Sentença de Julgado de Paz
Processo: 35/2008-JP
Relator: ÂNGELA CERDEIRA
Descritores: RESPONSABILIDADE CIVIL POR ACTO MÉDICO
Data da sentença: 07/22/2008
Julgado de Paz de : TROFA
Decisão Texto Integral: SENTENÇA

I. Identificação das partes
Demandante: A
Demandada: B
II. Objecto do litígio
O Demandante veio intentar contra a Demandada a presente acção declarativa enquadrada na alínea h) do n.º 1 do artigo 9.º da Lei n.º 78/2001, de 13 de Julho, pedindo a condenação da Demandada a pagar-lhe uma indemnização no valor de €4.937,48 (sendo €1.937,48 a título de danos patrimoniais e €3.000 a título de danos não patrimoniais). Para tanto alega, em síntese, ter sido submetido a uma cirurgia ao joelho no hospital Demandado, por indicação do médico ortopedista que lhe diagnosticou um lesão do menisco, cirurgia essa que se veio a revelar inútil por se ter verificado que o menisco estava intacto. Conclui pedindo uma indemnização correspondente às despesas suportadas com a cirurgia, consultas, tratamentos e exames, bem como pelos prejuízos não patrimoniais sofridos.
A Demandada contestou, alegando que o médico ortopedista propôs a cirurgia em virtude da ressonância magnética realizada pelo Demandante ter indiciado uma lesão do menisco.
Procedeu-se ao Julgamento com observância das legalidades formais como da respectiva acta se alcança.
O Julgado de Paz é competente em razão da matéria, do território e do valor.
O processo não enferma de nulidades que o invalidem totalmente.
As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias e são legítimas.
Não há excepções ou nulidades que obstam ao conhecimento do mérito da causa.
Cumpre apreciar e decidir.
III. Fundamentação
1. Factualidade provada
Da prova carreada para os autos, resultaram provados os seguintes factos:
a) No dia 30 de Abril de 2007, o Demandante foi consultado pelo C, médico ortopedista do hospital Demandado, pelo surgimento de dores no joelho direito.
b) O referido médico pediu uma ressonância magnética (RMN), que o requerente aceitou e fez em 02/05/2007.
c) Do relatório da RMN consta: “Alteração de sinal do corpo e corno posterior do menisco interno em relação a fenómenos degenerativos de tipo mixóide, havendo irregularidade do bordo livre do corpo e corno posterior do menisco compatível com fissuração radial” (cfr. doc. fls. 7).
d) Perante o resultado do exame, o médico propôs ao Demandante a realização de uma artroscopia para correcção do menisco.
e) A cirurgia foi realizada no dia 6 de Junho de 2007 pelo D.
f) A artroscopia não revelou qualquer lesão meniscal mas somente alterações degenerativas, pelo que foi realizada uma lavagem artroscopica.
g) Após a cirurgia e várias sessões de fisioterapia a dor no joelho persistia.
h) O Demandante dirigiu-se novamente à consulta médica com o D, o qual reconheceu a inutilidade da operação e diagnosticou uma tendinite.
i) Foi-lhe aplicada uma infiltração no joelho, mas as dores continuaram.
j) Passado alguns meses, o Demandante consultou o E que lhe diagnosticou uma tendinopatia dos isquio-tibiais e recomendou tratamento na Clínica F.
l) O Demandante pagou a cirurgia – artroscopia, no valor de 1.434,55.
m) Em consultas, antes e depois da cirurgia, o Demandante despendeu a quantia de €301,40.
n) O Demandante pagou tratamentos de fisioterapia, no valor de €170,10.
o) O Demandante pagou €31,43, pela realização de exames médicos.
p) O Demandante sentiu dores e stress pela intervenção cirúrgica e sofreu um ligeiro dano estético.
Motivação dos factos provados
Os factos dados como provados consideraram-se admitidos por acordo, nos termos do n.º 2 do artigo 490.º do C.P.C., com excepção do facto descrito em j) que foi relatado pela testemunha G, companheira do Demandante, cujo depoimento se revelou isento e credível. Tiveram-se, ainda, em conta os documentos juntos aos autos.
2. De Direito
A obrigação de indemnizar decorrente do acto médico pode ter por fonte uma relação contratual ou extra-contratual.
Pela matéria de facto dada como provada, estamos perante um contrato de prestação de serviços médicos/cirúrgicos.
Neste âmbito, a ilicitude para efeitos da responsabilidade civil advirá do incumprimento ou cumprimento defeituoso do serviço médico, impendendo sobre o devedor uma presunção de culpa, que lhe cumpre ilidir, se pretender furtar-se à obrigação de indemnizar.
Como explica Álvaro Gomes Rodrigues , sobre o médico “recai o ónus da prova de que agiu com a diligência e perícia devidas, se se quiser eximir à sua responsabilidade (…). Cremos que no domínio da responsabilidade contratual não militam quaisquer razões de peso específicas, da responsabilidade médica, que abram uma brecha na presunção de culpa do devedor consagrada no nº 1, do art. 799º, do C. Civil, quer se entenda que a obrigação contratual do médico é uma obrigação de meios, quer se considere que a mesma é uma obrigação de resultado.
