Sentença de Julgado de Paz
Processo: 67/2024-JPSTB
Relator: CARLOS FERREIRA
Descritores: CUMPRIMENTO DE OBRIGAÇÕES ACESSÓRIAS – RESTITUIÇÃO DO LOCADO NAS CONDIÇÕES EM QUE FOI RECEBIDO
Data da sentença: 08/27/2024
Julgado de Paz de : SETÚBAL
Decisão Texto Integral:
Processo n.º 67/2024-JPSTB

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Resumo da decisão:

- Condena a parte demandada a pagar à parte demandante a quantia de €1.500,00.

- Absolve a parte Demandada da instância, por exceção de caso julgado, relativamente às quantias peticionadas a título de consumos, no montante global de €472,38.

- Absolve a parte Demandada do restante peticionado.

- Ambas as partes têm de pagar as custas no prazo de 3 dias úteis, cabendo a quantia de €63,00 à parte demandante; e a quantia de €7,00 à parte demandada.


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Sentença


Parte Demandante: ---

[PES-1], contribuinte fiscal número [NIF-1], residente na [...], [...], [Cód. Postal-1] [...]. ---

Mandatário: Dr. [PES-2], Advogado, com escritório na [...], n.º 7 A, [Cód. Postal-2] [...]. ---

Parte Demandada: ----

1) [PES-3], contribuinte fiscal número [NIF-2], e; ---

2) [PES-4] Bastos, contribuinte fiscal número [NIF-3], ambos residentes na [...], Lote 3, 8.º B, [Cód. Postal-3] [...]. ---

Mandatário: Dr. [PES-5], Advogado, com escritório na [...], n.º 2 A, 2.º Dt. º, [Cód. Postal-4] [...]. ---


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Matéria: Arrendamento urbano, exceto ações de despejo, al. g), do n.º 1, do art.º 9.º, da Lei dos Julgados de Paz (versão atualizada da Lei n.º 78/2001, de 13 de julho). ---

Objeto do litígio: Cumprimento de obrigações acessórias – restituição do locado nas condições em que foi recebido. ----


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Relatório: ---
A Demandante instaurou a presente ação, nos termos do requerimento inicial constante de fls. 5 a 14, que aqui se declara integralmente reproduzido, peticionando a condenação dos Demandados a pagarem-lhe a quantia global de €14.872,38 (catorze mil oitocentos e setenta e dois euros e trinta e oito cêntimos), ou subsidiariamente, à execução das obras necessárias a expensas suas. ---
Para tanto, alegou em síntese que, é dona e legítima proprietária da fração autónoma designada pelas letras “BF”, correspondente ao 8.º andar, letra B, do edifício constituído em regime de propriedade horizontal, descrito na ficha 1321, da 2.ª Conservatória do Registo Predial de [...], sito na [...], n.º 3, [...], [Cód. Postal-3] [...]. ---

Por contrato escrito datado de 01-08-2016, cedeu a referida fração por arrendamento aos Demandados. ---

A Demandante instaurou uma ação de despejo por falta de pagamento das rendas. —

Durante o mês de novembro de 2023, já no decurso da referida ação de despejo, os Demandados procederam à desocupação do locado. ---

Posteriormente, a Demandante verificou que o imóvel apresentava vários danos e falta de limpeza. -

A Demandante solicitou uma inspeção técnica para avaliar o estado em que a fração foi restituída pelos Demandados. ---

O custo da reposição da fração em condições normais de habitabilidade foi estimado em cerca de €12.000,00, a que acrescem os lucros cessantes pela impossibilidade de imediata colocação do imóvel para arrendamento, bem como, consumos dos Demandados em dívida. ---

Concluiu pela procedência da ação, juntou documentos e procuração forense. ----

Regularmente citados, os Demandados apresentaram contestação de fls. 185 a 188, que aqui se declara integralmente reproduzida. ---

Por impugnação, os Demandados alegaram, em síntese que, a fração foi entregue no melhor estado possível, uma vez que se trata de uma construção antiga, com equipamentos muito usados. ---

Concluíram pela improcedência da ação, juntaram procuração forense e documentos. ---


