Sentença de Julgado de Paz
Processo: 242/2023-JPSTB
Relator: CARLOS FERREIRA
Descritores: REMOÇÃO DE BENS DOS ESPAÇOS COMUNS DO EDIFÍCIO.
Data da sentença: 06/17/2024
Julgado de Paz de : SETÚBAL
Decisão Texto Integral:
Processo n.º 242/2023-JPSTB

Sentença

Parte Demandante: ---
1) [PES-1], contribuinte fiscal número [NIF-1]; e ---
2) [PES-2], contribuinte fiscal número [NIF-2], ambos residentes na [...], n.º 2, 1.º andar, 2925 [...]
Mandatária: Dr.ª [PES-5], Advogada com escritório na [...], n.º 4, 1.º andar, [Cód. Postal-1] [...]. ---
Parte Demandada: ----
[PES-3], contribuinte fiscal número [NIF-3], residente na [...], n.º 20, 1.º Dto. º, [Cód. Postal-2] [...]. ---
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Matéria: Ações que se destinem a efetivar o cumprimento de obrigações, com exceção das que tenham por objeto o cumprimento de obrigação pecuniária e digam respeito a um contrato de adesão, al. a), do n.º 1, do art.º 9.º, da Lei n.º 78/2001, de 13 de julho, alterada pela Lei n.º 54/2013, de 31 de julho, doravante designada por Lei dos Julgados de Paz. ---
Objeto do litígio: remoção de bens dos espaços comuns do edifício. ---
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Relatório: ---
Os Demandantes instauraram a presente ação, nos termos do requerimento inicial constante de fls. 6 a 15, que aqui se declara integralmente reproduzido, peticionando o reconhecimento do logradouro como parte comum do edifício, o reconhecimento do direito de uso e acesso ao logradouro pelos residentes no edifício, em condições de igualdade, bem como, a condenação do Demandado a remover todos os seus pertences que se encontram na área circundante à sua garagem, demolir os anexos com cobertura, e retirar os portões com cadeado.---
Mais, peticionou a condenação do Demandado no pagamento à Demandante de €50,00 por cada dia de atraso no cumprimento. ---
Para tanto, alegaram em síntese que, a Demandante é a única proprietária do edifício urbano, constituído em propriedade horizontal, descrito na ficha n.º xxxx, da 1.ª Conservatória do Registo Predial de [...], freguesia de S. Lourenço, sito na [...], n.º 20, [...] ou [...], [...]. ---
Por sucessão da primitiva arrendatária, sua mãe, o Demandado é inquilino da fração “D”, correspondente ao 1.º andar direito, e uma garagem no logradouro do referido edifício. ---
Contra a vontade da Demandante, o Demandado utiliza o logradouro circundante à garagem, como se o mesmo fosse área privada do locado, impossibilitando a passagem no local aos restantes residentes do edifício. ---
Concluíram pela procedência da ação, juntaram documentos e procuração forense. ----
Regularmente citado, o Demandado não apresentou contestação. ---
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A mediação não teve lugar porque o Demandado faltou injustificadamente à sessão de pré-mediação.
