Sentença de Julgado de Paz | |
Processo: | 235/2023-JPCBR |
Relator: | CRISTINA EUSÉBIO |
Descritores: | ACIDENTE DE VIAÇÃO |
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Data da sentença: | 06/03/2024 |
Julgado de Paz de : | COIMBRA |
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Decisão Texto Integral: | Proc. N.º 235/2023-JPCBR SENTENÇA RELATÓRIO: [PES-1], identificado a fls. 1, propôs contra [ORG-1] S.A. igualmente melhor identificada nos autos, a presente ação declarativa de condenação, pedindo que esta fosse condenada a pagar-lhe a quantia de 2800,00 € (Dois mil e oitocentos euros) a título de indemnização por danos patrimoniais e privação de uso decorrentes de acidente de viação. Para tanto, alegou os factos constantes do seu Requerimento Inicial de fls. 1 a 5, que se dá por integralmente reproduzido. Juntou 9 documentos (fls. 6 a 21) que igualmente se dão por reproduzidos. Regularmente citada, veio a demandada apresentar contestação de fls.29 a 32 pugnando pela improcedência da ação. Juntou a apólice de seguro que se dá por reproduzida (fls. 33 a 36) e relatório de peritagem (fls. 37 a 39). ** Ao tribunal cabe decidir a) a verificação dos pressupostos da responsabilidade civil decorrente de acidente de viação; b) da obrigação da Seguradora indemnizar o Demandante pelos danos verificados ** O Julgado de Paz é competente em razão do valor, da matéria e do território. Não existem nulidades que invalidem o processado. As partes são dotadas de personalidade e capacidade jurídica e são legítimas. Não existem exceções de que cumpra conhecer ou questões prévias que obstem ao conhecimento de mérito da causa. Fixa-se o valor da causa em 2800,00€ (dois mil e oitocentos euros). ** Tendo a Demandada afastado o recurso à Mediação, procedeu-se á marcação da Audiência de Discussão e Julgamento, para o dia 6 de maio de 2024Procedeu-se à realização da Audiência de Julgamento, com observância do formalismo legal, conforme da respetiva ata melhor se alcança. FUNDAMENTAÇÃO - MATÉRIA DE FACTO Com interesse para a decisão da causa, ficaram provados os seguintes factos: 1. No dia 27 de junho de 2023, pelas 16 horas e dez minutos, ocorreu um acidente de viação no cruzamento entre a [...] e a [...], em [...]. 2. No local, o trânsito processa-se por duas vias em sentidos opostos com 6 metros de largura, com o piso betuminoso em razoáveis condições de conservação e o piso estava seco; 3. Foram intervenientes no acidente o veículo ligeiro de passageiros Ford Focus, com a matrícula [BJ - 1] (doravante BJ) e o motociclo da marca [Marca-1] V7, com a matrícula [AF - 2]. (doravante AF). 4. O BJ era conduzido e propriedade do aqui demandante (cfr. fls. 7) e o AJ era conduzido por [PES-2] que tinha transferida a sua responsabilidade civil por danos decorrentes da circulação do veículo para a demandada, titulada por contrato de seguro com a apólice n.º xxxxxxxxx. 5. O veículo BJ proveio da [...] pretendendo entrar na [...], no sentido da IC2. 6. No local existe um sinal STOP, onde o BJ parou antes de prosseguir a sua manobra para virar à esquerda. 7. Á esquerda do cruzamento existe uma paragem de autocarro onde se encontrava um autocarro parado para a entrada e saída de passageiros. 8. Antes da referida paragem existe uma passadeira e as hemifaixas encontram-se divididas por traço continuo desde a rotunda até ao cruzamento com a [...]. 9. O AF circulava na [...] no sentido IC2 – [...], provindo da rotunda. 10. O entroncamento que faz a intersecção entre a [...] e a [...] tem visibilidade reduzida, motivo pelo qual existe um espelho auxiliar em frente da dita interseção; 11. O demandante avançou para tomar o sentido de trânsito descrito em 5 passando pela frente do autocarro. 12. O condutor do AF circulava na faixa para onde o BJ pretendia seguir, contornando o autocarro que se encontrava parado, dando-se o embate. 13. Do acidente descrito resultaram danos na frente do BJ e na lateral direita do AF. 14. A Polícia de Segurança Pública deslocou-se ao local, elaborando o competente auto que se dá por reproduzido. 