Sentença de Julgado de Paz | |
| Processo: | 738/2006-JP |
| Relator: | PAULA PORTUGAL |
| Descritores: | RESPONSABILIDADE CIVIL |
| Data da sentença: | 01/26/2007 |
| Julgado de Paz de : | VILA NOVA DE GAIA |
| Decisão Texto Integral: | Sentença I – Identificação Das Partes Demandante: A Demandada: B II – Objecto Do Litígio A Demandante veio propor contra a Demandada, a presente acção declarativa enquadrada na alínea h) do n.º 1 do Art.º 9º da Lei n.º 78/2001, de 13 de Julho, pedindo a condenação desta a pagar-lhe uma indemnização no montante global de € 475,00 (quatrocentos e setenta e cinco euros); e ainda os juros de mora vencidos e vincendos. Alegou, para tanto e em síntese, que em data que não sabe precisar, mas seguramente durante o ano civil de 2005, comprou um casaco branco de senhora em pele, que lhe havia custado a quantia de € 325,00; que no dia 24.10.2006, como já se encontrava um pouco sujo e dado ser um casaco que não permite propriamente ser lavado e limpo em casa, levou-o a uma casa comercial especializada na actividade de limpeza de peças de vestuário, a lavandaria ora Demandada, a qual constitui uma sociedade por quotas que tem por actividade comercial e objecto precisamente a prestação de serviços no âmbito da lavagem, limpeza e engomagem de peças de vestuário e afins; que no decurso desta sua actividade, a Demandada ficou depositária da supra referida peça de roupa, ficando ainda com a obrigação de a lavar e limpar e posteriormente a devolver em perfeito estado de conservação; que, alguns dias depois, se deslocou ao estabelecimento comercial da Demandada para levantar o seu casaco já devidamente limpo, tendo constatado que o mesmo se encontrava totalmente danificado e de forma irreversível, apresentando uma cor alaranjada e um estado que o tornavam perfeitamente inutilizável; que, posto isto, apresentou de imediato a reclamação que se impunha, não tendo a Demandada assumido os danos verificados na dita peça de vestuário, recusando qualquer responsabilidade; que pretende ver-se ressarcida dos danos causados no referido casaco, peticionando uma indemnização no montante de € 475,00, que corresponde ao valor da peça estragada (€ 325,00), a uma compensação pelas despesas e incómodos já tidos, desde logo com as interpelações extrajudiciais a que recorreu antes da acção judicial (€ 100,00) e ainda uma verba para actualização justa do valor dispendido na compra do casaco, atento o tempo decorrido, o valor da inflação e o facto de agora já não conseguir comprar outro igual (€ 50,00). Juntou documentos. A Demandada, regularmente citada, apresentou Contestação, onde alega, em síntese, que a Demandante celebrou consigo não um contrato de depósito mas um contrato de prestação de serviços, como decorre aliás, do objecto e actividade comercial que exerce, tendo contratado uma limpeza a seco de um casaco não de pele mas de pêlo executado em tecido sintético como se encontra descrito na sua etiqueta; que, em consequência, recebido o casaco, a gerente deu instruções à sua funcionária para colocar a peça de vestuário na máquina a fim de processar a limpeza a seco, depois de verificada a sua etiqueta, onde, de uma forma clara e precisa, indica que tipo de lavagem e que produtos usar; que a peça foi tratada segundo as instruções que o produtor refere expressamente na etiqueta; que é verdade que depois da limpeza a seco, o casaco, na parte que não é de pêlo, não manteve a cor original, apresentando uma cor mais escura, não se devendo, no entanto, tal facto, ao serviço por si praticado; que não houve falha de qualquer equipamento ou defeito de produto por si utilizado na limpeza a seco efectuada, caso em que, todo o tecido seria certamente danificado e não foi; que aquando da reclamação apresentada nas suas instalações, foi a Demandante informada que deveria reclamar junto do estabelecimento comercial onde adquiriu o casaco, uma vez que o dano era consequência de defeito do material de que era confeccionado, não existindo qualquer culpa da Demandada, a qual agiu de forma diligente e de acordo com o “modus operandi” devido na realização do serviço contratado; que em conformidade com esta posição e tendo em atenção a sua qualidade de serviço, se deslocou ao estabelecimento onde havia sido adquirido o casaco pela Demandante, tendo-lhe sido referido pelas funcionárias que na verdade se tratava de um defeito de fabrico do tecido mas que já não trabalhavam com o fornecedor espanhol daquele produto, pelo que não assumiriam a responsabilidade de