Sentença de Julgado de Paz | |
Processo: | 251/2023-JPSTB |
Relator: | CARLOS FERREIRA |
Descritores: | RESCISÃO NO ÂMBITO DO DIREITO DO CONSUMIDOR. |
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Data da sentença: | 07/23/2024 |
Julgado de Paz de : | SETÚBAL |
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Decisão Texto Integral: | Processo n.º 251/2023-JPSTB * Resumo da decisão: - Condena a parte demandada a restituir à parte demandante a quantia de €220,00. - Ambas as partes têm de pagar as custas no prazo de 3 dias úteis, na quantia de €35,00, cada. *** Sentença Parte Demandante: --- [PES-1], contribuinte fiscal número [NIF-1], residente na [...], n.º 20, r/c Esq., [Cód. Postal-1] [...]. --- Mandatária: Dr.ª [PES-2], Advogada, com escritório na [...], n.º 21, 1.º B, [Cód. Postal-2] [...]. --- Parte Demandada: ---- [ORG-1], Lda, sociedade comercial com o número único de matrícula e pessoa coletiva [NIPC-1], com sede na [...], n.º 119, r/c [...], 2910 [...]. --- Representante Legal: [PES-3], contribuinte fiscal número [NIF-2], residente na [...], n.º 3, 2910 [...]. -- Mandatária: Dr.ª [PES-4], Advogada, com escritório na [...], n.º 8 B, [Cód. Postal-3] [...], --- * Matéria: ações que respeitem a responsabilidade civil contratual e extracontratual, al. h), do n.º 1, do art.º 9.º, da Lei dos Julgados de Paz (versão atualizada da Lei n.º 78/2001, de 13 de julho). --- Objeto do litígio: Rescisão no âmbito do direito do consumidor. * Relatório: --- A Demandante instaurou a presente ação, nos termos do requerimento inicial constante de fls. 3 a 5 verso, que aqui se declara integralmente reproduzido e integrado pelo aperfeiçoamento de fls. 185 a 188 verso, peticionando a condenação da Demandada a pagar-lhe a quantia global de €5.220,00, a título de danos patrimoniais e não patrimoniais. --- Para tanto, alegou em síntese que, adquiriu à Demandada um conjunto de sete portas interiores em carvalho, para a sua residência, e uma porta para o quadro elétrico também do mesmo material, tudo com montagem. --- A Demandada apresentou um orçamento global no montante de €3.490,00. -- A Demandante aceitou o valor orçamentado, e pagou o valor combinado para a adjudicação da obra, no montante global de €2.220,00. --- As portas interiores foram colocadas nos dias 26-07-2023 e 27-07-2023. — A porta do quadro elétrico não foi entregue. --- A Demandante apercebeu-se de defeitos grosseiros e não procedeu ao pagamento do restante preço da obra. — A Demandante denunciou os defeitos à Demandada. --- A Demandada não procedeu à eliminação de defeitos na obra. --- Concluiu pela procedência da ação, juntou documentos e procuração forense. ---- Regularmente citada, a Demandada apresentou contestação que foi declarada extemporânea e desentranhada. --- No exercício do contraditório relativamente ao aperfeiçoamento, a Demandada alegou que a obra foi aceite sem reservas, pelo que, a Demandante atua em abuso de direito. --- Alegou ainda que, a Demandada comunicou à Demandante que estava disponível para substituir a guarnição do interruptor, a corrigir as fissuras na madeira, e afinar os puxadores, mas que só o poderia fazer em setembro de 2023, por causa do período de férias. --- Entretanto, a Demandante colocou a presente ação. --- * Foi realizada mediação, sem acordo (fls. 176). --- * Aberta a audiência e estando todos presentes, foram ouvidas as partes nos termos do disposto no art.º 57.º, da Lei dos Julgados de Paz. ---- Foi feito o esforço necessário e na medida em que se mostrou adequado, para explorar todas as possibilidades de acordo, nos termos do disposto no art.º 2.º, e n.º 1, do art.º 26.