Sentença de Julgado de Paz | |
Processo: | 211/2018JPCLD |
Relator: | CRISTINA EUSÉBIO |
Descritores: | CONTRATO PRESTAÇÃO SERVIÇOS - TELECOMUNICAÇÕES - CLAUSULAS CONTRATUAIS GERAIS - DEVER DE INFORMAÇÃO PERÍODO DE FIDELIZAÇÃO - RESCISÃO ANTECIPADA |
Data da sentença: | 11/09/2018 |
Julgado de Paz de : | OESTE - CALDAS DA RAINHA |
Decisão Texto Integral: | Proc.º n.º 211/2018JPCLD SENTENÇA RELATÓRIO: A melhor identificada a fls. 1 e 3 , propôs, em 27 de Julho de 2018, a presente ação declarativa de condenação, contra B – SERVIÇOS DE COMUNICAÇÕES E MULTIMÉDIA, S.A., melhor identificada, também, a fls. 1, pedindo que esta seja condenada a: a) proceder à rescisão ou anulação do contrato celebrado, bem como o corte do serviço b) Pagar uma indemnização por danos causados no valor de 1000,00€. Para tanto, alegou os factos constantes do Requerimento Inicial de fls. 3 e 4, que se dá por reproduzido. Juntou 8 documentos (fls. 5 a 22) que, igualmente, se dão por reproduzidos. A Demandada foi, pessoal e regularmente, citada para contestar, no prazo, querendo, tendo apresentado a douta contestação de fls. 28 a 37, que se dá por reproduzida, na qual, se defende por impugnação, pondo em causa a versão dos factos trazidos aos autos pela Demandante. Juntou 6 documentos (fls. 38 a 63) que, igualmente, se dão por reproduzidos. Tendo a Demandante optado pelo recurso à Mediação para resolução do litígio, foi agendado o dia 30 de agosto de 2018 para a realização da sessão de Pré-Mediação, não tendo a demandada comparecido e recusado em aceder a este meio alternativo de resolução de litígio. Aberta a Audiência na data designada, e estando presente a Demandante, o representante da demandada Sr. C e a sua Ilustre Mandatária– Sra. Drª D - foram estes ouvidos, nos termos do disposto no art.º 57.º, da Lei n.º 78/2001, de julho, com a redação que lhe foi dada pela Lei n.º 54/2013, de 31 de julho (LJP), tendo-se explorado todas as possibilidades de acordo, nos termos do disposto no art.º 26.º, do referido diploma legal, o que não logrou conseguir-se, pelo que se procedeu à realização da Audiência de Julgamento, com observância do formalismo legal, conforme da respetiva ata melhor se alcança. Questões a decidir: Cumpre a este tribunal determinar se existe direito a resolução contratual por parte da demandante sem encargos, bem como determinar os danos que derivem da conduta da demandada. Saneamento Estando reunidos os pressupostos da estabilidade da instância, cumpre apreciar e decidir: ** FUNDAMENTAÇÃO - MATÉRIA DE FACTOA convicção probatória do tribunal, ficou a dever-se ao conjunto da prova produzida nos presentes autos, tendo sido tomados em consideração os documentos juntos por ambas as partes; o acordo das partes nos seus articulados e bem assim as suas declarações em audiência de julgamento. Foram ponderados os depoimentos das testemunhas apresentadas por ambas as partes, as quais revelaram conhecimento direto dos factos sobre os quais prestaram depoimento, sendo credíveis. Assim: 1.ª – E, que, aos costumes, declarou ser amiga da Demandante, relatando que esta “não estava habituada a tratar destas coisas” e que anda muito nervosa por causa dos telefonemas de cobrança da última factura – com o valor indemnizatório cobrado - que a demandada lhe tem feito. 3.ª – F, que, aos costumes, declarou ser funcionário da Demandada há 12 anos. A especial qualidade da testemunha não retirou credibilidade ao depoimento da testemunha, mostrando-se conhecedor não só do sistema em geral, mas também do caso em particular, tendo referido que as conversas havidas com a demandante sempre foram na presença de terceiros (filha e genro e amiga), porquanto detectou que esta tinha dificuldade em perceber as informações ou esclarecimentos prestados. ** Com interesse para a decisão ficaram provados os seguintes factos: 1. Em 8 de Junho de 2018, a demandante dirigiu-se ás instalações da demandada nas Caldas da Rainha acompanhada de sua filha e genro para contratar os serviços desta; 2. Nessa mesma data celebrou com a demandada um contrato de prestação de serviços de telecomunicações com o n.