indemnizar a Demandante; que posteriormente foi entregue nas suas instalações um casaco de material igual e com as mesmas indicações, tendo, face ao ocorrido com a peça agora em apreço, informado o cliente que a mesma não podia ser limpa a seco, tendo o vendedor daquela peça contactado a Demandada e o produtor e enviado a peça para outra lavandaria, ficando em igual estado; que, em consequência, o vendedor/produtor, não a lavandaria, assumiu a responsabilidade que lhe cabia, indemnizando o lesado, pelo que nem a título de mera culpa, muito menos a título de responsabilidade objectiva, poderá a Demandada ser responsabilizada. As partes compareceram na sessão de Pré-Mediação, seguida de Mediação, da qual não resultou Acordo, pelo que foi determinada a realização da Audiência de Julgamento. O Julgado de Paz é competente em razão da matéria, do território e do valor. O processo não enferma nulidades que o invalidem totalmente. As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias e são legítimas. Não há outras excepções ou nulidades que obstem ao conhecimento do mérito da causa. Procedeu-se ao Julgamento com observância das legalidades formais como da acta se infere. Cumpre apreciar e decidir. III – Fundamentação Da prova carreada para os autos, resultaram provados os seguintes factos: A) A Demandante levou um casaco de senhora às instalações da ora Demandada, a qual constitui uma sociedade por quotas que tem por actividade comercial e objecto a prestação de serviços no âmbito da lavagem, limpeza e engomagem de peças de vestuário e afins; B) Alguns dias depois, a Demandante, ou alguém a seu mando, deslocou-se ao estabelecimento comercial da Demandada para levantar o supra referido casaco já devidamente limpo, tendo constatado que o mesmo se encontrava total e irreversivelmente danificado, apresentando uma cor alaranjada (salmão) e um estado deteriorado; C) A Demandante apresentou de imediato reclamação junto da Demandada, não tendo esta assumido os danos verificados na dita peça de vestuário, recusando qualquer responsabilidade; D) O casaco em causa, executado em tecido sintético (pele e pêlo), foi adquirido pela Demandante em Maio de 2005, pelo preço de € 325,00; E) Segundo instruções do fabricante, inscritas na etiqueta daquela peça de vestuário, entre outros, a mesma devia ser limpa a seco com percloretileno. Motivação dos factos provados: Os factos A) e B), primeira parte, foram aceites pela Demandada na sua Contestação. O facto C) foi admitido pela Demandada no seu articulado. Para o facto B), segunda parte, atendeu-se, para além do constatado pela análise do casaco exibido em Audiência de Julgamento - um casaco em tom salmão com um aspecto bastante deteriorado -, às próprias declarações da Demandada na sua Contestação reconhecendo que depois da limpeza a seco, o casaco, na parte que não é de pêlo, não manteve a cor original, apresentando uma cor mais escura, e ainda ao depoimento da testemunha C, funcionária da Demandante, por ter sido quem entregou o casaco em causa na lavandaria e quem o foi levantar, constatando que o mesmo havia sido danificado, mormente devido à alteração da sua cor original. Para o facto D) atendeu-se ao documento de fls. 58 e à etiqueta existente no casaco com informações sobre o tecido e modo de lavagem, a qual relevou ainda para o facto E), bem como à análise visual da peça em causa. Não foi provado que: I.A peça foi tratada segundo as instruções que o produtor refere expressamente na etiqueta; II. A Demandada deslocou-se ao estabelecimento onde havia sido adquirido o casaco pela Demandante, tendo-lhe sido referido pelas funcionárias que na verdade se tratava de um defeito de fabrico do tecido mas que já não trabalhavam com o fornecedor espanhol daquele produto, pelo que não assumiriam a responsabilidade de indemnizar a Demandante. Motivação da matéria de facto não provada: Resultou da ausência de mobilização probatória credível, que permitisse ao Tribunal aferir da veracidade dos factos. Refira-se que o depoimento da testemunha arrolada pela Demandada, D, tendo presente a matriz da livre apreciação da prova, não logrou convencer o Tribunal, desde logo porque a sua especial relação com a Demandada - é sua subordinada - é condicionante do seu depoimento, sendo certo que não foi feita qualquer análise pericial à peça de vestuário em causa que permitisse aferir quais os procedimentos adoptados, se estariam em consonância com o material em apreço ou se pelo contrário os danos verificados resultaram de um defeito