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Foi realizada sessão de Mediação na qual as partes não lograram chegar a acordo, fls. 209. ---

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Aberta a audiência e estando todos presentes, foram ouvidas as partes nos termos do disposto no art.º 57.º, da Lei dos Julgados de Paz. ----

O objetivo de justiça próxima e pacificadora, que caracteriza o processo em Julgado de Paz já poderia ter sido apropriadamente alcançado nos presentes autos em sede de Mediação, ou por via de conciliação. ---

Os presentes autos são apenas mais um exemplo de como as relações sociais ainda estão condicionadas por um acentuado espírito de litigância, que determina à rejeição da resolução consensual e construtiva dos conflitos. ---

Certamente que, uma solução obtida por acordo traria os ganhos resultantes de uma utilidade imediata e tangível para as partes, e poderia ser capaz de lhes transmitir maior grau de satisfação das suas necessidades concretas e amplitude de reconhecimento, do que eventualmente resultará de uma decisão impositiva, limitada por estritos critérios de prova produzida e da legalidade aplicável.

Em audiência de julgamento foi feito o esforço necessário e na medida em que se mostrou adequado para explorar todas as possibilidades de acordo, nos termos do disposto no art.º 2.º, e n.º 1, do art.º 26.º, ambos da Lei dos Julgados de Paz, o que não logrou conseguir-se. ----

Frustrada a tentativa de conciliação, prosseguiu a realização da audiência de julgamento, em observância das normas de processo, como resulta documentado na respetiva ata. ----

Assim, respeitando a decisão das partes em não haver acordo, decide-se o litígio por sentença, com os seguintes fundamentos (cf., art.º 60.º, n.º 1, al. c), da Lei dos Julgados de Paz). ---


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No processo de Julgado de Paz não há lugar a despacho saneador. ---

Assim, todas as questões levantadas e submetidas pelas partes à apreciação do juiz, em princípio, devem ser apreciadas e decididas em sede de sentença, cf. art.º 608.º, do Código de Processo Civil, aplicável por força do art.º 63.º, da Lei dos Julgados de Paz. ---

Deste modo, importa apreciar e decidir de imediato a matéria de exceção suscetível de obstar ao conhecimento do mérito da causa, como segue. --

O requerimento inicial inclui o pedido de pagamento de consumos no montante de €472,38, que a própria Demandante admite que já foram objeto de decisão por sentença transitada em julgado, e que se encontra documentada nos autos, de fls. 154 a 156, no âmbito do Processo [Processo-1], do Tribunal Judicial da Comarca de Setúbal, Juízo Local Cível de Setúbal - Juiz 3.---

Ora, a referida ação correu termos com os mesmos sujeitos processuais, na qual foi proferida sentença já transitada em julgado, sobre valores que também estão peticionados na presente ação.

Deste modo, suscita-se a verificação da exceção de caso julgado, prevista como exceção dilatória, na al. i) do art.º 577.º, do Código de Processo Civil. ---

A verificação de uma exceção dilatória obsta ao conhecimento do mérito da causa, nos termos do disposto no art.º 576.º, n.º 2, do Código de Processo Civil, aplicável por força do art.º 63.º, da Lei dos Julgados de Paz. ---

Deste modo, a eventual procedência da referida exceção obsta ao conhecimento do mérito da causa, com a correspondente absolvição da instância, nos termos do disposto no art.º 576.º, n.º 2, do Código de Processo Civil, aplicável por força do art.º 63.º, da Lei dos Julgados de Paz. ---

A exceção de caso julgado pressupõe a repetição de uma causa, depois de a primeira causa ter sido decidida por sentença que já não admite recurso ordinário (cf. art.º 580.º, n.º 1, do Código de Processo Civil). ---

Verifica-se que, o processo acima mencionado findou por sentença proferida em 23-11-2021, a qual já transitou em julgado. ---

Do teor da referida sentença, encontraram-se especificadamente indicados os valores respeitantes aos consumos que os Demandados não pagaram, tendo sido reconhecido o correspondente direito de crédito a favor da Demandante, com a condenação dos Demandados ao pagamento (sendo certo que, a haver algum erro de cálculo na decisão, o mesmo terá de ser objeto de retificação nos respetivos autos, devendo entender-se que a Demandante está impedida de obter uma dupla condenação através da presente ação).---

Assim, por força da exceção de caso julgado, o Julgado de Paz não pode proferir nos presentes autos, nova decisão sobre os mesmos consumos, abrangidos pela referida sentença. ---

Deste modo, a exceção de caso julgado deve ser declarada verificada relativamente a parte da ação.

