Sentença de Julgado de Paz
Processo: 979/2018-JPLSB
Relator: SOFIA CAMPOS COELHO
Descritores: INCUMPRIMENTO CONTRATUAL – PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS - INDEMNIZAÇÃO POR RESCISÃO CONTRATUAL.
Data da sentença: 01/18/2019
Julgado de Paz de : LISBOA
Decisão Texto Integral: Processo n.º 979/2018-JP

Objecto: Incumprimento contratual – prestação de serviços - indemnização por rescisão contratual.
Demandante: A.
Demandada: B. LDA.
Mandatário: Sr. Dr. C.

RELATÓRIO:
O demandante, devidamente identificado nos autos, intentou contra a demandada, também devidamente identificada nos autos, a presente ação declarativa de condenação, pedindo que esta seja condenada ao pagamento de indemnização, por danos patrimoniais e morais, no valor de € 5.000 (cinco mil euros). Para tanto, alegou os factos constantes do requerimento inicial, a folhas 1 dos autos, que aqui se dá por integralmente reproduzido, alegando, em síntese, que em 9 de janeiro de 2018 assinou com a demandada um contrato de prestação de serviços, de angariador imobiliário, funções que exerceu até 22 de agosto de 2018, data em que foi informado verbalmente pela coordenadora de equipa comercial que a firma tencionava prescindir da sua colaboração. Alega não ter sido cumprido o prazo de 15 dias previsto no artº. 9.º do contrato assinado e que tinha a expectativa de que a avaliação do seu trabalho decorresse após um ano de atividade, tendo apenas decorrido oito meses desde a assinatura do contrato, o que não permitiu a recuperação dos investimentos que fez à sua custa. Juntou 5 documentos, que aqui se dão por integralmente reproduzidos.
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Regularmente citada, a demandada apresentou a contestação de fls. 13 a 15 dos autos, que aqui se dá por integralmente reproduzida, impugnando parcialmente os factos articulados no requerimento inicial, aceitando a celebração, em 9 de janeiro de 2018, do contrato junto aos autos, alegando que o demandante desde logo foi informado da não existência de períodos mínimos de duração do contrato, podendo a mediadora, a qualquer momento, cessá-lo. Alega que o demandante não cumpriu com as regras e procedimentos previstos no Manual de Procedimentos da …. e que também não realizou qualquer tipo de negócio ou angariação durante o período em que esteve na empresa e que, face a comportamentos do demandante, a coordenadora da equipa comunicou-lhe, em 9 de agosto de 2018, que não tinha condições para continuar a exercer a atividade com a empresa e, por isso, iria solicitar a cessação do contrato. Alega desconhecer que investimentos foram efetuados pelo demandante no período em que esteve na empresa, bem como os prejuízos financeiros e danos morais por este alegadamente sofridos. Juntou procuração forense.
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Foi realizada uma sessão de mediação, durante a qual as partes não lograram obter qualquer acordo. Consequentemente, foi marcada data para realização da audiência de julgamento, tendo as partes, e mandatário, sido devidamente notificados.
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Foi realizada a audiência de julgamento, na presença das partes, e mandatário, tendo a Juíza de Paz procurado conciliar as partes, nos termos e para os efeitos do disposto no n.º 1, do artº 26.º, da LJP, diligência que não teve sucesso.
Foram ouvidas as partes, nos termos do disposto no art.º 57.º da LJP, e realizada a audiência de julgamento, com observância do formalismo legal, como resulta da respetiva ata e ouvidas as testemunhas apresentadas.
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Nos termos do n.º 1 do art.º 306.º do Código de Processo Civil, fixa-se à causa o valor de € 5.000 (cinco mil euros).
O Julgado de Paz é competente em razão do valor, da matéria e do território.
As partes são dotadas de personalidade e capacidade jurídica e são legítimas.
Não existem nulidades ou exceções de que cumpra conhecer ou questões prévias que obstem ao conhecimento do mérito da causa.
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FUNDAMENTAÇÃO – MATÉRIA DE FACTO
Com interesse para a decisão da causa, ficou provado que:
1 – Em 9 de janeiro de 2018 demandante e demandada outorgaram o contrato de prestação de serviços, de angariador imobiliário, a fls. 3 e 4 dos autos, que aqui se dá por integralmente reproduzido, nos termos do qual (art.º 9.º) “que a …., que o Angariador imobiliário, poderão terminar o contrato, independentemente da causa, desde que notifique a outra parte com pelo menos 15 dias de antecedência da verificação do termo”.
2 – No início da sua prestação de serviços, todos os angariadores passam por um período de formação e são integrados em equipas comerciais, sendo acompanhados por coordenadores em todas as fases de formação ou trabalho.
