Sentença de Julgado de Paz
Processo: 202/2023-JPCBR
Relator: CRISTINA USÉBIO
Descritores: DANOS PROVOCADOS POR ÁGUA
QUE ALEGA TEREM OCORRIDO EM VIRTUDE DE INFILTRAÇÃO/INUNDAÇÃO NA FRAÇÃO AUTÓNOMA
Data da sentença: 12/03/2024
Julgado de Paz de : COIMBRA
Decisão Texto Integral: Proc. N.º 202/2023-JPCBR

SENTENÇA

IDENTIFICAÇÃO DAS PARTES:

Demandantes: [PES-1], NIF n.º [NIF-1], residente na [...], 15, 1º B em Coimbra.

Demandada: [PES-2]., residente na [...], 57 em [...].

RELATÓRIO

O demandante propôs a presente ação declarativa de condenação, nos termos do artigo 9.º, n.º 1, alínea h) da Lei do julgado de Paz, pedindo, em suma a condenação, da demandada, a reparar ou suportar os custos de reparação de danos provocados por água, que alega terem ocorrido em virtude de infiltração/inundação na fração autónoma, sita no 2º andar do Nº 15 da [...], da qual a demandada é proprietária e que fixa em 2.427,80 € ( dois mil quatrocentos e vinte e sete euros e oitenta cêntimos).

Para tanto, alegou os factos constantes do requerimento inicial de fls. 1 a 6, que se dá aqui por reproduzido e juntou 8 documentos (fls. 7 a 23),

A demandada, regularmente citada, apresentou contestação de fls. 27 a 34 alegando que é parte ilegítima na presente ação por já ter existido participação e intervenção da [ORG-1] S.A. e que o sinistro se enquadrará nas previsões da apólice. Mais apresenta a sua defesa por impugnação, alegando que os danos verificados na fração do demandante resultam de condensação e não de qualquer infiltração proveniente da sua fração.

Juntou um documento de fls. 36.

Afastada a fase de mediação, foi agendada a audiência de julgamento, que se realizou com cumprimento do formalismo legal, como da respetiva ata melhor se alcança. O tribunal deslocou-se ao local para inspeção judicial e na sequência, o demandante juntou vídeo filmado pelo inquilino.


***

Encontram-se reunidos os pressupostos da regularidade da instância, impõe-se a apreciação da exceção de ilegitimidade invocada pela demandada, como questão prévia ao conhecimento do mérito da causa.

Assim,

Para aferir do pressuposto processual de legitimidade passiva impõe-se atender, em regra, à relação jurídica material controvertida do ponto de vista subjetivo e objetivo - sujeitos, pedido e causa de pedir. Importa verificar se na ação, é demandada a pessoa, de acordo com a facticidade alegada no requerimento inicial, é aquela cuja esfera jurídica será diretamente atingida negativamente pela pretensão formulada pelo demandante, caso esta venha a ser reconhecida pelo tribunal.

O demandante alega que a demandada é a proprietária da fração causadora de danos na sua propriedade, cabendo-lhe, pois, nessa qualidade, repará-los ou ressarcir os prejuízos.

Ora, quer nos termos do disposto no art. 483º co Código Civil, quer do disposto no art. 492ºe 493º do mesmo Código, sob o proprietário de um imóvel impende o dever de o vigiar, cuidar e conservar, por forma a não causar danos a terceiros.

Nos termos do disposto no art. 140º da Lei Contrato de Seguro, o lesado pode demandar diretamente a seguradora do lesante, desde que preenchidos os pressupostos ditados no referido normativo.

Em alternativa poderá o demandante optar por demandar, em litisconsórcio voluntário, a demandada e a seguradora, nos termos do disposto no artº 32º nº 1, 1ª parte, do CPC.

A opção tomada pelo demandante foi a de demandar apenas a proprietária da fração, propondo-se provar que os danos sofridos na sua fração resultaram de infiltração de água provinda da referida fração superior.

Assim, não se afigura que a demandada seja parte ilegítima na presente ação, sendo certo que não se verifica, in casu, a situação de litisconsórcio necessário com a seguradora. Improcede, pois, a exceção alegada, com os fundamentos expostos.


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Valor da ação: 2.427,80 € (Dois mil quatrocentos e vinte e sete euros e oitenta cêntimos).

O tribunal é chamado a decidir da verificação dos pressupostos de que depende a obrigação de indemnizar à luz da responsabilidade civil extracontratual.