de fabrico do tecido, imputável ao produtor. Quanto ao depoimento da testemunha E, que exerce a sua actividade comercial no sector do vestuário, sendo cliente há já longa data da Demandada, o seu depoimento não logrou convencer o Tribunal de que a alteração da cor do tecido se terá devido a um defeito de fabrico porquanto, não obstante ter referido que mandou lavar um casaco como o ora em apreço a uma outra lavandaria tendo ficado igualmente alterada a sua cor, ficamos sem saber se se tratava de uma peça de vestuário da mesma marca, com um tecido exactamente igual ou apenas parecido, em que circunstâncias foi lavado, qual a política comercial seguida pelo fornecedor para alegadamente reembolsar o cliente do valor do casaco deteriorado, etc., etc. IV – Dos Factos e do Direito Foi dado como provado que Demandante e Demandada celebraram um contrato para que esta, no exercício da sua indústria de lavandaria, procedesse à lavagem a seco de um casaco de tecido sintético (pele e pêlo) de cor branca. Provou-se também que após a lavagem da referida peça, a mesma apresentava uma cor alaranjada (salmão) e um aspecto bastante deteriorado. Independentemente da qualificação jurídica que se dê ao contrato celebrado entre a Demandada e os seus clientes, sendo certo que estaremos perante um contrato de prestação de serviços, o qual é definido pelo art.º 1154º do Código Civil, como sendo “… aquele em que uma das partes se obriga a proporcionar à outra certo resultado do seu trabalho intelectual ou manual, com ou sem retribuição” ou estejamos ou não perante um contrato misto de prestação de serviços e de depósito ou perante um simples contrato de prestação de serviços com a obrigação acessória de guarda das peças enquanto durar o período de limpeza, parece-nos seguro que durante tal período a prestadora de serviços deve responder nos mesmos termos que o depositário. Por outro lado, Dispõem os art.ºs 4º e 12º da Lei n.º 24/96, de 31 de Julho, com a redacção que lhes foi dada pelo Decreto-Lei n.º 67/2003, de 08 de Abril, respectivamente, que “Os bens e serviços destinados ao consumo devem ser aptos a satisfazer os fins a que se destinam e a produzir os efeitos que se lhes atribuem, segundo as normas legalmente estabelecidas, ou, na falta delas, de modo adequado às legítimas expectativas do consumidor.”; e “O consumidor tem direito à indemnização dos danos patrimoniais e não patrimoniais resultantes do fornecimento de bens ou prestação de serviços defeituosos”. (sublinhado nosso). Existe cumprimento defeituoso em todos os casos em que o defeito ou irregularidade da prestação – a má prestação – causa danos ao credor ou pode desvalorizar a prestação, impedir ou dificultar o fim a que este objectivamente se encontra afectado… No domínio da responsabilidade contratual presume-se a culpa do devedor – cfr. art.º 799º do Código Civil- o que é dizer que cabe ao devedor, no caso a Demandada, para afastar a presunção de culpa, alegar e demonstrar a existência no caso concreto de circunstâncias, especiais ou excepcionais, que eliminem a censurabilidade da sua conduta, provando que foi diligente, que se esforçou por cumprir, que usou daquelas cautelas e zelo que em face das circunstâncias do caso empregaria um bom pai de família, ou pelo menos, que não foi negligente, que não se absteve de tais cautelas e zelo, que não omitiu os esforços exigíveis, os que também não omitiria uma pessoa normalmente diligente. Ora, a Demandada não logrou provar, como lhe incumbia, ter procedido com a diligência necessária na execução da lavagem da peça de vestuário em causa, sendo certo que para além de não ter provado que a limpeza foi feita com os procedimentos adequados a uma lavagem a seco – a única testemunha que trouxe para o confirmar foi a própria funcionária que procedeu ao serviço, não tendo sido a peça em causa sido submetida a qualquer análise pericial – também não provou que a alteração na cor do tecido foi consequência de defeito de fabrico do mesmo como pretende fazer crer. Ademais, os funcionários das lavandarias, de quem é razoável exigir especiais conhecimentos sobre os tecidos, devem inspeccionar cuidadosamente a roupa que os clientes lhes entregam, no sentido de verificarem qual o tratamento adequado, alertando-os para a possibilidade de qualquer tipo de deterioração na peça, assumindo assim uma postura profissional e responsável. Nos termos do Art.