Sentença de Julgado de Paz
Processo: 686/2004-JP
Relator: PAULA PORTUGAL
Descritores: INCUMPRIMENTO CONTRATUAL - EMPREITADA
Data da sentença: 03/24/2005
Julgado de Paz de : VILA NOVA DE GAIA
Decisão Texto Integral: SENTENÇA


I – IDENTIFICAÇÃO DAS PARTES
Demandante: A, residente ........., Santa Maria da Feira;
Demandados: B, Lda.”, com sede na Rua ......, Vila Nova de Gaia e C, com domicílio profissional na mesma morada.

II – OBJECTO DO LITÍGIO
O Demandante veio propor contra os Demandados a presente acção declarativa, enquadrada na al. i) do n.º 1 do art.º 9º da Lei n.º 78/2001 de 13 de Julho, pedindo a condenação destes a pagar-lhe a quantia de € 2.190,00 (dois mil cento e noventa euros); acrescida dos juros legais a contar da citação até efectivo e integral pagamento; bem como a suportar as custas do processo.

Alegou, para tanto e em síntese, que exerce a sua actividade empresarial em nome individual, dedicando-se à prestação de serviços de carpintaria; que em Março de 2003 foi contratado pela 1ª Demandada para a realização de alguns serviços de carpintaria na casa do 2º Demandado em Santa Maria da Feira; que a obra contratada consistia em arranjar o soalho da casa, colocação de um tecto falso no exterior da habitação e ainda a colocação de roupeiros; que o serviço foi devidamente orçamentado e aceite pela 1ª Demandada, tendo então o Demandante dado início aos trabalhos, os quais foram concluídos em Maio de 2003, altura em que deixou o soalho pronto para o taqueiro poder raspar e envernizar, tendo posteriormente instalado os roupeiros e procedido à colocação do tecto falso; que finalizados os trabalhos, enviou as facturas à 1ª Demandada, como era usual, já que não era a primeira vez que realizava serviços para aquela, as quais foram prontamente pagas, com excepção da colocação do tecto falso; que posteriormente a ter finalizado os trabalhos, a pedido do 2º Demandado, ainda teve de regressar a casa deste, mais duas vezes, a última das quais em Novembro último, já que o soalho tinha levantado, tendo-o alertado nessas duas deslocações que essa situação voltaria acontecer devido ao excesso de humidade do pavimento, e como não tinha qualquer responsabilidade todas as despesas desse arranjo seriam suportadas por aquele, pelo que, com o seu consentimento procedeu aos arranjos necessários usando sempre de todo profissionalismo e capacidade técnica para a realização da obra; que os problemas só surgiram devido ao excesso de humidade do pavimento que teve como consequência directa o levantar do soalho, situação da qual não tem qualquer tipo de responsabilidade, o que aliás foi confirmado pelo taqueiro que levou a cabo o seu envernizamento; que como não foram pagos os serviços de reparação do soalho e a colocação do tecto falso, contactou a 1ª Demandada no sentido de averiguar o porquê de tal demora, tendo recebido uma missiva do 2º Demandado a desresponsabilizar a 1ª de qualquer pagamento, o que não se percebe já que sempre foi aquela que assumiu todos os pagamentos, e ainda a recusar-se terminantemente a liquidar o devido com a desculpa de que os trabalhos não haviam sido terminados, o que não corresponde de todo à verdade; que por causa desta situação está a ter grandes prejuízos já que em face do incumprimento dos Demandados não pode cumprir com as suas obrigações com fornecedores o que acarretou que esteja neste momento com problemas judiciais.
Juntou documentos.

A primeira Demandada, devidamente citada, apresentou Contestação, alegando que não encomendou ao Demandante os serviços de carpintaria cujo pagamento é aqui peticionado e nunca lhe foi apresentado, comunicado ou dado conhecimento de qualquer orçamento aos mesmos respeitante; que desconhece que alegados serviços de carpintaria estarão em causa e se os mesmos foram, ou não, bem, ou mal, concluídos e em que termos; que apenas aceita que encomendou ao Demandante trabalhos e materiais, sempre através da emissão da respectiva nota de encomenda, e que pagou integralmente, pontualmente e sem qualquer excepção todos e quaisquer serviços e materiais que encomendou ao Demandante; que os trabalhos, serviços e materiais em causa nestes autos e cujo montante alegadamente ascende a € 2.190,00 não foram encomendados, de forma alguma, ao Demandante nem entre os mesmos foi, de forma alguma, acordada a respectiva execução. Conclui pedindo a condenação do Demandante como litigante de má fé, no pagamento de uma multa que se julgar adequada bem como numa indemnização consistente no reembolso das despesas que a Demandada suporte; e ainda nos honorários a pagar ao mandatário os quais deverão ser fixados em valor não inferior a € 600,00.
Juntou documentos.

