Sentença de Julgado de Paz
Processo: 474/2012-JP
Relator: LUIS FILIPE GUERRA
Descritores: CONTRATO DE ARRENDAMENTO/ DIREITOS E DEVERES DOS CONDÓMINOS
Data da sentença: 01/18/2013
Julgado de Paz de : PORTO
Decisão Texto Integral: SENTENÇA

I. RELATÓRIO:
A, na qualidade de administradora do condomínio do prédio urbano sito na Rua xxxxx. n.os 81, 83, 87, 193, 211, 223 e 229 e Rua xxxx n.os 594, 596, 600, 604 e 610, na cidade do Porto, com os demais sinais nos autos, intentou a presente ação declarativa contra B e C., melhor identificados a fls. 2, pedindo a condenação destes a pagarem-lhe a quantia global de 1.714,97 €, acrescida de juros contados à taxa legal desde a data da citação até efetivo e integral pagamento, bem como a pagarem-lhe ainda as prestações para o condomínio que se forem vencendo na pendência da ação.
Para tanto, a demandante alegou os factos constantes do requerimento inicial de fls. 2 a 5, que aqui se dá por integralmente reproduzido, tendo juntado ao mesmo seis documentos.
Regularmente citados, os demandados não apresentaram contestação.
Realizou-se a sessão de pré-mediação, logo seguida da mediação, mas as partes não lograram chegar a acordo.
Foi, então, marcada e realizada a audiência de julgamento, com observância do formalismo legal.
Estão reunidos os pressupostos de regularidade da instância, nomeadamente:
Este julgado de paz é competente em razão do objeto, do valor, da matéria e do território (cfr. artigos 6º nº 1, 8º, 9º nº 1 a) e c) e 12º nº 1 da Lei nº 78/2001, de 13 de Julho, em conjugação, no caso deste último, com o disposto no artigo 774º do Código Civil).
As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias e são legítimas, sem prejuízo do que abaixo se discorre sobre a demandante.
Não há nulidades, exceções ou outras questões prévias de que cumpra conhecer, fixando-se o valor da presente causa em 1.714,97 € (mil setecentos e catorze euros e noventa e sete cêntimos).
Assim, cabe apreciar e decidir:

II. FUNDAMENTAÇÃO FÁCTICA
Discutida a causa, ficaram provados os seguintes factos:
1. A demandante é a administradora do condomínio do prédio urbano sito na Rua xxxx, n.os 81, 83, 87, 193, 211, 223 e 229 e Rua xxxx n.os 594, 596, 600, 604 e 610, na cidade do Porto.
2. A 1ª demandada é proprietária da fração autónoma designada pelas letras “AP”, correspondente a uma loja, com entrada pelo nºxx da Rua Dr. xxxxx, do prédio urbano acima identificado.
3. A 2ª demandada é arrendatária da fração autónoma acima aludida.
4. No desempenho das suas funções de administradora, a demandante convocou a assembleia de condóminos para 09/03/2011, tendo a mesma aprovado o orçamento do ano de 2011, do qual resultou para a 1ª demandada a obrigação de pagar uma contribuição trimestral de 233,06 € para as despesas comuns e de 18,09 € para o fundo comum de reserva. 5. Na assembleia de condóminos que teve lugar em 06/03/2012, foi aprovado o orçamento do ano de 2012, do qual resultou para a 1ª demandada a obrigação de pagar uma contribuição trimestral de 233,06 € para as despesas comuns e de 18,09 € para o fundo comum de reserva.
6. O regulamento do condomínio prevê a aplicação de uma sanção pecuniária equivalente a 5% ao mês, calculada sobre o montante a liquidar, aos condóminos que não efetuarem atempadamente o pagamento da sua quota-parte das despesas comuns.
7. No mesmo regulamento do condomínio prevê-se que sejam suportadas pelos condóminos que derem causa a ação judicial, todas as despesas judiciais e extrajudiciais que o administrador faça para haver a quantia em dívida, incluindo honorários de advogado.
8. A 1ª demandada deve à demandante as comparticipações para as despesas comuns e para o fundo comum de reserva, vencidas a partir de Julho de 2011 até à data da propositura da ação, no total de 1.089,30 €, e daí em diante até ao presente.
9. A 1ª demandada e a 2ª demandada convencionaram no respetivo contrato de arrendamento que ficavam a cargo da inquilina as despesas de água, luz e de condomínio relativas à fração arrendada.

