Sentença de Julgado de Paz
Processo: 25/2024-JPSRT
Relator: ELISA FLORES
Descritores: RECONHECIEMNTO DE DIREITO
Data da sentença: 06/17/2024
Julgado de Paz de : SANTO TIRSO
Decisão Texto Integral:
Processo nº 25/2024-STS

SENTENÇA

RELATÓRIO

Sérgio Bento Oliveira Moreira, contribuinte nº [NIF-1], residente em [...], [...], [...], N3C 2K6, [...], propôs contra [ORG-1], Lda., com o NIPC [NIPC-1] e a sede na [...], nº 1487, [Cód. Postal-1] [...], [...], a presente ação declarativa enquadrada na alínea a) do nº 1 do artigo 9.º da Lei n.º 78/2001, de 13 de julho, pedindo, com os fundamentos constantes do requerimento inicial, que se reconheça o seu direito, por si ou pelos seus pais, a residirem na fração em causa nos autos até à celebração da escritura definitiva de compra e venda ou incumprimento definitivo reconhecido judicialmente, podendo em seu nome contratar quaisquer serviços públicos essenciais, designadamente água, eletricidade, saneamento e telecomunicações. -------
Para o efeito alegou os factos constantes do requerimento inicial de fls. 4 a 15 do processo físico e juntou 17 documentos, e no início da Audiência ainda mais 64 (essencialmente fotos), que aqui se dão por reproduzidos.
A demandada apresentou oportunamente contestação, nos termos constantes de fls. 55 a 62 do processo físico, impugnando os factos alegados, apresentando outra versão e concluindo pela improcedência da ação. -----
Juntou 5 documentos e ainda mais 4 junto com a Providência, mas a ser considerados também na ação principal, que aqui também se dão todos por reproduzidos.
O litígio foi submetido a Mediação onde as partes não lograram chegar a acordo. ----
O demandante interpôs, entretanto, um procedimento cautelar que correu termos neste Julgado de Paz, em apenso aos presentes autos [P nº 25-A/2024], que mereceu provimento e se reconheceu o seu direito, por si ou pelos seus pais, de, até à decisão definitiva da ação principal, residirem na fração em causa nos autos podendo em seu nome contratar quaisquer serviços públicos essenciais, designadamente água, eletricidade, saneamento e telecomunicações. ----------

Em Audiência de julgamento ambas as partes apresentaram prova testemunhal. -----

Valor da ação: Fixo em € 10.000,00 (dez mil euros). ----
O artigo 60º da Lei n.º 78/2001, de 13 de julho, na sua alínea c), prescreve que do conteúdo da sentença proferida pelo juiz de paz faça parte uma sucinta fundamentação. Assim: ---------------