O Demandado C apresentou contestação alegando ter sido quem contratou com o Demandante a execução da obra de carpintaria na sua residência particular e não a primeira Demandada; que a título de remuneração extraordinária e como donativo a este é que a primeira Demandada pagou algumas facturas ao Demandante; que o Demandante não concluiu a obra que se comprometeu perante si, pois o tecto falso não foi executado, tendo apenas umas poucas ripas, ficando inacabado; que o Demandante reparou o soalho o qual apresentou defeitos tendo o Demandado que o mandar reparar a terceiros.

O Julgado de Paz é competente em razão da matéria, do objecto, do território e do valor.
O processo não enferma de nulidades que o invalidem na totalidade.
As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias e são legítimas.
Não há excepções para além da que infra se apreciará, nulidades ou quaisquer questões prévias que cumpra conhecer.

Questões a decidir:
As questões essenciais decidendas consistem em saber:
I. Se os Demandados devem ser condenados a pagar ao Demandante a quantia de € 2.190,00, acrescida de juros;
II. Se deve ser julgada procedente a excepção deduzida pelo Demandado C;
III. Se deve o Demandante ser condenado como litigante de má-fé.

III – FUNDAMENTAÇÃO FÁCTICA
Da prova carreada para os autos, resultaram provados os seguintes factos:
A) O Demandante exerce a sua actividade empresarial em nome individual, dedicando-se à prestação de serviços de carpintaria;
B) O Demandado C contratou com o Demandante a execução de serviços de carpintaria na sua residência particular, entre os quais a colocação de roupeiros, de um tecto falso e a reparação do soalho por este colocado e que levantou;
C) A título de remuneração extraordinária do Demandado C e como donativo a este, a Demandada “B, Lda.” pagou algumas facturas ao Demandante;
D) O Demandante não concluiu a obra que lhe foi encomendada pois o tecto falso não foi executado, tendo apenas umas poucas ripas, ficando inacabado;
E) O soalho levantou em virtude de o Demandante não ter pregado devidamente os sarrafos e não ter deixado folga suficiente para que a madeira dilatasse antes de fechar a última tábua;
F) O Demandante recebeu uma missiva do Demandado C a desresponsabilizar a Demandada “B, Lda.” de qualquer pagamento;
G) O Demandante, a pedido do Demandado C, tentou por duas vezes reparar o soalho que tinha levantado;
H) Após a última reparação levada a cabo pelo Demandante, o soalho voltou a levantar, tendo então o Demandado C contratado um terceiro para efectuar a reparação, não mais tendo qualquer problema;
I) O Demandante fez chegar uma comunicação escrita à Demandada “B, Lda.” onde diz designadamente que “a razão desta minha carta é que nada tenho contra a “B, Lda.” e que anda “de costas viradas para o Sr. Engenheiro” (O Demandado C), o qual “não paga”;
J) O Demandante fez chegar ao Demandado C uma comunicação escrita em que diz designadamente que “não tenho mais condições para trabalhar consigo”, “não sei trabalhar consigo”e “o nosso trabalho fica por aqui”, onde lhe pede o pagamento da quantia de Esc. 277.000 (€1.381,70).