15. O demandante fez a participação do sinistro á demandada que declinou a sua responsabilidade invocando que este desrespeitou o sinal STOP, 16. A demandada promoveu a realização da peritagem ao veículo BJ, em 30 de junho de 2023 atribuindo o valor de reparação dos danos de 358,14€ (trezentos e cinquenta e oito euros e catorze cêntimos) prevendo 1 dia para o efeito. Factos não provados: - Que o veículo do demandante tenha ficado impedido de circular; - Que o demandante ficou privado do seu uso durante 6 dias para a realização da perícia; - Que o demandante ficará 4 dias privado do veículo para reparação. - Que o veículo do demandante sirva para exercer a atividade de prestação de serviços ao domicílio; Não resultaram provados quaisquer outros factos alegados pelas partes ou com interesse para a decisão da causa. MOTIVAÇÃO A matéria dada por provada resultou da apreciação das declarações do demandante conjugadas com as do condutor do veículo segurado na demandada, bem assim como dos documentos oportunamente apresentados pelas partes e testemunhas que prestaram o seu depoimento com conhecimento direto dos factos, de forma credível e desinteressada, nomeadamente o condutor do autocarro que se encontrava na paragem. Assim, a testemunha [PES-3], motorista dos SMTUC relatou ao tribunal que estava parado para a entrada de passageiros no autocarro e que, quando se preparava par arrancar viu a mota bater na carrinha. Apenas se apercebeu da presença da mota nesse momento, mas afirma ter visto o demandante parado no stop à espera ele lhe desse indicação para passar, o que não fez. A testemunha José [PES-4], confirmou igualmente que viu a carrinha parada no STOP e referiu que existe um espelho pequeno com fraca visibilidade orientado para o lado da rotunda. Não presenciou o embate, mas ouviu o barulho e veio auxiliar. Viu o carro amolgado à frente. A testemunha [PES-5], condutor do motociclo, prestou depoimento pouco coerente na medida em que começa por afirmar que o demandante não parou no Stop e por isso embateu no seu motociclo, quando na realidade não seria possível que tivesse, sequer, avistado o BJ. Confrontado com a impossibilidade de ter avistado o carro, mantém que o carro não parou no Stop, mas que não o viu. Mais refere ter passado o autocarro sem pisar o traço continuo. Ora, considerando a largura da via (6 metros no total e 3 metros para cada hemifaixa) a largura do autocarro que se encontrava parado, esta declaração afigura-se pouco credível. Aliás, o próprio perito contratado pela demandada – [PES-6] - refere que tal situação não seria possível e que a mota necessariamente tem de passar para a outra via para ultrapassar o autocarro. Mais descreveu o que apurou no âmbito da peritagem efetuada, confirmando o teor do auto da PSP no que ao local diz respeito. Referiu igualmente a existência do traço continuo entre as faixas, o sinal Stop desenhado no chão e vertical na [...] e a existência do espelho bifocal. A testemunha [PES-7] confirmou o valor de reparação dos danos do veículo e referiu que a matrícula foi colocada no próprio dia, para que o veículo pudesse circular. Das declarações agora sumariamente descritas resulta provado o ínsito n.º 1, 5, 6, 7, 8, 10, 11 e 12, conjugadas com os documentos referidos em cada item. Os factos com os nº 2, 3, 13 a 16 resultaram provados pelos documentos neles identificados. FUNDAMENTAÇÃO - MATÉRIA DE DIREITO O Demandante ancora o seu pedido no facto de o condutor do veículo AF ser, no seu entender, o único culpado no acidente ocorrido. Preliminarmente, importa referir, na questão de Direito, embora de modo sintético, que a obrigação de indemnizar, seja qual for a fonte de que provenha (responsabilidade por factos ilícitos, extracontratual ou aquiliana – Art.ºs 483.º e ss. do Código Civil; responsabilidade pelo risco ou objetiva - Art.ºs 499.º e ss.; responsabilidade por factos lícitos ou responsabilidade contratual - Art.ºs. 798.