3 – Os angariadores da demandada têm um plano de desenvolvimento, sendo fixados resultados mínimos a ser apresentados durante o tempo em que estão ao seu serviço.
4 – Em princípios do mês de agosto de 2018, a coordenadora de equipa do demandante comunicou-lhe que teria de apresentar resultados mínimos (um negócio ou angariação) até ao dia 15 de agosto, sob pena da equipa não atingir os objectivos.
5 – A Coordenadora indicou-lhe um cliente interessado num imóvel, mas não foi realizado qualquer negócio.
6 – O demandante não realizou qualquer negócio ou angariação para a demandada.
7 – Posteriormente, em data não apurada de agosto de 2018, a coordenadora de equipa do demandante comunicou-lhe verbalmente que a demandada ia rescindir o contrato.
8 – A demandada remeteu ao demandante a carta a fls. 7 dos autos, que aqui se dá por integralmente reproduzida, datada de 22 de agosto de 2018, a rescindir o contrato com efeitos imediatos.
9 – Posteriormente, em data não apurada, o demandante deixou de poder aceder ao “site” da demandada.
10 – O demandante remeteu à demandada a carta a fls. 6 dos autos, que aqui se dá por integralmente reproduzida, datada de 27 de agosto de 2018.
Não ficou provado que:
Não se provaram mais quaisquer factos alegados pelas partes, com interesse para a decisão da causa, designadamente:
1 – O demandante fez investimentos, à sua custa, em transportes, contactos telefónicos, material de propaganda, formação paga e trabalho diário.
2 – O cliente indicado no número 5 de factos provados apresentou uma reclamação à demandada.
3 – O demandado recusou-se apresentar um pedido de desculpas a esse cliente.
Motivação da matéria de facto:
Para fixação da matéria fáctica dada como provada concorreram os documentos juntos aos autos, os factos admitidos por acordo e o depoimento das testemunhas.
Quanto ao depoimento das testemunhas apresentadas, esclareça-se que a primeira testemunha apresentada a este tribunal, por ter somente entrado para a coordenação da equipa em abril de 2018, apenas conheceu o demandante em maio, depois de este ter regressado de férias. A testemunha esclareceu que, durante o período em que esteve a coordenar a equipa do demandante, o demandante não realizou qualquer negócio ou angariação.
A segunda testemunha, que foi posteriormente a sua coordenadora de equipa, disse que, por diversas vezes, tentou ajudar o demandante a executar as suas funções, o que este sempre recusou; disse que marcava reuniões semanais, às quais o demandante faltava frequentemente. Foi ela que “chamou à atenção” o demandante, em início de agosto, quanto a apresentar resultados mínimos até dia 15 desse mês. Disse também, que por o demandante não ter, após essa reunião, e antes dela, apresentado qualquer negócio ou angariação, foi ela que conversou com o demandante depois de uma reunião de equipa, dispensando-o dos serviços na empresa; tendo de seguida pedido que fosse enviada a carta de rescisão, o que se verificou, mas que não é ela que a elabora ou assina. Acrescenta que o demandante não manifestou qualquer discordância quando lhe comunicou que a demandada iria rescindir o contrato.
Não foram provados quaisquer outros factos alegados pelas partes, dada a ausência de mobilização probatória credível, que permitisse ao tribunal aferir da veracidade desses factos, após a análise dos documentos juntos aos autos e da audição das partes e das testemunhas apresentadas.
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FUNDAMENTAÇÃO – MATÉRIA DE DIREITO
O caso em apreço é revelador do espírito de litigância que ainda impera nas relações sociais, avessas à conciliação como modo de resolução amigável dos conflitos. No caso era essa a via indicada para que a justiça fosse feita. Contudo, uma vez que as partes não perfilharam esse caminho há que apreciar a questão que nos é colocada sob o prisma da legalidade. E, neste prisma, não basta alegar: é preciso provar. Debruçando-nos, assim, nesse prisma, sobre o caso em juízo.
