Sentença de Julgado de Paz | |
Processo: | 143/2018-JPCRS |
Relator: | ELISA FLORES |
Descritores: | PRESCRIÇÃO PRESUNTIVA |
Data da sentença: | 05/22/2019 |
Julgado de Paz de : | CARREGAL DO SAL |
Decisão Texto Integral: | SENTENÇA RELATÓRIO A, advogada, propôs contra B e mulher, C, a presente ação declarativa, enquadrada na alínea a) do nº 1 do artigo 9.º da Lei n.º 78/2001, de 13 de julho, pedindo que sejam condenados a pagar-lhe a quantia de € 2 822,85 (dois mil oitocentos e vinte e dois euros e oitenta e cinco cêntimos), acrescida de juros de mora até integral pagamento. Para o efeito alegou os factos constantes do requerimento inicial de fls. 4 a 9 e juntou 8 documentos, que aqui se dão por reproduzidos. Os demandados, regular e pessoalmente citados, contestaram por exceção, a fls. 28 a 33, alegando o pagamento destes honorários, em 2010 e em numerário, no valor que havia sido peticionado no processo de Injunção do extinto Tribunal Judicial de D [mais €123,40 que a atual], e a prescrição fundada na presunção do cumprimento nos termos da alínea c) do artigo 317º do Código Civil. Concluem pela absolvição do pedido. Apenas juntaram documentos de justificação das respetivas faltas. No exercício do contraditório a demandante considerou, em síntese, a afirmação dos demandados de que efetuaram o pagamento da dívida em 2010 contrária à realidade factual e ofensiva dos direitos e reputação profissional da demandante, porque tal pagamento nunca teve lugar nem se conceberia que uma ação fosse instaurada em tal circunstância. Os demandados que se encontram a residir em França, não compareceram em julgamento mas justificaram as respetivas faltas - doença do demandado e acompanhamento do mesmo pela demandada -, e outorgaram Procuração, com poderes especiais, a mandatária judicial que os representou nas várias sessões de julgamento. A primeira sessão foi suspensa a requerimento da demandante – e não oposição da parte contrária-, por causa da questão prejudicial da queixa-crime que tinha acabado de apresentar nos Serviços do Ministério Público contra os demandados, por difamação por força do que afirmaram neste processo (cf. Ata de fls. 91 a 93). Tal Inquérito foi arquivado por aplicação do princípio “in dubio pro reo” e prosseguiram os presentes autos (cf. fls. 104 a 108 dos autos). Em julgamento só a demandante apresentou prova testemunhal. O litígio não foi submetido a mediação. Fixo o valor da ação em € 2 822,85 (dois mil oitocentos e vinte e dois euros e oitenta e cinco cêntimos). O artigo 60º da Lei n.º 78/2001, de 13 de julho, na sua alínea c), prescreve que do conteúdo da sentença proferida pelo juiz de paz faça parte uma sucinta fundamentação. Assim: FUNDAMENTAÇÃO DA MATÉRIA DE FACTO: Consideram-se provados os seguintes factos: 1.º- A demandante é Advogada, encontrando-se inscrita no Conselho Regional de Coimbra da Ordem dos Advogados, com a cédula profissional n.º 0000C, tendo domicílio profissional presentemente e à data dos factos em causa na Rua E e na Rua F, em G; 2.º- A demandante exerce a sua atividade profissional, a título remunerado, de acordo com o mandato que lhe é conferido pelos seus clientes; 3.º- Em data que terá ocorrido em janeiro de 2003, a demandante foi procurada pelos demandados no seu escritório e este solicitaram os seus serviços profissionais e a demandante aceitou prestá-los; 4.º- Os demandados mandataram a demandante para os representar em ação sumária que correu termos no então Tribunal Judicial de D, sob os autos n.º 00/0X.OTBSCD; 5.º- Tendo solicitado à demandante que os representasse em litígio que mantinham com H, Lda., relativo a arrendamento para fins habitacionais; 6.º- Declarando que assumiriam a responsabilidade pelo pagamento de honorários e despesas resultantes dos serviços prestados pela demandante; 7.º- A demandante agiu em conformidade com o solicitado, tendo sido redigida a adequada Procuração, assinada pelos demandados; 8.