Sentença de Julgado de Paz | |
Processo: | 237/2023-JPCBR |
Relator: | CRISTINA EUSÉBIO |
Descritores: | INCUMPRIMENTO DE CONTRATO |
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Data da sentença: | 12/19/2024 |
Julgado de Paz de : | COIMBRA |
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Decisão Texto Integral: | Proc.º n.º 237/2023-JPCBR SENTENÇA RELATÓRIO: [ORG-1] LDA, melhor identificada a fls. 1 propôs, contra [PES-1], igualmente identificado nos autos, a presente ação declarativa de condenação, pedindo que este fosse condenado a pagar-lhe a quantia de 4.429,07€ (quatro mil, quatrocentos e vinte e nove euros e sete cêntimos) relativa a faturas emitidas por esta, no âmbito da sua atividade de construção civil. Para tanto, alegou os factos constantes do seu Requerimento Inicial de fls. 1 a 2 e aperfeiçoamento de fls. 57 a 59, que se dá por reproduzido, dizendo, em síntese, que o demandado contratou os serviços da demandante para trabalhos de remodelação de uma moradia e que, terminados os trabalhos, não liquidou a quantia peticionada. Juntou 4 documentos (fls. 60 a 70) que, igualmente, se dão por reproduzidos. O demandante apresentou em tempo a sua contestação (fls. 77 a 87) que se dá por reproduzida, alegando, em suma, que reclamou os defeitos de execução de trabalhos realizados pela demandante cuja reparação acarretará custo superior ao valor em dívida, pelo que quer pela via de exceção, quer pela via reconvencional requer a compensação de créditos. A demandante pronunciou-se sobre a exceção e reconvenção deduzida, nos termos do requerimento de fls. 96 a 99, pugnando pela inadmissibilidade da reconvenção e improcedência da exceção alegada. As partes aderiram à fase de mediação cuja sessão se realizou sem que tenham logrado chegar a acordo. Agendada a audiência de julgamento, esta realizou-se com observância do formalismo legal, conforme da respetiva ata se alcança. Foram juntos, ao abrigo do disposto no art. 57º LJP, os documentos de fls. 119 a 147 e 152 a 157. Fixa-se o valor da causa em 4.429,07€ (quatro mil, quatrocentos e vinte e nove euros e sete cêntimos) - art. 296º, 299º e 306º do CPC ** QUESTÃO PRÉVIADa admissibilidade da reconvenção Dispõe o n.º 1, do art.º 48.º, da Lei n.º 78/2001, de 13 de Julho com a redação conferida pela Lei n.º 54/2013 de 31 de julho (LJP) que: “Não se admite a reconvenção, exceto quando o Demandado se propõe obter a compensação ou tornar efetivo o seu direito a benfeitorias ou despesas relativas à coisa cuja entrega é pedida.” Como sabemos a reconvenção pressupõe um pedido autónomo do réu ou demandado, ficando duas ações cruzadas. Ora, a forma atualmente prescrita na lei para o fazer é, através de reconvenção, ao contrário do que sucedia antes da reforma do C.P.C. Outrora, a reconvenção sendo uma ação distinta, era admissível e só devia utilizar-se, segundo a então jurisprudência maioritária, no caso de o crédito invocado pela Demandada, ser superior ao do Demandante, e do primeiro pretender exigir do segundo o pagamento da parte excedente (neste sentido, cfr. por todos, o recente Ac. T. da Relação do Porto, de 07.02.2000, Processo 991503, www.dgsi.pt), invocando a compensação até aquele limite, caso contrário, o Demandado deve invocar a compensação mas, defendendo-se através da exceção perentória. Nos julgados de paz por aplicação do art. 63º, da L.J.P., após a entrada em vigor do “C.P.C. de 2013, este diploma legal, optou por orientação diferente: hoje, é reconvenção tudo o que for compensação: respetivo art. 266º, nº2, alínea c)”, cit Jaime Cardona Ferreira, Julgados de Paz, Organização, competência e funcionamento, 3ª edição pág. 205 (Lei nº 78/2001, de 13 de julho, na redação da Lei nº 54/ 2013, de 31.07). Em face do exposto, admito a reconvenção deduzida pelo demandado. *** Estando reunidos os pressupostos da estabilidade da instância, cumpre apreciar e decidir: FUNDAMENTAÇÃO - MATÉRIA DE FACTO A convicção probatória do tribunal de acordo com a qual fixa os factos provados ou não provados, ficou a dever-se ao conjunto de prova produzida nos presentes autos, tendo sido tomados em consideração os documentos juntos aos autos, as declarações das partes e ainda e os depoimentos das testemunhas apresentadas. Assim, Com interesse para a decisão da causa, ficaram provados os seguintes factos: 1. A demandante dedica-se à execução de pinturas, colocação de parquet e de vidros, comercialização de material relacionado com a atividade, construção civil e obra públicas. Compra e venda e permuta de imóveis e revenda dos adquiridos para esse fim- Consultadoria para negócios e gestão a empresas particulares. Prestação de serviços na área do apoio administrativo a empresas. 