freguesia da [...] ([...]) da Conservatória do Registo Predial da [...]) e ainda de fls. 11, 50 e 51 (contrato de arrendamento);
Os factos dados como provados sob os números 2, 5 e 6 foram considerados provados pelo documento de fls. 11, 50 e 51 (contrato de arrendamento);
O facto dado como provado sob o número 3 foi considerado provado pelo documento de fls. 13 (Declaração Imposto de Selo);
Os factos dados como provados sob os números 4, 7, 8, 9, 10, 12, 13 foram julgados assentes, atento o disposto no n.º 2 do artigo 574.º do Código de Processo Civil, porque aceite e/ ou não impugnado pela parte contrária àquela que os alegou.
Os factos dados como provados sob os números 11, 14 e 15 foram considerados provados pelo documento de fls. 14 (documento com montante e valor das rendas em dívida, que não foi impugnado pela Demandada), bem como pelas Declarações das partes e pelo depoimento da testemunha abaixo identificada.
Mais concretamente:
Ouvida a Demandada nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 57º, nº 1, 1ª parte da Lei nº 78/2001, de 13 de julho, veio esta admitir que não procedeu ao pagamento de nenhuma das rendas vencidas desde outubro de 2023 até à presente data, alegando que não realiza o pagamento das rendas acordadas porque não tem condições financeiras para o fazer.
O Demandante, que prestou declarações de parte (sob juramento), confirmou o valor mensal da renda respeitante aos anos de 2023 e 2024 e que, na presente ação, estão a peticionar as rendas vencidas desde outubro de 2023 até à presente data, por não terem sido pagas. Referiu, ainda, que, não obstante já terem antes celebrado um acordo para pagamento de outras rendas vencidas (que não as peticionadas na presente ação), a Demandada não o cumpriu integralmente. Mais referiu que têm feito diversas diligências para que a Demandada proceda ao pagamento das rendas devidas, mas sem sucesso.
O Tribunal considerou, ainda, o depoimento da testemunha dos Demandantes, [PES-5] (filho dos Demandantes). A testemunha referiu que foi este quem elaborou o contrato de arrendamento e efetuou o seu registo junto da Autoridade Tributária e Aduaneira. A testemunha esclareceu que o valor inicial da renda era de € 280,00 e que, por força das sucessivas atualizações, o valor mensal da renda para os anos de 2023 e 2024 é o que consta do documento de fls. 14 dos autos, ou seja, € 285,60 para o ano de 2023 e € 305,42 para o ano de 2024. Mais disse que, em representação dos seus pais (Demandantes) tem trocados e-mails com a Demandada para que esta proceda ao pagamento das rendas em dívida. Confirmou, ainda, que se mostram em dívida as rendas vencidas desde outubro de 2023 até à presente data.

VII – FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO
Com base na matéria de facto provada, cumpre apreciar os factos e aplicar o direito.
Da matéria de facto dada como provada resulta que entre os Demandantes e a Demandada foi celebrado um contrato de arrendamento habitacional. O contrato em apreço rege-se pelas disposições previstas no Novo Regime do Arrendamento Urbano (Lei n.º 6/2006, de 27 de fevereiro), ao qual se aplica também as normas constantes do Código Civil, relativa a princípios gerais em matéria contratual, e as normas especiais previstas para a locação em particular.
Nos termos do artigo 1022.º do Código Civil “Locação é o contrato pelo qual uma das partes se obriga a proporcionar à outra o gozo temporário de uma coisa, mediante retribuição.” Por sua vez, nos termos do artigo 1023.º do Código Civil, a locação diz-se “arrendamento” quando versa sobre coisa imóvel.
Como negócio bilateral que é, emergem do referido contrato direitos e obrigações para ambas as partes, consistindo uma dessas obrigações, a cargo do locatário (a aqui Demandada), pagar a renda no montante e demais termos acordados, conforme prevê a alínea a), do artigo 1038.º do Código Civil, sendo certo que esta deve ser paga pontualmente, tal como prescreve o artigo 406º, nº 1 do Código Civil.
A obrigação de pagar a renda provém da natureza onerosa e sinalagmática do contrato (conforme artigo 1022º do Código Civil), e deve ser cumprida no tempo e lugar devidos (conforme artigo 1039º do Código Civil), sob pena de constituir o locatário em mora (conforme artigo 1041º do Código Civil).