º- A demandante passou, assim, a representar os mesmos, tendo prestado os seguintes serviços no âmbito do referido processo 00/0X.OTBSCD: - Consulta inicial e estudo das medidas a adotar, no que despendeu meia hora; - Estudo do assunto, no que despendeu meia hora; - Início do processamento com elaboração e entrega da petição no Tribunal de D, no que despendeu uma hora; - Análise de contestação, no que despendeu meia hora; -Elaboração e apresentação de resposta, no que despendeu uma hora; - Elaboração e apresentação de requerimento de intervenção principal provocada, no que despendeu uma hora; - Análise da contestação, no que despendeu 30 minutos; - Elaboração e apresentação de resposta, no que despendeu uma hora; - Elaboração e apresentação de pedido de despejo, no que despendeu uma hora; - Análise de recurso, no que despendeu meia hora; - Elaboração e apresentação de resposta às alegações, no que despendeu duas horas; - Análise de Acórdão proferido; - Elaboração e apresentação de pedido de efetivação de despejo, no que despendeu meia hora; - Análise de despacho saneador; - Elaboração e apresentação de rolo de testemunhas, no que despendeu meia hora; - Análise de relatório social, no que despendeu meia hora; - Elaboração e apresentação de resposta, no que despendeu cerca de uma hora; - Efetivação do despejo, no que despendeu cerca de 20 (vinte) horas; - Elaboração e apresentação do acordo em Audiência, no que despendeu cerca de uma hora; 9.º- A demandante, mandatária, exerceu o referido patrocínio com extremado zelo, tendo sempre atuado e conformando-se com o interesse dos mandantes; 10.º- Nos dias 16 de junho e 30 de novembro de 2007, considerando transação obtida no processo, a demandante apresentou Nota de Honorários relativos ao mesmo, no total de € 2 295,00 sendo o valor de € 1 500,00 correspondente à ação e a restante quantia correspondente ao despejo; 11.º- E no dia 21 de dezembro de 2007, a demandante reiterou a interpelação, comunicando igualmente a alteração do regime de IVA em que se passaria a enquadrar, com a consequente liquidação do imposto devido sobre os honorários cobrados; 12.º- Acrescendo ao valor dos honorários, € 2 295,00, o do IVA, à taxa em vigor, na importância de € 527,85; 13.º- Ficando a ser devida a importância global de € 2 822,85 (dois mil oitocentos e vinte e dois euros e oitenta e cinco cêntimos); 14.º- Em 05/11/2007 o demandado escreveu à demandante a carta junta aos autos a fls. 55 e 56 onde se refere a uma reunião tida com a demandante e solicitando a redução substancial do valor que a demandante lhe apresentou a título de honorários; 15.º- Pedido que não foi aceite pela demandante; 16.º- No ano de 2009 a demandante instaurou ação judicial contra os demandados, processo que foi distribuído e correu seus termos sob o número 00XY/09.0YIPRT, no então Tribunal Judicial de D; 17.º- Peticionando o pagamento dos honorários que agora reclama; 18.º- Tendo os demandados, apresentado oposição e formulado resposta à pretensão da demandante, contestando a obrigação do pagamento do IVA, o valor cobrado a título de honorários e referindo o propósito de pedir um laudo de honorários; 19.º- E por sentença de 16/11/2009, sido absolvidos da instância por ter-se considerado haver erro na forma de processo; 20.º- Os demandados alegaram expressamente nos presentes autos, em sede de contestação, que tinham pago integralmente à demandante a quantia peticionada em 2010 e em numerário e que não lhes foi entregue recibo; 21.º- Invocando expressamente a prescrição prevista na alínea c) do artigo 317º do Código Civil, por presunção legal do pagamento, e a intenção de se aproveitar da mesma. Motivação dos factos provados: Atendeu-se aos factos admitidos por acordo, aos documentos dos autos, que não foram impugnados e os que o foram por terem sido corroborados por outra prova, às declarações da demandante e ao depoimento da sua testemunha, I, que, apesar de ser sua trabalhadora, desde 2006, apresentou um depoimento isento e credível sobre factos de que tem conhecimento direto, tendo em conta o princípio da livre apreciação da prova previsto no artigo 607º, nº 5 do Código de Processo Civil, aplicável subsidiariamente e com as necessárias adaptações aos Julgados de Paz, por força do disposto no artigo 63º da Lei nº 78/2001, de 13 de julho, na redação que lhe foi conferida pelo mesmo artigo 2º da Lei nº 54/2013, de 31 de julho e no artigo 396º do Código Civil (doravante designado simplesmente C. Civ.). Nas suas declarações a demandante manteve o alegado no requerimento inicial, declarou que esteve duas vezes com os demandados sendo os contactos feitos essencialmente com a mãe da demandada, D. J, razão porque lhe foi remetida a carta de honorários para lhes transmitir, o que esta fez; Justificou a demora na interposição