Sentença de Julgado de Paz
Processo: 6/2023-JPBRC
Relator: CRISTINA EUSÉBIO
Descritores: DELIMITAÇÃO DE PROPRIEDADE
Data da sentença: 11/25/2024
Julgado de Paz de : COIMBRA
Decisão Texto Integral:
SENTENÇA

Processo nº 6/2023-JPBRC

IDENTIFICAÇÃO DAS PARTES:

Demandantes: [PES-1] E [PES-2], residentes na [...], 56, em Coimbra, NIF n.º [NIF-1] e [NIF-2] respetivamente.
Demandada: [PES-3], residente na [...], 89, [...] em Coimbra.

RELATÓRIO
Os Demandantes propuseram a presente ação declarativa destinada a ver reconhecida a linha divisória entre o seu prédio e o prédio confinante pertença da demandada e a demolição por parte desta de tudo o que ocupa o prédio dos demandantes.
Para tanto, alegaram os factos constantes do Requerimento Inicial (fls. 1 a 2 vs que se dá por reproduzido) e juntaram 4 documentos (cfr. fls. 3 a 7).
Em suma, alegam que no ano transato verificaram a falta de um dos marcos delimitadores da propriedade, junto à estrada, que alguém teria retirado, pelo que agora se impõe estabelecer a linha divisória entre os prédios tal como a configuraram no termo de responsabilidade do promotor do Sistema de Informação Cadastral Simplificada, cuja georreferenciação juntam.
A Demandada, regularmente citada, apresentou a contestação de fls. 15 a 17, referindo que há cerca de 45/50 anos, todos os marcos de estrema confiantes com a via pública terão sido removidos por ocasião do alargamento da estrada e que tal é do conhecimento dos demandantes.
Mais refere que, já não é a primeira vez que os demandantes pretendem redefinir a estrema e que no ano de 2007, com intervenção de advogada e testemunhas, as partes delimitaram as propriedades, mediante a colocação de um ferro na estrema junto à estrada. Após este acordo, os pais da demandada, entretanto falecidos, colocaram uma cancela. A demandada recebeu o prédio por herança de seus pais, tal como hoje existe e sempre o cultivou sem oposição de ninguém.
Tendo as partes recusado a fase de mediação, agendou-se a audiência de julgamento, que decorreu com observância do formalismo legal, conforme o atestam as respetivas atas.
Foi designada a presente data para leitura da sentença, que se profere.
Fixa-se o valor da ação em 5,03€ (cinco euros e três cêntimos) – art. 302º, 296º e 306º do CPC. ex vi art. 63º da LJP.

DA MATÉRIA DE FACTO
Factos Provados
Com interesse para a discussão da causa, ficaram provados os seguintes factos:
1. O Demandante é dono e legítimo proprietário do prédio rústico sito em [...], composto por terra de cultura com 8 oliveiras, com a área total de 0,043000ha, inscrito na matriz predial rústica da [ORG-1] e São Paulo de Frades com o n.º 5537.
2. O referido prédio confronta de sul com prédio que outrora pertenceu a [PES-4] que sucessão hereditária passou a pertencer a [PES-5], pai da aqui demandada (cfr. Doc. Fls. 103 vs e 104), e que nesta data lhe pertence.
3. O prédio referido em 2 situa-se em [...] e é composto de terra de cultura com 8 oliveiras, com a área de 0,23000 há, e encontra-se inscrito na respetiva matriz predial rústica da [ORG-2] e [...] com o n.º 5538.
4. A estrada com a qual ambos os terrenos confinam foi alargada há cerca de 45/50 anos, tendo os marcos que existiam na confinância entre os terrenos sido removidos.
5. Em 2007, os proprietários dos terrenos à época (demandantes e pais da demandada), delimitaram os terrenos mediante a colocação de ferro na estrema junto ao à estrada, na presença da Ilustre advogada Dr.ª Do Céu Vilar e das testemunhas [PES-6], [PES-7], [PES-8] e familiares de ambas as partes.
6. Correu termos o processo n.º 3670/17.7 T8CBR no Juízo Local Cível de Coimbra que configura ação com idêntica causa de pedir e pedido da presente ação, que terminou por deserção da instância. Cfr. Docs de fls. 74 a 116 e 119,120).
7. Em data não concretamente apurada, os demandantes colocaram uma viga chumbada a cimento com a letra “J” escrita a tinta vermelha, a meio da cancela que serve de acesso ao prédio da demandada, que depois retiraram.

Factos não provados
- Em meados do ano transato (2022) o demandante reparou que o marco que se encontrava colocado no seu terreno tinha sido retirado.
- O demandante não sabe quem retirou o marco.
- Até à presente data o terreno não se encontra delimitado.
- Por ocasião da demarcação dos prédios por acordo, os demandantes não concordaram com o sítio onde foi cravado o ferro, que serviu para determinar a estrema.