º e ss.) radica sempre num dano, isto é, na supressão ou diminuição de uma situação vantajosa que era protegida pelo ordenamento jurídico (cfr. [PES-8], Direito das Obrigações, II, 1986 – reimpressão, AAFDL, 283). Além do dano, são pressupostos da responsabilidade civil extracontratual ou aquiliana (Art.º 483.º, n.º 1 e ss do C.C.): o facto, que se analisa numa conduta humana dominável pela vontade; a ilicitude, traduzida na violação de direitos subjetivos absolutos, ou de normas destinadas a tutelar interesses privados; a imputação psicológica do facto ao lesante, sob a forma de dolo ou de mera culpa e o nexo de causalidade entre o facto e o dano, que pode afirmar-se, quando se prove, que a conduta do lesante, considerada ex ante e tendo em conta os conhecimentos concretos do mesmo, era adequada à produção do prejuízo efetivamente verificado, nos termos do disposto no Art.º 563.º do C.C. (cfr. Pires de Lima/Antunes Varela, Código Civil Anotado, 1, 4.ª ed., 471 e ss. e 578). --- Os requisitos estabelecidos no n.º 1 do Art.º 483.º do C.C. para a obrigação de indemnizar são cumulativos. --- No caso sub judicie, verificamos que se verificou um embate entre duas viaturas numa zona de entroncamento, do qual resultaram danos para ambas, cabendo a este tribunal determinar se se encontram preenchidos os requisitos da obrigação de indemnizar por parte da demandada. Vejamos, Para determinação da culpa pela ocorrência de um acidente de viação, torna-se necessário fazer apelo das normas estradais constantes do DL n.º 114/94, de 03 de maio – Código da Estrada. Nos termos do citado código, o condutor só pode efetuar as manobras de ultrapassagem, mudança de direção ou de via de trânsito, inversão do sentido de marcha e marcha atrás em local e por forma que da sua realização não resulte perigo ou embaraço para o trânsito.” (art. 42º CE). As referidas manobras devem efetuar-se com especial cuidado, porquanto estão revestidas de especial perigosidade para os utentes das vias e potenciadoras do risco. No presente caso, verificamos que, o condutor do AF transpôs a linha continua existente no pavimento, indicadora que não poderia passar para a faixa contraria em violação do disposto no art. 38º e 41º al. c) e f) do C.E. A inobservância de leis e regulamentos, designadamente das normas de perigo abstrato, como são as do direito estradal, faz presumir a culpa na produção dos danos dela decorrentes, dispensando-se, assim, a prova da falta de diligência. Por seu turno, ao condutor do BJ impunha-se especial cuidado na manobra de mudança de direção à esquerda em face das características especificas daquele entroncamento com pouca visibilidade acrescidas do facto de se encontrar parado um autocarro na paragem ali existente. Assim, a ambos os condutores se exigia comportamento diferente àquele que adotaram, dada a falta de visibilidade, causada pelas dimensões do autocarro parado na via e pelas caraterísticas do local, esperando que o autocarro prosseguisse a sua marcha. Na verdade, pela dinâmica do acidente - que resulta da prova produzida- podemos concluir que o demandante não poderia ter avançado sem se certificar completa e absolutamente de que não circulava qualquer veículo na faixa que pretendia tomar, nomeadamente socorrendo-se do espelho existente no local, mas o embate não teria ocorrido se o motociclo não tivesse invadido a hemifaixa de rodagem para onde o AJ pretendia entrar, em violação das regras estradais, sancionadas com contraordenação muito grave. Tudo sopesado, pensamos que a contribuição dos dois condutores para a produção do evento é concorrente, razão pela qual se considera adequada uma repartição da culpa em 20% para o demandante e 80% para o veículo seguro na demandada. A diferença nas percentagens de culpa que se atribuem, resulta da violação das normas estradais por parte do condutor do motociclo e da falta de previsibilidade da sua manobra para o demandante. Dos danos Resultou provado nos presentes autos que o veículo do demandante sofreu vários danos e que tais danos foram verificados por peritagem, - cujo relatório consta dos autos a fls 37- e avaliados no valor de 358,14€ (trezentos e cinquenta e oito euros e catorze cêntimos). Dispõe o art. 562º do Código Civil que “Quem estiver obrigado a reparar um dano deve reconstituir a situação que existiria, se não se tivesse verificado o evento que obriga á reparação.” A nossa lei consagra, por princípio, a reconstituição natural do bem danificado, sendo certo que, no entanto, o pedido corresponde ao respetivo valor. Nos termos do n.