º -------- – fornecimento de serviço de televisão, internet, telefone e telemóvel, denominado G Fibra; 3. Para tanto, solicitou à demandada que tratasse da documentação para rescisão do contrato com a H e diligenciasse pela portabilidade dos números; 4. A demandante desconhecia que ainda se encontrava vinculada ao contrato com outra operadora em período de fidelização (por ter sido adquirido um novo telemóvel), porquanto já haviam passado 5 anos da sua celebração inicial; 5. A demandada informou a demandante da duração do período de fidelização do contrato. 6. A demandada instalou o serviço em 13 de Junho de 2018. 7. Em 18 de Junho de 2018, a Demandante recebeu um contacto telefónico da H, informando-a que tinha um contrato com fidelização e que caso rescindisse teria de pagar uma indemnização; 8. Confrontada com tal informação, a demandante deslocou-se, no dia 19 de Junho de 2018, à loja B a fim de “desistir” do contrato propondo-se entregar de imediato os equipamentos que haviam sido instalados e fornecidos; 9. A demandante foi então informada por funcionário da loja de que teria de pagar a quantia de cerca de 800,00€ de indemnização à demandada pela rescisão antecipada do contrato; 10. Ainda no mesmo dia referido em 7, a amiga da demandante que a acompanhava escreveu reclamação no livro de reclamações da demandada, e esta assinou-a. 11. A demandada procedeu ao corte do serviço em 28 de Junho de 2018; 12. A demandante entregou os equipamentos fornecidos pela demandada em data não concretamente apurada, que os recebeu; 13. Por carta enviada em 21 de Junho de 2018 a demandante reiterou a sua reclamação junto da demandada considerando ter direito à livre resolução do contrato. 14. Em 20 de Junho de 2018 a demandada remeteu carta á demandante, com a resposta à reclamação referida em 9 invocando a inaplicabilidade do direito de livre resolução ao contrato. 15. A demandante revelou dificuldades em entender o que os funcionários da demandada lhe transmitiam, tendo estes solicitado a presença de terceiros para a auxiliar. 16. A demandante ficou muito nervosa e intranquila com as chamadas telefónicas que lhe têm sido dirigidas pela demandada, para cobrança da factura relativa ao incumprimento do contrato. Não resultaram provados quaisquer outros factos, alegados pelas partes ou instrumentais, com interesse para a decisão. --- ** FUNDAMENTAÇÃO - MATÉRIA DE DIREITOEntre a Demandante e a Demandada foi celebrado um contrato de prestação de serviços de comunicações eletrónicas, nos termos da Lei n.º 5/2004, de 10 de fevereiro com as sucessivas actualizações (LCE). --- Estes contratos são abrangidos pela Lei dos Serviços Públicos Essenciais (Lei n.º 23/96, de 26 de Julho, alterada pela Lei n.º 12/2008, de 26 de Fevereiro e pela Lei n.º 10/2013, de 28 de janeiro), pela Lei das Comunicações Eletrónicas (Lei 5/2004, de 10 de Fevereiro, com as alterações entretanto efetuadas) e, também, pelas normas do código civil que regem os contratos. Nos termos do artigo 405.º, do Código Civil (CC), as partes são livres de contratar, dentro dos limites da lei e, nos termos do artigo seguinte do mesmo código, os contratos devem ser pontualmente cumpridos, interpretando-se a expressão pontualmente no sentido não só de deverem ser cumpridos atempadamente mas também em conformidade com o que neles se estabeleceu, não podendo modificar-se ou extinguir-se senão por mútuo consentimento dos contraentes ou nos casos admitidos por lei. Ora, constitui direito dos utilizadores de redes e serviços acessíveis ao público, designadamente, dispor, em tempo útil e previamente à celebração do contrato, de informação escrita sobre as condições de acesso e utilização do serviço [art.º 39.º, n.º 1, al. a), da Lei 5/2004]. Como princípio geral, o prestador de serviços de comunicações eletrónicas deve proceder de boa-fé e em conformidade com os ditames que decorram da natureza pública do serviço, tendo igualmente em conta a importância dos interesses dos utentes que se pretende proteger (art.