2. Em dezembro de 2020, o demandado contratou os serviços da demandante para trabalhos de remodelação da sua habitação sita em Coimbra. 3. A demandante apresentou ao demandado, um orçamento datado de 29 de dezembro de 2020, no qual discrimina os trabalhos a realizar e respetivos valores parciais, resultando o preço total de 88.582,78€ acrescido de IVA. Cfr. Fls. 60 a 65. 4. Após negociações entre as partes, o referido orçamento foi alterado, quer nos trabalhos previstos, quer no valor total do preço, que foi fixado em 104.885,00€ acrescido de IVA cfr. Doc. Fls. 120 a 122. 5. Em 21 de novembro de 2021, por solicitação do demandado, a demandante apresentou orçamento para trabalhos adicionais no valor de 7.756,80 a que acresceria IVA, que foi aceite, tendo sido deduzido o montante de 2775,00€ já pago por conta do orçamento inicial. Cfr. Fls. 144 e 144 vs. 6. A demandante emitiu, entre outras, as faturas n.º 1/861 no valor de total de 18.235,37€ com data de vencimento em 29/10/2021 e a fatura n.º 94122/27 no valor de 3.693,70€ com data de vencimento em 22/2/2022. Cfr. Doc. Fls. 66 a 69. 7. Do descritivo das referidas faturas consta “remodelação de interiores. Mão de obra. Material”. 8. Em 17 de novembro de 2021, por ordem do demandado, foi transferida para a conta da demandante a quantia de 10.000,00€ com a referência: “fatura 861” cfr. Fls. 145 9. Em 4 de fevereiro de 2022, foi transferida para a conta da demandante a quantia de 5.000,00€ com a referência: “fatura 861” cfr. Fls. 146 10. Em 22 de fevereiro de 2022, foi transferida para a conta da demandante a quantia de 2500,00€ com a referência: “obras”. cfr. Fls. 147 11. O demandado reclamou junto da demandante, problemas nas caixilharias das janelas fornecidas bem como no revestimento cerâmico aplicado no exterior da casa. 12. As caixilharias das janelas dos quartos, cozinha e escritório, em madeira, apresentavam manchas e o verniz “descascou”. 13. A demandante solicitou ao seu funcionário, [PES-3], que procedesse à reparação das caixilharias das janelas, o que fez, em data não concretamente apurada, à exceção da janela da cozinha e do escritório. 14. O revestimento exterior apresenta manchas na fachada norte e nascente, que resulta de defeito em algumas das peças aplicadas pela demandante. 15. Após reclamação do demandado – ainda em fase de execução do trabalho - a demandante tentou reparar as manchas do revestimento, através de produto para esse fim, sem sucesso. 16. A demandante reclamou junto da [ORG-2] (onde tinha sido adquirido o material) do defeito que o revestimento apresentava, tendo a fábrica que o produziu concluído que as manchas resultavam do mau armazenamento do produto - que absorveu a cor do cartão das caixas que o acondicionavam - por ter estado sujeito a água ou humidade. 17. Foram discutidas entre as partes, com a colaboração do produtor e comercializador do produto, as opções para solucionar o problema detetado no revestimento – sua pintura ou substituição total – sem que até esta data tenham decidido realizar qualquer delas. 18. O custo de fornecimento e aplicação do revestimento cerâmico, nos termos do orçamento, foi de 6.535,80€ acrescido de IVA de 23%. Factos não provados: A – Que o demandado tenha procedido ao pagamento da quantia de 2.000,00€ em numerário à demandante, sem ter sido emitido o respetivo recibo de quitação. B- A reparação das caixilharias das janelas tem o custo de 1.230,00€. C- O custo da reparação do revestimento exterior por pintura e por substituição total do material. Não resultaram provados quaisquer outros factos, alegados pelas partes ou instrumentais, com interesse para a decisão. MOTIVAÇÃO Os factos provados sob os n.ºs 1, 3 a 10 resultam provados por documentos identificados em cada item conjugados com as declarações de parte do demandado. O facto sob o n.º 2, considera-se, assim, provado por acordo. Os factos n.