FUNDAMENTAÇÃO

MATÉRIA DE FACTO

Da prova produzida resultaram provados os seguintes factos:

1. Desde 1 de agosto de 2023, o demandante tem vindo a verificar a ocorrência de infiltração no teto da casa de banho da sua fração, que se foram agravando com o passar do tempo;

2. O demandante informou a situação à administração do condomínio que, por sua vez informou a proprietária do 2º B, ora demandada, por email datado de 4 de setembro de 2023. Cfr. Doc. Fls.15

3. Após troca de emails entre demandante e demandada, esta, em 14 de setembro de 2023 fez deslocar o técnico [PES-3] à fração do demandante para verificação dos danos.

4. O referido técnico apenas verificou os danos relatados no apartamento do demandante e não verificou a casa de banho da fração da demandada, tendo referido que o problema resultava de condensação de vapores no 1º B.

5. Em 22 de setembro de 2023, a administração do condomínio participou o sinistro á [ORG-2] S.A., ao abrigo do contrato de seguro com a apólice n.º[Nº Identificador-1]. Cfr. Doc. Fls. 11

6. Em 3 de outubro de 2023, a referida seguradora procedeu à peritagem, tendo ambos os proprietários dado acesso às habitações, tendo o perito elaborado documento intitulado “Confirmação de vistoria” no qual escreve: “Origem/Causa: Os danos no revestimento da i.s .do 1º B decorrem do contacto do elemento com humidade, com presumível origem na rede de esgotos ou sanitários do 2º B, aguardando-se que seja realizada pesquisa de avarias que identifique a localização da rutura”. Cfr. Doc. fls. 11 e 12

7. A seguradora solicitou vários elementos documentais e relatório técnico de avaria ao segurado, [ORG-3], [...] 1. Cfr. Doc. Fls. 11 vs

8. A administração do condomínio deu conhecimento à demandada da solicitação de documentação referida em 6. Cfr. Doc. Fls. 15

9. A demandada não entregou qualquer documentação à administração de condomínio.

10. Em data não concretamente apurada, no ano de 2020, já havia ocorrido situação semelhante à relatada nos autos, tendo sido reparada com intervenção do Condomínio e pagamento pela seguradora, tendo sido retirada a banheira e colocada base de duche.

11. No teto da casa de banho da fração do demandante verifica-se:

- A existência de tinta empolada com foles, descamada das massas comentícias;

- Um buraco na massa com cerca de 5 cm de diâmetro e uma fissura junto do mesmo, na junção do teto com a parede com cerca de 15 cm de comprimento; á volta do referido buraco, a tinta está descolada do teto, com manchas acastanhadas e raiada de cores mais escuras com cerca de 30 cm de diâmetro;

- O teto encontra-se pintado de branco, sem ponto de bolor ou fungos mas são visíveis manchas amareladas, dispersas pela tinta e sensivelmente a meio do teto existe uma fissura com focos de tinta empolada e a soltar-se.

- Existem pedaços de tinta soltos a pender do teto, sobre a sanita.

12. A casa de banho da fração da demandada situa-se por cima da casa de banho da fração do demandante e apresenta sinais de condensação.

13. Em 17 de outubro de 2023, por solicitação do demandante, foi emitido orçamento por [PES-4], para reparação do teto da casa de banho, no valor de 1.800,00€ acrescido de IVA.

Não resultaram provados outros factos alegados, com interesse para a decisão da causa.

MOTIVAÇÃO

A matéria dada por provada e não provada resulta da ponderação dos documentos juntos aos autos - indicados em cada item -, conjugados com as declarações de parte da demandada e das testemunhas que prestaram os seus depoimentos. Com especial relevo, tomou-se em consideração a inspeção ao local, bem assim como o vídeo junto aos autos, no qual se perceciona com clareza que a água pingava do teto da casa de banho, que apresenta já fissuras, apodrecimento de massa, descolamento das tintas e coloração compatíveis com infiltração de água e não com condensação de vapores e falta de arejamento como alegado pela demandada.

Na casa de banho da fração da demandada, o tribunal pode percecionar sinais de condensação no teto e paredes que apresentavam cor escura ( bolor) mas não de infiltração provinda de andar superior, o que nos leva a deduzir que a eventual rutura ou fuga de água, não se situa nos piso superiores, mas entre as frações do demandante e demandada.

Por outro lado, apenas se verificam danos naquela divisão da fração (casa de banho), como o tribunal pôde verificar in loco.

No que diz respeito aos depoimentos das testemunhas, diga-se que confrontadas as declarações do técnico [PES-3] com as prestadas por [PES-5], depreende-se que o primeiro terá confundido a sua visita de 14 de setembro de 2023 com uma visita anterior, na qual procedeu a verificações do saneamento e condições da casa de banho da demandante. Segundo [PES-7], na visita feita pelos dois em 14 de setembro de 2023, apenas foram verificar a casa de banho do demandante. As testemunhas coincidem relatando que viram um pano seco em cima do autoclismo, o que em seu entender denota a inexistência de água a pingar, para deduzirem que os danos que verificaram se devem a condensação de vapores do banho.