º, ambos da Lei dos Julgados de Paz, o que não logrou conseguir-se. ---- Frustrada a tentativa de conciliação, prosseguiu a realização da audiência de julgamento com a observância das normas de processo, tendo sido efetuada a inspeção ao local, como resulta documentado na respetiva ata. ---- * O objetivo de justiça próxima e pacificadora, que caracteriza o processo em Julgado de Paz já poderia ter sido apropriadamente alcançado nos presentes autos em sede de Mediação, ou por via de conciliação. --- Os presentes autos são apenas mais um exemplo de como as relações sociais ainda estão condicionadas por um acentuado espírito de litigância, que determina à rejeição da resolução amigável e construtiva dos conflitos. --- Certamente que, uma solução obtida por acordo traria os ganhos resultantes de uma utilidade imediata e tangível para as partes, e poderia ser capaz de lhes transmitir maior grau de satisfação das suas necessidades concretas e amplitude de reconhecimento, do que eventualmente resultará de uma decisão impositiva, limitada por estritos critérios de prova produzida e da legalidade aplicável. --- No entanto, não foi esse o caminho que as partes entenderam seguir, devendo ser respeitada a sua decisão de não haver acordo, e desse modo, terem optado por fazer depender a resolução do litígio da decisão a tomar na sentença que agora se declara. --- ---*--- Nos termos do art.º 60.º, n.º 1, al. c), da Lei dos Julgados de Paz, a sentença inclui uma sucinta fundamentação. --- * Fundamentação – Matéria de Facto: --- Incumbe à Demandante o ónus de provar os factos que constituem o direito invocado na presente ação (cf., n.º 1, do art.º 342.º, do Código Civil). --- Por outro lado, cabe à Demandada fazer prova dos factos impeditivos, modificativos ou extintivos do direito invocado pela Demandante (cf., nº2, do artigo 342º, do Código Civil). --- Com interesse para a resolução da causa, tendo em conta as várias soluções jurídicas plausíveis, ficou provado que: --- 1. Em 26-04-2023, a Demandante adquiriu à Demandada um conjunto de sete portas interiores em carvalho, para a sua residência; --- 2. Três das referidas portas deveriam ter um vidro com as dimensões e posicionamento que a Demandante indicou previamente à Demandada; --- 3. Nos termos do contrato, as portas deveriam ser entregues e colocadas pela Demandada na habitação da Demandante; --- 4. A Demandada orçamentou o trabalho na quantia de €3.170,00; --- 5. No dia 28-04-2023, a Demandante adjudicou a obra e procedeu ao pagamento da quantia de €2.000,00, fls. 15; --- 6. O pagamento foi efetuado para a conta bancária titulada por [PES-5], conforme solicitado pela Demandada, fls. 15; --- 7. No dia 04-05-2023, a Demandada foi tirar as medidas; --- 8. A Demandante aceitou que a guarnição da porta do quarto 1, fosse recortada por causa da posição do interruptor; --- 9. Em 06-05-2023, a Demandada enviou à Demandante o orçamento da porta do quadro elétrico, na quantia de €320,00; 10. A Demandante aceitou o orçamento e efetuou o pagamento de €220,00, para a respetiva adjudicação, por transferência para a conta bancária titulada por [PES-5], fls. 19; --- 11. A entrega das portas ficou prevista para a primeira quinzena de julho; --- 12. No dia 14-06-2023, a Demandada foi à residência da Demandante para retificar uma medida; 13. As portas interiores foram colocadas nos dias 26-07-2023 e 27-07-2023; — 14. A porta do quadro elétrico não foi entregue; --- 15. A Demandante apercebeu-se de defeitos na obra e não procedeu ao pagamento da quantia remanescente do preço;- 16. No dia 27 e nos dias seguintes, a Demandante denunciou os defeitos à Demandada; --- 17. Até à presente data, a Demandada não procedeu à eliminação de defeitos na obra; --- 18. A guarnição do interruptor do quarto 1, foi recortada sem esquadria nem acabamento, o interruptor ficou manchado de cola; --- 19. Há fissuras visíveis na madeira de duas portas e em duas das aduelas; --- 20. Alguns os puxadores ficaram milimetricamente desnivelados; --- 21. Os vidros das portas da cozinha e das duas casas de banho foram colocados com falta de esquadria e não respeitam as medidas indicadas pela Demandante; --- 22. As aduelas estão colocadas com falta de esquadria; --- 23. Porta da cozinha, do quarto 1, da casa de banho 1, e do escritório não fecham corretamente; 24. Em todas as portas, as ferragens das testas de fechadura foram aparafusadas sem encaixe ajustado no recorte da aduela, e os parafusos foram apertados até abaularem o metal; --- 25. Em todas as portas, os orifícios dos trincos e linguetas das fechaduras foram abertos nas aduelas por escavamento, e deixados em tosco; --- 26. A porta da cozinha quando retirada, só pode voltar a ser colocada se as dobradiças forem desmontadas para serem apertadas com a porta; --- 27. O topo do lado direito da porta referida no número