Sentença de Julgado de Paz | |
Processo: | 56/2022–JPSCR |
Relator: | CELINA ALVENO |
Descritores: | INCIDENTE LIQUIDAÇÃO RENDA POR COMPROPRIEDADE |
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Data da sentença: | 11/08/2024 |
Julgado de Paz de : | SANTA CRUZ - FUNCHAL |
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Decisão Texto Integral: | SENTENÇA Processo n.º 56/2022 – JPFNC I - IDENTIFICAÇÃO DAS PARTES Demandante: [ORG-1] Lda., NIPC [NIPC-1], com sede no [...] n.º 138, Edf. [...], Bloco B1, norte, [...], [Cód. Postal-1] [...]. Demandada: [ORG-2], NIF [NIF-1], residente na [...], Edf. [...], Bl.2, Fr. BK, [Cód. Postal-2] Caniço. II - RELATÓRIO A Demandante instaurou contra a Demandada o presente incidente de liquidação de sentença, pedindo a condenação da Demandada a pagar de forma mensal à Demandante, a quantia de € 316,66 (trezentos e dezasseis euros e sessenta e seis cêntimos), «correspondente à fração de metade, a título de compensação, referente ao uso, gozo e fruição exclusivo da fração BK, do prédio urbano, localizada no R/C do bloco 2, do [...], sito à [...], da freguesia do Caniço, concelho de [...], inscrito na matriz predial sob o artigo [Nº Identificador-2] descrito na Conservatória do Registo Predial de Santa Cruz sob o número [Nº Identificador-1] -BK», desde a data da citação ocorrida no Processo n.º 80/2020, a 30/06/2020; a condenação nos juros de mora vencidos e vincendos; em caso de entendimento diferente quanto ao valor, a determinação de «um valor para tornar líquido o título para o pagamento da renda mensal enquanto perdurar a compropriedade», na sequência da sentença proferida por neste Julgado de Paz no Processo n.º 80/2020 que condenou a Demandada ao pagamento de uma compensação mensal à Demandante pela ocupação e gozo exclusivo da fração BK. Juntou: documentos e procuração forense. * Admitido o incidente, a Demandada foi citada e deduziu oposição, juntando também documentos e procuração (fls. 37 a fls. 89). * As partes e Ilustres Mandatários foram notificados das várias sessões da audiência de julgamento. Foram efetuadas várias tentativas de conciliação, com o esforço necessário e na medida adequada, para explorar todas as possibilidades de acordo, nos termos do n.º 1 do art.º 26º da LJP, contudo a mesma não se revelou possível. * Foram ouvidas as partes, nos termos do disposto no artigo 57.º da LJP, e realizada a audiência de julgamento, com observância do formalismo legal, como resulta das atas. * O Julgado de Paz é competente em razão da matéria, do objeto, do território e do valor. O processo é próprio e não enferma de nulidades que o invalidem. As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias e são legítimas. Não há exceções, nulidades ou questões prévias que cumpra conhecer. III- VALOR DA AÇÃO Fixa-se em € 6.016,54 (seis mil e dezasseis euros e cinquenta e quatro cêntimos), o valor da presente causa (artigos 296.º, 297.º n.º 2, 299.º, 300.º e 306.º do Código de Processo Civil ex vi artigo 63.º da LJP). IV- OBJETO DO LITÍGIO Incidente de liquidação de sentença – compensação, pelo tempo de ocupação exclusiva da fração, pela Demandada, comproprietária. V- FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO Assim e com relevância para a decisão da causa, e de acordo com as declarações das partes e a prova documental carreada para os autos, resultaram os seguintes: FACTOS PROVADOS: 1. A 09/10/2019 a Demandante adquiriu metade da fração autónoma identificada como “BK”, do prédio urbano, localizada no R/C do bloco 2, do Edifício [...], sito à [...], da freguesia do Caniço, concelho de [...], inscrito na matriz predial sob o artigo [Nº Identificador-3], descrito na Conservatória do Registo Predial de [...] sob o número [Nº Identificador-1] -BK. 2. A Demandada era comproprietária da outra metade da supra referenciada fração, onde residia desde 2006. 3. Neste Julgado de Paz correu termos a ação declarativa de condenação sob os autos 80/2020 - JPSC contra a Demandada. 4. Nessa ação a Demandada foi condenada ao pagamento de uma compensação mensal à Demandante, pela ocupação e gozo exclusivo da fração BK, que viesse a ser fixada em liquidação de sentença. 