O ónus da prova da diligência recairá sobre o médico, caso o lesado faça prova da existência do vínculo contratual e dos factos demonstrativos do seu incumprimento ou cumprimento defeituoso.
Com isto em nada se está a agravar a posição processual do médico, que disporá de excelentes meios de prova no seu arquivo, na ficha clínica, no processo individual do doente, além do seu acervo de conhecimentos técnicos.
Por outro lado, tal posição tem o mérito de não dificultar substancialmente a posição do doente que, desde logo, está numa posição mais debilitada, pois não sendo, geralmente, técnico de medicina não dispõe de conhecimentos adequados e, doutra banda, não disporá dos registos necessários (e, possivelmente, da colaboração de outros médicos) para cabal demonstração da culpa do médico inadimplente.
Também na jurisprudência este entendimento tem sido acolhido maioritariamente.
Isto sem prejuízo da prova dos restantes requisitos da responsabilidade civil – facto ilícito, nexo de causalidade e existência de danos – recair sobre quem invoca a prestação inexacta do médico.
Dos factos provados resulta que houve erro de diagnóstico, porquanto se supôs que o Demandante padecia de uma lesão do menisco, a qual se veio a revelar inexistente. O diagnóstico incorrecto – porque desconforme com o real estado de saúde do doente – não pode deixar de constituir um facto ilícito, por traduzir uma prestação defeituosa do acto médico.
Competia, assim, à Demandada provar que a desconformidade (deficiência do diagnóstico) não adveio de culpa sua, por ter utilizado todos os meios possíveis, segundo as técnicas e as regras de arte adequadas, no confronto com a conduta profissional que um médico medianamente competente, detentor da mesma qualificação profissional, teria tido em circunstâncias semelhantes ao caso concreto.
Ora, para ilidir a presunção de culpa não basta afirmar que a ressonância magnética realizada pelo Demandante indiciava uma lesão do menisco. Impunha-se, sim, à Demandada demonstrar que todos os meios de diagnóstico exigíveis ao caso foram adoptados e os seus resultados correctamente interpretados, de modo a obter-se um diagnóstico seguro.
Não é qualquer diagnóstico errado que conduz fatalmente à responsabilização do médico: pode mesmo o acto médico ser errado, mas o seu autor ter observado todos os meios possíveis para o conseguir, segundo a lei da sua arte e o conhecimento disponível na época, ou seja, que fez o que razoavelmente era exigível, em termos de padrão médio de comportamento profissional responsável – mas isto a Demandada não alegou nem demonstrou.
Presumindo-se culposo o comportamento do médico do hospital Demandado, cumpre apreciar a verificação dos restantes pressupostos da responsabilidade civil: os danos e o nexo causal.
Com base num diagnóstico errado, o médico aconselhou uma cirurgia que se veio a revelar inútil, por ausência de patologia meniscal, com as dores no joelho do Demandante a persistirem depois da cirurgia.
Relativamente aos danos causados pelo incumprimento defeituoso, quando correspondem à frustração das utilidades causadas pela prestação (no caso dos autos, diagnóstico e tratamento adequados) o credor tem direito a uma indemnização por incumprimento que poderá cumular com a resolução do contrato.
Ora, o pedido formulado pelo Demandante manifesta, inequivocamente, a vontade de resolver o contrato de prestação de serviços médicos/cirúrgicos celebrado com a Demandada, pelo que tendo já realizado a sua prestação, pode exigir a restituição dela por inteiro – artigo 801º, nº 2, do Código Civil.
A restituição abrangerá apenas o valor da cirurgia, consultas e tratamentos realizados no hospital Demandado, no montante global de €1571,54, e já não, como é óbvio, o valor das consultas e tratamentos médicos efectuados noutras unidades de saúde, ainda que pelos mesmos médicos.
À faculdade de resolver o contrato pode acrescer uma indemnização pelos danos derivados da execução defeituosa da prestação (interesse contratual negativo), que no presente caso se traduzem em danos não patrimoniais relevantes e que merecem a tutela do direito: dor, stress e ligeiro dano estético causados pela intervenção cirúrgica que se veio a revelar desnecessária e, nessa medida, imputáveis à deficiência do diagnóstico.
Nos termos do disposto nos artigos 496.º, nº 3 e 494º, ambos do Código Civil, fixa-se equitativamente a indemnização, pelo dano não patrimonial, no valor de €1 000.
Diga-se, por fim, que o hospital é responsável pelos actos praticados pelos médicos que aí trabalham, no âmbito das funções que lhe foram confiadas, nos termos do artigo 500º do Código Civil.
IV. Decisão
Pelo exposto, julgo parcialmente procedente a presente acção e, por consequência, condeno a Demandada a pagar ao Demandante a quantia de 2.571,54 (dois mil quinhentos e setenta e um euros e cinquenta e quatro cêntimos), absolvendo-a do demais peticionado.
Custas a suportar por ambas as partes, em igual proporção.
Registe.
Trofa, 22 de Julho de 2008
A Juíza de Paz
(Ângela Cerdeira)

Processado por computador Art.º 138º/5 do C.P.C.
Revisto pelo Signatário. VERSO EM BRANCO
Julgado de Paz da Trofa