anterior tem uma mancha causada por aplicação de massa de tom muito mais claro do que a cor da superfície da porta; --- 28. A porta da casa de banho 1, tem uma racha junto ao vidro; 29. O desnível dos vidros das duas casas de banho é percetível à mera observação à vista, sem aparelhos de medição; --- 30. A casa de banho 2, tem uma racha na aduela da dobradiça superior; --- 31. A porta da casa de banho 2, tem agrafos visíveis no topo lateral esquerdo; --- 32. Em duas portas as junções entre a peça superior e as laterais das aduelas apresentam aberturas visíveis; --- 33. A retirada do rodapé antigo arrancou toda a espessura da tinta, até ao reboco da parede do quarto 1; --- 34. Depois de retirada a porta do quarto 1, tem de ser forçada para entrar nas dobradiças; --- 35. A porta do quarto 2 foi cortada em 1 cm de largura para caber na abertura da parede destinada à colocação da porta; - 36. Na porta referida no número anterior, o topo lateral onde foi feito o corte não tem acabamento, sendo visíveis zonas de separação da folha; --- 37. A porta do quarto 3 não sai, porque bate na guarnição; --- * Factos não provados: --- Não se provaram quaisquer outros factos alegados pelas partes com interesse para a decisão da causa, nomeadamente, que: --- i. A Demandada só poderia retificar os defeitos da obra em setembro de 2023, por causa do período de férias; --- ii. A Demandante sempre foi advertida que os prazos para a execução das obras e para as retificações necessárias estavam dependentes de terceiros; --- iii. As datas acordadas para a conclusão da obra sempre foram meras previsões; --- iv. Ficou combinado entre as partes que a porta do quadro elétrico só seria entregue em setembro; - v. Sempre foi salientado pela Demandada que a máquina de corte apta a cortar as portas para os vidros somente conseguia medir 17 cm; --- vi. Esta informação referida no número anterior foi transmitida à Demandante, sem contestação; vii. As portas e guarnições não apresentavam qualquer defeito quando a obra foi feita; --- viii. Não existem agrafos visíveis; --- ix. Os defeitos resultaram de mau manuseamento das portas; x. Os defeitos resultaram de retirada e colocação impróprias das portas pela Demandante; --- xi. A humidade existente nas madeiras das portas e seus componentes resulta de defeito dos bens adquiridos à Demandada, designadamente, no envernizamento ou tratamento da madeira; --- xii. Após a colocação das portas a Demandante teceu elogios à obra; --- xiii. A Demandante aceitou a obra sem reservas; --- xiv. A racha da porta da casa de banho 1, resulta da humidade. --- ---*--- Motivação da Matéria de Facto: --- Os factos provados resultaram da conjugação da audição de partes, dos documentos constantes dos autos, e do depoimento testemunhal prestado em sede de audiência de julgamento, bem como, a inspeção ao local, tendo os vários elementos de prova sido apreciados de forma a compatibilizar toda a matéria de facto adquirida, tendo em conta os dados da experiência de senso comum e as características próprias a relação controvertida vivenciada pelas partes. --- Pela inspeção ao local foram feitas as observações relatadas no respetivo auto e que aqui se dão por reproduzidas. --- Pela visita ao local ficou manifestamente comprovado que as fotografias juntas aos autos pela Demandante correspondem às portas em causa na ação, e bem assim, que as medições alegadas em sede de requerimento inicial são idênticas às que foram observadas durante a diligência. --- Nos termos do n.º 2, do art.º 574.º, Código de Processo Civil, aplicável ex vi, art.º 63.º, da Lei dos Julgados de Paz, consideram-se admitidos por acordo os factos constantes nos números 1, 3, 4, 6, 7, 9, 10, 14, e 17. ---- Pela prova documental consideram-se provados os factos suportados pelo teor dos documentos indicados de forma especificada, na enumeração do probatório supra. --- A testemunha [PES-6], declarou ser filho da Demandante, limitou-se a aderir à versão dos factos da mesma, pelo que, o seu depoimento foi considerado como sendo de parte interessada e não isento. O depoimento da testemunha [PES-7] foi considerado genericamente isento e credível, com algumas respostas consentâneas com a restante prova produzida nos autos e da