Sentença de Julgado de Paz | |
Processo: | 101/2023-JPVNP |
Relator: | JANETE RODRIGUES FERNANDES |
Descritores: | CELEBRAÇÃO DE UM ACORDO ENTRE AS PARTES |
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Data da sentença: | 05/17/2024 |
Julgado de Paz de : | VILA NOVA DE GAIA |
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Decisão Texto Integral: | Processo n.º 101/2023-JPVNP SENTENÇA I. RELATÓRIO A) IDENTIFICAÇÃO DAS PARTES Demandante: [PES-1], contribuinte fiscal n.º [NIF-1], residente na [...], n.º 38, [...], [Cód. Postal-1] [...]. Mandatária: Dra. [PES-2], ilustre advogada; Demandado: [PES-3], contribuinte fiscal n.º [NIF-2], residente no [...], [Cód. Postal-2] [...]. Mandatária: Dra. [PES-4], ilustre advogada; * B) PEDIDOO Demandante propôs contra o Demandado a presente ação declarativa enquadrada na alínea a) do n.º 1 do artigo 9.º da Lei n.º 78/2001 de 13 de julho, peticionando a sua condenação a restituir ao Demandante a quantia mutuada no valor de € 464,18 (quatrocentos e sessenta e quatro euros e dezoito cêntimos), alegadamente referente ao material de construção liquidado pelo Demandante, acrescida de juros vencidos e vincendos à taxa legal desde a citação até efetivo e integral pagamento. Para tanto, alegou os factos constantes do respetivo requerimento inicial, que aqui se dão por reproduzidos, entre o mais, que o Demandado solicitou ao Demandante para lhe ir buscar material de construção à empresa do Sr. [PES-5], em [...], [...]; Que o Demandante realizou o pedido do Demandado, tendo-se deslocado por três vezes para transportar o material em questão; Que o Demandado pagou o referido material, conforme fatura-recibo C/200460, emitida em 06.07.2023, no valor de € 464,18 (quatrocentos e sessenta e quatro euros e dezoito cêntimos); Que até à presente data (data da entrada da ação), o Demandado não regularizou a situação, continuando a dever a quantia de € 464,18 (quatrocentos e sessenta e quatro euros e dezoito cêntimos), referente ao pagamento dos materiais de construção que o Demandante liquidou junto da Empresa, [ORG-1], Lda, em [...], [...], [...]. * O Demandado, regularmente citado, contestou, com os fundamentos que se dão por reproduzidos, alegando, entre o mais, que a fatura (acima referida) é falsa, “pois, na data constante da fatura, 2023/07/06, nunca tal empresa descarregou os materiais elencados na dita fatura, por o local de descarga” e que “ a dita empresa nunca enviou ao demandado qualquer fatura para ser paga, tendo o mesmo tido conhecimento desta com o presente processo”.* Quer o Demandante quer o Demandado peticionaram a condenação da parte contrária por litigância de má-fé.* Não foi possível alcançar a resolução do litígio através do serviço de mediação existente neste Julgado de Paz.* Na segunda sessão de julgamento, a Ilustre Mandatária do Demandado requereu a extração de certidão de todo o processo para efeitos criminais, para ser enviado para o Tribunal de Sátão, para se aferir da eventual falsidade de documentos e das declarações prestadas pela testemunha [PES-5] e pelo Demandante em sede processual, requerimento relativamente ao qual o Tribunal se pronunciou conforme consta da respetiva ata.* II- Estão reunidos os pressupostos da estabilidade da instância: o Julgado de Paz é competente em razão da matéria, do objeto, do território e do valor. O processo não enferma de nulidades que o invalidem na totalidade. As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias e são legítimas. Não há exceções, nem nulidades que cumpra conhecer.* III - VALOR DA AÇÃOFixa-se em € 464,18 (quatrocentos e sessenta e quatro euros e dezoito cêntimos) o valor da presente causa (artigos 296.º, 297.º n.º 2, 299.º e 306.º do Código de Processo Civil ex vi artigo 63.