Consequentemente, devem ser subtraídos do objeto da presente ação todos os montantes peticionados a título de consumos, no montante de €472,38. ---

Sendo assim, a presente ação prossegue para apreciar o restante peticionado. ---


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Fundamentação – Matéria de Facto: ---
Incumbe à Demandante o ónus de provar os factos que constituem o direito invocado na presente ação (cf., n.º 1, do art.º 342.º, do Código Civil). ---
Por outro lado, cabe aos Demandados fazer prova dos factos impeditivos, modificativos ou extintivos do direito invocado pela Demandante (cf., nº2, do artigo 342º, do Código Civil). ---

Com interesse para a resolução da causa, tendo em conta as várias soluções jurídicas plausíveis, ficou provado que: ---

1. Desde 03-09-2003, a Demandante tem registada a seu favor a aquisição da fração autónoma designada pelas letras “BF”, correspondente ao 8.º andar, letra B, do edifício constituído em regime de propriedade horizontal, descrito na ficha 1321, da 2.ª Conservatória do Registo Predial de [...], sito na [...], n.º 3, [...], [Cód. Postal-3] [...], fls. 20 a 32; ---

2. A propriedade horizontal do edifício foi constituída em 30-04-1993, fls. 20; ---

3. Por contrato escrito datado de 01-08-2016, a Demandante cedeu a referida fração por arrendamento aos Demandados, 117 a 122; ---

4. Quando os Demandados foram habitar a fração, a mesma estava em boas condições; ---

5. Os azulejos, mosaicos, loiças de casa de banho, exaustor, armários da cozinha, e pavimento de madeira eram de origem; ---

6. À data da celebração do referido contrato de arrendamento os equipamentos existentes na fração eram muito usados. ---

7. Em 2021, a Demandante instaurou uma ação de despejo por falta de pagamento das rendas, fls. 154 a 156; —

8. Durante o mês de novembro de 2023, já no decurso da referida ação, os Demandados procederam à desocupação do locado. ---

9. No período anterior à desocupação do imóvel pelos Demandados, os mesmos deixaram de fazer a limpeza regular e de cuidar do locado; ---

10. Na data em que desocuparam a fração, os Demandados colocaram a chave do locado no contador existente na escada do prédio, e avisaram a Demandante por SMS; ---

11. Posteriormente, a Demandante verificou que a fração estava muito suja, e necessitava de total substituição das louças sanitárias, na cozinha era necessário substituir todos os móveis e equipamentos de queima, bem como, proceder à verificação da ligação à rede de gás, reparar as paredes e fazer uma pintura geral, reparar o pavimento de madeira, roupeiros, despensas, e os estores avariados;---

12. A Demandante encomendou uma inspeção técnica para avaliar o estado em que a fração foi restituída; ---

13. A testemunha [PES-6], na sua qualidade de engenheira civil, elaborou o documento de fls. 142 a 150, no qual descreve o estado da fração em 04-12-2023 (cf., fls. 151 e 152); ---

14. O custo da reposição do imóvel em condições normais de habitabilidade foi estimado em cerca de €12.000,00, idem; ---

15. A Demandante iniciou as obras de remodelação da fração; ---

16. Após terem desocupado o locado, os Demandados continuaram a habitar no edifício, noutra fração. ---


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Factos não provados: ---
Não se provaram quaisquer outros factos alegados pelas partes com interesse para a decisão da causa, nomeadamente, que: ---
i. No fim do contrato a fração foi entregue pelos Demandados à Demandante; ----

ii. Os Demandados deixaram a fração no melhor estado possível quando a desocuparam; ---

iii. Quando os Demandados foram habitar a fração, a mesma já se encontrava no estado em que os Demandados a deixaram; ---

iv. A Demandante sofreu lucros cessantes no montante de €2.400,00. ---


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Motivação da Matéria de Facto: ---
Os factos provados resultaram da conjugação da audição de partes, dos documentos constantes dos autos, e do depoimento testemunhal prestado em sede de audiência de julgamento, tendo os vários elementos de prova sido apreciados de forma a compatibilizar toda a matéria de facto adquirida, tendo em conta os dados da experiência de senso comum e as características próprias a relação controvertida vivenciada pelas partes. ---