5. Na sequência da ação de divisão de coisa comum que correu no Juízo Local Cível de Santa Cruz – Tribunal Judicial da Comarca da Madeira, sob o número 41/21.4 T8SCR, as partes venderam a fração a 18/04/2024 por € 217.000,00 (duzentos e dezassete mil euros). 6. A Demandante juntou aos autos dois anúncios referentes a arrendamento de dois apartamentos T2, um no valor de € 550,00 e outro no valor de € 700,00 e um relatório/peritagem referente à fração em questão, que estipulava uma média de renda mensal no valor de € 910,00. Consideram-se reproduzidos os documentos de fls. 12 a fls. 23; de fls. 46 a fls. 89; de fls. 207 a fls. 213; de fls. 234 a fls. 243; de fls. 267 a fls. 283; e de fls. 288 a fls. 292. * Motivação da matéria fática: O Tribunal formou a sua convicção com base no conjunto da prova produzida, cotejada com as regras da experiência, tendo considerado os elementos documentais juntos pela Demandante e pela Demandada, que aqui se dão por reproduzidos e integrados, conjugados com as declarações das partes. Nos termos do n.º 2, do art.º 574.º, do CPC, aplicável ex vi, art.º 63.º, da LJP, consideram-se admitidos por acordo os factos constantes no número 5. A restante matéria resulta provada pela análise crítica de todas as provas que foram dadas a conhecer em sede de audiência, o que foi ponderado de acordo com as regras da experiência e no âmbito da prova global produzida. * Considerou o Tribunal o teor dos documentos de fls. 12 a fls. 16, para prova dos factos com os números 1, 2, 3 e 4; de fls. 207 a fls. 213 e de fls. 267 a fls. 279, para prova dos factos com o número 5; de fls. 17 a fls. 19 e de fls. 234 a fls. 243, para prova dos factos com o número 6. * Em suma, a fixação da matéria dada como provada resultou dos factos admitidos e do teor dos supra referenciados documentos juntos aos autos, o que devidamente conjugado com regras de experiência comum e critérios de razoabilidade, alicerçou a convicção do Tribunal. * FACTOS NÃO PROVADOS: Não se provaram quaisquer outros factos, com interesse para a decisão da causa, dada a inexistência ou a insuficiência de prova nesse sentido. Os factos não provados resultam, portanto da ausência de elementos que permitam formar convicção positiva sobre os mesmos. Consigna-se que, para apuramento da matéria de facto não foi considerado o teor dos articulados com matéria tida por irrelevante, conclusiva ou de direito. * VI – FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO: A questão a resolver é daquelas que, se houvesse maior espírito de compreensão e tolerância, teria sido resolvida pela via conciliatória. Aliás, dúvidas não temos que a mediação e/ou conciliação teria sido o meio ideal, útil, e único de, no caso em apreço, se conseguir conciliar as partes e, inclusivamente, solucionar o litígio. Contudo, uma vez que as partes não perfilharam esse caminho há que apreciá-la sob o prisma da legalidade. Debruçando-nos, assim, nesse prisma, sobre o caso em juízo, com base na matéria de facto provada, cumpre apreciar os factos e aplicar o direito. * O caso em litígio prende-se com o incidente de liquidação de sentença, a qual foi proferida neste Julgado de Paz a 11/05/2021, situação regulada pelo disposto no artigo 358.º do Código de Processo Civil, que visa tornar líquido a sentença genérica. Conforme refere Salvador da Costa “A liquidação da sentença apenas se destina à concretização do objecto da condenação, com respeito do caso julgado formado na sentença liquidanda” (Os incidentes da instância, Almedina, Coimbra, 9.ª edição, 2017, p. 234). E, no caso presente, temos que, por sentença proferida neste Julgado de Paz, no Processo n.º 80/2020-JPSC, a Demandada foi condenada ao pagamento de uma compensação mensal à Demandante, pela ocupação e gozo exclusivo da fração BK. Conforme sentença proferida no Processo n.º 80/2020-JPSC «esse uso exclusivo de uma e essa privação por parte de outro (…) a sua continuação já configurará uma forma de enriquecimento sem causa, tal como prevista no art.º 473.