º 11 a 17 resultaram provados pela análise conjugada das declarações das testemunhas apresentadas, que com conhecimento direto dos factos os infirmaram. Assim, sumariamente, a testemunha [PES-4]. Arquiteto, descreveu com exatidão as patologias que a obra apresenta. Referiu que o revestimento se encontra com manchas amareladas em algumas peças, tendo tirado as fotografias anexas ao presente processo. Refere que em sua opinião será necessário retirar todo o revestimento e colocar outro, pois atenta a aplicação das peças não é possível retirar apenas aquelas que se encontram manchadas. A mesma opinião foi veiculada pela testemunha [PES-5], engenheira civil ao serviço da demandante ao tempo da obra sub judice e que a acompanhou. No entanto, esta refere a existência de outra solução, eventualmente mais barata, para o defeito do revestimento que seria pintar e/ou impermeabilizar a superfície. Descreve que o revestimento cimentício aplicado é muito poroso e, com o passar do tempo pode ficar pior. Informou o tribunal que o problema foi detetado logo na colocação, tendo dado instruções aos trabalhadores para que escolhessem peças sem defeito. No entanto, algumas peças manchadas já tinham sido aplicadas e não foram retiradas. Igualmente relatou que tentaram tirar as manchas com um produto químico, mas tal não resultou e as manchas mantiveram-se. Quanto às janelas, a referida testemunha [PES-4] referiu que as madeiras mostram um desgaste anormal aos elementos climatéricos que atribui à falta de envernizamento com a espessura desejada ou à má qualidade do produto. Refere que o verniz descascou todo deixando a madeira sem proteção, danificando-a. As janelas da cozinha e escritório terão de ser lixadas e aplicado o verniz de exteriores. A testemunha [PES-6], referiu que por ordem da demandante se dirigiu à obra, pois segundo lhe disseram o cliente tinha reclamado das janelas. Lixou e envernizou as janelas dos quartos, mas não interveio na da cozinha porque tinha de colocar andaimes. A testemunha [PES-7], comercial da empresa [ORG-2], referiu que a demandante fez a reclamação do material fornecido para a obra - revestimento - e que a fabrica concluiu ter existido mau armazenamento do mesmo, que com a humidade ficou manchado com a cor do cartão das caixas . Refere que o material não deveria ter sido aplicado porque as manchas não saem. Para resolver o problema pode ser pintado ou “arrancar e pôr de novo”. Recorda uma reunião em obra, onde estas hipóteses foram faladas, na presença do legal representante da demandante e o demandado, desconhecendo qual foi a opção que tomaram e o que sucedeu depois. Os facto considerados não provados resultaram da total ausência de prova que os infirmasse. FUNDAMENTAÇÃO - MATÉRIA DE DIREITO A relação material controvertida circunscreve-se ao contrato celebrado entre as partes e às obrigações daí decorrentes. No contrato de empreitada aplicam-se as normas especiais dos arts 1207º e segs do C.C. e as gerais relativas ao cumprimento e incumprimento das obrigações que com as primeiras se não revelem incompatíveis. Da relação jurídica emergente de uma empreitada derivam obrigações recíprocas e interdependentes: a obrigação de realizar uma obra tem como contrapartida o dever de pagar o preço, nas condições acordadas. Temos assim que, do lado da Demandante, a principal obrigação é a de prestar um certo resultado material (artigo 1207. ° do CC), que se traduz na realização dos trabalhos de construção civil orçamentados, sem vícios que excluam ou reduzam o seu valor ou a sua aptidão para o uso ordinário ou previsto no contrato (art.° 1208. ° do CC). Enquanto do lado do Demandado, impende o dever principal de, caso aceite a obra, pagar o preço ajustado o que, na ausência de convenção ou uso em contrário, deve ser efetuado no ato daquela aceitação (art.° 1211. °, n.° 2 do CC). Vejamos então se ambas as partes cumpriram o acordado. No que à obrigação do dono de obra diz respeito – pagamento do preço - , resulta provado que se encontra em débito para com a demandante o montante de 735,37€ relativo ao remanescente da fatura n.º1/861 e o montante de 3.693,70€ relativo à fatura n.º 94122/27. Reportando-nos à obrigação do empreiteiro, resulta provado nos autos a existência de cumprimento defeituoso de dois aspetos da obra: caixilharias das janelas e revestimento exterior. No que às janelas respeita, resulta provado que a demandada reparou as janelas dos quartos, ficando por reparar as janelas da cozinha e escritório; e no que respeita ao revestimento exterior, a demandante não reparou ou solucionou os detetados problemas. Nos termos do disposto no art.º 1221º do C.C., se os defeitos puderem ser suprimidos, o dono da obra tem direito de exigir do empreiteiro a sua eliminação e nos termos do artigo 428.º n.