º 3.º da Lei 23/96). Por um lado, o prestador do serviço deve informar, de forma clara e conveniente, a outra parte das condições em que o serviço é fornecido e a prestar-lhe todos os esclarecimentos que se justifiquem, de acordo com as circunstâncias, designadamente sobre as tarifas aplicáveis pelos serviços prestados, visando o legislador, a este respeito, em especial os prestadores de serviços de comunicações eletrónicas (art.º 4.º da Lei 23/96). Ainda, nos termos do disposto no art. 47º n.º3 e al. b) do n.º 4 e 48º n.º 2 al. c) da Lei 5/2004, exige-se um especial dever de informação no que diz respeito ao valor ou à formula de cálculo do valor associado à rescisão antecipada. Ora resulta provado que o contrato foi celebrado pela demandante, na loja B e por sua solicitação. Resulta provado igualmente que esta se apresentou acompanhada por familiares directos, a quem foram prestadas as informações relativas ao mesmo e que a demandante referiu já ter serviço idêntico contratado com outra operadora, estando esta na convicção que já teria decorrido o prazo de fidelização desse mesmo contrato. De facto, a demandada provou que informou convenientemente do período de vigência do mesmo, no entanto resultou à evidência que a demandante não conhecia o montante que teria de pagar, caso resolvesse antecipadamente o contrato, o que lhe devia ter sido convenientemente esclarecido. Na realidade, do contrato a fls 38 dispõe o seguinte :” Beneficios/Vantagens : Oferta da primeira mensalidade. Desconto de 20€ na mensalidade. Desconto adicional de 17,00€mês durante 24 meses. Oferta de 1,5 GB adicionais de internet no telemóvel na rede nacional. Canais Premium durante 3 meses (…) Oferta débito directo+factura electrónica: Oferta da segunda mensalidade. Oferta de instalação/Activação: Novo cliente€350,00;Actual cliente €100. ”, e na clausula denominada “Duração do contrato” a fls. 39 refere: “Em caso de cessação antecipada pelo cliente ou por motivo ao mesmo imputável, antes de decorrido o período de fidelização, a B terá o direito ao recebimento de quantia relativa aos benefícios/vantagens conferidos e identificados no presente documento, de acordo com a seguinte fórmula: (período de fidelização-n.º de meses em que os serviços estiverem activos) x( benefícios e vantagens conferidos)/(período de fidelização). (…) Por decisão comercial da B o valor dos benefícios e vantagens conferidos considerados para este efeito será de … novos clientes €850,00.” Ora, tais disposições contratuais conjugadas, são de equivoca e difícil compreensão para o cidadão comum e carecem de aclaração, no momento de contratar, para além de que o próprio funcionário que atendeu a demandante, lhe reconheceu alguma dificuldade de entender o teor do contrato, solicitando que estivesse sempre acompanhada de terceiros. Não podemos esquecer que as clausulas apostas no contrato são um conjunto de proposições pré-elaboradas pela demandada que a demandante se limitou a aceitar. Sendo, pois clausulas contratuais gerais, é aplicado ao referido contrato, para além das disposições supra citadas, aquelas que regulam este tipo de contratos. – Decreto-Lei n.º 446/85, de 25 de Outubro actualizada com as respectivas alterações. (LCCG) O ónus da prova da comunicação adequada e efectiva cabe à parte que utilize este tipo de clausulas – art. 5º n.º 3 LCCG sendo que no caso de esta exigência não seja cumprida, as clausulas gerais consideram-se excluídas do contrato singular (art. 8º LCCG). Deste modo, consideramos que se deve ter por não escrita a fórmula de cálculo da clausula penal e respetivos valores, no contrato sub judice. Na realidade resulta provado que foi comunicado à demandante a duração do período de fidelização e a resolução antecipada da demandante terá por consequência a obrigação de pagamento de quantia não superior à determinada no art. 48º n,º 11 e 12 da LCE. Não cabe a este tribunal, porquanto está para além do que lhe lícito conhecer, determinar o montante em causa mas não será despiciendo lembrar que, a demandante apenas usufruiu do serviço durante escassos dias e que entregou todo o equipamento, de imediato. Na verdade, contrariamente ao alegado pela demandante, esta não goza da aplicabilidade do regime de livre resolução, apenas previsto para os contratos à distância. Neste conspecto, cabe razão á demandada. O Decreto-Lei n.