º 566º. nº3 do CC, dentro dos limites da prova, o tribunal haverá de determinar equitativamente o valor indemnizatório, sendo certo que o tribunal haverá de socorrer-se do valor orçamentado para reparação dos danos da viatura, bem como a previsão de 1 dia de privação de uso que se estimaram ser necessários para a referida reparação. Por tudo quanto foi exposto e considerando a concorrência de culpas do acidente verificado na proporção de 20/80 para cada um dos condutores atenta a dinâmica do acidente, fixa-se o quantum indemnizatório para a reparação dos danos materiais do veículo em 358,14€, cabendo á demandada liquidar a quantia de 286,51€. Quanto á privação de uso diga-se que hoje é, comum e maioritariamente aceite na nossa jurisprudência, que o simples uso, constitui uma vantagem patrimonial suscetível de avaliação pecuniária. Nesse sentido o Ac. RP. de 15.03.2005, in www.dgsi.pt, “o lesado durante o período de imobilização da viatura, ficou privado das utilidades que este poderia proporcionar-lhe; e isto constitui um prejuízo, uma realidade de reflexos negativos no património do lesado, mesmo se, como é o caso, não se provou em concreto um aumento das despesas em razão da privação do seu uso.” E nenhum motivo há para entender que a violação ilícita e culposa do direito de propriedade sobre o automóvel não se contém na previsão do art. 483.º, n.º 1, que estabelece um princípio geral (Ac. RL de 04-06-88: CJ, XXIII, T3, 124). Com efeito, o simples uso constitui uma vantagem patrimonial suscetível de avaliação pecuniária, pelo que a sua privação consubstancia um dano que deve ser indemnizado como contrapartida da perda da capacidade de utilização normal durante o período de privação (Ac. STJ de 09-05-2002, proc. 935/02: Abrantes Geraldes, Temas da Responsabilidade Civil, I vol., Indemnização do Dano da Privação do Uso, 2.ª ed., 125-129). Entendemos que, o demandante ficou privado das utilidades do seu veículo pelo período estimado para a sua reparação, não resultando provado que tenha ficado impedido de circular. Assim considera-se que a demandada deverá ressarcir o demandante, no dia da reparação fixando-se equitativo e razoável o valor de 20,00€. Assim, na proporção referida da concorrência de culpas a demandada haverá de liquidar, 80% do referido valor (20€x80%= 16,00€). Decisão: Nos termos e com os fundamentos invocados, decido declarar a presente ação parcialmente procedente, porque parcialmente provada e em consequência condena-se a demandada a pagar ao demandante a quantia de 302,51€ (trezentos e dois euros e cinquenta e um cêntimos) a título de indemnização por danos decorrentes de acidente de viação incluindo a privação de uso do veículo. As custas serão suportadas por ambas as partes, em razão do decaimento na proporção de 90% (63,00€) para o Demandante e 10% (7,00€)para a Demandada, declarando-se ambas partes vencidas nos termos e para os efeitos do art. 3º da Portaria n.º 342/2019 de 1 de Outubro devendo ser pagas, no prazo de 3 (três) dias úteis a contar da notificação desta sentença –ainda que o prazo de validade do DUC seja mais alargado , sob pena do pagamento de uma sobretaxa diária de € 10,00 (dez euros) por cada dia de atraso no efetivo cumprimento dessa obrigação. A falta de pagamento das custas acarreta a sua cobrança por processo de execução fiscal. Registe e notifique. Coimbra, 3 de junho de 2024 _______________________________ (Cristina Eusébio) (Juíza de Paz que redigiu e reviu em computador – Art.º 138.º/5 do C.P.C.) |