Os factos provados resultam, no essencial, do acordo das partes, considerando a falta de impugnação dos factos alegados pela demandante por parte das demandadas, complementados pelos documentos juntos aos autos, nomeadamente atas das assembleias de condóminos, incluindo regulamento do condomínio, contrato de arrendamento e relação de débitos da 1ª demandada ao condomínio.

III. FUNDAMENTAÇÃO JURÍDICA
A 1ª demandada é proprietária de uma fração autónoma no prédio urbano acima identificado, constituído em propriedade horizontal. Nessa medida, a 1ª demandada é também comproprietária das partes comuns do mesmo imóvel, sendo ambos os direitos incindíveis (cfr. artigo 1420º do Código Civil). Por isso, a 1ª demandada está obrigada a contribuir para as despesas relativas à limpeza e conservação das partes comuns do referido prédio urbano, sendo essa uma obrigação real ou propter rem, decorrente da sua condição de condómina, tal como decorre do art.º 1424º, nº 1 do Código Civil, o qual prescreve que as despesas necessárias à conservação e fruição das partes comuns do edifício e ao pagamento de serviços de interesse comum são pagas pelos condóminos na proporção das suas frações.
Aliás, a administradora do condomínio tem o dever funcional de proceder à cobrança das contribuições dos condóminos para as despesas comuns e legitimidade processual própria para o fazer judicialmente (cfr. artigos 1436º e) e 1437º, nº 1 do Código Civil). Por outro lado, qualquer eventual invalidade das deliberações condominiais que aprovaram os orçamentos dos anos de 2011 e 2012, estaria de qualquer modo sanada pelo decurso do tempo, atendendo, se mais não fosse, à data da citação da 1ª demandada e ao disposto no artigo 1433º, nº 4 do Código Civil, sem que esta as tivesse impugnado.
Neste caso, ficou provado que se encontram em dívida contribuições para as despesas comuns e para o fundo comum de reserva que se foram vencendo trimestralmente a partir de Julho de 2011 e que a 1ª demandada não pagou, acumulando um débito de 1.089,30 €.
Além disso, a Demandante peticionou também que os Demandados fossem condenados no pagamento de juros de mora vincendos a partir da citação, bem como no pagamento de uma sanção pecuniária decorrente do regulamento do condomínio aprovado pela assembleia de condóminos. O devedor está obrigado ao pagamento de juros a partir do dia da constituição em mora, como forma de reparação dos danos por si causados com o seu atraso (cfr. artigos 804º e 806º do Código Civil). O devedor só fica constituído em mora depois de ter sido judicial ou extrajudicialmente interpelado para cumprir ou a partir da data de vencimento da obrigação (cfr. artigo 805º, nº 1 do Código Civil). No caso vertente, a Demandante pede a condenação dos Demandados a pagarem os juros após a sua interpelação judicial, isto é, a partir da citação, apesar da obrigação ter prazo certo. Assim sendo, em princípio, serão devidos juros de mora, sobre o capital em dívida a partir da citação, à taxa legal, até ao integral e efetivo cumprimento (cfr. arts. 559º e 806º nº 2, do Cód. Civil e Portaria nº 291/2003, de 08.04).
Porém, simultaneamente, a Demandante pede a condenação dos Demandados a pagar uma pena pecuniária, por aplicação do disposto no artigo 38º, nº 1 do regulamento do condomínio. Esta pena pecuniária consiste, no fundo, numa cláusula penal moratória (cfr. artigo 810º, nº 1 e 811º, nº 1 do Cód. Civil), sendo, portanto, compatível com a exigência de cumprimento da obrigação principal. Ora, a cláusula penal moratória cumpre um papel de indemnização pela mora, tal como os juros previstos nos artigos 804º, nº 1 e 806º, nº 1 do Código Civil, pelo que a opção pela aplicação da primeira não é cumulável com a cobrança de juros moratórios, salvo se tiver sido convencionado diferentemente, designadamente sendo os danos superiores (cfr. artigo 811º, nº 2 do Cód. Civil).
Neste caso, não é possível retirar do citado regulamento do condomínio que a cláusula penal aplicável se possa cumular com os juros de mora, sendo certo que a primeira visa justamente reparar os danos causados ao demandante pela mora do demandado. Porém, na medida em que a demandante não pede juros de mora desde o vencimento das obrigações em dívida nem pede o montante que resultaria para o futuro da aplicação da penalidade regulamentar, isto é, desde a propositura da ação até ao integral pagamento, não há em rigor cumulação de uns com a outra.
