Sentença de Julgado de Paz
Processo: 214/2023-JPCBR
Relator: CRISTINA EUSÉBIO
Descritores: REPARAÇÕES DO IMÓVEL ADQUIRIDO QUE APRESENTOU DIVERSOS DEFEITOS
CAUSANDO DANOS NÃO PATRIMONIAIS
Data da sentença: 06/13/2024
Julgado de Paz de : COIMBRA
Decisão Texto Integral:
Proc. N.º 214/2023-JPCBR

SENTENÇA

IDENTIFICAÇÃO DAS PARTES:
Demandantes: [PES-1] e mulher [PES-2], residentes na [...], Edifício [...], Bloco A, Apartamento 4, [...], Coimbra
Demandados: [PES-3] e mulher [PES-4], residentes na [...], n.º 8 em [...], Coimbra.

RELATÓRIO
Os demandantes propuseram ação declarativa de condenação, pedindo, em suma, a condenação dos demandados a pagar-lhes a quantia de 14.959,81€ relativa ao valor das reparações do imóvel que adquiriram aos demandantes e que apresentou diversos defeitos, que descrevem bem como danos não patrimoniais.
Para tanto, alegaram os factos constantes do requerimento inicial de fls. 1 a 8, que se dá aqui por reproduzido e juntaram 6 documentos (fls. 9 a 29).

Os demandados, regularmente citados, apresentaram a contestação de fls 39 a 50 defendendo-se por exceção de caducidade e por impugnação.

Alegam, em suma, que o preço pelo qual foram vendidas as frações autónomas teve em consideração o facto de se tratarem de imóveis usados, que apesar de em bom estado poderiam apresentar algum vicio derivado da utilização. Mais alegam que procederam à substituição do cilindro, como lhes foi solicitado pelos demandantes, por avaria deste equipamento. Referem ainda, que a potência elétrica era a adequada à utilização habitacional negando a existência de qualquer outro defeito nas frações vendidas, nomeadamente ao nível da canalização, esgotos, portão e janelas.

Juntaram 6 documentos de fls 51 a 56.

Na resposta à exceção os demandantes requerem, além do mais expendido, a condenação dos demandados por litigantes de má-fé.

Afastada a fase de mediação, foi agendada a audiência de julgamento, que se realizou com cumprimento das formalidades legais como da respetiva ata melhor se alcança.


***

Assim, encontram-se reunidos os pressupostos da regularidade da instância, não havendo exceções ou nulidades que, previamente, cumpra apreciar.

Fixa-se o valor da ação em 14.959,81€ (catorze mil novecentos e cinquenta e nove euros e oitenta e um cêntimos).

O tribunal é chamado a decidir da verificação dos pressupostos de responsabilidade contratual, por venda de bem defeituoso.