º 1, do Código Civil, «Se, nos contratos bilaterais não houver prazos diferentes para o cumprimento das prestações, cada um dos contraentes tem a faculdade de recusar a sua prestação enquanto o outro não efetuar a que lhe cabe ou não oferecer o seu cumprimento simultâneo. “ Os pressupostos da exceção de não cumprimento do contrato são: a existência de um contrato bilateral, a não existência da obrigação de cumprimento prévio por parte do contraente que invoca a exceção, não cumprimento ou não oferecimento do cumprimento simultâneo da contraprestação; não contrariedade à boa-fé. Perfilhamos o entendimento, doutrina e jurisprudencialmente vasto, que “a exceção de não cumprimento do contrato tem por função obstar temporariamente ao exercício da pretensão do contraente, consistindo numa recusa provisória de cumprir a sua obrigação por parte de quem alega, sem que acarrete a extinção do direito de crédito de que é titular o outro contraente” cit. [PES-9], in “A excepção de não cumprimento do contrato no Direito Civil Português, Conceito e Fundamento”, Almedina, Coimbra, a págs. 128. (sublinhado nosso). Como refere [PES-10] “(...) a exceptio non adimpleti contractus não deve obstar ao conhecimento do mérito da ação. O juiz deve, isso sim, condenar à realização da prestação contra o cumprimento ou o oferecimento de cumprimento simultâneo da contraprestação, em consonância com o ”indireto pedido de cumprimento” coenvolto na arguição da exceptio e salvaguarda do equilíbrio contratual” (Cumprimento e Sanção Pecuniária Compulsória, pág. 335). No plano jurisprudencial veja-se, cf., por ex., Acórdão STJ de 26/10/2010 - proc. n°-571/2002; Acórdão TRC de 27/9/2005 - proc. n° 2257/05; Acórdão TRL de 26/6/20 08 proc. n° 4703/2008, em www dgsi.pt. De facto, impunha-se à demandante que eliminasse os defeitos existentes na obra - janelas e revestimento exterior - ou assumisse os respetivos encargos, caso não estivesse em condições de poder executar a referida eliminação.. O demandado haverá de proceder ao pagamento do preço convencionado quando a eliminação das relatadas desconformidades seja concluída. Nessa medida inexiste, nesta data, qualquer mora do demandado, pelo que improcederá o pedido de pagamento de juros. Na verdade, o pagamento do preço deve ocorrer no ato de aceitação da obra, o que na verdade, ainda não aconteceu. ( art- 1211º CC). No que diz respeito ao pedido reconvencional, este foi formulado para precaver a situação de não cumprimento da obrigação de eliminar os defeitos por parte da demandante, peticionando o demandado que seja deduzido (compensado) do valor em débito, o valor dos custos da reparação. Ora, o demandado não logrou provar, por um lado o valor de reparação das janelas e por outro estabelece como custo de reparação do revestimento a quantia de 6.535,80€ acrescido de IVA. Ora, a referida quantia é aquela que consta do orçamento como custo de fornecimento e aplicação do referido revestimento, sendo certo que se desconhece se a reparação terá o mesmo valor. Dito de outro modo, não apresenta o demandado, prova do custo da reparação, quer das janelas, quer das manchas do revestimento, considerando as opções de reparação que foram, inclusivamente, discutidas pelas partes. Assim, neste momento, não pode o tribunal aferir do montante, concreto, que será necessário para proceder à eliminação dos defeitos da obra, pelo que não pode operar qualquer compensação. Improcede, pois, a reconvenção deduzida, sem prejuízo de o demandado poder fazer valer os seus direitos, noutra sede, em caso de incumprimento da eliminação dos defeitos da obra, conforme se decidirá. DECISÃO Em face do exposto e das disposições legais aplicáveis, julga-se a presente ação procedente por provada e, em consequência, condena-se o Demandado a pagar à Demandante a quantia de 4.429,07€ (quatro mil, quatrocentos e vinte e nove euros e sete cêntimos) contra a simultânea eliminação dos apurados defeitos, por parte da demandante, melhor descritos nos autos. (item 12 e 14 dos factos provados). Custas: A cargo da demandante e demandado, em partes iguais, nos termos e para os efeitos do art. 3° da Portaria n.° 342/2019 de 1 de Outubro devendo ser pagas, no prazo de 3 (três dias úteis a contar da notificação desta sentença — ainda que o prazo de validade do DUC seja mais alargado -, sob pena do pagamento de uma sobretaxa diária de 10,00 (dez euros) por cada dia de atraso no efetivo cumprimento dessa obrigação, com o limite de 140,00€. A falta de pagamento das custas processuais acarreta para o devedor a instauração de processo de execução fiscal. Registe. Coimbra, 19 de dezembro de 2024 A Juíza de Paz ____________________ (Cristina Eusébio) |