Motivação da matéria de facto dada como provada:
Os factos A), F) e G) consideraram-se admitidos por acordo, tendo-se ainda em conta o documento de fls. 5.
Para os factos B), I) e J), relevou a confissão do Demandante expressa no depoimento de parte consignado em acta, o qual reconheceu ter escrito pelo seu punho as cartas constantes de fls. 34 e 58 e 59.
Para os demais factos teve-se em conta o depoimento das testemunhas que se revelou credível e coerente.
D, cunhado do Demandante, referiu tê-lo ajudado a reparar o soalho por ele colocado na residência do Demandado C e que tinha levantado, em virtude de não terem sido deixadas folgas suficientes para um sítio com humidade; que posteriormente foi novamente ao local efectuar o mesmo serviço a mando do seu patrão que foi entretanto contratado pelo Demandado C; que a sua maneira de trabalhar é diferente da do Demandante pois deixa num serviço daqueles a última tábua por colocar, só acabando decorrido um certo período; que o tecto não se encontrava concluído, tendo apenas a estrutura de madeira pois o Demandado não queria folgas tão largas tendo o Demandante arrancado o que já havia colocado; que ficou convencido que era o Demandado C quem pagava o serviço.
E, funcionário da Demandada “B, Lda.” onde exerce as funções de escriturário, referiu por ele passarem todos os pagamentos e recebimentos efectuados pela empresa; que desconhece por completo a factura junta no requerimento inicial pelo Demandante, datada de 04.04.2004; que a mesma nunca foi entregue na sede da empresa; que tudo o que é facturado tem que ter nota de encomenda sendo certo que não houve qualquer nota para os serviços cujo pagamento é agora peticionado; que a Demandada “B, Lda. “nada deve ao Demandante.
F, arquitecto, referiu que o tecto falso que o Demandante começou a executar na residência do Demandado C não estava a ser feito de acordo com o que foi previamente definido, verificando-se um trabalho inestético e sem qualidade e que alertou o Demandante para o facto de o soalho não poder ser encostado à parede.
G, carpinteiro de profissão, foi contratado pelo Demandado C para reparar o soalho, o qual lhe disse que o Demandante não atendia o telemóvel e que precisava de ter o chão pronto para colocar os móveis; que nessa altura deparou com o soalho a rebentar em virtude de não ter sido pregado como devia por falta de cola e parafusos, nunca devendo ter sido fechada a última tábua sem estar pelo menos três ou quatro meses, dado tratar-se de um local húmido; que quando viu o tecto este tinha só estrutura, a qual segundo a sua experiência não era adequada àquele tecto.

Não foi provado que:
I. O Demandante enviou à Demandada “B, Lda.”a factura referente à colocação do tecto falso e reparação do soalho na residência do Demandado C;

Motivação dos factos não provados
A sua não prova resulta da ausência de mobilização probatória credível nesse sentido.

IV – O DIREITO
Quanto à Demandada “B, Lda.” não se apurou a celebração de qualquer contrato entre o Demandante e esta, pelo que outra solução não se afigura que a sua absolvição.

No que respeita ao Demandado C, vejamos.
O Demandante e este convencionaram que o primeiro colocasse na residência do segundo um tecto falso, soalho e roupeiros mediante o pagamento por este último de um preço.
Entre ambas as partes foi celebrado um contrato de empreitada, que é uma modalidade de contrato de prestação de serviços – art.º 1.155º do C. Civil.
Nos termos do art.º 1.207º do C. C., “Empreitada é o contrato pelo qual uma das partes se obriga em relação a outra a realizar certa obra, mediante um preço.”
O contrato de empreitada é, pois, bilateral, oneroso e sinalagmático.
Um dos aspectos em que se exprime o sinalagma contratual – corolário do princípio geral da pontualidade (art.º 406º do C. Civil) – é, do lado do empreiteiro, a execução da obra nos termos convencionados – “O empreiteiro deve executar a obra em conformidade com o que foi convencionado, e sem vícios que excluam ou reduzam o valor dela, ou a sua aptidão para o uso ordinário ou previsto no contrato.” – art.º 1.208º do C. C. - e, do lado do dono dela, a obrigação de, caso a aceite, pagar o preço. – “O preço deve ser pago, não havendo cláusula ou uso em contrário, no acto de aceitação da obra.” – n.º 2 do art.º 1.211 do citado diploma.
Ora, no caso vertente,
o Demandante tinha como tarefas, cujo pagamento é agora exigido, a colocação de um tecto falso e a reparação do soalho que por ele havia sido colocado e que levantou, tendo o Demandado disso dado conhecimento ao Demandante e exigido a sua reparação.
Foi provado que o tecto não foi acabado, não tendo o Demandante agido em conformidade com as instruções que lhe foram dadas pelo Demandado para a sua colocação, o que originou a que tivesse que retirar as placas que já havia colocado, deixando apenas a estrutura de madeira que assim permanece; e que o Demandante, por incapacidade técnica, não foi capaz de eliminar os defeitos que advieram da colocação do soalho, não obstante o ter tentado por mais do que uma vez, pelo facto de não ter pregado devidamente os sarrafos e deixado folga suficiente para a madeira poder dilatar, já que se tratava de piso sujeito a humidade.
Daqui conclui-se que, por um lado, no que respeita ao tecto, a obra não foi concluída, por outro, quanto ao soalho, a obra foi executada defeituosamente.
Tendo havido por parte do Demandado C uma não aceitação da obra, nos termos em que foi executada pelo Demandante, a qual é inequívoca se atentarmos à carta junta por este a fls. 11 em que o Demandado afirma que a obra não foi executada na perfeição, e que não lhe foi enviada qualquer factura para o efeito a qual rejeitaria por indevida, o que vale por dizer que reclamou a eliminação dos defeitos.
Existe cumprimento defeituoso em todos os casos em que o defeito ou irregularidade da prestação – a má prestação – causa danos ao credor ou pode desvalorizar a prestação, impedir ou dificultar o fim a que este objectivamente se encontra afectado… Cfr. Antunes Varela, “Das Obrigações em Geral”, vol. II, 6ª ed., p. 128
Estipulando-se no art.º 1208º do C. Civil que “o empreiteiro deve executar a obra em conformidade com o que foi convencionado, e sem vícios que excluam ou reduzam o valor dela ou a sua aptidão para o uso ordinário ou previsto no contrato” e averiguado que, no caso concreto, a obra não foi executada “sem vícios que excluíssem ou reduzissem o valor dela ou a sua aptidão para o uso ordinário” a que se destinava, manifesto é que o Demandante não cumpriu a obrigação a que se achava adstrito porque tendo-se obrigado contratualmente a executar a obra sem defeitos assim não procedeu.
Vem a propósito salientar que o artigo 1208º, na sua 2ª parte, aplica o princípio do n.º 2 do art.º 762º, segundo o qual o devedor, no cumprimento da obrigação, deve proceder de boa fé e, portanto, segundo as regras da arte C. C. Anotado, II/546, de P. de Lima e A. Varela. Embora o dono da obra possa fiscalizar a execução da mesma é sobre o empreiteiro que pesa o encargo de saber como levá-la a bom termo, o que significa que a má execução do serviço de que o Demandante se incumbiu se tem de atribuir a ele próprio.