***

FUNDAMENTAÇÃO - MATÉRIA DE FACTO
Da prova produzida resultaram provados os seguintes factos:
1. Em 21 de novembro de 2022, foi realizada escritura pública de compra das frações autónomas designadas pelas letras L e AA correspondentes a habitação e garagem do prédio urbano constituído em propriedade horizonta, situado na [...], [...], [...], Bloco A, na união de freguesias de [...] e [...] Viegas, concelho de Coimbra, inscrito na matriz predial urbana da dita freguesia com o n. 2801 e descrito na Conservatória do Registo Predial de Coimbra sob o n.º 868. Na qual intervieram os demandantes como compradores e os demandados como vendedores, cfr. doc. Fls. 9 a 24
2. O referido contrato teve intermediação das imobiliárias [ORG-1] – Sociedade de Mediação Imobiliária Lda- pelos vendedores – e da [...] – pelos compradores.
3. O preço anunciado de venda do imóvel era de 175.000.00€, que os demandantes negociaram fixando-se em 167.500,00€
4. Os demandantes visitaram as frações acompanhados por agentes imobiliários.
5. Os demandantes, a seu pedido receberam a chave das frações antes da celebração da escritura - em 2 de novembro de 2022 - para poderem realizar as mudanças e tratar dos contratos de água e luz.
6. No dia 23 de novembro de 2022, o demandante enviou mensagens via WhatsApp ao demandado dando-lhe conta da avaria do cilindro.
7. No dia seguinte, o demandado, deslocou-se ao apartamento, na companhia de um técnico a fim de reparar a avaria e não tendo sido possível, substituiu-o por outro.
8. Em 25 de novembro de 2022, o demandante contactou o demandado, por mensagem referindo nova avaria do cilindro de substituição.
9. Em 27 de fevereiro de 2023 o demandante adquiriu um cilindro novo, pelo valor de 600,00€.
10. Em data não concretamente apurada, os demandantes ficaram se eletricidade, por excesso de consumo ou sobrecarga.
11. Em 28 de dezembro de 2022, os demandantes remeteram carta aos demandados com pedido de reparação dos defeitos do imóvel tendo elencado os seguintes:
- Vidro partido com 1,30mx32,5 cm;
- Termo Acumulador (cilindro) que não funcionava;
- Falta de revisão do quadro elétrico;
- Canalização das duas casas de banho e da cozinha (água saía amarela) falta de torneira de segurança e torneira de banca;
- Falta de recaída no hall de entrada onde está uma viga de betão;
- 4 molas de estores e correia defeituosas;
- Portão elétrico da garagem que não fecha totalmente com o comando;
- Nas janelas dos dois quartos, a água da chuva infiltra-se.
12. Em 14 de janeiro de 2023, por solicitação dos demandantes foi enviada resposta à referida carta pelo Ilustre Mandatário, na qual assume a obrigação de substituir o vidro partido, alega que os defeitos apontados aos problemas elétricos e do cilindro se devem a má utilização e quanto aos demais vícios eram do conhecimento dos demandantes e justificaram o ajustamento do preço de venda.
13. Em 15 de abril de 2023, [PES-5], na qualidade de profissional da construção civil emitiu orçamento de substituição de canalização e reabilitação do apartamento dos demandantes, no valor de 9260,00€ acrescido de IVA. Cfr. doc. Fls. 27
14. Os demandantes guardam, na fração AA correspondente à garagem, arcas congeladoras ligadas à corrente elétrica.
15. A fração AA. era utilizada pelo demandado como pequena barbearia, com adaptações para tal fim, nomeadamente tinha esgoto e uma casa de banho.
16. A água que sai das torneiras apresenta uma cor amarelada, indiciando ferrugem nas canalizações, em todo o prédio.
Resultaram não provados os seguintes factos alegados pelas partes:
1. Que os demandantes tenham ficado sem água quente desde 21 de novembro de 2022 até à aquisição do novo cilindro ocorrida em 27 de fevereiro de 2023.
2. Que a avaria do cilindro se deveu a má utilização do mesmo pelos demandantes.
3. Que o portão da garagem não fechava à data da celebração da escritura de compra e venda.
4. Que se encontravam em falta uma torneira de segurança e uma torneira na banca;
5. Que as molas dos estores se encontravam defeituosas.
6. Que existem infiltrações provenientes de água da chuva que entra por furação nas janelas.

MOTIVAÇÃO
A matéria dada por provada e não provada resulta da ponderação das declarações das partes conjugadas com os documentos juntos aos autos - indicados em cada item -, e dos depoimentos das testemunhas.
Na verdade, as versões quer das partes, quer das testemunhas foram contraditórias no que diz respeito á existência dos defeitos que resultaram não provados (itens 3 a 6 da matéria não provada), não nos podendo esquecer que o ónus probatório cabia aos demandantes. De salientar que a testemunha [PES-6], conhecia bem o imóvel em causa nos presentes autos antes da sua venda, enquanto a testemunha [PES-5] apenas visitou o imóvel para a realização de orçamento de obras em abril de 2023.