Assim, não se afigura credível a descrição feita pela primeira testemunha, nem as conclusões que retirou da vistoria que fez.

Por outro lado, as declarações da testemunha [PES-7], pai da demandada, denotaram grande animosidade contra o demandante, que não se pode deixar de salientar e sopesar.

Mais foram ponderadas as informações prestadas pela administração de condomínio de fls. 145 a 150, conjugadas com as declarações de parte da demandada que confirmou que a administração de condomínio lhe tinha dado conhecimento do resultado da vistoria pela seguradora, mas que não entregou qualquer documento por não lhe ter sido pedido. Refere que não costuma ir às assembleias de condóminos e que entregou o assunto ao seu pai.

MATÉRIA DE DIREITO

Perante a matéria de facto provada e não provada nos presentes autos, este tribunal á chamado a apreciar da obrigação de reparar ou indemnizar no âmbito da responsabilidade civil extracontratual.

São pressupostos da responsabilidade civil, seja qual for a sua natureza (contratual extracontratual ou objetiva):- a ocorrência de um facto, ou seja, uma ação humana sob o domínio da vontade;- a ilicitude, isto é, a violação de direitos subjetivos absolutos ou de normas que visem tutelar interesses privados; - a culpa do agente que praticou o facto, ou seja, o juízo de censura ou reprovação que o Direito faz recair sobre o lesante porquanto agiu ilicitamente, quando podia e devia ter agido de outra forma - e, por fim, um nexo de causalidade entre esse facto e o dano provocado, de acordo com a teoria da causalidade adequada.

No presente caso, o demandante logrou provar a ocorrência do facto (infiltração de águas), bem assim como os danos que tal infiltração causou e que a água provinha do andar superior, ou seja a fração da demanda.

Em caso de danos resultantes de infiltrações de água, provenientes de fração superior à do lesado, presume-se a culpa do proprietário de tal fração, isto porque o proprietário que tenha o imóvel em seu poder tem o dever de vigiar o seu estado de conservação e responde pelos danos originados no imóvel (infiltrações de águas, incêndios, etc.) salvo se provar que nenhuma culpa houve da sua parte ou que os danos se teriam igualmente produzido ainda que não houvesse culpa (art. 493.º, nº 1, do Civil). A demandada não logrou ilidir a presunção legal.

Os danos verificados são compatíveis com a infiltração de água, mostrando-se, pois, cumprido o nexo causal.

Pelo expendido, resulta que se encontra preenchido o ónus da prova dos requisitos dos quais dependem a verificação da responsabilidade civil, e em consequência a obrigação de ressarcimento dos danos, não sendo exigível ao demandante que prove, a razão da escorrência da água. (rutura de canalização ou descuido de torneiras abertas etc.).

Independentemente da participação á seguradora do condomínio, do sinistro ocorrido, a responsabilidade, em primeira linha será sempre do proprietário da fração, que pode transferi-la por contrato de seguro.

No presente caso, resulta ter existido inércia da demandada na resolução da situação, quer junto da administração de condomínio (segurado) e respetiva seguradora, quer junto do demandante, uma vez que se conformou com o entendimento, que lhe foi transmitido pelo técnico, de que os danos resultavam de condensação e não de uma verdadeira infiltração.

Assim, procede o pedido de reparação dos danos da fração do demandante.

No que diz respeito ao pedido relativo a um dia de trabalho do demandante, pelo tempo despendido com deslocações, diligências e despesas relativas aos factos relatados no presente processo, este haverá de improceder, na medida em que nenhuma prova foi trazida aos autos que justifiquem o montante peticionado.

DECISÃO

Em face do exposto e das disposições legais aplicáveis, procede a presente ação e em consequência condeno a demandada a proceder ás necessárias reparações na sua fração por forma a evitar a ocorrência de danos de água na fração do demandante, bem assim como a suportar o custo de reparação dos danos verificados no valor de 2214,00€. (dois mil, duzentos e catorze euros).

No mais vai a demandada absolvida.

Custas

Custas a cargo da demandada, que se declara parte vencida, nos termos e para os efeitos do art. 3º da Portaria n.º 342/2019 de 1 de Outubro devendo ser pagas, no prazo de 3 (três) dias úteis a contar da notificação desta sentença –ainda que o prazo de validade do DUC seja mais alargado, sob pena do pagamento de uma sobretaxa diária de € 10,00 (dez euros) por cada dia de atraso no efetivo cumprimento dessa obrigação.

A falta de pagamento das custas acarreta a sua cobrança por processo de execução fiscal.

Registe.

Coimbra, 3 de dezembro de 2024

A Juíza de Paz

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(Cristina Eusébio)