A alegação desta matéria pelo Demandado C configura a invocação da excepção do não cumprimento do contrato, nos termos do art.º 428º, n.º 1, do Código Civil, sendo lícito a este Tribunal proceder a tal qualificação jurídica, ao abrigo do art.º 664º do C. P. C..
Debrucemo-nos sobre a questão colocada se deve proceder a invocada exceptio non rite adimpleti contractus, com a consequente absolvição do Demandado C do pagamento do respectivo preço.
Dispõe aquele artigo que “se nos contratos bilaterais não houver prazos diferentes para o cumprimento das prestações, cada um dos contraentes tem a faculdade de recusar a sua prestação enquanto o outro não efectuar a que lhe cabe ou não oferecer o seu cumprimento simultâneo.”
Valendo tal excepção tanto para o caso de falta integral do cumprimento, como para o de cumprimento parcial ou defeituoso, desde que a sua invocação não contrarie o princípio geral da boa fé.
Pois bem.
É o Demandante, como empreiteiro, que devia cumprir primeiro a sua prestação, em termos rigorosos e perfeitos, para poder exigir o pagamento do preço.
Como há mora no cumprimento do Demandante que colocou apenas a estrutura do tecto falso, tendo sido obrigado a retirar as placas que já tinha colocada por não se encontrarem conforme o que lhe tinha sido encomendado, o Demandado pode recusar o pagamento do preço até que esteja concluída a obra, sem vícios ou defeitos.
Enquanto tal situação se mantiver, a exigibilidade do pagamento do preço fica suspensa.

Já quanto à reparação do soalho,
De notar é, que, conquanto o Demandante não haja eliminado os defeitos encontrados, algumas tentativas fez nesse sentido. Sucede é que o Demandado não lhe deu a possibilidade de levar por diante esse desiderato por logo a seguir ter confiado a reparação a terceiros.
Mas a verdade é que o cumprimento defeituoso da obrigação pelo Demandante, pela sua reiteração, é passível de originar a perda do interesse do Demandado na execução do serviço, a qual é aferida objectivamente, tornando-se assim em incumprimento definitivo, o que motivou a que o Demandado recorresse aos serviços de um terceiro até porque queria o chão em condições para colocar os móveis no local.
Por outro lado,
da missiva que o Demandante fez chegar ao Demandado e por este junta a fls. 58 e 59, constam as expressões “não sei trabalhar consigo”, “o nosso trabalho ficou por aqui”, comunicação essa sem data mas que, pelo seu conteúdo, é possível apurar ter sido entregue já depois das tentativas de reparação do soalho perpetradas pelo Demandante, designadamente com a ajuda do cunhado, e que não resolveram o problema, uma vez que o soalho tornou a levantar.
Aliás, em tal missiva, o Demandante pede ao Demandado que lhe pague a quantia de Esc. 227.000$00 correspondente aos materiais que alegadamente utilizou na obra (sarrafos do tecto e rodapé, placas e rodapés dos armários), bem como mão-de-obra de reparação do soalho, valores totalmente diferentes dos agora peticionados e que constam de uma factura cuja apresentação ao Demandado não foi provada.