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Aberta a audiência e estando todos presentes, foram ouvidas as partes nos termos do disposto no art.º 57.º, da Lei n.º 78/2001, de 13 de julho, com a redação que lhe foi dada pela Lei n.º 54/2013, de 31 de julho (Lei dos Julgados de Paz). ----
Foi feito o esforço necessário e na medida em que se mostrou adequado, para explorar todas as possibilidades de acordo, nos termos do disposto no art.º 2.º, e n.º 1, do art.º 26.º, ambos da Lei dos Julgados de Paz, o que não logrou conseguir-se. --
Frustrada a tentativa de conciliação, prosseguiu a realização da audiência de julgamento com a observância das normas de processo, como resulta documentado na respetiva ata. ----
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Nos termos do art.º 60.º, n.º 1, al. c), da Lei dos Julgados de Paz, a sentença inclui uma sucinta fundamentação. ---
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Fundamentação – Matéria de Facto: ---
Com interesse para a resolução da causa, tendo em conta as várias soluções jurídicas plausíveis, ficou provado que: ---
1. Os Demandantes são casados entre si no regime da comunhão de adquiridos, fls. 30; ---
2. A Demandante é proprietária do edifício urbano constituído em propriedade horizontal, descrito na ficha n.º xxxx, da 1.ª Conservatória do Registo Predial de [...], freguesia de S. Lourenço, sito na [...], n.º 20, [...] ou [...], [...], fls. 30. ---
3. O referido edifício foi constituído em propriedade horizontal, por escritura pública outorgada em 28-02-2011, cf., fls. 23 a 29; ---
4. Por sucessão da primitiva arrendatária, sua mãe, o Demandado é inquilino da fração “D”, correspondente ao 1.º andar direito, destinado a habitação, e uma garagem no logradouro do referido edifício; ---
5. O referido arrendamento foi celebrado em data não concretamente apurada, mas que se sabe ter sido mais de duas décadas antes da constituição do edifico em propriedade horizontal; --
6. O Demandado utiliza o logradouro circundante à garagem, para colocar vasos com plantas, mesas, cadeiras e outros objetos pessoais, fls. 31 a 33; ---
7. O Demandado colocou uma vedação e dois portões fechados com chave e cadeado, vedando a parte do logradouro do edifício circundante à garagem que faz parte do seu arrendamento, fls. 31 a 33; ---
8. O Demandado edificou barracões cobertos, para arrumos, na referida zona do logradouro, fls. 31 a 33; ---
9. O Demandado impede o acesso e a passagem no local aos restantes residentes do edifício;
10. A referida utilização do logradouro pelo Demandado intensificou-se de forma progressiva ao longo do tempo; ---
11. Por carta registada, datada de 03-02-2022, o Demandado foi interpelado para retirar os seus bens pessoais do logradouro do edifício, fls. 34 a 39; ---
12. O Demandado não respondeu à referida carta, nem retirou os seus bens do local; ---
13. A fração do r/c do piso inferior à habitação do Demandado, tem uma porta para o referido logradouro, na parede tardoz do edifício; ---
14. A Demandante não deu o seu consentimento ao Demandado para a utilização que este faz do logradouro do edifício. ---
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Motivação da Matéria de Facto: ---
Os factos provados resultaram da conjugação da audição de partes, dos documentos constantes dos autos, os quais não foram impugnados por qualquer das partes, e do depoimento testemunhal prestado em sede de audiência de julgamento, tendo os vários elementos de prova sido apreciados de forma a compatibilizar toda a matéria de facto adquirida, tendo em conta os dados da experiência de senso comum e as características próprias a relação controvertida vivenciada pelas partes. ---
Nos termos do n.º 2, do art.º 574.º, Código de Processo Civil, aplicável ex vi, art.º 63.º, da Lei dos Julgados de Paz, consideram-se admitidos por acordo os factos constantes nos números 4 a 10, e 12 a 14. ----
Pela prova documental consideram-se provados os factos suportados pelo teor dos documentos indicados de forma especificada, na enumeração do probatório supra. ---
A única testemunha apresentada declarou ser filho dos Demandantes, limitou-se a aderir à versão dos factos dos mesmos, pelo que, o seu depoimento não foi valorado para convicção da matéria provada, por considerar que o mesmo é resultado da sua perceção dos factos como parte interessada, e não isento. ---
Consigna-se que, para apuramento da matéria de facto não foi considerado o teor dos articulados, da audição das partes ou da testemunha com matéria tida por irrelevante, conclusiva ou de direito. –