º da Lei 78/2001 de 13 de julho, com a redação da Lei 54/2013 de 31 de julho). * IV - OBJETO DO LITÍGIOO objeto do litígio circunscreve-se a apurar a celebração de um acordo entre as partes no que toca ao pagamento de bens/materiais pelo Demandante em nome do Demandado, do benefício do Demandado e do prejuízo do Demandante e das condições daquele acordo. * V – QUESTÕES A DECIDIR- Qualificação das relações jurídicas estabelecidas entre as partes e obrigação do Demandado restituir a quantia peticionada nos autos; e - Litigância de má-fé das partes. Assim, cumpre apreciar e decidir. * VI- FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO Com relevância para a decisão da causa, atenta a prova produzida, resultaram os seguintes: FACTOS PROVADOS 1. O Demandante é um empresário em nome individual que se dedica à atividade de calceteiro; 2. E para a sua atividade possui uma carrinha de marca [Marca-1], com a matrícula [ - - 1]; 3. A pedido do Demandado, no ano de 2022 e em data não concretamente determinada, o Demandante adquiriu a terceiro (empresa [ORG-2], Lda.), para o Demandado, sacos de cimento, areia e ferro, em quantidade não concretamente apurada; 4. A empresa [ORG-2], Lda. emitiu em nome do Demandado, a pedido do Demandante, a Fatura Recibo C/2000460, datada de 2023/07/06, no valor de € 464, 18, com a designação “[ORG-3]mm; Areia média 04; Cimento Cimpor 25kg (32,5)”, que se mostra paga; 5. O Demandante realizou um pedido do Demandado, tendo-se deslocado por três vezes para transportar material ao Demandado, tendo o Demandante pago o referido material; 6. O Demandado disse ao Demandante que depois faziam contas; 7. O Demandado não pagou ao Demandante todo os bens por este, adquiridos e pagos em nome do Demandado; 8. O Demandante continuou a contactar, pessoalmente, o Demandado para que pagasse o que lhe devia; 9. Na data constante da fatura, 2003/07/06, a empresa [ORG-1], Lda. não descarregou os materiais elencados na dita fatura no local de descarga; 10. A dita empresa não enviou ao Demandado qualquer fatura para ser paga; 11. Os dados do Demandado para que a empresa [ORG-1], Lda. emitisse a fatura em seu nome foram fornecidos, a esta empresa, pelo Demandante. FACTOS NÃO PROVADOS a) O Demandado, no início do mês de julho do ano passado, andava com obras na sua habitação que estavam a ser executadas pelo Sr. [...], Empreiteiro da Veiga, [ORG-4], [...]; b) O Demandado, contactou, telefonicamente, o Demandante para lhe ir buscar material de construção à empresa do Sr. [PES-5], em [...], [...]; c) O Demandante quis entregar a fatura-recibo ao Demandado, mas ele não a aceitou; d) O Demandado nunca possui o número de telefone do Demandante. Não resultaram provados ou não provados quaisquer outros factos, dos alegados, que importem para a decisão da causa, constituindo tudo o mais alegado pelas partes factos conclusivos, mera impugnação motivada, meras repetições dos factos relevantes e matéria de direito, ou factos irrelevantes para a causa. * A Lei 78/2001, de 13 de julho (com a redação da Lei 54/2013, de 31 de julho), prevê no artigo 60.º alínea c) que na sentença, o Juiz de Paz deve fazer constar uma sucinta fundamentação.A convicção do Tribunal fundou-se na apreciação e conjugação crítica de toda a prova produzida e analisada em sede de audiência de julgamento (documentos apresentados pelas partes e que a seguir se vão identificar, prova testemunhal, declarações das partes proferidas nos termos do n.º 1 do artigo 57.º da Lei n.º 78/2001, de 13 de julho, e depoimento de parte), considerando as regras de repartição do ónus da prova (artigos 342º e seguintes do Código Civil), as regras de experiência comum e os factos instrumentais adquiridos nos termos do disposto no artigo 5º, nº 2, alínea a) do Código de Processo Civil. Quanto às declarações das partes proferidas nos termos do n.º 1 do artigo 57.º da Lei n.º 78/2001, de 13 de julho e ao depoimento de parte do Demandado (sob juramento) foram valorados com reserva, atento o especial interesse no desfecho da causa e atendidos na medida em que se mostraram corroboradas pelos demais meios de prova produzidos, ou na medida que os factos por si alegados resultaram provados por admissão (nos termos do artigo 574.º, n.