da presente ação no muito trabalho – o que a levava a ir deixando estas ações para trás-, e no convencimento de que os demandados pagariam quando viessem a Portugal, o que nunca fizeram. Quanto à sua testemunha que disse fazer um “bocadinho de tudo” no escritório, nomeadamente acompanhar as contas de honorários e o registo das despesas, depôs que não recebeu qualquer valor dos demandados, que nem os conhece, que não lhe foi comunicado nenhum pagamento e que a respetiva conta ainda apresenta um saldo negativo relativo a despesas a que foram acrescentados os honorários. No seu depoimento explicou os procedimentos do escritório da demandante, que emitem sempre recibos quando se verifica o pagamento, por norma ela própria, e que têm como método quando o processo termina e o pagamento é efetuado, devolverem os documentos ao cliente e arquivar o processo e que este ainda tem os documentos e está pendente. E mais foram tidos em conta, nos termos das alíneas a) e b) do nº 2 do artigo 5º do Código de Processo Civil (CPC), factos instrumentais e factos que complementam ou concretizam os que as partes alegaram e resultaram da instrução e discussão da causa, e relativamente aos quais todos tiveram a possibilidade de se pronunciar. FACTOS NÃO PROVADOS e respetiva motivação: Não se provaram outros factos alegados pelos demandados, com interesse para a decisão da causa, por falta ou insuficiente mobilidade probatória. FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO: Ficou provado que os demandados celebraram com a demandante, no âmbito do exercício da profissão de advogada, um contrato de mandato judicial, que consiste numa das modalidades do contrato de prestação de serviço, aplicando-se-lhe as regras gerais do mandato, previsto nos artigos 1157º a 1160º do C. Civ., com exceção das que sejam objeto de regulação especial, e o disposto no artigo 43.º, alínea a) do Código de Processo Civil (CPC). O mandato judicial é um contrato sinalagmático de onde resultam obrigações recíprocas para ambas as partes. Nos termos do artigo 406º do C. Civ., o contrato deverá ser pontualmente cumprido por ambos os contraentes e o devedor cumpre a obrigação quando realiza a prestação a que está vinculado, devendo as partes regerem-se pelo princípio da boa-fé (cf. artigos 762º e 763º do mesmo Código). No mandato judicial uma das partes obriga-se a praticar um ou mais atos jurídicos por conta da outra, presumindo-se oneroso, quando tiver por objeto atos que o mandatário pratique por profissão (artigo 1158.º, n.º 1, do Código Civil). O mandante obriga-se a pagar ao mandatário a retribuição que ao caso competir e a fazer provisão por conta dela, segundo os usos e a reembolsá-lo das despesas que este fundadamente tenha considerado indispensáveis (art.º 1167.º do Código Civil). A medida da retribuição, não havendo ajuste entre as partes, é determinada pelas tarifas profissionais; na falta destas, pelos usos; e, na falta de umas e outros, por juízos de equidade (cf. n.º 2 do referido artigo 1158.º do Código Civil). Os honorários devem corresponder a uma compensação económica adequada pelos serviços efetivamente prestados, que deve ser saldada em dinheiro. Na falta de convenção prévia reduzida a escrito, o advogado apresenta ao cliente a respetiva conta de honorários com discriminação dos serviços prestados, como se verificou na situação dos autos. Ora resulta provado nos presentes autos que a demandante executou o mandato em conformidade com o que foi convencionado, praticando todos os atos jurídicos necessários, no estrito interesse dos demandados. E que as verbas referentes a honorários foram apuradas com moderação e segundo as práticas correntes do meio forense, as regras estatutárias e a praxe da comarca, pelo que de acordo com um juízo de equidade, se nos afigura ajustado e razoável o valor peticionado a título de honorários, acrescido do correspondente IVA [cf. as alíneas b) e c) do artigo 1167º do Código Civil e artigo 105.º do Estatuto da Ordem dos Advogados]. Os demandados alegaram o pagamento e invocaram a exceção perentória da prescrição presuntiva de pagamento cujo prazo, na situação dos autos - créditos pelos serviços prestados no exercício de profissões liberais e pelo reembolso das despesas correspondentes -, é de dois anos [cf. alínea c) do artigo 317.º e artigo 303º, ambos do C. Civ.]