Considera-se provado por declarações dos Demandados, o facto constante no número 9, com valor de confissão. ---

O facto constante em 15, ficou provado por declarações da Demandante, com valor de confissão. --

O facto constante no número 4, resulta da presunção legal estabelecida no art.º 1043.º, n.º 2, do Código Civil, não havendo estipulação em contrário no contrato ou em documento complementar subscrito pelas partes. ---

O facto vertido no número 5, resulta da convergência das testemunhas. ---

O facto constante no número 6, presume-se ao abrigo do disposto no art.º 351.º, n.º 1, do Código Civil, a partir do facto provado em 5. ---

Nos termos do n.º 2, do art.º 574.º, Código de Processo Civil, aplicável ex vi, art.º 63.º, da Lei dos Julgados de Paz, consideram-se admitidos por acordo os factos constantes nos números 8 e 10. ---

Pela prova documental consideram-se provados os factos suportados pelo teor dos documentos indicados de forma especificada, na enumeração do probatório supra. ---

O relatório técnico de fls. 151 e 152, mostra-se minimamente objetivo e detalha aquilo que também resultou da prova testemunhal apresentada pelos Demandantes, pese embora o facto de o valor da estimativa de custos ter sido apresentado pelo montante global e sem qualquer especificação de quantidades e valores de referência de cada item. ---

Do teor do referido relatório e da sua compatibilização com os depoimentos das testemunhas e restante matéria provada resultou a convicção dos factos provados nos números 11 a 14. ----

No essencial, as testemunhas limitaram-se a aderir às alegações da parte apresentante, mostrando-se conclusivas, e com falta de isenção. ---

O facto constante em 16, resulta do depoimento da testemunha [PES-7], mãe da Demandada, e com quem os Demandados passaram a viver após terem desocupado o locado. --

Consigna-se que, para apuramento da matéria de facto não foi considerado o teor dos articulados, da audição das partes ou das testemunhas com matéria tida por irrelevante, conclusiva ou de direito.

Os factos não provados resultam da ausência de elementos que permitam formar convicção positiva sobre os mesmos. ---


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Fundamentação – Matéria de Direito: ---
A causa de pedir na presente ação respeita a danos alegadamente causados na fração autónoma e respetivo equipamento pertencente à Demandante, no termo do arrendamento pelo qual o imóvel esteve cedido aos Demandados para a sua habitação permanente. ---
Esta matéria remete-nos para o conteúdo do contrato de arrendamento, no que concerne ao conteúdo das obrigações acessórias ao pagamento da renda, concretamente, a obrigação de, findo o contrato, o inquilino restituir o locado nas condições em que foi recebido, ressalvadas as deteriorações decorrentes de uma prudente utilização. ---

Dos pedidos deduzidos pela Demandante extrai-se que, para além do mais, a mesma pretende obter a condenação dos Demandados a pagarem-lhe a quantia global de €14.872,38 (catorze mil oitocentos e setenta e dois euros e trinta e oito cêntimos), ou subsidiariamente, à execução das obras necessárias a expensas suas. ---

As questões a decidir são as seguintes: ---

- Se os Demandados são responsáveis por indemnizar a Demandante pelos montantes peticionados, em consequência dos alegados danos descritos nos autos. ---

- A responsabilidade pelas custas da ação. ---

Vejamos se assiste razão à Demandante: ---

Estabelece o art.º 406.º, n.º 1, do Código Civil, que os contratos devem ser pontualmente cumpridos, e só podem modificar-se ou extinguir-se por mútuo consentimento dos contraentes ou nos casos admitidos na lei. ---