apreciação do seu depoimento resultou o esclarecimento de questões relacionadas com os desníveis de esquadria, e a existência de opções técnicas que teriam evitado os defeitos evidentes na obra. --- A testemunha [PES-8], declarou ser cônjuge do Legal Representante da Demandada, e também trabalhadora na empresa, limitou-se a aderir à versão dos factos alegados na contestação, pelo que, o seu depoimento foi considerado como sendo de parte interessada e não isento. --- Consigna-se que, para apuramento da matéria de facto não foi considerado o teor dos articulados, da audição das partes ou das testemunhas com matéria tida por irrelevante, conclusiva ou de direito. Os factos não provados resultam da ausência de elementos que permitam formar convicção positiva sobre os mesmos. --- ---*--- Fundamentação – Matéria de Direito: --- A causa de pedir na presente ação remete para o conteúdo do contrato de empreitada. --- Dos pedidos deduzidos pela Demandante extrai-se que, para além do mais, pretende obter a condenação da Demandada no pagamento da quantia global de €5.220,00. --- As questões a decidir pelo tribunal são as seguintes: --- - Se a Demandada executou a obra com defeitos que a desvalorizam e, ou, impedem o gozo da coisa em desconformidade com o contrato; --- - E, na positiva, quais as consequências do facto; --- - A responsabilidade pelas custas da ação. --- Vejamos se assiste razão à Demandante: --- A noção de empreitada é revelada pela lei, como “o contrato pelo qual uma das partes se obriga em relação à outra a realizar certa obra, mediante um preço” (cfr., art.º 1207.º, do Código Civil). Da empreitada derivam obrigações recíprocas e interdependentes para ambas as partes. Assim, com a celebração do contrato, nasce para o empreiteiro a obrigação de realizar a obra nas condições acordadas e sem vícios; e para o dono da obra, como contrapartida, nasce o dever de pagar integralmente o preço. --- Estabelece o art.º 406.º, n.º 1, do Código Civil, que os contratos devem ser pontualmente cumpridos, e só podem modificar-se ou extinguir-se por mútuo consentimento dos contraentes ou nos casos admitidos na lei. --- A lei determina que o devedor cumpre a sua obrigação quando realiza a prestação a que está vinculado, a qual, salvo convenção em contrário, deverá ser realizada integralmente e não por partes (cfr., artigos 762.º, e 763.º, ambos do Código Civil). --- Por outro lado, no âmbito da responsabilidade contratual, como no caso dos autos, tem aplicabilidade o disposto no art.º 799.º, do Código Civil, que estabelece uma presunção legal de culpa do devedor, incumbindo-lhe provar que a falta de cumprimento ou o cumprimento defeituoso, não procedem de culpa sua. --- No regime jurídico estabelecido para o contrato de empreitada, prevê-se especificamente que, “O empreiteiro deve executar a obra em conformidade com o que foi convencionado, e sem vícios que excluam ou reduzam o valor dela, ou a sua aptidão para o uso ordinário ou previsto no contrato.” (cfr., art.º 1208.º, do Código Civil). --- Ainda, para efeitos de determinação do regime jurídico aplicável aos factos provados, convém salientar que são aplicáveis as normas decorrentes da Lei da Defesa do Consumidor (redação atualizada da Lei n.º 24/96, de 31 de junho), que no seu art.º 2.º, n.º 1, dá a seguinte noção: “Considera-se consumidor todo aquele a quem sejam fornecidos bens, prestados serviços ou transmitidos quaisquer direitos, destinados a uso não profissional, por pessoa que exerça com carácter profissional uma atividade económica que vise a obtenção de benefícios.” O regime jurídico da defesa do consumidor, constitui um corpo de normas especial que derroga o regime geral do Código Civil, em tudo o que for incompatível com o reforço dos direitos do consumidor. --- Ao caso dos autos, para além da Lei de Defesa do Consumidor, é aplicável o Decreto-Lei n.º 84/2021 (por força da extensão prevista na al. b), do n.º 1, do art.º 3.