Ora, entende a Jurisprudência que há incumprimento definitivo da execução total ou parcial da obra por banda do empreiteiro e não simples mora no cumprimento que obrigue o dono da obra à fixação do prazo admonitório previsto no art.º 808º, n.º 1, do C. Civil, quando o empreiteiro manifestar que não quer cumprir ou que não cumprirá, podendo essa manifestação resultar de declaração expressa ou de actos concludentes do mesmo empreiteiro. Neste sentido Ac. S.T.J. de 03.10.1995, in Colectânea Jurisprudência, III, p. 42 e segs..
No caso em apreço, todo o comportamento do Demandante demonstra incapacidade para cumprir, revelando-se aos olhos do Demandado como se revelaria aos olhos de qualquer cidadão normal, com o significado de abandono da obra. Nestas circunstâncias o Demandado não podia ficar à espera que o Demandante fosse capaz de executar os trabalhos sem vícios, depois de lhe ter dado mais do que uma oportunidade para o fazer.
Não tendo o Demandante cumprido a sua obrigação de reparar o soalho sem defeitos, não pode exigir ao Demandado o pagamento do preço.
Ao mesmo tempo que, interpretando o comportamento do Demandante como uma recusa ao cumprimento, não tem o Demandado que estar à espera que este lhe acabe o tecto para depois então lhe pagar o preço.
No entanto,
a verdade é que o Demandante aplicou alguns materiais nos serviços defeituosamente executados, nomeadamente os sarrafos, os quais pela sua objectiva utilidade para o Demandado podem constituir um enriquecimento, sendo certo que não é possível neste momento apurar o seu valor, relegando-se como tal a sua liquidação para execução de sentença, nos termos do n.º 2 do art.º 661º do C. P. C., condenando-se o Demandado C a pagar ao Demandante o montante que nessa sede se vier a apurar.

Da litigância de má-fé por parte do Demandante
O instituto da litigância de má fé radica na própria boa fé que deverá sempre nortear a actividade das partes de modo a que estas, conscientemente, não formulem pedidos injustos, não articulem factos contrários à verdade, não requeiram diligências meramente dilatórias. Não agindo segundo tais ditames, ficam as partes sujeitas às sanções do art.º 456º do C.P.C.. Face ao exposto, sempre se poderá sintetizar esta figura como decorrente do dever de probidade imposto às partes.
De acordo com o n.º 2 daquele artigo, deverá ser considerado litigante de má fé não só aquele que tiver deduzido pretensão ou oposição cuja falta de fundamento não ignorava, como também o que tiver conscientemente alterado a verdade dos factos ou omitido factos essenciais, o que tiver feito do processo ou dos meios processuais um uso manifestamente reprovável, com o fim de conseguir um objectivo ilegal ou de entorpecer a acção da justiça ou de impedir a descoberta da verdade, para além da violação grave do dever de cooperação.
Ora, in casu, o Demandante ao instaurar a acção contra a Demandada “B, Lda.”, bem sabia que a firma em causa não lhe tinha encomendado os serviços cujo pagamento do preço aqui peticiona. No entanto, uma vez que a Demandada em causa já teria procedido ao pagamento de outros serviços igualmente prestados na residência do Demandado C (sendo certo que precedidos da respectiva nota de encomenda) pelo Demandante, o qual tinha recebido instruções para emitir as facturas em nome daquela firma, por conta da qual o Demandado C trabalha e atendendo a que o Demandante, leigo na matéria, deu entrada ao requerimento inicial sem qualquer aconselhamento jurídico, salvo melhor opinião, parece-nos que a sua conduta, muito embora reprovável, não deverá ser condenada a título de dolo ou negligência grave.
Como tal julga-se improcedente a litigância de má fé alegada pela Demandada “B, Lda.”

V – DISPOSITIVO
- Face a quanto antecede, julgo parcialmente procedente a presente acção, absolvendo do pedido a Demandada “B, Lda.” e condenando o Demandado C a pagar ao Demandante o montante a liquidar em execução de sentença relativo aos materiais por si empregues na execução parcial do telhado e na reparação do soalho, na medida em que os mesmos, pela sua objectiva utilidade para aquele, possam constituir um enriquecimento.
- Custas pelo Demandante e pelo Demandado C, na proporção de ¾ e ¼, respectivamente. Cumpra-se o disposto nos artigos 8º e 9º da Portaria n.º 1456/2001, de 28 de Dezembro.
Registe e notifique.

Vila Nova de Gaia, 24 de Março de 2005
A Juiz de Paz
(Paula Portugal)

Processado por computador Art.º 138º/5 do C.P.C.
Revisto pelo Signatário. VERSO EM BRANCO
Julgado de Paz de Vila Nova de Gaia