A lei determina que o devedor cumpre a sua obrigação quando realiza a prestação a que está vinculado, a qual, salvo convenção em contrário, deverá ser realizada integralmente e não por partes (cf., artigos 762.º, e 763.º, ambos do Código Civil). ---

Tendo em conta que a Demandante alegou a existência de danos relativamente aos quais pretende ser ressarcida, a questão do incumprimento contratual, cruza-se no caso concreto, com a responsabilidade civil e a respetiva obrigação de indemnizar, que dependem da verificação dos seguintes pressupostos: facto voluntário, ilicitude, culpa, dano, e nexo causalidade. ---

Na responsabilidade fundada em contrato, o incumprimento da prestação pelo devedor representa o facto gerador da lesão do direito subjetivo do credor, pelo que, constitui o facto voluntário e ilícito.

Por outro lado, no âmbito da responsabilidade contratual, tem aplicabilidade o disposto no art.º 799.º, do Código Civil, que estabelece uma presunção legal de culpa do devedor, incumbindo-lhe provar que a falta de cumprimento ou o cumprimento defeituoso não procede de culpa sua. ---

Assim, na responsabilidade contratual o credor apenas tem que provar o incumprimento da obrigação (incluindo as obrigações acessórias), e o dano, presumindo-se a culpa numa vertente que engloba a ilicitude e o nexo causal, cf. art.º 799.º, do Código Civil. ---

Pela matéria provada resulta que as partes celebraram um contrato de arrendamento. ---

No cumprimento do referido contrato sobressai a obrigação do senhorio proporcionar ao inquilino o gozo temporário do imóvel objeto do arrendamento, mediante o pagamento de uma renda. ---

Ora, para além do pagamento da renda, existem diversas obrigações acessórias que o inquilino está obrigado a cumprir. ---

Com efeito, o locatário tem a obrigação de utilizar a coisa locada de forma prudente (art.º 1038.º, n.º 1, al. d), do Código Civil), e de a restituir no estado em que a recebeu, presumindo-se que a recebeu em bom estado, nos termos do art.º 1043.º, do Código Civil.---

Ficou provado que os Demandados deixaram o locado extremamente sujo, designadamente, com as paredes a necessitar de reparação e pintura geral, os móveis e os equipamentos de cozinha completamente inutilizados, e o pavimento em madeira em mau estado. ---

Todavia, os Demandados estavam obrigados a entregar o imóvel no fim do contrato, em estado idêntico ao que tinha no início do contrato, salvo as deteriorações lícitas previstas no art.º 1073.º, n.º 1, do Código Civil, as quais, aliás, devem ser “reparadas pelo arrendatário antes da restituição do prédio, salvo estipulação em contrário”. ---

Ora, impendia sobre os Demandados o ónus de demonstrar que os danos não decorreram de facto que lhes possa ser imputado, o que não lograram nos presentes autos. ---

Com efeito, ao não procederem às limpezas regulares do local e não pugnando pelo bom estado de manutenção dos bens e equipamentos (que inclui o dever de avisar o senhorio de qualquer vício, ameaça, ou perigo para o locado, que o locador não conheça, cf., art.º 1038.º, al. h), do Código Civil), os Demandados lesaram o património da Demandante, conformando-se conscientemente com a degradação do imóvel, o que revela a sua culpa no cometimento por ação do facto ilícito, na forma dolosa (dolo eventual).---

O dano tem o valor equivalente à diferença patrimonial de sinal negativo a que a Demandante ficou sujeita pela deterioração das condições de habitabilidade da fração, sendo evidente o nexo causal entre o facto ilícito cometido e as lesões patrimoniais descritas nos autos. ---

Ora, o valor concreto da indemnização, tem de ser encontrado através da modelação do montante orçamentado, por critérios de justiça na composição dos interesses em causa, nomeadamente, a antiguidade dos elementos danificados, por serem contemporâneos da construção do edifício e terem sido sujeitos ao desgaste normal do uso ao longo de cerca de 30 anos. ---

Assim, a diferença patrimonial resultante da lesão não poderá corresponder ao valor da substituição de bens desatualizados, em fim de vida útil e com valor residual, por materiais e equipamentos novos, conforme peticionado. ---