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Fundamentação – Matéria de Direito: ---
A causa de pedir na presente ação respeita à ocupação alegadamente indevida e não autorizada de zonas comuns do edifício, pelo arrendatário de fração autónoma. ---
Esta matéria remete-nos para o cumprimento de obrigações acessórias do contrato de arrendamento, e para o exercício dos direitos de propriedade. ---
Do pedido deduzido pelos Demandantes extrai-se, entre outras, a pretensão de obter o reconhecimento do logradouro como parte comum do edifício, o reconhecimento do direito de uso e acesso ao logradouro pelos residentes no edifício, em condições de igualdade, bem como, a condenação do Demandado a remover todos os seus pertences que se encontram na área circundante à sua garagem, demolir os anexos com cobertura, e retirar os portões com cadeado.---
Mais peticionou a condenação do Demandado no pagamento à Demandante de €50,00 por cada dia de atraso no cumprimento. ---
As questões a decidir pelo tribunal são as seguintes: ---
- Se, contrariamente à vontade dos Demandantes, o Demandado vedou e ocupa uma parte do logradouro do imóvel, afetando o local para sua utilização privativa, impedindo o acesso do local aos restantes residentes. ---
- Se o Demandado deve retirar todos os seus pertences, os portões fechados a cadeado que colocou no local, bem como, demolir as construções que fez no referido logradouro; ---
- A responsabilidade pelas custas da ação. ---
Vejamos se lhes assiste razão: ---
Na presente ação a parte demandante encontra-se investida numa dupla posição de senhorio e administrador das partes comuns do edifício, uma vez que a totalidade das frações continua na esfera jurídica da Demandante. ---
Todavia, salvo o devido respeito por opinião contrária, a questão deve ter o respetivo enquadramento na relação jurídica de arrendamento, e suas obrigações acessórias, em especial, o conteúdo do direito de propriedade do senhorio relativamente a bens que, por convenção das partes ou pela sua própria natureza, devem ser considerados como excluídos do conteúdo do contrato de arrendamento.
Aliás, da matéria provada resulta que o arrendamento é muito anterior à constituição do edifício em regime de propriedade horizontal, e que a utilização do logradouro de forma privativa pelo Demandado teve o seu início há várias décadas, tendo vindo a ficar cada vez mais ostensiva ao longo do tempo. ---
O certo é que, com a presente ação os Demandantes decidiram reagir a uma situação antiga que, muito embora nunca tenha sido expressamente consentida, até dado momento foi de algum modo tolerada. ---
Compreende-se que, na sequência de o local ter sido vedado pelo Demandado, com a colocação de portões fechados a cadeado, numa atitude de apropriação do local para fins de gozo exclusivo, aquilo que eventualmente era tolerado, mesmo a contragosto, passou a merecer a total oposição dos Demandantes. ---
O arrendamento atribui ao arrendatário um direito pessoal de gozo sobre a coisa arrendada, mas não confere qualquer direito real aquisitivo da coisa, designadamente, pelo decurso do tempo. ---
Aliás na presente ação nem sequer está em causa o arrendamento da habitação e da garagem afeta à fração, da residência do Demandado. ---
A causa respeita à utilização de zonas do edifício para além do objeto do arrendamento que está em vigor entre as partes. ---
Dispõe o art.º 1311.º, n.º 1, que “O proprietário pode exigir judicialmente de qualquer possuidor ou detentor da coisa o reconhecimento do seu direito de propriedade e a consequente restituição do que lhe pertence.” ---
Assim, consideramos que os Demandantes têm legitimidade para reagir à utilização que o Demandado tem dado ao local, porque a sua pretensão não excede os limites da boa fé, na medida em que a decisão em sentido contrário significaria o desapossamento injustificado de zonas relativamente às quais o acesso deve ser assegurado quer ao Demandado, quer aos demais residentes, e mesmo aos Demandantes.---
Com efeito, as zonas de circulação e o logradouro devem estar sujeitas ao poder de gestão patrimonial dos proprietários, designadamente, para a manutenção e conservação do edifício. ---
Assim, consideramos que a ação deve proceder nesta parte do pedido. ---