Ora, nos presentes autos, atendendo à matéria de facto dada como provada, resulta que a Demandada não paga as rendas vencidas desde o mês de outubro de 2023, encontrando-se em dívida as rendas vencidas nos meses de outubro, novembro e dezembro de 2023 e janeiro, fevereiro, março e abril de 2024, bem como as rendas vencidas na pendência da ação (maio e junho de 2024) não tendo a Demandada procedido, por isso, ao pagamento das rendas devidas nem nas respetivas datas dos seus vencimentos, nem posteriormente. De facto, não só a Demandada não fez nos autos qualquer prova do pagamento das mencionadas rendas como admitiu, expressamente, que não procedeu ao pagamento de nenhuma das mencionadas rendas.
Desta factualidade decorre que a Demandada incumpriu a sua obrigação de pagamento da renda acordada, indo, consequentemente, condenada no cumprimento desta sua obrigação, ou seja, no pagamento das rendas vencidas e não pagas referentes aos meses de outubro, novembro e dezembro de 2023 e janeiro, fevereiro, março e abril de 2024.
Quanto ao pedido de condenação no pagamento das rendas que se venceram na pendência da ação até à entrega efetiva do imóvel arrendado (peticionadas por via da ampliação do pedido), resulta do disposto no artigo 557º, nº 1 do Código de Processo Civil, que tratando-se de prestações periódicas, se o devedor deixar de pagar, podem compreender-se no pedido e na condenação tanto as prestações já vencidas como as que se vencerem enquanto subsistir a obrigação, in casu, até à cessação do contrato de arrendamento. Assim, vejamos:
No que respeita ao pedido de condenação no pagamento das rendas vencidas na pendência da ação (maio e junho de 2024), resultou também provado que estas rendas também se encontram em dívida. Assim, dúvidas não há quanto ao direito dos Demandantes às rendas vencidas, nomeadamente as rendas vencidas na pendência da ação, até à resolução do contrato de arrendamento em causa nos autos, pois este é um direito que assiste aos Demandantes de obter a contraprestação que lhe é devida pelo gozo do locado proporcionado à Demandada, retribuição que integra a definição legal de locação (conforme artigo 1022º do Código Civil), estando o seu pagamento previsto como uma obrigação essencial que recai sobre o locatário, conforme resulta da alínea a) do artigo 1038º do Código Civil. Pelo que, atendendo ao aqui referido e ao disposto no artigo 557º, nº 1 do Código de Processo Civil, procede também este pedido, indo, por conseguinte, a Demandada condenada, também, no pagamento das rendas vencidas na pendência da ação (maio e junho de 2024), até à resolução do contrato de arrendamento.
No que respeita ao pedido de condenação no pagamento das rendas que se vencerem até à entrega efetiva do imóvel arrendado (e após resolução do contrato de arrendamento), há que atentar ao disposto no artigo 1045.º do Código Civil. Com efeito, dispõe o referido artigo 1045.º do Código Civil que “1- Se a coisa locada não for restituída, por qualquer causa, logo que finde o contrato, o locatário é obrigado, a título de indemnização, a pagar até ao momento da restituição a renda ou aluguer que as partes tenham estipulado, exceto se houver fundamento para consignar em depósito a coisa devida. 2- Logo, porém, que o locatário se constitua em mora, a indemnização é elevada ao dobro.” Ora, como se refere no Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 01/23/2024 – Processo 551/21.3T8MFR.L1-7, disponível em www.dgsi.pt, “(…) é a própria lei que no nº 1 do artigo 1045º do CCiv refere que o locatário é obrigado “a pagar até ao momento da restituição a renda ou aluguer que as partes tenham estipulado», apenas ressalvado que tal pagamento é devido «a título de indemnização”, o que consubstancia apenas uma preocupação de qualificação da natureza de tal prestação. Aliás, há autores que entendem que a aludida prestação devida pela manutenção do locado não constitui uma verdadeira indemnização. Assim, segundo [PES-6] (Arrendamentos para comércio e fins equiparados, 2ª edição, 2006, Coimbra Editora, p. 59) “[n] o n.º 1 daquele artigo não se estabelece, em rigor, uma sanção para a hipótese de incumprimento, mas sim uma específica medida de compensação pecuniária, que afasta a necessidade de recurso às regras do enriquecimento sem causa. Por confronto com a hipótese prevista no n.º 2, trata-se aqui de uma situação em que o arrendatário não está em mora, mas por alguma outra razão, como, por exemplo, acordo dos ex-contratantes na dilação da entrega ou dilação legal ou judicial, o arrendatário permanece transitoriamente no gozo desse bem, sendo assim justo que a este aproveitamento do imóvel corresponda o pagamento de uma específica remuneração, impropriamente designada por ‘indemnização’”. Sendo dever do intérprete, aquando da fixação do sentido e alcance da lei, presumir que o legislador consagrou as soluções mais acertadas e soube exprimir o seu pensamento em termos adequados (artigo 9º, nº 3, do CCiv.), então é legítimo concluir que as “rendas” são todas aquelas prestações que o Código Civil, no âmbito do arrendamento urbano, considera como rendas ou equipara a tal. Por isso, é legítimo utilizar o termo “rendas” em sentido amplo, para significar também a sucedânea quantia devida a título de compensação pelo atraso na restituição da coisa (art. 1045º, nº 1, do CCiv), cuja desocupação é exigível, em regra, após o decurso de um mês a contar da resolução (art. 1087º do CCiv.). Aliás, nesse mês subsequente à resolução do contrato, estando operada esta, continua a ser devida a “renda” –obrigação de pagamento que não é habitualmente posta em causa – também aqui na sua aceção ampla. O que releva não é propriamente a utilização do vocábulo renda, a que a própria lei recorre, mas sim a realidade que se queria designar.”