FUNDAMENTAÇÃO DA MATÉRIA DE FACTO: ------
Consideram-se provados, para os presentes efeitos, os seguintes factos: -------------
1.º- No dia 7 de dezembro de 2021 foi celebrado entre as partes um contrato promessa de compra e venda tendo por objeto uma fração autónoma, a construir, correspondente ao um apartamento de tipologia T2, com área de l00,50m2 no bloco 2 do prédio a que veio a ser atribuído o artigo matricial provisório Pxxxxx, pertencendo à dita fração dois aparcamentos (em garagem fechada), a designar pelas letras C e F; ---
2.º- Tendo sido acordado o preço de € 148.896,00 do qual foi pago pelo demandante, a título de sinal, na data de outorga do contrato-promessa o valor de € 14.889,60; --
3.º- A escritura definitiva seria outorgada após a conclusão da construção do edifício e logo que reunida a documentação necessária, nomeadamente a referente à propriedade horizontal e licenciamento da utilização, o que então se previa para novembro de 2022, incumbindo à demandada efetuar a marcação; ---
4.º- Mas as obras atrasaram-se em relação ao inicialmente previsto, essencialmente por causa da pandemia e consequente escassez de materiais que afetou todo o sector da construção; -----
5.º- O demandante, que é emigrante e residente no [...], pretendia este apartamento para nele residir quando se encontrasse em [...]; ---------
6.º- E atribuir aos pais uma alternativa de residência, visto que aqueles, após terem sido emigrantes, também no [...], passaram a residir mais algum tempo em [...]; ----
7.º- E iriam ficar sem o apartamento onde viviam, que era de outro filho, e iria ser para venda; --
8.º- E que acabou por ser vendido sem que tivesse sido ainda efetuada a escritura definitiva do apartamento dos autos; -----
9.º- Mas, antes, perante a iminência da venda, a imobiliária contactou a demandada dizendo que tinha arranjado comprador para esse apartamento e pedindo-lhe autorização para a entrada dos pais do demandante no apartamento dos autos; ---
10.º- A demandada acedeu, e após algumas obras que o apartamento necessitava para o efeito, --------
11.º- Os pais do demandante foram autorizados a ocupar a fração em causa, com os móveis e demais pertences, seus e do demandante;
12.º - O que ocorreu em 29 de agosto de 2023, com prévia entrega da chave pela demandada, através do construtor; --
13.º- Bem como armazenaram bens em 2 garagens da demandada- que não as prometidas vender ao demandante-, pedindo a chave ao empreiteiro, que as facultou por estar convencido que tinham autorização da demandada; ---------
14.º- E aquela fração passou a ser a casa de morada de família dos pais do demandante; ----
15.º- Apesar de haver vários acabamentos por concluir, e por corrigir, e o elevador não funcionar; ------
15.º- E sem possibilidade de contratar diretamente o fornecimento de eletricidade e água, que lhes eram fornecidos por contratos de obra; --------
16.º- Fornecimentos que se mantiveram até dezembro de 2023, mês em que foram celebradas as Escrituras de compra e venda dos compradores das restantes frações do prédio; ------------
17.º- Em consequência, foram cortados os fornecimentos de obra, e celebrados contratos individuais, o que não foi permitido ao demandante, que ainda não tinha celebrado o contrato definitivo; ---
18.º- A demandada, após a obtenção dos documentos necessários à outorga do documento translativo da propriedade, marcou essa outorga para o dia 20/12/2023 no escritório da Solicitadora Sra. Dra. [PES-1], na [...]; ---
19.º- Enviando ao demandante, por correio registado com aviso de receção, expedido em 15/11/2023 para a morada constante do contrato-promessa, no [...], uma vez que outra não havia sido comunicada, informando-o, além do mais, de que a não comparência ou recusa da outorga seria havido por incumprimento definitivo; --
20.º- E nesse mesmo dia, expediu notificação também ao pai e procurador do demandante, para a morada do [...], com cópia da carta enviada ao demandante; 21.º- E também nesse mesmo dia e com cópia da carta enviada ao demandante, expediu notificação à Imobiliária/mediadora [ORG-2] — Mediação Imobiliária, Lda, anteriormente com a designação comercial de [ORG-3] e agora de [ORG-4], sociedade que intermediou o negócio prometido; -----
22.º- À data da entrada da ação ainda não haviam sido entregues à demandada os avisos de receção das cartas por esta enviadas ao demandante e ao seu procurador, apesar de a demandada os ter solicitado diretamente aos serviços postais do [...]; ---
23.º- Na pendência da ação verificou-se que a carta para o demandante veio devolvida com a indicação de se ter mudado e a do seu pai, por não reclamada, encontrando-se ainda a demandada a obter esclarecimentos junto daqueles serviços postais quanto a datas; ----
24.º- E constatou-se ainda que a referida Imobiliária/mediadora havia rececionado a sua comunicação em 16/11/23; --
25.º- Mas que informa o pai do demandante, em cima da data que a escritura definitiva de compra e venda estava marcada para o dia 20/12/2023; --
26.º- Não se tendo a mesma realizado; ----------
27.º- Tendo, entretanto, o demandante interpelado a demandada para finalizar a obra e marcar a Escritura definitiva do contrato de compra e venda da fração; --
28.º- O que ainda não aconteceu por se opor a demandada que pretende ver esclarecida a situação das cartas de notificação da data da Escritura marcada para dezembro do ano passado, com vista a retirar as necessárias ilações com os inerentes efeitos jurídicos; ---
29.º- Sendo que, até à decisão da Providência cautelar, a fração dispunha apenas da potência mínima de eletricidade e não tinha fornecimento de água, por não o permitir a demandada; -----------
30.º- E os atuais residentes, pais do demandante, não terão outra habitação disponível; ----
31.º- Têm problemas de saúde; ---
32.º- Dificuldade em acarretar garrafões de água para um segundo andar sem elevador; ----
33.º- E ele é ainda dependente de respiração assistida durante a noite, temendo falhas no fornecimento que lhe poderão acarretar graves problemas de saúde. ----