. Esta presunção funda-se na dificuldade de prova de pagamento atento o tempo decorrido. A contagem do prazo da prescrição começa a correr, em regra, quando o direito puder ser exercido pelo credor, exigindo a prestação devida do devedor (cf. nº 1 do artigo 306º por força do artigo 315º, ambos do Código Civil). No caso em apreço, quer atendendo à notificação da Conta de Honorários, que foi efetuada em junho de 2007, sem a concessão de qualquer prazo para pagamento, quer atendendo a que a sentença do aludido processo de Injunção ocorreu em 2010, e que os demandados foram citados para a presente ação em 12 de outubro de 2018, já foi, desde qualquer destas datas, largamente ultrapassado o prazo prescricional. -E não foi sequer alegado que neste interregno tenham ocorrido quaisquer factos suscetíveis de ilidir a presunção de cumprimento ou de suspender ou interromper o prazo da prescrição, nomeadamente a citação ou notificação judicial, ou equiparado [cf. artigos 805º, n.º 2, alínea a), 306º, nº 1, 318.º e segs. e 323.º e segs. todos do C. Civ.]. Este instituto da prescrição presuntiva não extingue a obrigação, tem apenas efeitos processuais, ou seja, implica a inversão do ónus da prova. E assim, não compete ao devedor provar o pagamento mas ao credor ilidir a presunção do cumprimento, por prova em contrário, que, no entanto, a lei só aceita que se faça por confissão expressa do devedor [tendo a extrajudicial de o ser por escrito], ou tácita, nos modos previstos no artigo 314º do C. Civ. (cf. ainda artigo 313º do mesmo Código). - Se o devedor se recusar a prestar juramento em tribunal, ou, Se o devedor se recusar a depor; Ou, - Se o devedor praticar em juízo atos incompatíveis com a presunção de cumprimento. Não se verificou no caso em apreço nenhuma das duas primeiras situações. Há, assim, que averiguar se se verificou a terceira. É que, não sendo já exigível na contestação a impugnação especificada de todos os factos alegados pelo credor, também não pode o devedor alegar factualidade incompatível com a presunção de pagamento. Ora, na situação em apreço, os demandados contestaram o valor a título de honorários e até referiram a intenção de pedir um Laudo, o que poderia entender-se como defesa incompatível com a presunção de cumprimento, todavia tais factos ocorreram em data anterior a 2010, data do agora alegado pagamento integral do valor pedido. E embora não se compreenda que os demandados, que alegavam dificuldade em pagar, não se lembrem [e não aleguem] as circunstâncias, onde e a quem fizeram o pagamento deste elevado montante em numerário, não pode, contudo, concluir-se da não alegação destes factos, que se verifica a confissão tácita. De facto, para que o devedor possa aproveitar-se da prescrição presuntiva, ou presunção do pagamento pelo decurso do prazo, a lei apenas exige que se alegue expressamente o pagamento, e não se aleguem, ou pratiquem factos incompatíveis com o mesmo. É que esta presunção não é uma presunção judicial, que tem por base, e depende, da convicção do juiz, mas uma presunção legal, que dispensa o que dela beneficia de provar o facto a que ela conduz (cf. nº 1 do artigo 350º do Código Civil), aplicando-se desde que se encontrem verificados os requisitos legais. Pelo que, não se verificando nenhuma das situações previstas no artigo 314º do Código Civil (cf. ainda nº 1 do artigo 217º) não se pode extrair a conclusão de que os demandados confessam tacitamente em juízo que devem à demandante. E, assim, tendo os mesmos alegado expressamente o pagamento e invocado, esta prescrição, pretendendo dela prevalecer-se, e não logrando a demandante provar o não pagamento que apenas poderia ser feito por confissão dos demandados, terá a mesma de considerar-se não ilidida. Nestes termos, deve ser esta prescrição considerada procedente o que, constituindo uma exceção perentória, implica a absolvição total dos demandados do pedido (cf. artigo 576º, nºs 1 e 3, do CPC e artigo 303º do C. Civ.). Decisão: Atento o exposto, e em conclusão, julgo a ação improcedente, por não provada, e em consequência, absolvo os demandados, B, e C, dos pedidos formulados. Custas totais pela demandante. Dê-se cumprimento ao disposto no artigo 9º da Portaria n.º 1456/2001, de 28 de dezembro. Registe e notifique. Carregal do Sal, 22 de maio de 2019 A Juíza de Paz, (Elisa Flores) Processado por computador (art.º 131º, nº 5 do C P C) |