Nestes termos, o valor da indemnização terá de ser atribuído por juízos de equidade ao abrigo do disposto no art.º 566.º, n.º 3, em conjugação com o art.º 564.º, n.º 1, ambos do Código Civil. ---

De igual modo, relativamente aos lucros cessantes, visto que a colocação da fração no mercado de arrendamento com materiais desgastados e desatualizados, mesmo que tivesse sido restituída limpa e minimamente funcional, não teria a mesma valia de uma casa remodelada e recentemente equipada. ---

Aliás, a pretensão de lucros cessantes correspondentes a €800,00 mensais, quando o valor da última renda em vigor era de €400,00 por mês (conforme alegado no art.º 3.º, do douto requerimento inicial), é manifestamente exagerada e votada liminarmente à improcedência, ainda que parcial. ----

Tudo visto e ponderado, atento à prova produzida nos autos, ao grau de culpa, e todo o circunstancialismo da causa visto à luz da prudência, considero adequado atribuir à Demandante uma indemnização global no montante de €1.500,00. ---

Deste modo, a ação deve proceder parcialmente. ---


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Decisão: ---
Atribuo à causa o valor de €14.872,38 (catorze mil oitocentos e setenta e dois euros e trinta e oito cêntimos), por corresponder à quantia em dinheiro que a Demandante pretendia obter no momento da propositura da ação cf., normas conjugadas dos artigos 306.º, n.º 1; 297.º, n.º 1; e 299.º, n.º 1, todos do Código de Processo Civil, aplicáveis ex vi, art.º 63.º, da Lei dos Julgados de Paz. ---
Pelo exposto e com os fundamentos acima invocados: ---

- Declaro verificada a exceção de caso julgado relativamente às quantias peticionadas relativamente a consumos, no montante global de €472,38, absolvendo a parte Demandada da instância nesta parte do pedido; ---

- Julgo a presente ação parcialmente procedente por parcialmente provada, e consequentemente, condeno os Demandados a pagar à Demandante a quantia global de €1.500,00 (mil e quinhentos euros). ---

- Mais decido absolver os Demandados do restante peticionado na presente ação.

Custas: ---
As custas no montante de €70,00 (setenta euros), são da responsabilidade de ambas as partes na proporção do respetivo decaimento, que fixo em 10%, para a Demandada, e 90%, para a Demandante. ---

Assim, a Demandada deverá proceder ao pagamento da quantia de €7,00 (sete euros). ---

Por sua vez a Demandante deverá proceder ao pagamento da quantia de €63,00 (sessenta e três euros). ---


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Os pagamentos deverão ser efetuados no prazo de três dias úteis, mediante liquidação das respetivas guias de pagamento (DUC), emitidas pela secretaria do Julgado de Paz. ---

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Extraia as guias de pagamento (DUC), e notifique aos responsáveis pelo pagamento das custas juntamente com cópia da presente decisão. ---

Após os três dias úteis do prazo legal, aplica-se uma sobretaxa no montante de €10,00 (dez euros), por cada dia de atraso no cumprimento da obrigação, até ao máximo de €140,00 (cento e quarenta euros). ---

O valor da sobretaxa aplicável acresce ao montante da taxa de justiça em dívida. ---


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Após trânsito, verificando-se a falta de pagamento das custas, mesmo após o acréscimo da referida sobretaxa legal, conclua para emissão de certidão para efeitos de execução fiscal, a instaurar junto dos competentes serviços da Autoridade Tributária e Aduaneira (AT), pelo valor das custas em dívida acrescidas da respetiva sobretaxa.

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Registe. ---
Notifique pessoalmente em sede de audiência de discussão e julgamento, nos termos do disposto no artigo 60.º, n.ºs 1 e 2, da Lei dos Julgados de Paz. ---

Envie cópia da mesma aos intervenientes processuais que, eventualmente, faltarem na data agendada para a prolação da sentença, cf., artigo 46.º, n.º 3, da Lei dos Julgados de Paz. ---


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Julgado de Paz de Setúbal, 27 de agosto de 2024

O Juiz de Paz

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Carlos Ferreira