º do CC, que, embora não autonomizado, resulta da própria causa de pedir» e «Se até à citação a Demandada podia afirmar nunca ter sido interpelada para compensar a Demandante pelo seu uso exclusivo, depois da citação já não pode desconhecer a intenção e manifesta posição da Demandante em relação a esta indivisão e privação de uso. O que também poderá vir a surtir os seus efeitos legais» A Demandada foi citada no Processo n.º 80/2020 – JPSC a 30/06/2020 e teve o uso exclusivo da fração até a sua venda, ou seja, até 17/04/2024. Embora a Demandante venha requerer a quantia mensal de € 316,66 (trezentos e dezasseis euros e sessenta e seis cêntimos), desde 30/06/2020, também aceita que se outro for o entendimento, que este seja determinado diante das descrições para tornar líquido o título para o pagamento da compensação. Compulsados os autos, não se pode deixar de ter em consideração que este processo obrigou a Demandada a tomar uma decisão de vender também a sua parte do imóvel; que a Demandante estava disposta a vender a sua parte à Demandada ou comprar a sua parte à Demandada por € 60.000,00 (embora a Demandada alegue que a Demandante pretendia vender a totalidade da fração por apenas € 60.000,00 – mas não é esta questão que altera os factos), e que foram os esforços da Demandada e os cuidados de manutenção que a Demandante teve, que permitiram vender a fração por € 217.000,00, o que permitiu à Demandante arrecadar em abril deste ano mais € 48.500,00 do que iria receber 7 meses antes, caso a Demandada tivesse aceite comprar a metade da Demandante por € 60.000,00 (ou seja, um lucro de quase o dobro). No entanto, estes factos também não poderão qualificar a compensação como paga, uma vez que não houve nenhum acordo nesse sentido e porque também a Demandada foi beneficiada por estes factos. Contudo, esta situação deverá ser considerada, para efeitos de redução da quantia mensal, requerida pela Demandante, a título de compensação. Efetivamente, este Tribunal tem, pois, o poder de reduzir, mas não o de invalidar ou suprimir o pagamento da compensação mensal a que a Demandada já foi condenada. Contudo, não estamos perante uma situação de pagamento de uma renda mensal, mas sim, perante uma situação de compropriedade, pelo que a quantia mensal de € 316,66 é manifestamente excessiva, pelo que determino uma redução do valor, segundo um critério de equidade e de justiça. No tocante aos elementos de ponderação, a considerar na redução do valor que considero manifestamente excessivo, para além do suprarreferido, contam-se o grau de culpa; o interesse do credor na prestação; a situação económica de ambas as partes; a sua boa ou má fé. Assim, constata-se que o valor requerido é excessivo, tendo em conta tudo o já supramencionado, sendo reduzido para € 150,00 (cento e cinquenta euros), mensal, desde 1 julho de 2020 até 17 de abril de 2024, o que perfaz 45 meses e 17 dias, determinando o montante global de € 6.835,00 (seis mil, oitocentos e trinta e cinco euros). * Requer a Demandante a condenação da Demandada em juros de mora vencidos e vincendos. Nos termos do nº 3 do artigo 803.º do Código Civil, «quando na sentença se relegue a liquidação da indemnização para a sua execução por o credor não ter provado factos por si alegados para a quantificação do montante indemnizatório, deve ser interpretado no sentido de o momento da constituição em mora do devedor ser o da sua citação para os termos da liquidação.» - Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra - Proc. n.º 497/2000.C1, de 03/10/2006. Dispõe o Art.º 806.º, n.º 1 do Código Civil que «Na obrigação pecuniária a indemnização corresponde aos juros a contar do dia da constituição em mora.» Por outro lado, dispõe o n.º 1 do Art.º 559.º do Código Civil que «Os juros legais e os estipulados sem determinação de taxa ou quantitativo são fixados em portaria conjunta dos Ministros da Justiça, das Finanças e do Plano.». A taxa de juros legalmente fixada e aplicável ao caso sub judice é de 4% (Portaria n.