De resto, nada obsta à aplicação da penalidade regulamentar liquidada, dada a sua fonte e o disposto no artigo 1434º, nº 1 do Código Civil, desde que o seu valor não exceda o limite previsto no nº 2 do mesmo preceito legal, sendo certo que isso não foi alegado nem demonstrado por nenhum dos demandados.
Por último, estribada no artigo 38º, nº 3 do Regulamento do Condomínio, a demandante pede ainda a condenação dos demandados no pagamento das despesas em que incorreu com o presente processo, incluindo honorários a advogado, fixando as mesmas em 338,25 €. Trata-se de uma cláusula penal sancionatória, a qual é válida e eficaz, dado o seu suporte deliberativo e o disposto no artigo 1434º do Código Civil. Todavia, o regulamento do condomínio não quantifica o valor das despesas e/ou honorários a suportar pelos condóminos faltosos, pelo que esse facto carece de ser alegado e provado. Ora, a demandante não ofereceu nenhuma prova de ter efetivamente suportado a quantia por si peticionada, muito embora, neste caso, tenha constituído advogado, presumindo-se o mandato oneroso (cfr. artigo 1158º, nº 1 do Código Civil). Deste modo, considerando o disposto no artigo 1158º, nº 2 do Código Civil e no artigo 100º do Estatuto da Ordem dos Advogados, é possível presumir também que os honorários devidos pela demandante ao seu mandatário se cifrem no montante por si peticionado (cfr. artigos 349º e 351º do Código Civil).
Por último, falta apreciar a pretensão da demandante de obter a condenação solidária de ambas as demandadas. Como se sabe, a obrigação é solidária quando cada um dos devedores responde pela prestação integral e esta a todos libera, sendo a fonte da solidariedade de devedores a lei ou a vontade das partes (cfr. artigos 512º e 513º do Código Civil). Neste caso, desde logo, não se vislumbra qual pudesse ser a fonte da solidariedade, uma vez que não houve qualquer acordo entre demandante e demandadas nesse sentido nem é isso que resulta do contrato de arrendamento estabelecido entre estas. Por outro lado, a demandante não é parte do contrato de arrendamento, pelo que a sua eficácia se projeta apenas sobre ambas as demandadas (cfr. artigo 406º, nº 2 do Código Civil), no domínio das relações diretas entre ambas. Acresce que a demandante não tem legitimidade para demandar diretamente a 2ª demandada para os efeitos aqui em vista, uma vez que não foi autorizada pela assembleia de condóminos para tanto e que as suas funções se restringem a exigir dos condóminos, e não de terceiros, a sua quota-parte das despesas comuns (cfr. artigos 1436º e) e 1437º, nº 1 do Código Civil). Isto posto, a 1ª demandada poderá ter direito de regresso sobre a 2ª demandada quanto às contribuições por si devidas ao condomínio, mas não se pode eximir ao seu pagamento com base no respetivo contrato de arrendamento, uma vez que só ela é condómina.
Finalmente, atento o disposto no artigo 472º, nº 1 do Código de Processo Civil, bem como o caráter periódico das contribuições para o condomínio, como já acima se aludiu, vai ainda a 1ª demandada condenada nas prestações vencidas desde a propositura da ação até ao presente, compreendendo os 3º e 4º trimestres de 2012, incluindo o fundo comum de reserva (o 1º trimestre de 2013 ainda não está vencido). Ora, atendendo ao valor da contribuição trimestral exigível à 1ª demandada no ano de 2012, tal como resulta do respetivo orçamento, estas contribuições ascendem ao total de 502,30 €.

IV. DECISÃO:
Nestes termos, julgo a presente ação parcialmente procedente e provada e, por via disso, condeno a 1ª demandada a pagar à demandante, na qualidade em que esta litiga, a quantia de 1.714,97 €, acrescida de juros de mora, à taxa legal, sobre o capital de 1.089,30 €, desde a data da citação até efetivo e integral pagamento, bem como a pagar-lhe ainda as contribuições entretanto vencidas na pendência da presente ação, no montante de 502,30 €, absolvendo a 2ª demandada do peticionado.
Custas pela 1ª demandada, que declaro parte vencida (cfr. artigo 8º da Portaria nº 1485/2001, de 28 de Dezembro).
Registe e notifique.
Porto, 18 de Janeiro de 2013
O Juiz de Paz,
(Luís Filipe Guerra)