Iniciando-se o enquadramento jurídico, esclareça-se que um dos princípios basilares da nossa lei processual civil é o princípio do dispositivo, segundo o qual compete às partes, em exclusivo, definir o objeto do litígio, cabendo-lhes alegar os factos que integram a causa de pedir e aqueles em que se baseiam as exceções (n.º 1 do artigo 5.º do Código de Processo Civil), nos quais o juiz funda a decisão, exceto nos casos previstos no n.º 2 do mesmo artigo, que permite que o tribunal considere também factos instrumentais que resultem da instrução da causa, factos que sejam complemento ou concretização dos alegados e resultem da instrução e factos notórios. Ou seja, há, assim, que distinguir entre factos essenciais à procedência da pretensão do autor ou de eventual reconvenção, e à procedência das exceções, relativamente aos quais tem plena aplicação o princípio da auto-responsabilidade das partes, enquanto emanação do princípio do dispositivo, e factos instrumentais que podem resultar de indagação oficiosa. Assim, são factos essenciais os que concretizam, especificam e densificam os elementos da previsão normativa em que se funda a pretensão do autor, ou da exceção deduzida pelo réu como fundamento da sua defesa, revelando-se decisivos para a viabilidade ou procedência da ação ou da defesa por exceção, sendo absolutamente indispensáveis à identificação, preenchimento e substanciação das situações jurídicas afirmadas e feitas valer em juízo pelas partes.
Em segundo lugar, referimos que no nosso ordenamento jurídico vigora o princípio da liberdade contratual (artigo 405º do Código Civil), nos termos dos quais as partes fixar livremente os conteúdos dos contratos que celebram, podendo celebrar contratos diferentes dos previstos na lei – ou seja contratos atípicos – desde que dentro dos limites da lei; sendo também outro princípio basilar do ordenamento jurídico português o princípio da força vinculativa ou obrigatoriedade dos contratos, ou seja, uma vez celebrados os contratos devem ser “(…) pontualmente cumprido, e só pode modificar-se ou extinguir-se por mútuo consentimento dos contraentes ou nos casos admitidos na lei.” (cfr. n.º 1 do artigo 406.º do Código Civil), assim como o é o principio da boa fé, previsto tanto no n.º 2 do artigo 762.º, n.º 2, do Código Civil, (“no cumprimento da obrigação, assim como no exercício do direito correspondente, devem as partes proceder de boa fé”). Ou seja, os contraentes têm o dever de agir de boa-fé, agir com diligência, zelo e lealdade, correspondendo aos legítimos interesses da contraparte, devem ter uma conduta honesta e conscienciosa, numa linha de correção e probidade, não prejudicando os legítimos interesses da outra parte, no cumprimento ou execução do contrato, até ao termo da sua vigência.
E, é por tal razão que, no âmbito da responsabilidade contratual, a lei estabelece uma presunção de culpa do devedor, sobre o qual recai o ónus da prova, isto é, o devedor terá de provar que “a falta de cumprimento ou o cumprimento defeituoso da obrigação não procede de culpa sua” (artigo 799.º, n.º 1, do Código Civil), sendo que “o devedor que falta culposamente ao cumprimento da obrigação torna-se responsável pelo prejuízo que causa ao credor” (artigo 798º, do Código Civil). Nestes prejuízos enquadram-se os danos não patrimoniais, ou morais, ou seja são "prejuízos (como as dores físicas, os desgostos morais, os vexames, a perda de prestígio, de reputação, de descanso, os complexos de ordem estética) que, sendo insusceptíveis de avaliação pecuniária, porque atingem bens (como a saúde, o bem estar, a liberdade, a beleza, a perfeição física, a honra ou o bom nome) que não integram o património do lesado, apenas podem ser compensados com a obrigação pecuniária imposta ao agente, sendo esta mais uma satisfação do que uma indemnização" (A. Varela, Das Obrigações, pág. 623) e que, de harmonia com o disposto no n.º 1 do art. 496.°, do Código Civil, "na fixação da indemnização deve atender-se aos danos não patrimoniais que, pela sua gravidade, mereçam a tutela do direito". Por último, prescreve o n.º 1 do artigo 342.º, do Código Civil, que “Àquele que invocar um direito cabe fazer a prova dos factos constitutivos do direito alegado”, ou seja, é sobre o demandante que recai o ónus da prova, competindo-lhe provar os factos constitutivos do direito que alega ter.