Deste modo, na esteira do entendimento vertido no citado acórdão e do entendimento da citada Autora, com o qual concordamos integralmente, não obstante os Demandantes pedirem a condenação da Demandada “no pagamento das rendas que se vencerem na pendência da ação até à entrega efetiva do imóvel arrendado”, os Demandantes têm direito a haver, se a fração arrendada não lhe for restituída, pela Demandada, logo após o trânsito em julgado da presente decisão, que decreta a resolução do contrato de arrendamento, a título de indemnização, por ocupação ilícita do locado, e até ao momento em que o mesmo lhe for restituído, um montante equivalente ao valor de cada uma das rendas em vigor, no que a Demandada também vai condenada. Valor este que acresce aos valores atrás referidos, nomeadamente ao valor equivalente às rendas vencidas e não pagas até à data do trânsito em julgado da presente decisão, em que também vai a Demandada condenada.
No que respeita ao juros peticionados, tratando-se o pagamento da renda de uma obrigação pecuniária, são devidos juros de mora, à taxa legal, a contar do dia da constituição da mora, ou seja, desde a data de vencimento de cada uma das rendas peticionadas, até efetivo e integral pagamento (conforme artigo 805.º, n.º 2, a) e artigo 806.º, n.º 1 e n.º 2 do Código Civil e conforme Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 05/17/2007 – Processo 868/2007-2, disponível em www.dgsi.pt). Deste modo, os Demandantes têm direito a juros de mora, à taxa de 4%, (nos termos do artigo 559º do Código Civil e Portaria nº 291/03, de 8 de Abril) desde a data de vencimento de cada uma das rendas vencidas e não pagas (ou seja, desde a data de vencimento das rendas vencidas desde outubro de 2023 a junho de 2024) até efetivo e integral pagamento, a que acrescem os juros, à mesma taxa legal e também até efetivo e integral pagamento, sobre os montantes devidos pela ocupação do imóvel arrendado até à sua efetiva entrega aos Demandantes pela Demandada.
Os Demandantes peticionam, também, que seja declarada a resolução do contrato de arrendamento com base na falta de pagamento de rendas. Prevê o artigo 1047.º do Código Civil que a resolução dos contratos de arrendamento pode ser feita judicial ou extrajudicialmente e ter como fundamento os previstos no artigo 1083.º, operando do modo especificado no artigo 1084.º, do mesmo Código. Assim, o senhorio (os aqui Demandantes) tem o direito de resolver o contrato de arrendamento, com base no incumprimento da outra parte (Demandada), sendo-lhe inexigível a manutenção do arrendamento em caso de mora superior a três meses no pagamento da renda (conforme previsto nos n.ºs 1 e 3 do citado artigo 1083.º).
Neste caso, os Demandantes exercem esse direito judicialmente, pelo que aplicando-se o artigo 1048º do código civil, a Demandada poderia ter feito caducar o direito à resolução pagando, depositando ou consignando em depósito as somas devidas e a indemnização referida no n.º1, do art.º 1041º, dentro do prazo para a contestação, o que não se verificou.
Deste modo, resultando provado que a Demandada não pagou as rendas vencidas desde outubro de 2023 (e seguintes), existe, por conseguinte, mora há mais de três meses, pelo que existe fundamento para a resolução do contrato de arrendamento em causa nos autos, o que se decreta.