Motivação
A convicção probatória do Tribunal assentou na conjugação: dos factos notórios que não carecem de prova nem de alegação (artº 412º/1 do Cód. Proc. Civil); dos factos admitidos por acordo das Partes (artº 574º do Cód. Proc. Civil); das declarações das Partes em audiência de julgamento (artº 57º da Lei dos Julgados de Paz); dos documentos juntos aos autos; da inspeção ao local objeto do litígio; das declarações das testemunhas apresentadas.
Pelos Demandantes, foi ouvida a demandante mulher em declarações de parte. Das mesmas resultaram a confissão do facto n.º 7 da matéria provada; e [PES-9] (filho dos demandantes) que referiu que nunca existiram problemas até ao desaparecimento do marco, negando que este tenha sido retirado no alargamento da estrada. Refere que alguém terá mexido no marco. Mais refere que, por usos e costumes da terra, o cordão de videira é plantado a 45 cm da estrema. Nega ter estado presente na reunião. O seu depoimento foi muito comprometido com a versão dos seus pais.
Pela Demandada, foram ouvidos: [PES-10] (marido da demandada); [PES-6] (83 anos), [PES-11] (86 anos) [PES-12] (83 anos), [PES-13] da demandada), sendo que todos eles, à exceção de [PES-14], se recordam de ter estado numa “reunião” com os advogados e testemunhas para procederem à delimitação dos terrenos, relatando a colocação do ferro na estrema, junto a umas escadinhas em pedra, muito antigas, que serviram de referência do sitio onde outrora tinha existido um marco, desaparecido por força das obras de alargamento da estrada. Mais referiram que os demandantes não apresentaram qualquer questão ou oposição naquela data, respeitando o decidido. Só dez anos depois puseram em causa o acordado e agora porque a demandada vedou o acesso com a colocação de rede e um portão novo que se encontra fechado.
Todas as testemunhas relatam o desaparecimento dos marcos por ocasião do alargamento da estrada.
A testemunha [PES-7] relatou que amanhou o terreno por conta da mãe da demandada e que já lá estavam plantadas videiras no terreno dos demandantes. Afirma que lavrava até às videiras, supondo que estas se encontravam na estrema pois nunca houve oposição de ninguém. Mais referiu que indicou a estrema à advogada que lá esteve há uns anos e que estavam presentes os demandantes e o filho que nada disseram, tendo sido colocado um ferro e a disputa acabou.
A testemunha [PES-15], referiu que foram os pais que colocaram a vedação em paus e uma pequena cancela e a irmã, no mesmo sítio colocou um portão pequeno, fechado. Apenas nessa altura começaram os problemas com os demandantes. Esteve presente na reunião com a advogada, contando que, nesse dia, chumbaram o ferro de acordo entre todos. Confirmou que o [PES-7] amanhava a terra, pois o seu pai estava em [...] e a mãe não o podia fazer por problemas de saúde.
Quanto aos factos não provados resultaram do facto de se encontrarem em contradição com a matéria provada. Relevou o facto de os demandantes virem alegar que o marco teria sido removido no ano de 2022, quando todas as testemunhas afiançam que estes foram removidos há 45/50 anos. Por outro lado, os demandantes negaram ter chegado a acordo, quando as testemunhas presentes no dia e hora marcados para a delimitação dos terrenos, revelaram que estes o fizeram e sempre o respeitaram, sendo que agora o querem pôr em causa, após a demandada se ter vedado.

DA MATÉRIA DE DIREITO
A relação material controvertida remete-nos para o direito de demarcação, previsto nos artºs 1353º a 1355º do Código Civil (doravante CC).
Prescreve o artº 1353º CC que o proprietário pode obrigar os donos de prédios confinantes a concorrerem para a demarcação das estremas entre o seu prédio e o deles. O mesmo será dizer-se que os proprietários de prédios confinantes estão reciprocamente obrigados a colaborarem para a demarcação das respetivas propriedades.
Em termos práticos, tal demarcação consiste na delimitação da extensão horizontal da área sobre a qual os proprietários confinantes exercem o domínio.
Sendo certo que a linha divisória entre tais prédios pode ser, entre os respetivos proprietários, absolutamente pacífica, casos há em que tal delimitação é controvertida e/ou desconhecida dos próprios confinantes.
Em qualquer destes casos, cada um dos proprietários tem o direito de exigir do outro que “concorra” (colabore) na demarcação das estremas dos prédios.
No caso dos autos, tal aconteceu no ano de 2007, como relatado pelas testemunhas presentes na demarcação extrajudicial que foi levada a cabo.
Como refere o Acórdão do Tribunal da Relação do Porto, datado de 03-02-2014, consultável em www.dgsi.pt, a demarcação extrajudicial pode efetuar-se validamente por simples acordo verbal (art. 219 n.º 1 do CC) e “como qualquer negócio jurídico, tal acordo pode ser anulado ou declarado nulo, verificados que sejam os respetivos pressupostos e pode, até, ser modificado por mútuo acordo dos contraentes.
Todavia, enquanto o não for, tal for acordo subsiste, mantendo-se a validade da demarcação efetuada extrajudicialmente.
Por essa razão e não estando provado que a demarcação tivesse sido alterada por mútuo acordo dos proprietários dos prédios confinantes, não pode o tribunal proceder a nova demarcação de acordo com novos marcos implantados unilateralmente por uma das partes.”
Por outro lado, porque o negam, os demandantes não alegaram factos nem produziram qualquer prova que conduzam o tribunal a considerar a anulabilidade ou nulidade do acordo celebrado entre as partes e que vinha a ser respeitado ao longo de anos.


DECISÃO
Nestes termos, e com os fundamentos invocados, julgo a presente ação improcedente e não provada, considerando que os prédios se encontram demarcados por um ferro e marcos existentes na respetiva estrema, sendo a linha divisória definida por estes elementos, conforme acordo das partes.

Custas: A cargo dos demandantes, que gozam do benefício de apoio judiciário, motivo pelo que não se ordena a emissão de DUC.


Registe.

Coimbra, 25 de novembro de 2024

A Juíza de Paz


(Cristina Eusébio)
(redigido e revisto em computador - artº 18º LJP)