º 24/2014 de 14 de Fevereiro com as alterações introduzidas pela Lei n.º 47/2014 de 28/7 e Decreto-Lei n.º 78/2018 de 15/10, regula especificamente os “contratos celebrados à distância e aos contratos celebrados fora do estabelecimento comercial, tendo em vista promover a transparência das práticas comerciais e salvaguardar os interesses legítimos dos consumidores.” (art. 1º). Uma vez que o contrato em causa nos presentes autos foi celebrado presencialmente e por solicitação da demandante, não lhe é aplicável o referido regime que prevê o “direito ao arrependimento” no prazo de 14 dias contados da celebração do contrato ou do inicio da sua execução. A resolução, de facto, operou por vontade da demandante, antes de decorrido o prazo contratado e devidamente informado na celebração do contrato, laborando em erro no que diz respeito à aplicabilidade da referida lei. No que diz respeito aos danos não patrimoniais, cuja indemnização a demandante reclama, resulta provado nos autos que as chamadas telefónicas tendentes á cobrança dos valores que a demandada considerava em dívida, causaram na demandante um estado de espírito caracterizado pelo nervosismo e ansiedade. Ora, sendo certo que, como é consabido tais situações, são aptas a provocar elevado stress, sobretudo se a pessoa já tiver uma certa idade, como é o caso da demandante que tem 85 anos de idade, não é menos certo que a maior fonte de stress foi criada ao interiorizar que a demandada era obrigada a aceitar a resolução do contrato sem custos nos 14 dias, e que esta actuava com manifesta má-fé por lhe querer cobrar o valor indemnizatório. Efetivamente, foi essa ideia que “detonou” todo o comportamento posterior da Demandante quer no seu dia-a-dia, quer nos contactos que efetuou para os serviços da Demandada. Nos termos do disposto no art.º 483.º do Código Civil (CC) “Aquele que, com dolo ou mera culpa, violar ilicitamente o direito de outrem ou qualquer disposição legal destinada a proteger interesses alheios fica obrigado a indemnizar o lesado pelos danos resultantes da violação.”. Os requisitos previstos neste normativo são cumulativos e só existe a obrigação de indemnizar quando exista um dano indemnizável. Neste caso, quanto aos danos não patrimoniais, a Demandante alegou que foi hospitalizada devido ao seu sistema nervoso estar bastante debilitado, o que foi agravado por toda a situação do contrato com a demandada. Resultou provado apenas que a demandante andava nervosa com as chamadas que recebeu da demandada. Nos termos do disposto no n.º 1, do art.º 342.º, do CC o ónus (encargo) da prova cabe a quem alega factos constitutivos do direito que se arroga e, para ver o seu pedido proceder, neste caso, tinha a Demandante não só de alegar os factos, mas também de os provar. Nada consta nos autos que nos permita aferir da hospitalização da demandada por problemas do sistema nervoso decorrentes desta situação, sendo que tal situação assumiria gravidade. É que, reconhecendo-se que terá andado enervada, a lei prevê que este tipo de danos, para serem indemnizáveis, têm de assumir uma gravidade tal que sejam merecedores da tutela do direito. E neste caso, da matéria provada não resulta uma gravidade tutelável. Como assim, não pode deixar de improceder o pedido formulado pela Demandante, quanto à indemnização peticionada. DECISÃO No mais, vai a demandada absolvida. ** As custas serão suportadas, na proporção de 50% para cada parte. (Art.º 8.º da Portaria n.º 1456/2001, de 28 de Dezembro) que se mostram pagas.** Registe e notifique.** Julgado de Paz do Oeste, 9 de novembro de 2018 (Juíza de Paz que redigiu e reviu em computador – art. 28º LJP ) _______________________________ (Cristina Eusébio) |