Sentença de Julgado de Paz
Processo: 84/2022-JPCBR
Relator: CRISTINA EUSÉBIO
Descritores: RENDAS VENCIDAS E NÃO PAGAS
Data da sentença: 08/09/2024
Julgado de Paz de : COIMBRA
Decisão Texto Integral:
Proc. n.º 84/2022-JPCBR

SENTENÇA

RELATÓRIO:
[PES-1], melhor identificada a fls. 1 propôs, a presente ação declarativa de condenação, contra [PES-2], melhor identificada nos autos, pedindo que esta seja condenada a pagar-lhe a quantia de 2000,00 € (Dois mil euros), relativa ao valor das rendas vencidas e não pagas dos meses de agosto de 2021 a março de 2022 e ainda o valor de 1451,40€ ( mil quatrocentos e cinquenta e um euros e quarenta cêntimos) que teve de despender para substituir o vidro da montra da loja que a demandada partiu. Mais peticionou a condenação em juros de mora desde a citação até integral e efetivo pagamento.
Para tanto, alegou os factos constantes do Requerimento Inicial de fls. 1 e 2 e que se dá por reproduzido e juntou 3 documentos. Regularmente citada, na pessoa do Ilustre Defensor Oficioso por ter sido considerada ausente, não apresentou contestação.
Aberta a Audiência, pelo Ilustre Defensor Oficioso foi suscitada a nulidade da citação nos termos constantes da ata.
Foram ouvidas as testemunhas do demandante, tendo a audiência sido suspensa com vista à prolação da sentença.
Cumpre apreciar e decidir do incumprimento do contrato de arrendamento celebrado entre as partes.
Valor da ação: 3451,40 (três mil quatrocentos e cinquenta e um euros e quarenta cêntimos).

Questão prévia:

Da nulidade da citação
Os procedimentos segundo os quais atuam os julgados de paz são, nos termos do nº 2 do art. 2º da L.J.P., concebidos e orientados por princípios de simplicidade, adequação, informalidade, oralidade e absoluta economia processual.
Os nºs 1 e 2 do art. 46º da L.J.P. elencam as formas de citação (por via postal e por funcionário, ambas pessoais), excluindo o nº 3 do mesmo artigo a citação edital.
No caso sub judice, verificaram-se várias tentativas de citação e realizaram-se todas a diligências possíveis para apurar o paradeiro da demandada, resultando infrutíferas.
Nesta conformidade, foi requerida à Ordem dos Advogados a nomeação de defensor oficioso, tendo vindo a nomear o Ilustre Patrono Dr.ª [PES-3].

O defensor oficioso é, pois, em nosso entendimento o garante dos direitos do demandado, assegurando a legalidade da atuação do tribunal, e garantindo que não ocorra a indefesa, o que do ponto de vista do direito do contraditório fornece maior proteção do que na citação edital, por exemplo.
Sobre esta matéria leia-se J. O. Cardona Ferreira (Julgados de Paz – Organização, Competência e Funcionamento, Coimbra Editora, 2001, p. 64), que passaremos a citar e que plenamente acompanhamos: “Não há possibilidade de citação edital que constitui, geralmente, uma inutilidade motivadora de atrasos. Mas, se não puder haver citação pessoal, nem por funcionário? Sem citação, penso que se ofenderia, conscientemente, o sagrado direito de defesa, com violação do artigo 20º da Constituição da República Portuguesa. Parece só haver uma solução: é a passagem ao alcance do art. 15º do Código de Processo Civil, mutatis mutandis e, porque não há Ministério Público junto dos Julgados de Paz, o Juiz de Paz designar, nessa extrema hipótese, defensor oficioso a citar”
Neste sentido, igualmente Joel Timóteo Ramos Pereira (Julgados de Paz, Organização, Trâmites e Formulários, Quid Juris, [...], 3ª Edição, p. 233), que defende que “se a citação por via postal ou por funcionário se frustrar, sendo inadmissível a citação edital, consideramos que deve ser seguido o regime processual civil referente aos ausentes, ou seja, o juiz de paz deverá ordenar o cumprimento do disposto no art. 15º do C.P.C. (…)”. Defende ainda este autor, que deve ser citado o Ministério Público, atento o nº 1 do art. 21º do C.P.C., mas acrescenta que “entendendo-se que deva ser nomeado defensor oficioso ao ausente”, deve ser solicitada pelo juiz de paz a nomeação do mesmo à Ordem dos Advogados, devendo aquele ser citado em representação do demandado.
Havendo entendimentos doutrinais e jurisprudenciais divergentes quanto à representação dos ausentes nos Julgados de Paz, - nomeadamente se deverá intervir o Ministério Público ou Defensor Oficioso - , foi solicitado ao Ministério Publico que se pronunciasse sobre a questão ou bem assim assumisse a representação dos ausentes em diversos processos, em vários Julgados de Paz do país.
O Ilustres Procuradores, em todos os despachos declinaram a sua intervenção, entendendo que deve ser assegurada a representação do ausente por advogado nomeado oficiosamente, nos termos da Recomendação n.º 1/2015 da Procuradoria Geral da República.
Em consequência, e sem necessidade de maiores fundamentações, julgo improcedente a arguição da falta de citação, considerando-a válida, bem como todo o processado após a mesma.
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Estando reunidos os pressupostos da estabilidade da instância, cumpre apreciar e decidir:

FUNDAMENTAÇÃO - MATÉRIA DE FACTO
Com interesse para a decisão ficaram provados os seguintes factos:
1. No dia 10 de dezembro de 2020, o demandante deu de arrendamento à demandada, para fins comerciais, a loja n.º 608 correspondente à fração AL das [...] sitas na [...], 33/35, em Coimbra, inscrita na matriz predial urbana da União de freguesias de Coimbra sob o n.º 3547. Cfr. doc. Fls. 5vs e 6, da qual é proprietário. Cfr. doc fls. 5.
2. A renda fixada foi de 250,00€ por mês, a ser paga até ao dia 8 do mês anterior ao que dissesse respeito.
3. O contrato de arrendamento cessou no mês de março de 2022, por iniciativa da demandada, mas que o demandante aceitou.
4. A demandada entregou as chaves da loja á administração das [ORG-2] e não ao demandante.
5. Na referida data a demandada encontrava-se em débito das rendas dos meses de agosto de 2021 a março de 2022, que não pagou.
6. O vidro da montra da loja encontrava-se partido, desde que, nas mudanças a demandada bateu com um móvel na montra, no início do contrato.
7. A demandada colocou um autocolante no vidro da montra, sem o substituir.
8. O demandante despendeu a quantia de 1451,40€ na substituição do vidro. Cfr. doc. Fls. 6 vs.

MOTIVAÇÃO
A convicção probatória do tribunal, ficou a dever-se ao conjunto da prova produzida, tendo sido tomados em consideração os documentos juntos aos autos, não impugnados pela demandada, que não apresentou contestação, conjugados com as declarações da testemunha [PES-6] e [PES-7] que confirmaram todos os factos alegados no requerimento inicial, esclarecendo a forma como o contrato de arrendamento cessou, bem como afirmaram ser conhecedores da quebra do vidro da montra, logo no início do arrendamento, e que a demandada nunca substituiu.
A testemunha [PES-6], por fazer parte dos serviços da administração do centro comercial, confirmou o facto de que as chaves foram entregues naqueles serviços e que o demandante ali as foi buscar.
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FUNDAMENTAÇÃO - MATÉRIA DE DIREITO
A relação material controvertida circunscreve-se às relações decorrentes da celebração de um contrato de arrendamento entre as partes; à obrigação de pagamento da renda acordada, bem como da responsabilidade por danos provocados no arrendado.








Ora, o arrendamento é a locação de uma coisa imóvel e nos termos do disposto no Código Civil, “é o contrato pelo qual uma das partes se obriga a proporcionar à outra o gozo temporário de uma coisa, mediante retribuição.” (art.ºs 1022.º e 1023.º), sendo uma das obrigações principais do locatário (inquilino) o pagamento da renda (Art.º 1038.º do C.C.) .
Nos termos do disposto no art.º 1043.º do Código Civil e do contrato celebrado, o locatário é obrigado a manter e restituir o locado no estado em que a recebeu, salvo convenção em contrário, ressalvadas as deteriorações decorrentes da prudente utilização.
Uma das principais obrigações do inquilino é efetuar o pagamento da renda acordada, pontual e mensalmente. A demandada arrendatária incumpriu esta sua obrigação, como se provou.
Quanto ao primeiro pedido, não restam dúvidas que o Demandante é credor da quantia de 2000,00€ relativa às rendas vencidas e não pagas dos meses de agosto de 2021 até à entrega do locado ocorrida no mês de março de 2022.
No que diz respeito aos danos alegados, estes verificaram-se por ação da demandada, conforme resultou provado, e podemos afirmar que resulta de uma utilização imprudente do locado.
Resulta igualmente provado que valor necessário para repor o locado no estado em que foi entregue – constando no contrato que estava em bom estado de conservação – se cifrou em 1451,40€, devendo o demandante ser ressarcido de tal valor.

DECISÃO
Nos termos e com os fundamentos invocados, julgando a presente ação procedente por provada, condeno a Demandada a pagar ao demandante a quantia de 3451,40€ (três mil, quatrocentos e cinquenta e um euros e quarenta cêntimos) acrescida dos juros de mora vencidos e vincendos a calcular desde a citação até integral pagamento.
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Custas a cargo da demandada, contudo por se tratar de ausente, representada por defensor oficioso, há lugar a isenção de custas, mantendo a harmonia do sistema com o disposto na alínea l), do n.º 1, do artigo 4.º, do RCJ, por força do artigo 63.º, da LJP que, interpretado de forma abrangente, remete para todo o processamento jurisdicional civilística, e não apenas para o código de processo civil (cf. artigos 9º e 10º do Código Civil e Deliberação nº 5/2011, de 8 de fevereiro de 2011 do Conselho dos Julgados de Paz).


Registe.

Nos termos do disposto no art. 60º n.º 3 da LJP notifique os Serviços do Ministério Publico.

Coimbra, 9 de agosto de 2024
(Juíza de Paz que redigiu e reviu em computador – Art.º 138.º/5 do C.P.C.)

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(Cristina Eusébio)