A testemunha do demandante [PES-5] referiu, por exemplo, no que aos estores diz respeito que estes precisavam de manutenção com óleo e que o quadro elétrico precisava de ser reorganizado por forma a identificar cada disjuntor. Tais afirmações não correspondem a qualquer defeito apresentado pelo imóvel, tratando-se apenas de pequenas questões normais num imóvel usado. Mais referiu a necessidade de pinturas (que não fazem parte da matéria dos autos) para uniformizar umas sombras existentes e a necessidade de substituição de uns parafusos no portão porque abanava. Mais refere a necessidade de escoamento e reparação de uma parede na garagem, que não constam do elenco de defeitos denunciados aos vendedores.

A testemunha apresentada pelos demandados [PES-6], mediador imobiliário, referiu ao tribunal que visitou bastas vezes as frações em causa nos autos, abrindo os estores para que as visitas se realizassem com luz, nunca tendo detetado qualquer problema nos mesmos. Mais referiu que constatou que o portão se encontrava devidamente fechado. Também acendeu as luzes do apartamento, sem que o quadro fosse abaixo e tem conhecimento direto que os demandantes colocaram várias arcas congeladoras na garagem, da sua atividade comercial.

Foi contactado pelo colega da [ORG-3] que lhe deu conta do problema com o cilindro e sabe que os demandados assumiram a sua reparação e não voltou a ser contactado.

Referiu que o apartamento tinha sido remodelado há 5 anos e que estava em excelentes condições de habitabilidade, ainda que usado.

Confirmou os termos das negociações tendentes às compra e venda das frações em causa nos autos e a utilização da garagem como pequeno negócio do demandado.

MATÉRIA DE DIREITO
A relação material controvertida reconduz-se ao cumprimento defeituoso do contrato de compra e venda de imóvel.
Tratando-se de um contrato de compra e venda celebrado entre particulares, haveremos de aplicar o regime estabelecido nos artigos 913º e seguintes do Código Civil.

Em caso de vicio da coisa vendida, tem o comprador o direito a exigir do vendedor a sua reparação, indemnização pelo cumprimento defeituoso, redução do preço e, no limite anulação do negócio.

Com a presente ação pretendem os demandantes fazer valer o direito de reparação dos defeitos ou, em alternativa, a redução correspondente do preço.

Para exercício do seu direito, nos termos do disposto no art. 916º n. os 2 e 3 do Código Civil deve o comprador denunciar os defeitos da coisa vendida no prazo de 1 ano depois do conhecimento do defeito e dentro dos cinco anos após a entrega da coisa.

No presente caso, resulta provado que o contrato de compra e venda se celebrou em 21 de novembro de 2022 e a denúncia “formal” dos defeitos do imóvel foi enviada em 28 de dezembro de 2022, cumprindo-se, pois, o prazo estabelecido no referido dispositivo legal.

Por seu turno, a ação de anulação por simples erro caduca, findo qualquer dos prazos fixados no artigo anterior sem o comprador ter feito a denúncia, ou decorridos sobre esta seis meses, sem prejuízo, neste último caso, o disposto no n° 2 art. 287 CC - art. 917º CC (caducidade da ação).

O regime previsto neste artigo aplica-se também às ações destinadas à eliminação ou reparação do defeito de coisa imóvel vendida, ou destinadas à indemnização pelo cumprimento defeituoso, ainda que o vendedor não revista a dupla qualidade de ser também o construtor - cfr. Ac. Uniformizador de Jurisprudência 2/97, de 4/12/96, in DR, Ia série - A, de 30/9/97

Assim, o prazo para a propositura da ação é de seis meses a contar da denúncia, nela se englobando não só as ações de anulação, em caso de simples erro, como também as demais ações tendentes à efetivação dos restantes direitos conferidos por lei ao comprador.

