Sentença de Julgado de Paz
Processo: 29/2010-JP
Relator: CRISTINA BARBOSA
Descritores: CUMPRIMENTO DE OBRIGAÇÕES
Data da sentença: 10/22/2010
Julgado de Paz de : PORTO
Decisão Texto Integral: ACTA DE LEITURA DE SENTENÇA

Aos 22 de Outubro de 2010, pelas 14.15h, no Julgado de Paz do Porto, teve lugar a leitura de sentença do Proc.º x em que são partes:
Demandante: A
Demandada: B
Realizada a chamada, não se encontrava ninguém presente.
Reaberta a audiência, pela Mª Juíza, foi proferida a seguinte:
SENTENÇA
A Demandante intentou contra a Demandada a presente acção declarativa enquadrável na alínea a) do nº 1 do art.º 9º da Lei n.º 78/2001 de 13 de Julho, pedindo a condenação desta a pagar-lhe a quantia de € 4.100,00, [(€ 200,00 x 41) : 2 ], correspondente a metade da indemnização prevista no nº 2 do artigo 20º-H do Decreto-Lei nº 522/85, acrescida de juros legais após a citação, tudo com custas e condigna procuradoria
A Demandada apresentou contestação nos termos plasmados a fls. 23 a 25.
O Julgado de Paz é competente em razão da matéria, do objecto, do território e do valor.
As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias e são legítimas para a presente acção.
Não se verificam quaisquer excepções ou nulidades, nem quaisquer questões prévias que obstem ao conhecimento do mérito da causa.
Procedeu-se à realização da audiência de julgamento com observância do legal formalismo consoante resulta da Acta.
FACTOS PROVADOS

A. No dia 07 de Fevereiro de 2007, cerca das 14h15m, ocorreu um acidente de viação na Rua de Ruben A, na cidade e comarca do Porto, em que foram intervenientes - o veículo automóvel matrícula AL, marca Citroên C4, propriedade da “C”, mas conduzido por D e o veículo automóvel matrícula UM, marca Volkswagen, propriedade da Demandante, mas conduzido na altura por E.
B. A proprietária do veículo matrícula AL, celebrou com a Demandada um contrato de seguro automóvel, titulado pela apólice nº x, através do qual transferiu para esta a responsabilidade civil decorrente da circulação do referido veículo.
C. Por sua vez, a Demandante celebrou com a Demandada um contrato de seguro automóvel, titulado pela apólice nº x, através do qual transferiu para esta a responsabilidade civil decorrente da circulação do veículo matrícula UM.
D. No momento após o acidente, os condutores de ambos os veículos elaboraram e assinaram uma declaração amigável de acidente de viação.
E. Na qual indicavam que o veículo pertencente à Demandante provinha de um parque de estacionamento, local privado ou caminho particular.
F. Não obstante a declaração amigável que foi assinada, porque depois constatou que a mesma não havia sido correctamente preenchida, designadamente no campo 12 - referente às circunstâncias do acidente, a Demandante procurou rectificar o erro que a declaração tinha.
G. Assim, em 14/02/2007, a Demandante, através do seu mediador de seguros, apresentou uma reclamação à Demandada, através da entrega de um impresso.
H. Rectificação essa onde constava que o veículo da Demandante não provinha de caminho particular ou parque de estacionamento, mas de um arruamento público.
I. Face à participação do sinistro também apresentada pela proprietária do veículo AL, a Demandada abriu dois processos relativos ao sinistro, o processo nº x, sobre a apólice da Demandante; e processo nº x, sobre a apólice da proprietária do veículo AL.
J. Após a participação do sinistro, a Demandante foi contactada pela Demandada, com vista à marcação da peritagem.
K. A peritagem ao veículo da Demandante foi realizada no dia 26/02/2007.
L. Posteriormente e no âmbito do processo nº x (aberto sobre a apólice da Demandante), a Demandante recebeu uma carta da Demandada na qual esta informava que assumira 100% de responsabilidade no acidente.
M. Carta essa datada do dia 28 de Fevereiro de 2007.
N. O mediador de seguros da Demandante contactou telefonicamente várias vezes a Demandada, para obter informações.
O. Todas as informações que a Demandante ia obtendo, chegavam, sem ser por escrito e por intermédio do seu mediador de seguros e após interpelação deste junto da Demandada, como sucedeu em 21/03/2007, 27/03/2007, 03/04/2007, 09/04/2007, 12/04/2007, 19/04/2007 e 24/04/2007.
P. Em 10/05/2007 a Demandada emitiu a ordem de pagamento para a reparação do veículo da Demandante, no valor de € 563,82.
FACTOS NÃO PROVADOS:
Não se provaram quaisquer outros factos alegados pelas partes, com interesse para a decisão da causa.
FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO:
Os factos assentes resultaram da conjugação dos documentos constantes dos autos e depoimento testemunhal prestado em sede de audiência final, sendo que os factos constantes de A., D., F., G., I., J., K e P, se consideram admitidos por acordo – artº 490º nº2 do C.P.C..
ENQUADRAMENTO JURÍDICO
Pretende o Demandante com a presente acção, ser indemnizado pela Demandada, pelo alegado atraso no cumprimento do prazo estabelecido no nº2 do artº 20º-H do Dec-Lei nº 82/2006 de 3 de Maio (artigo aditado ao Dec-Lei nº522/85 de 31 de Dezembro), no montante de € 4.100,00, no âmbito do procedimento da regularização dos sinistros.
Por sua vez, a Demandada não aceita a versão apresentada pela Demandante, alegando que cumpriu o prazo estabelecido no referido Dec-Lei.
Vejamos então.
Considerando a data do sinistro - 07/02/2007, é aplicável o regime previsto no Decreto-Lei nº 522/85, de 31 de Dezembro e designadamente, o regime instaurado pelo Decreto-Lei nº 83/06, que aditou os artigos 20º-A a 20°-0 e que visa directamente apenas a regularização extrajudicial de sinistros.
O artigo 20º-F, sob a epígrafe “Diligência e prontidão da empresa de seguros”, prevê, na alínea a) do nº l que: "Sempre que lhe seja comunicada pelo tomador do seguro, pelo segurado ou pelo terceiro lesado a ocorrência de um sinistro automóvel coberto por um contrato de seguro, a empresa de seguros deve: proceder ao primeiro contacto com o tomador do seguro, com o segurado ou com o terceiro lesado no prazo de dois dias úteis, marcando as peritagens que devam ter lugar".
Por sua vez, a alínea e) do mesmo nº1 do artigo 20º-F, impõe, ainda, às empresas de seguro, sempre que lhes seja comunicada a ocorrência de um sinistro, o dever de: “Comunicar a assunção da responsabilidade no prazo de 30 dias úteis, a contar a partir do termo do prazo fixado na alínea a), informando desse facto o tomador do seguro ou segurado e o terceiro lesado, por escrito ou por documento electrónico”.
Da matéria provada resulta que ambas as proprietárias dos veículos intervenientes no acidente ocorrido em 07.02.2007, celebraram com a Demandada, um contrato de seguro automóvel, referente ao veículo de matrícula AL, titulado pela apólice nº x, através do qual foi transferida para a Demandada a responsabilidade civil decorrente da circulação do referido veículo e o referente ao veículo matrícula UM, titulado pela apólice nº x, através do qual foi transferida para a Demandada a responsabilidade civil decorrente da circulação deste veículo.
O contrato de seguro é a convenção pela qual uma das partes – a seguradora – se obriga, mediante retribuição – prémio – paga pela outra parte – o segurado – a assumir determinado risco – e, caso este ocorra, a satisfazer ao segurado ou a terceiro, uma indemnização pelo prejuízo ou um montante previamente estipulado.
Mais se provou que no momento após o acidente, os condutores de ambos os veículos elaboraram e assinaram uma declaração amigável de acidente de viação.
Nesta situação, prevê o nº 2 do artº 20º-E que se presume que o sinistro se verificou nas circunstâncias, nos moldes e com as consequências constantes da mesma, salvo prova em contrário por parte da empresa de seguros.
Ora, segundo o que constava da participação do acidente, os intervenientes indicavam que o veículo pertencente à Demandante provinha de um parque de estacionamento, local privado ou caminho particular, o que lhe imputaria a responsabilidade pelo acidente. Contudo, porque depois constatou que a mesma não havia sido correctamente preenchida, designadamente no campo 12 - referente às circunstâncias do acidente, em 14/02/2007, a Demandante através do seu mediador de seguros, apresentou uma reclamação à Demandada, através da entrega de um impresso, rectificação essa onde constava que o veículo da Demandante não provinha de caminho particular ou parque de estacionamento, mas de um arruamento público, o que fazia toda a diferença, em termos de responsabilidade pela ocorrência do acidente, uma vez que, apresentando-se a Demandante pela direita face ao veículo terceiro, gozaria perante ele da regra estradal da prioridade.
Após a participação do sinistro (rectificação da declaração amigável) feita pela Demandante, a Demandada procedeu ao primeiro contacto em 16/02/2007, sendo que a peritagem ao seu veículo foi realizada no dia 26/02/2007.
Resultou ainda provado que a Demandada, relativamente ao mesmo acidente, abriu dois processos relativos ao sinistro, o processo nº x, sobre a apólice da Demandante e o processo nº x, sobre a apólice da proprietária do veículo AL.
Foi, precisamente, a abertura de dois processos que despoletou alguma confusão ao longo do processo de regularização do sinistro, não obstante se tratar do mesmo acidente.