- Motivação dos factos provados: -----------------
A factualidade dada como provada resultou da conjugação dos factos aceites pela demandada, dos documentos juntos aos autos que não foram impugnados, e dos que, tendo-o sido, foram corroborados por outra prova, das declarações do demandante, e da prova testemunhal, tendo em conta o princípio da livre apreciação da prova previsto no artigo 607º, nº 5 do Código de Processo Civil (CPC) e no artigo 396º do Código Civil. ------
Ambas as partes prestaram declarações, nas pessoas dos seus representantes, [PES-2], mãe do demandante e procurador, [PES-3], pai e também seu procurador e [PES-4]., procurador e irmão da representante legal da parte demandada, o que permitiu enquadrar as diferentes versões e intervenções. ---------
Por sua vez o demandante apresentou como testemunhas [PES-5], que conhecia os factos por ser diretora comercial da Imobiliária mediadora e ter nessa qualidade conhecido o negócio dos autos e [PES-6], que interveio no negócio como mediador imobiliário e enquanto consultor da Imobiliária. Apesar de terem sido quem efetuou os contactos com o representante da demandada para a entrada dos pais do demandante na fração, revelaram algum esquecimento dos contornos do combinando, embora este último tenha referido expressamente que era até à Escritura definitiva, que se previa para muito breve. -
Realidade que a testemunha da demandada [PES-7], o construtor dos Blocos de apartamentos onde se situa o apartamento aqui em causa, confirmou, referindo que só não se fez por culpa do pai do demandante que fez reclamações à Câmara Municipal e impediu a emissão do único documento que faltava. --
Este depôs ainda que atrasou as suas férias para acabar o apartamento para poder ser escriturado brevemente. ----
Depôs ainda que alertou o Sr. [PES-4], quando lhe pediu para os pais do demandante entrarem já no apartamento, que a potência da eletricidade de obra poderia não aguentar o fornecimento à fração a habitar, tendo este dito que o pai do demandante iria consumir por pouco tempo porque regressaria ao [...] logo a 9 de setembro. --
Segundo a esposa, ele foi mesmo nesse mês, mas ela ficou a aguardar a vinda de mobília que contrataram por medida para o apartamento. ----
O que poderá justificar as declarações do Sr. [PES-4] que refere que uns dias depois de eles entrarem foi chamado para resolver um problema na torneira da cozinha e não viu mobília na sala e cozinha. ----
Referiu este também que se encontrou mais algumas vezes com a mãe do demandante, quando o seu marido já estava no [...], e que lhe pediu o pagamento dos seus consumos de eletricidade e a chave das garagens emprestadas. Nada referiu quanto ao apartamento. ---
Mais confirmou que, pelo menos o Sr. Ivan, foi morar para a sua fração no mesmo Bloco, ainda antes da escritura definitiva de compra e venda. ---
A demandada apresentou ainda [PES-8], filho do construtor, aqui testemunha e o sócio-gerente da [ORG-5], Lda., empresa construtora, que depôs que a obra estava concluída e em condições de ser escriturada. -
Ambos prestaram depoimento sobre factos de que tinham conhecimento direto, embora emotivos, revelando animosidade contra o pai do demandante, atual morador.
Factos não provados e respetiva motivação: ---------
Não se provaram quaisquer outros factos alegados pelas partes, com interesse para a decisão da causa, por prova em contrário ou falta ou insuficiente mobilidade probatória.

FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO: ---------------
Entre as partes foi celebrado um contrato promessa de compra e venda da fração em causa. -----
Neste contrato não foi negociada a tradição do imóvel, a entrega antecipada ao demandante e esta não resulta do mesmo, não constitui um efeito típico deste contrato (cf. artigos 410 e segs. do Código Civil). -----

Mas, ficou provado, nomeadamente por confissão da demandada, como já o afirmei na Procedimento cautelar, que os pais do demandante foram autorizados a ocupar a fração em causa, com os móveis e demais pertences, seus e do demandante, tendo até para o efeito a demandada realizado obras necessárias à pressa, como também referiu a testemunha [PES-7], construtor do prédio, que alega que atrasou as suas férias por causa disso. E que lhes terá entregado a chave à ordem da demandada, que confirma, na pessoa do procurador da sua representante legal, que foi com quem sempre negociaram. ---
Pelo que, no âmbito da liberdade negocial das partes, prevista no artigo 405º do Código Civil, foi celebrado entre as partes, por intermédio de terceiros, e sem forma escrita, um outro contrato, atípico ou inominado, de entrega antecipada da coisa prometida e que é constitutivo de um direito pessoal de gozo. ----
O que aqui se discute é o âmbito desta ocupação, referindo a demandada que se tratou de uma autorização de 29 de agosto de 2023 até 9 de setembro seguinte - até à ida do pai do demandante para o Canadá- e o demandante, que foi uma entrega antecipada, com direito a aí residir, por si ou interposta pessoa, até à celebração da Escritura definitiva de compra e venda. ------------
Ora, desde logo, não convence, como se referiu já na Providência, pelas regras da experiência, que se autorizasse os pais do demandante a ocupar a fração, que tiveram de mobilar para o efeito, por 12 dias. --
Por outro lado, o demandante nunca foi interpelado para deixar a fração, retirar os seus pertences, e dos seus pais, e entregar as chaves- o que aconteceu quanto às garagens emprestadas, segundo o depoimento do Sr. [PES-4]; ---
Foi apenas notificado para a celebração da Escritura definitiva e interpelado para o pagamento dos consumos de eletricidade que então estavam a ser fornecidos pelos contratos de obra. ----
É, assim, convicção deste Tribunal, pela prova produzida, que foi uma entrega antecipada da coisa prometida, e até à realização da escritura definitiva. ---
Escritura que se previa para muito breve. ---
O que, apesar de tudo, teria acontecido se se tivesse realizado em dezembro de 2023, menos de 4 meses depois). ------
Compete a outras instâncias declarar se o facto da mesma não se ter realizado implica o incumprimento definitivo por parte do demandante. --
Entretanto, não se tendo verificado alteração das circunstâncias que determinaram o decretamento da providência [cuja fundamentação se reitera], justifica-se, no exercício pleno do seu direito de gozo da fração, manter o direito do demandante à realização de contratos de fornecimento dos bens essenciais em nome próprio, até ao trânsito em julgado dessa declaração judicial, se se verificar, ou até à realização da escritura definitiva, se as partes, entretanto, assim o entenderem. ----

Decisão: -----------------------------------------
Em face do exposto, julgo a ação procedente, e em consequência: ----------------- - - - Reconheço o direito do demandante, [PES-9], por si ou pelos seus pais:---
. A residirem na fração autónoma Z, Tipologia T2, no Bloco 2 do prédio inscrito na matriz respetiva sob o artigo matricial provisório P3925º, sita na [...], nº 136, 2º D.to [...], [Cód. Postal-2] [...], até à celebração da escritura definitiva de compra e venda ou do reconhecimento judicial do incumprimento definitivo; ---
. Podendo em seu nome contratar quaisquer serviços públicos essenciais, designadamente água, eletricidade, saneamento e telecomunicações. -----
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- Custas totais, no valor de € 70,00 (setenta euros), a cargo da demandada. ----
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O pagamento deverá ser efetuado no prazo de 3 dias úteis, a contar do conhecimento, sob pena de lhe acrescer uma penalidade de €10,00 por cada dia de atraso até à importância de €140,00 [cf. a alínea b) do n.º 1 do artigo 2.º e n.º 4 do artigo 3.º da Portaria n.º 342/2019, de 1 de outubro]. ------
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Emita-se o Documento Único de Cobrança (DUC) e entregue-se à demandada. --
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Após o trânsito em julgado desta decisão e encontrando-se pagas as custas, arquivem-se os autos. -
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Registe e notifique. -----------------------


Santo Tirso, 17 de junho de 2024

A Juíza de Paz


(Elisa Flores)
Processado por computador (art.º 131º, nº 5 do C P C)