º, do referido diploma). --- Assim, o consumidor apenas tem que provar que: i) a empreitada inclui a incorporação dos materiais fornecidos pelo empreiteiro; ii) a obra apresenta desconformidades com o contrato; iii) e que a denuncia ocorreu nos prazos legais. --- No caso dos autos, a Demandante intervém como dono da obra a realizar na sua residência, sendo a Demandada uma sociedade comercial que interveio no negócio na qualidade de empreiteira. Pelo que, dúvidas não restam que estamos perante uma relação de consumo respeitante ao contrato de empreitada, ou seja, foi celebrado um negócio jurídico que configura uma empreitada de consumo. - Resulta ainda provado que os defeitos foram denunciados logo após a execução parcial da obra, pelo que, a situação foi reclamada à Demandada no prazo legal, sendo evidente que há desconformidades entre a obra e o contrato, presumindo-se que tais desconformidades são preexistentes à parte concluída e entregue da obra. --- Das referidas presunções legais de culpa e preexistência da desconformidade decorre que, o alegado mau uso pela Demandante teria de ter sido concretamente provado, e não apenas conjeturado. — Assim, a Demandada cumpriu defeituosamente o contrato, quer pelas desconformidades na execução da montagem das portas e falta de entrega da porta do quadro elétrico, quer por não ter assegurado a reparação os defeitos em prazo razoável após a denúncia. --- Aliás, tendo a Demandada interrompido os trabalhos, considerando que a obra foi concluída e sem defeitos, conforme resulta do requerimento de resposta ao aperfeiçoamento do requerimento inicial, a mesma constituiu-se em incumprimento definitivo, cabendo à Demandante a tutela dos seus direitos. --- Sobre os montantes peticionados na ação: --- Na presente ação, a Demandante veio pedir a restituição do valor entregue à Demandada para pagamento do preço, acrescida de uma verba a título de indemnização por danos patrimoniais e não patrimoniais. --- A substância do referido pedido equivale à resolução do contrato, acrescida de indemnização. -- Todavia, a resolução do contrato impõe a devolução de tudo o que tiver sido recebido em execução do contato, cf., artigos 432.º e seguintes, do Código Civil. --- Ora, tendo em conta que parte dos bens fornecidos pela Demandada à Demandante em execução do contrato estão materialmente incorporados no imóvel, como é o caso das aduelas das portas, a sua restituição implicaria inevitavelmente a remoção do local, com alta probabilidade de destruição total ou parcial desses bens. --- Tendo em conta todas as circunstâncias em especial, a extensão das desconformidades, adianta-se desde já que, consideramos que cabe acolhimento a recusa da Demandada em aceitar a resolução do contrato, pela desproporcionalidade de custos que essa solução acarreta, cf., art.º 15.º, n.º 3, do Decreto-Lei n.º 84/2021, de 18 de outubro. --- Com efeito, parte das desconformidades são suscetíveis de serem resolvidas por simples afinação. Por outro lado, as diferenças de esquadria das aduelas foram verificadas, mas não impedem a normal utilização das portas, embora os maus acabamentos assinalados na inspeção ao local desvalorizem a obra no seu conjunto, algumas falhas podem ser colmatadas em relativa facilidade, como sejam, nivelamento de puxadores, betumagem para preenchimento de juntas e de falhas na madeira, correção da cor das massas de betume anteriormente aplicadas, substituição da guarnição interior do quanto 1, e folheamento de topos.--- Porém a má execução dos vidros em três das sete portas, representa uma desconformidade que apenas pode ser resolvida por substituição. --- Ora, a Demandada alegou que tem disponibilidade para proceder à reparação de parte das desconformidades, mas fê-lo de forma inadequada, sem respeitar as expetativas da Demandante, em ter a obra totalmente pronta e devidamente acabada, sem defeitos, no prazo convencionado. --- Alegar o período de férias não pode proceder, nem é oponível à Demandante (exceto havendo prova direta da aceitação da mesma, o que não ocorreu nos autos), dado que, a Demandada deveria ter programado a execução da obra com a margem necessária para acautelar os possíveis atrasos, cuja ocorrência admitiu como previsível por proximidade do período de férias. Com efeito, o período de férias é sempre o mesmo na empresa (que encerra anualmente nas mesmas datas), cabendo-lhe prever também as dificuldades decorrentes das férias dos seus fornecedores habituais. --- Todavia, tendo em conta o valor que falta pagar do preço estipulado no contrato, para além do valor da porta para quadro elétrico, não há evidência de efetivo prejuízo para a Demandante – tendo em conta o valor provável da diferença entre a diminuição proporcional do valor da obra, e o valor necessário para repor a conformidade do contrato (cf. art.