No entanto, dada a antiguidade da situação, deve ser concedido um prazo adequado, que se fixa em 6 (seis) meses, para o Demandado proceder à desocupação voluntária do local e à retirada dos seus bens do logradouro, demolição de construções e abertura dos portões. —
Os Demandantes peticionaram, ainda, a condenação do Demandado no pagamento à Demandante da quantia de €50,00 por cada dia de atraso no cumprimento. ---
Nos termos do disposto no n.º 1, do art.º 829.º-A, do Código Civil, sendo a obrigação de facto infungível, a pedido do credor, o tribunal deve condenar o devedor numa sanção pecuniária compulsória. ---
A fixação do valor da sanção pecuniária compulsória deve obedecer a critérios de razoabilidade, nos termos do disposto no n.º 2, do citado art.º 829.º-A, do Código Civil. ---
Ora, face às circunstâncias da causa, o valor peticionado é manifestamente excessivo. ---
Aliás, cumpre recordar que, caso venha a ser acionada, a sanção pecuniária compulsória destina-se em partes iguais para o credor e para o Estado, o que significaria que a fixação de uma sanção a favor da Demandante no valor de €50,00, por dia, representaria um encargo de €100,00 para o Demandado, o que se revela exorbitante.---
Tendo em conta que os Demandantes não invocam qualquer prejuízo concreto, ou situação que represente especial gravidade que justifique um valor elevado, tendo em conta a duração do arrendamento, e a antiguidade da situação, fixo o valor da sanção pecuniária no montante global de €5,00, por dia, destinando-se a ser dividido em partes iguais, para a Demandante e para o Estado. -
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Decisão: ---
Atribuo à causa o valor de €5.000,01 (cinco mil euros e um cêntimo), que corresponde ao montante indicado no requerimento inicial, cf., normas conjugadas dos artigos 306.º, n.º 1; 297.º, n.º 1; e 299.º, n.º 1, todos do Código de Processo Civil, aplicáveis ex vi, art.º 63.º, da Lei dos Julgados de Paz. ---
Face ao exposto, julgo a presente ação parcialmente procedente, por provada, e consequentemente:
Declaro reconhecido o que o logradouro constitui parte comum do edifício; ---
Declaro reconhecido que os residentes no edifício têm o direito de uso e acesso ao logradouro do edifício, em condições de igualdade com o Demandado. ---
Condeno o Demandado a, no prazo de seis meses, remover todos os seus pertences que se encontram na área circundante à sua garagem, demolir os anexos com cobertura, e retirar os portões com cadeado. ---
Não sendo cumprida a obrigação, condeno o Demandado a pagar a quantia diária de €5,00 a título de sanção pecuniária, destinando-se o referido valor a ser dividido em partes iguais para a Demandante e para o Estado. ---
Mais decido absolver o Demandado do restante peticionado na presente ação. ---

Custas: ---
Taxa de justiça no montante de €70,00 (setenta euros) a cargo do Demandado, por ter ficado vencido, nos termos da primeira parte, da al. b), do n.º 1, do art.º 2.º, da Portaria n.º 342/2019, de 1 de outubro.
O pagamento deverá ser feito no prazo de três dias úteis, mediante liquidação da respetiva guia de pagamento (DUC), emitido pela secretaria do Julgado de Paz. ---
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Extraia e notifique a guia de pagamento (DUC), ao responsável pelo pagamento das custas juntamente com cópia da presente decisão. ---
Após os três dias úteis do prazo legal para o pagamento, aplica-se uma sobretaxa no montante de €10,00 (dez euros), por cada dia de atraso no cumprimento da obrigação, até ao máximo de €140,00 (cento e quarenta euros). ---
O valor da sobretaxa aplicável acresce ao montante da taxa de justiça em dívida. ---
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Após trânsito, verificando-se a falta de pagamento das custas, mesmo após o acréscimo da referida sobretaxa legal, conclua para emissão de certidão para efeitos de execução fiscal, a instaurar junto dos competentes serviços da Autoridade Tributária e Aduaneira (AT), pelo valor das custas em dívida acrescidas da respetiva sobretaxa. ----
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Registe. ---
Notifique pessoalmente em sede de audiência de discussão e julgamento, nos termos do disposto no artigo 60.º, n.ºs 1 e 2, da Lei dos Julgados de Paz. ---
Envie cópia da presente decisão aos intervenientes processuais que faltaram à sessão, cf., artigo 46.º, n.º 3, da Lei dos Julgados de Paz. ---
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Julgado de Paz de Setúbal, 17 de junho de 2024
O Juiz de Paz

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Carlos Ferreira