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Dos factos provados resulta também que demandante, por um lado, e demandada, por outro lado, celebraram um contrato de prestação de serviços, que o artigo 1154.º, do Código Civil, define como “Contrato de prestação de serviço é aquele em que uma das partes se obriga a proporcionar à outra certo resultado do seu trabalho intelectual ou manual, com ou sem retribuição. Nos termos do artigo 1156.º, do Código Civil, o contrato de prestação de serviços está sujeito, e com as necessárias adaptações, ao regime do mandato, designadamente ao previsto no artigo 1170.º do mesmo diploma, que prescreve: "1 - O mandato é livremente revogável por qualquer das partes, não obstante convenção em contrário ou renúncia ao direito de revogação”, acrescentando o nº 2 queSe, porém, o mandato tiver sido conferido também no interesse do mandatário ou de terceiro, não pode ser revogado pelo mandante sem acordo do interessado, salvo ocorrendo justa causaOra, no caso em apreço, embora o mandato seja oneroso, isto é, retribuído, não se pode só por isso e considerar que tenha sido conferido também no interesse do mandatário, isto é, do demandante, pelo que o princípio da livre revogabilidade do mandato tem inteira aplicação ao caso em apreço. Porém, por sua vez, prescreve o artigo 1172.º, do Código Civil, que “A parte que revogar o contrato deve indemnizar a outra do prejuízo que esta sofrer: a) se assim tiver sido convencionado (…) c) Se a revogação proceder do mandante e versar sobre mandato oneroso, sempre que o mandato tenha sido conferido por certo tempo ou para determinado assunto, ou que o mandante o revogue sem a antecedência conveniente; (…)”, quer isto dizer que perante a revogação unilateral de um mandato oneroso, sem ser invocada justa causa (situação que se verifica nos presentes autos – cfr. carta a fls. 7 dos autos), o demandante tem o direito de ser indemnizado pelos prejuízos sofridos, por o contrato ter sido revogado sem a antecedência conveniente que, nos caso em apreço, ter-se-á de considerar a antecedência acordada (no artigo 9.ª do contrato celebrado), ou seja 15 (quinze) dias..
Na verdade, a produção de efeitos da resolução só poderia ocorrer decorridos que fossem 15 (quinze) dias da comunicação de rescisão, o que, nos presentes autos, não resultou provado ter-se verificado.
Assim sendo, e como referimos, tem o demandante direito a ser indemnizado dos prejuízos que a demandada lhe causou, nos termos do disposto na alínea c) do artigo 1172.º, do Código Civil. Nesta esteira, cabe ao demandante alegar e provar (artigo 342.º, n.º 1, do mesmo Código), o prejuízo por si efetivamente sofrido, designadamente existência ou inexistência de despesas. No requerimento inicial, o demandante alega que “fez investimentos, à sua custa, em transportes, contactos telefónicos, material de propaganda, formação paga e trabalho diário”, competia-lhe, nos termos da citadas disposição legal, provar os investimentos concretos que fez e quanto despendeu nos mesmos, bem como as despesas concretas que fez. Contudo, não o fez, já que não carreou para os autos qualquer prova nesse sentido. E, assim sendo, como é, não resultou provado que o demandante tenha tido prejuízos no montante alegado, pelo que o peticionado a este título terá de improceder.
Quanto a danos morais, analisado o requerimento inicial verificamos que em lado algum o demandante alega ter tido algum dano não patrimonial, o que deveria ter feito, atento o prescrito no n.º 1 do artigo 5.º do Código de Processo Civil. E, não tendo alegado factos concretos que, sujeitos a prova e provados, permitissem ao tribunal concluir pela existência do dano moral, o peticionado a este título terá também de improceder.
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DECISÃO
Em face do exposto, julgo a presente ação improcedente, por não provada, e consequentemente, absolvo a demandada do pedido.
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CUSTAS
Nos termos da Portaria nº 1456/2001, de 28 de dezembro, declaro o demandante parte vencida, indo condenado no pagamento das custas, que ascendem a € 70 (setenta euros), devendo proceder ao pagamento dos € 35 (trinta e cinco euros) em falta, neste Julgado de Paz, no prazo de três dias úteis, a contar da data da notificação desta sentença, sob pena do pagamento de uma sobretaxa diária de € 10 (dez euros) por cada dia de atraso.
Cumpra-se o disposto no número 9 da mesma portaria, em relação à demandada. Decorridos vinte dias sobre o termo do prazo acima concedido, sem que se mostre efetuado o pagamento, emita-se a respetiva certidão para efeitos de execução por falta de pagamento de custas, e remeta-se aos Serviços do Ministério Público junto do Juízo Local Cível do Tribunal da Comarca de Lisboa, pelo valor das custas em dívida, acrescidas da respetiva multa, com o limite previsto no n.º 10 da citada Portaria.
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A presente sentença (processada em computador, revista e impressa pela signatária - artº 18º da LJP) foi proferida e notificada às partes, e mandatário, nos termos do artigo 60.º, da LJP, com a redação que lhe foi atribuída pela Lei n.º 54/2013, de 31 de julho, que ficaram cientes de tudo quanto antecede.
Após trânsito, e encontrando-se as custas processuais integralmente pagas, arquivem-se os autos.
Registe.
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Julgado de Paz de Lisboa, 18 de janeiro de 2019
A Juíza de Paz,

(Sofia Campos Coelho)