º 19.º, do Decreto-Lei n.º 84/2021).--- Isto permanece válido, mesmo considerando a necessidade de substituição integral das três portas com vidros. --- Pelo que, a resolução do contrato nos termos peticionados é ilícita, por configurar uma situação de abuso de direito, nos termos gerais, previstos no art.º 334.º, do Código Civil, dado que, é manifestamente desproporcional e, portanto, contrária ao fim económico que lhe subjaz--- Ora, para além do parcial do preço respeitante à porta do quadro elétrico, a ausência de outro prejuízo patrimonial é manifesta, mesmo com recurso à equidade, tendo em conta as utilidades objetivas derivadas da execução da obra e o valor que faltou pagar para perfazer o valor integral do preço global da empreitada. --- Assim, não resulta dos autos evidência de ter havido um diferencial que represente prejuízo patrimonial para a Demandante. --- Com efeito, por razões de justiça comutativa (entendida como a exigência de cada pessoa deve dar à outra o que lhe é devido), que representa um preceito estruturante das obrigações contratuais, a solução a dar à causa não deve representar ou proporcionar à Demandante uma vantagem face ao valor do preço que faltou pagar, nem causar prejuízos desproporcionais à Demandada.--- Deste modo, a ação terá de proceder parcialmente nesta parte do pedido, devendo a Demandada restituir o valor pago pela Demandante para a execução da porta quadro elétrico, no montante de €220,00, dado que, a Demandada não cumpriu a sua prestação. --- Sobre o pedido de condenação na quantia de €3.000,00, por danos não patrimoniais: --- No seu petitório, a Demandante confunde danos enquadráveis na categoria de prejuízos patrimoniais (prejuízos causados no chão e nas paredes, tempo de trabalho perdido para tratar do problema em causa nos autos), os quais, ou estão abrangidos pelo afirmado supra, ou deveriam ter sido necessariamente provados com factos de modo a considerar-se consubstanciados, mesmo por presunção, e não apenas por mera conjetura. --- No que respeita aos danos não patrimoniais, propriamente ditos, o art.º 496.º, do Código Civil, dispõe o seguinte: “1. Na fixação da indemnização deve atender-se aos danos não patrimoniais que, pela sua gravidade, mereçam a tutela do direito.” --- Da letra do citado preceito legal, resulta claro que o legislador quis restringir a tutela do direito aos danos que, pela sua gravidade não possam ser tolerados, impondo-se a respetiva compensação ao lesado. --- Por outro lado, em sede de compensação por danos não patrimoniais, por não se estar perante a lesão de interesses suscetíveis de avaliação pecuniária, o dano não corresponde a um prejuízo determinado ou materialmente determinável, reparável por reconstituição natural ou através de um sucedâneo em dinheiro, mas a uma lesão de ordem moral ou espiritual apenas indiretamente compensável através de utilidades que o dinheiro possa proporcionar. (Vide, Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, Proc. [Processo-1], disponível em www.dgsi.pt).--- No entanto, não sendo necessária uma gravidade extrema, não são todos os desgostos, todas as dores e sofrimentos que têm a gravidade suficiente para merecerem a tutela do direito, mas só alguns desses desgostos particularmente graves. (Idem). --- Por isso, como pressuposto da obrigação de indemnizar, o dano tem de apresentar um grau de gravidade tal, que a atribuição de uma indemnização ao lesado configure um imperativo de elementar justiça. --- Para efeitos indemnizatórios, a lei apenas elege os danos não patrimoniais que “pela sua gravidade mereçam a tutela do direito” (artigo 496°, n.º 1, do Código Civil), ou seja, aquele que “sai da mediania, que ultrapassa as fronteiras da banalidade. Um dano considerável que, no seu mínimo, espelha a intensidade duma dor, duma angústia, dum desgosto, dum sofrimento moral que, segundo as regras da experiência e do bom senso, se torna inexigível em termos de resignação”. (Vide, Acórdão do S.T.J., de 4.3.2008, no processo 08A164, em www.dgsi.pt.). --- Assim, nos termos do citado art.