º 291/2003, de 8 de abril). Assim, os juros são devidos desde a data da citação nos presentes autos, que ocorreu a 12/04/2022, até efetivo e integral pagamento da quantia em dívida. * A Demandante requer ainda a condenação da Demandada em litigância de má fé. A má-fé processual – dita litigância de má-fé – ocorre, nos termos do nº 2 do artigo 542.º do Código de Processo Civil, quando, com dolo ou negligência grave: - Tiver sido deduzida pretensão ou oposição cuja falta de fundamento não devesse ser ignorada; - For alterada a verdade dos factos ou forem omitidos factos relevantes para a boa decisão; - For praticada omissão grave do dever de cooperação; - For feito um uso reprovável do processo ou dos meios processuais, com o fim de conseguir um objetivo ilegal, de impedir a descoberta da verdade, de entorpecer a ação da justiça ou de protelar, sem fundamento sério, o trânsito em julgado da decisão. Vejamos: A lei exige como elemento integrador do conceito legal de má-fé a existência de dolo ou negligência grave na atuação processual e, quanto a este elemento psicológico, não fornecem os autos qualquer indício da sua verificação. Como se explana no Ac. da Relação de Guimarães de 16.02.2017, publicado em www.dgsi.pt “A conclusão pela actuação da parte como litigante de má-fé será sempre casuística, e a responsabilização e condenação da parte como litigante de má-fé só deverá ocorrer quando se demonstre nos autos, de forma manifesta e inequívoca, que a parte agiu, conscientemente, de forma manifestamente reprovável, com vista a (…) No dolo substancial deduz-se pretensão ou oposição cuja improcedência não poderia ser desconhecida – dolo directo – ou altera-se a verdade dos factos, ou omite-se um elemento essencial – dolo indireto; no dolo instrumental faz-se dos meios e poderes processuais um uso manifestamente reprovável (v. Menezes Cordeiro, obra citada, pg.380).” Deste modo, sem necessidade de maior fundamentação, entendemos não estar verificada a má-fé processual da Demandada, pelo que nos termos e com os fundamentos expostos, julgo improcedente por não verificação dos respetivos pressupostos, o pedido de condenação da Demandada em litigância de má-fé, e, em consequência, absolvo deste pedido. VII - DECISÃO Nos termos e com os fundamentos invocados, julgo a presente ação parcialmente procedente por provada, e em consequência, condeno a Demandada a pagar à Demandante, a importância de 6.835,00 (seis mil, oitocentos e trinta e cinco euros), acrescido dos juros que se venceram desde a citação (12/04/2022) até efetivo e integral pagamento, à taxa de 4% ao ano, absolvendo-a do demais peticionado. VIII – RESPONSABILIDADE POR CUSTAS As custas serão suportadas pelas partes, em partes iguais (Artigos 527.º, 607.º, n.º 6 do Código de Processo Civil - aplicáveis ex vi artigo 63.º da Lei 78/2001, de 13 de julho, na sua atual redação - e artigo 2.º da Portaria n.º 342/2019, de 1 de outubro), devendo a Demandante efetuar o pagamento de € 35,00 (trinta e cinco euros) e a Demandada efetuar o pagamento de € 35,00 (trinta e cinco euros) num dos três dias úteis subsequentes ao conhecimento da presente decisão, incorrendo cada uma das partes numa sobretaxa de € 10,00 (dez euros) por cada dia de atraso no cumprimento dessa obrigação, até um máximo de € 140,00 (cfr. Portaria 342/2019, de 1 de outubro). O prazo legal para proceder ao pagamento das custas é o mencionado na presente decisão, isto é, três dias úteis, pelo que, o prazo que vai indicado no Documento Único de Cobrança (DUC) é um prazo de validade desse documento, que permite o pagamento das custas fora do prazo legal. Assim, o facto de o pagamento ser efetuado com atraso não isenta o responsável do pagamento da sobretaxa, nos termos aplicáveis. Transitada em julgado a presente decisão sem que se mostre efetuado o pagamento das custas, emita-se a respetiva certidão para efeitos de execução por falta de pagamento de custas, e remeta-se aos Serviços da Autoridade Tributária, pelo valor das custas em dívida, acrescidas da respetiva sobretaxa, com o limite máximo previsto no art.º 3.º da citada Portaria. Registe e notifique e após trânsito em julgado, arquive. Caniço, 8 de novembro de 2024. A Juíza de Paz ____________________________ Celina Alveno |