Assim, operada a resolução do contrato de arrendamento em causa nos autos, deve a Demandada restituir, aos Demandantes, o imóvel arrendado, nos termos e prazos peticionados, no estado em que o recebeu, nos termos do disposto no artigo 1043.º do Código Civil.
Quanto à peticionada indemnização por mora do locatário, prescreve o artigo 1041º, do Código Civil, que “1. Constituindo-se o locatário em mora, o locador tem o direito de exigir, além das rendas ou alugueres em atraso, uma indemnização igual a 20% do que for devido, salvo se o contrato for resolvido com base na falta de pagamento.” Esta disposição concede ao locador o direito à indemnização aí referida, desde que o contrato não seja resolvido com base na falta de pagamento. Ou seja, o mencionado direito à indemnização existe sempre que haja situação de mora no pagamento de rendas, salvo quando o senhorio opte pela resolução do contrato com base nessa causa, e o contrato for resolvido com base em tal fundamento. Assim sendo, e considerando que, conforme peticionado, se decreta a resolução contratual solicitada pelos Demandantes não procede a peticionada condenação da Demandada no pagamento da indemnização legal peticionada, sobre as rendas em dívida à data do requerimento inicial.
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VIII- DISPOSITIVO
Nos termos e com os fundamentos invocados, julgo a presente ação parcialmente procedente, e, em consequência:
a) Declaro o contrato de arrendamento celebrado entre os Demandantes e a Demandada resolvido, por mora da Demandada, nos termos do n.º 3 do artigo 1083.º do Código Civil;
b) Condeno a Demandada a desocupar a fração arrendada no prazo máximo de 30 dias;
c) Condeno a Demandada a pagar aos Demandantes a quantia de € 2.058,66 (dois mil e cinquenta e oito euros e sessenta e seis cêntimos) a título de rendas vencidas e não pagas, correspondente às rendas vencidas nos meses de outubro, novembro e dezembro de 2023 e janeiro, fevereiro, março e abril de 2024, bem como os respetivos juros de mora à taxa legal, contados desde a data de vencimento das respetivas rendas, vencidos até à data de entrada da ação (16.04.2024) e juros vincendos na pendência da ação até efetivo e integral pagamento;
d) Condeno a Demandada a pagar aos Demandantes o valor das rendas vencidas e vincendas desde a data da entrada da presente ação (16.04.2024) até à entrega efetiva do imóvel arrendado, acrescida de juros de mora à taxa legal, contados desde a data de vencimento das respetivas rendas, até efetivo e integral pagamento;
e) Absolvo a Demandada do demais peticionado.
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IX– RESPONSABILIDADE POR CUSTAS:
As custas totais dos presentes autos, no valor de € 70,00 (setenta euros), são da responsabilidade dos Demandantes e da Demandada, na proporção do respetivo decaimento, correspondendo 17% e o valor de € 11,90 (onze euros e noventa cêntimos) para os Demandantes e 83% e o valor de € 58,10 (cinquenta e oito euros e dez cêntimos) para a Demandada, sendo que tal quantia deve ser paga num dos três dias úteis imediatamente subsequentes ao do conhecimento da presente decisão, sob pena de aplicação e liquidação de uma sobretaxa de € 10,00 (dez euros) por cada dia de atraso no cumprimento dessa obrigação, não podendo o montante global da sobretaxa exceder o valor de € 140,00 (cento e quarenta euros), conforme artigo 527º, nºs 1 e 2 do Código de Processo Civil, aplicável por força do artigo 63º da Lei nº 78/2001, de 13 de julho, alterada pela Lei nº 54/2013, de 31 de julho e dos artigos 1º, 2º, nº 1, alínea b) e nº 3 e 3º, nº 4 da Portaria nº 342/2019, de 01 de outubro.
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Advertem-se as partes que a falta de pagamento das custas da sua responsabilidade, através do documento único de cobrança (DUC) emitido pelo Julgado de Paz e no referido prazo, terá como consequência a submissão de certidão de dívida de custas para efeitos de execução fiscal junto da Administração Tributária, após o trânsito em julgado da presente decisão (artigo 35º, nºs 1 e 2 do Regulamento das Custas Processuais).
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Registe e notifique.
A presente sentença compõe-se de dezassete páginas, com os respetivos versos em branco, e foi elaborada (por meios informáticos) e revista pela signatária (artigo 18.º da LJP).
Julgado de Paz de Trancoso, 13 de junho de 2024
A juíza de paz,

(Janete Rodrigues Fernandes)