º 496.º, do Código Civil, não são suscetíveis de compensação, a título de danos morais, por exemplo, os desgostos sofridos com a destruição de coisas, porque não têm gravidade que mereça a tutela do direito. --- Por outro lado, a avaliação da gravidade da lesão tem de aferir-se segundo um padrão objetivo e não à luz de fatores subjetivos. --- Neste sentido, grande parte da doutrina e da jurisprudência tem entendido que as simples contrariedades ou incómodos não apresentam um nível de gravidade objetiva suficiente, para os efeitos de aplicabilidade do disposto no n.º 1, do artigo 496.º, do Código Civil. --- Ora, o que se provou no caso dos autos, a título de danos não patrimoniais, foram apenas aborrecimentos e arrelias, enquadráveis nas comumente apelidadas «contrariedades da vida» que não ultrapassam o grau de tolerância correspondente ao padrão de normalidade social e que, por isso, não devem ser indemnizados. --- No caso concreto, considerando a matéria provada, não nos parece que se ultrapasse o nível das contrariedades e incómodos toleráveis. A especial sensibilidade ou as condições especiais da Demandante não podem servir para critério de decisão. – Assim, deve improceder a ação, relativamente ao pedido de condenação da parte Demandada por danos não patrimoniais. --- ---*--- Decisão: --- Atribuo à causa o valor de €5.220,00 (cinco mil duzentos e vinte euros), por corresponder à quantia em dinheiro que a Demandante pretendia obter no momento da propositura da ação, cf., normas conjugadas dos artigos 306.º, n.º 1; 297.º, n.º 1; e 299.º, n.º 1, todos do Código de Processo Civil, aplicáveis ex vi, art.º 63.º, da Lei dos Julgados de Paz. --- Pelo exposto e com os fundamentos acima invocados: --- Julgo a presente ação parcialmente procedente por parcialmente provada, e consequentemente, condeno a Demandada a restituir à Demandante a quantia de €220,00 (duzentos e vinte euros). --- Mais decido absolver a Demandada do restante peticionado na presente ação. ---
Custas: --- As custas no montante de €70,00 (setenta euros), são da responsabilidade de ambas as partes na proporção do respetivo decaimento, que fixo em 50%, para a Demandada, e 50%, para a Demandante. --- Assim, a Demandada deverá proceder ao pagamento da quantia de €35,00 (trinta e cinco euros). --- Por sua vez a Demandante deverá proceder ao pagamento da quantia de €35,00 (trinta e cinco euros). * Os pagamentos deverão ser efetuados no prazo de três dias úteis, mediante liquidação das respetivas guias de pagamento (DUC), emitidas pela secretaria do Julgado de Paz. ---- * Extraia as guias de pagamento (DUC), e notifique aos responsáveis pelo pagamento das custas juntamente com cópia da presente decisão. --- Após os três dias úteis do prazo legal, aplica-se uma sobretaxa no montante de €10,00 (dez euros), por cada dia de atraso no cumprimento da obrigação, até ao máximo de €140,00 (cento e quarenta euros). --- O valor da sobretaxa aplicável acresce ao montante da taxa de justiça em dívida. --- * Após trânsito, verificando-se a falta de pagamento das custas, mesmo após o acréscimo da referida sobretaxa legal, conclua para emissão de certidão para efeitos de execução fiscal, a instaurar junto dos competentes serviços da Autoridade Tributária e Aduaneira (AT), pelo valor das custas em dívida acrescidas da respetiva sobretaxa. * Registe. --- Notifique pessoalmente em sede de audiência de discussão e julgamento, nos termos do disposto no artigo 60.º, n.ºs 1 e 2, da Lei dos Julgados de Paz. --- Envie cópia da mesma aos intervenientes processuais que, eventualmente, faltarem na data agendada para a prolação da sentença, cf., artigo 46.º, n.º 3, da Lei dos Julgados de Paz. --- * Tendo em consideração as circunstâncias de facto alegadas pelas partes e a eventual subtração da Demandada às respetivas obrigações fiscais, extraia certidão do requerimento inicial, e de fls. 15 e 19, bem como, da presente sentença, para envio aos serviços da Autoridade Tributária, para os fins que forem tidos por convenientes. --- ---*--- Julgado de Paz de Setúbal, 23 de julho de 2024 O Juiz de Paz
_________________________ Carlos Ferreira |