º 483º do C. Civil, “aquele que, com dolo ou mera culpa, violar ilicitamente o direito de outrém ou qualquer disposição legal destinada a proteger interesses alheios fica obrigado a indemnizar o lesado pelos danos resultantes da violação”. Daqui decorre que são elementos constitutivos da responsabilidade civil extracontratual: o facto, a ilicitude, a imputação do facto ao lesante, o dano e o nexo de causalidade entre o facto e o dano, só surgindo o dever de indemnizar, tanto no campo da responsabilidade contratual, como no da extracontratual, quando, cumulativamente, se verifiquem tais requisitos. Mais, O devedor é responsável perante o credor pelos actos dos seus representantes legais ou das pessoas que utilize para o cumprimento da obrigação, como se tais actos fossem praticados pelo próprio devedor – cfr. n.º 1 do art.º 800º do C. C.. Determinada a responsabilidade civil da Demandada nos termos supra expostos, importa agora valorar os danos que resultaram do cumprimento defeituoso da obrigação e computar a indemnização devida pelo seu ressarcimento. Por imperativo legal – art.º 562º do C. C. – sempre que alguém esteja obrigado a reparar um dano deve reconstituir a situação que existiria se não fosse a lesão. Ao responsável incumbe reparar os danos – e em princípio todos os danos – que estejam em conexão causal com o facto gerador da responsabilidade – art.º 563º do C. C. Não sendo possível a reconstituição natural, ou mostrando-se esta excessivamente onerosa para o lesado, a indemnização é fixada em dinheiro – art.º 566º, nº 1, do C.C. Esta terá como medida a diferença entre a situação real em que o facto lesivo deixou o lesado e a situação hipotética em que ele se encontraria se não fosse a lesão – art.º 562º do C. C. Ora, Já o povo diz na sua imensa sabedoria “Quem estraga velho paga novo.” No caso em apreço a Demandante havia adquirido a peça de vestuário que foi danificada há menos de um ano. Donde, tendo a Demandante adquirido a peça em causa pela quantia de € 325,00, encontrando-se a mesma inutilizada para a sua função - atento o seu estado deteriorado e a sua cor actual que não corresponde àquela que esteve na base de contratar da Demandante ao adquiri-la em causa e que certamente, quanto mais não fora, por motivos estéticos, terá pesado na sua escolha - sendo certo que a Demandada não provou, nem sequer alegou, que o casaco pudesse ser restituído à sua cor original, vai a mesma condenada no pagamento do seu valor, sendo assim reposto o statu quo ante a que se destina a indemnização, independentemente de eventual direito de reembolso que possa ter em relação ao produtor daquela peça de vestuário, caso venha a confirmar a existência de um defeito de fabrico ou mesmo de rotulagem. Quanto à quantia de € 150,00 que a Demandante peticiona em jeito de compensação pelas despesas e incómodos já tidos, que sustenta em interpelações extrajudiciais (deslocações, telefonemas e cartas registadas) de que deitou mão antes de propor a presente acção e a uma actualização justa do valor dispendido na compra do casaco, atento o tempo decorrido, o valor da inflação e o facto de agora já não conseguir comprar outro igual, parece-nos reportar-se a Demandante a um pedido indemnizatório por danos patrimoniais e não patrimoniais, não obstante não os discriminar, sendo certo que, quanto aos danos patrimoniais reclamados neste âmbito não faz qualquer prova dos mesmos e quanto aos danos não patrimoniais, face aos princípios enunciados no art.º 496º, n.º 1, do C. Civil, e tendo em consideração os factos supra alegados, é nosso entendimento que os danos morais invocados pela Demandante “não assumem suficiente gravidade que devam merecer a tutela do Direito”. Na verdade, a factualidade alegada é apenas idónea a corporizar ou traduzir meros incómodos por si sofridos nas diversas diligências efectuadas tendentes a fazer valer a sua pretensão. Vai, por conseguinte, nesta parte indeferido o pedido. V – Decisão Face a quanto antecede, julgo parcialmente procedente a presente acção, e, por consequência, condeno a Demandada B, a pagar à Demandante A a quantia de € 325,00 (trezentos e vinte e cinco euros), à qual deverão acrescer os juros de mora, à taxa legal de 4%, a contar da citação até efectivo e integral pagamento. Custas na proporção do decaimento e reembolso nesses precisos termos. Cumpra-se o disposto nos Artigos 8º e 9º da Portaria n.º 1456/2001 de 28 de Dezembro. Registe. Notifique. Vila Nova de Gaia, 26 de Janeiro de 2007 A Juiz de Paz (Paula Portugal) Processado por computador Art.º 138º/5 do C.P.C. Revisto pelo Signatário. VERSO EM BRANCO Julgado de Paz de Vila Nova de Gaia |