O prazo de caducidade não se suspende nem se interrompe senão nos casos em que a lei o determine - art. 328º CC.

Neste sentido veja-se Pedro Romano Martinez (In Cumprimento Defeituoso – Em especial na Compra e na Empreitada, Almedina, pp 413), dizendo que “Apesar do artigo 917º ser omisso, tendo em conta a unidade do sistema jurídico no que respeita ao contrato de compra e venda, por analogia com o disposto no artigo 1224º, deverá entender que o prazo de seis meses é válido, não só para interpor o pedido judicial de anulação do contrato como também para intentar qualquer outra pretensão baseada no cumprimento defeituoso”. “De facto, não se compreenderia que o legislador só tivesse estabelecido um prazo para a anulação do contrato, deixando os outros pedidos sujeitos à prescrição geral de vinte anos (artigo 309º); por outro lado, tendo a lei estatuído que, em caso de garantia de bom funcionamento, todas as acções derivadas do cumprimento defeituoso caducam em seis meses (artigo 921º, nº 4), não se entenderia muito bem porque é que, na falta de tal garantia, parte dessas ações prescreveriam no prazo de vinte anos; além disso, contando-se o prazo de seis meses a partir da denúncia, e sendo esta necessária em relação a todos os defeitos(artigo 916º), não parece sustentável que se distingam os prazos para o pedido judicial; por último, se o artigo 917º não fosse aplicável, por interpretação extensiva, a todos os pedidos derivados do defeito da prestação, estava criado um caminho para iludir os prazos curtos».

No mesmo sentido de pronunciou Calvão da Silva (in Compra e Venda de Coisas Defeituosas, Conformidade e Segurança, 4.ª ed., 77), dizendo que “seria incongruente não sujeitar todas as acções referidas à especificidade do prazo breve para agir que caracteriza a chamada garantia edilícia desde a sua origem, pois, de contrário permitir-se-ia ao comprador obter resultados (referidos aos vícios da coisa) equivalentes, iludindo os rígidos e abreviados termos de denúncia e caducidade”

A presente ação deu entrada no Julgado de Paz em 6 de novembro de 2023, pelo que havemos de concluir que já se encontrava ultrapassado o referido prazo de 6 meses após a verificada denuncia dos defeitos do imóvel.

A caducidade é a extinção do direito pelo seu não exercício durante certo tempo e o seu fundamento específico é a necessidade de certeza jurídica já que, como ensinava Manuel Andrade (in Teoria Geral da Relação Jurídica, vol. II, p. 464), “certos direitos devem ser exercidos durante certo prazo para que ao fim desse tempo fique inalteravelmente definida a situação jurídica das partes. É de interesse público que tais situações fiquem, assim, definidas duma vez para sempre com o transcurso do respetivo prazo”.

Constitui exceção perentória que a proceder determina a absolvição do pedido, na medida em que extingue o efeito jurídico dos factos articulados pelo autor – art. 576 n,º 3 do CPC.

Ainda que com base em fundamento legal diferente, a exceção foi invocada na contestação.

Assim, sem mais considerações e atenta a procedência da exceção, a ação haverá de improceder.

DECISÃO
Em face do exposto e das disposições legais aplicáveis, absolvo os demandados do pedido.

Custas
Custas a cargo dos demandantes, que se declaram parte vencida, nos termos e para os efeitos do art. 3º da Portaria n.º 342/2019 de 1 de Outubro devendo ser pagas, no prazo de 3 (três) dias úteis a contar da notificação desta sentença –ainda que o prazo de validade do DUC seja mais alargado, sob pena do pagamento de uma sobretaxa diária de € 10,00 (dez euros) por cada dia de atraso no efetivo cumprimento dessa obrigação.
A falta de pagamento das custas acarreta a sua cobrança por processo de execução fiscal.

Registe.

Coimbra, 13 de junho de 2024

A Juíza de Paz

_____________________

(Cristina Eusébio)