Posteriormente e no âmbito do processo nº x (aberto sobre a apólice da Demandante), a Demandante recebeu uma carta da Demandada na qual esta informava que assumira 100% de responsabilidade no acidente, carta essa datada do dia 28 de Fevereiro de 2007.
Surge aqui a divergência entre as partes, enquanto a Demandante entende não ter existido qualquer comunicação nos termos e para os efeitos da já citada alínea e) do artº 20º-F, a Demandada refere que a formalidade legal foi cumprida através da carta enviada em que assumia 100% da responsabilidade.
Ora, não obstante terem sido abertos dois processos, o sinistro é o mesmo, sendo que o referido Decreto-Lei, tem em vista a vinculação do obrigado, ou seja, da Seguradora ao cumprimento de prazos na regularização de sinistros. Tendo ocorrido um só sinistro, em que os veículos intervenientes são objecto de um contrato de seguro automóvel celebrado com a mesma Seguradora, a assunção da responsabilidade terá de ser a mesma perante os dois segurados, podendo, eventualmente estar sujeita a alterações supervenientes, mas em termos formais, tem de ser sempre a mesma.
Assim sendo, parece que nos termos exigidos pela alínea e) do artº 20º-F, a carta que consta a fls. 14, obedecerá à formalidade nele prescrita, pois foi tomada uma posição pela Demandada relativamente àquele sinistro.
Refere a Demandante que a assunção da responsabilidade se refere à sua apólice e portanto, é-lhe atribuída a si a responsabilidade pela ocorrência do sinistro, quando, nos termos da reclamação apresentada em 14.02.2007, a responsabilidade devia ser atribuída ao condutor do veículo terceiro.
Com efeito, poder-se-ia suscitar dúvidas quanto à assunção dessa responsabilidade, uma vez que, tal carta identifica o nº de processo no qual a Demandante apresentou a sua reclamação, o seu nº de apólice a ainda a sua viatura, tal como a carta junta em audiência de julgamento a fls. 47, dirigida ao terceiro, em que consta o mesmo nº de processo, a mesma apólice, mas a viatura identificada já é a do terceiro, o que até levaria a crer que estaria a assumir a responsabilidade da reparação face aos dois veículos intervenientes; contudo, face à posição assumida na contestação, nomeadamente nos artigos 7º e 8º, em que a Demandada aceita que a responsabilidade assumida nessa carta, se refere à versão apresentada na declaração amigável e que só posteriormente, é que veio a apurar que tal não correspondia à verdade, conclui-se que a assunção da responsabilidade é relativa ao pagamento dos danos do terceiro.
A Demandante alega que a comunicação da assunção da responsabilidade pela empresa de seguros nos casos em que a responsabilidade não tenha sido claramente determinada, é a prevista no nº2 do artº 20º-H.
Dispõe o nº2 do referido artigo 20º-H que "Em caso de atraso no cumprimento dos deveres fixados na alínea e) do n.º 1 ou nº 5 do artigo 20.º-F, quando revistam a forma constante do número anterior, para além dos juros devidos a partir do 1.º dia de atraso sobre o montante previsto no n.º 2 do artigo anterior, esta constitui-se devedora para com o lesado e para com o Instituto de Seguros de Portugal, em partes iguais, de uma quantia de (euro) 200 por cada dia de atraso.”
Por sua vez, refere o nº1 que: “a comunicação da assunção da responsabilidade, nos termos previstos na alínea e) do nº1 do artº 20º-F ou da decisão final, prevista no nº5 do mesmo artigo, consubstancia-se numa resposta fundamentada em todos os pontos invocados no pedido nos seguintes casos:
a)A responsabilidade tenha sido rejeitada;
a) A responsabilidade não tenha sido claramente determinada;
b) Os danos sofridos não sejam totalmente quantificáveis;
Ora, in casu, não poderemos considerar que a responsabilidade não tenha sido claramente determinada (não relevando se tal assunção vai de encontro à pretensão da Demandante, sendo certo que não concordando com a responsabilidade assumida, tem meios para reagir), uma vez que, existiu a assunção da responsabilidade nos termos já supra referidos.
Face ao que antecede, entende-se não ser aplicável a indemnização prevista neste artigo e peticionada pela Demandante.
DECISÃO:
Pelo exposto e nos termos dos fundamentos de Direito invocados, julgo a acção improcedente e, em consequência, absolve-se a Demandada do peticionado.
Declaro a Demandante como parte vencida, correndo as custas por sua conta, em conformidade com os Artigos 8º e 9º da Portaria n.º 1456/2001 de 28 de Dezembro.
Registe e notifique.
Para constar lavrei a presente acta que, depois de lida e ratificada, vai ser assinada.
Porto, 22 de Outubro de 2010
A Juíza de Paz
(Cristina Barbosa)
A Técnica de Apoio Administrativo
(Liliana Moreira)
Processado por computador Art.º 138º/5 do C.P.C.
VERSOEMBRANCO
Julgado de Paz do Porto