º 2, do Código de Processo Civil). No que respeita à prova documental, foram apreciados os seguintes documentos: Fatura Recibo C/2000460 (fls. 3); Informação não Certificada emitida pela Conservatória do Registo Civil Predial Comercial e [ORG-5] (fls. 85); Carta remetida pela Ilustre Mandatária do Demandado à empresa [ORG-2], Lda., com o assunto “devolução da factura/recibo C/2000460” (fls. 86 e 87 e fls. 92 a 93, com respetivo registo e AR); Pedido de Emissão de Certidão e Certidão, da Autoridade Tributária e Aduaneira (fls. 89 a 91); Carta da Empresa [ORG-1], Lda. (fls. 94 e 95); Carta remetida pela Ilustre Mandatária do Demandado à empresa [ORG-2], Lda., com o assunto “factura/recibo C/2000460”, com respetivo Registo e AR (fls. 96); Fatura de telecomunicações, da Operadora NOS (fls. 97 a 99); Fotografias de fls. 100 a 114; Carta remetida pelo representante legal da empresa [ORG-2], Lda. e respetivo registo (fls. 118 a 119); Comunicação da Direção Jurídica e Regulação da Operadora de telecomunicações NOS (fls. 120 a 121); Fatura Recibo FR GR/2000327, emitida pela empresa [ORG-2], Lda., a favor do Demandante (fls. 124). Assim: O facto dado como provado sob o número 1 foi julgado assente, atento o disposto no n.º 2 do artigo 574.º do Código de Processo Civil, porque aceite e/ ou não impugnado pela parte contrária àquela que os alegou. O facto dado como provado sob número 2 foi considerado provado pelo documento de fls. 85 dos autos (Informação não certificada, registos em vigor, respeitante ao veículo com a matrícula 67-30- BA); Para dar como provado os factos constantes dos números 4, 10 e 11, o Tribunal considerou a Fatura Recibo C/2000460, de fls. 3 dos autos, a carta da empresa [ORG-1], Lda., de fls. 94 e 95 dos autos, que refere que tal fatura está paga e que “em julho de 2023 foi-nos dado pelo Senhor [PES-1] os dados de faturação de seu cliente [PES-3], e também uma relação de material a faturar em nome do senhor [PES-3], no seguimento do que nos foi informado que esta situação seria de acordo entre ambos.” Foi ainda considerado, para prova destes factos, o depoimento da testemunha [PES-5] que, confrontado com a fatura de fls. 3, disse que foi o Demandante que lhe forneceu os dados do Demandado, que solicitou a emissão da fatura, e que tal fatura se mostra paga. Para dar como provados os factos constantes dos números 3 e 5 a 9, o Tribunal considerou as declarações das partes proferidas nos termos do n.º 1 do artigo 57.º da Lei n.º 78/2001, de 13 de julho, o depoimento de parte do Demandado (sob juramento), bem como os documentos juntos aos autos e a prova testemunhal apresentada pelas partes. Mais concretamente: O Demandado, que prestou depoimento de parte (sob juramento), assumiu que em maio e junho de 2022 estava a fazer obras na sua habitação (embora referindo que a habitação em causa é propriedade de seu pai). O Demandado, alegando que nunca telefonou ao Demandante, referiu que deixava um papel escrito à sua tia (testemunha [PES-7] – sogra do Demandante) e que esta sua tia falava com o Demandante para lhe transmitir os pedidos de materiais que o Demandado havia vertido em tal papel. O Demandado concretizou que no dia 22 de maio de 2022 escreveu um papel para esta sua tia pedir ao Demandante 20 sacos de cimento, 10 barras de ferro de 10 mm e uma “carga” de areia e que este pedido foi efetuado para no dia 24 de maio colocarem as escadas na habitação acima referida. Disse ainda que havia combinado com o Demandado que “no fim acertavam as contas”. O Demandado referiu, ainda, que no dia 23 de maio o Demandante descarregou material na referida habitação; referiu igualmente que o primeiro fornecimento de material foi para a “chapa da garagem”, que ocorreu antes do dia 27 de abril de 2022 e que correspondeu a 60 sacos de cimento e 3 “cargas” de areia. Disse ainda o Demandado que em fins de maio de 2022 encontrou o Demandante numa padaria em [...] e que este lhe disse que já tinha “feito as contas” e que eram €550,00, sem lhe entregar qualquer fatura. Afirmou que dois ou três dias depois entregou € 550,00 à sua tia, a testemunha [PES-7] (sogra do Demandante), afirmação esta que veio a ser contrariada por esta testemunha [PES-7]que disse que este apenas lhe entregou €430,00. O Demandado esclareceu que, no seu entendimento, aquele valor correspondia à totalidade de tudo o que lhe foi fornecido pelo Demandante. Mais disse o Demandado que o Demandante nunca lhe entregou a fatura e que queria ver o material que estava a faturar, e que só mais tarde o Demandante lhe disse que faltavam valores por pagar. O Demandado confirmou que o material foi entregue em três vezes. Contudo, conjugado o depoimento de parte do Demandado com as declarações prestadas nos termos do artigo 57.º da Lei n.º 78/2001, de 13 de julho, e no âmbito da tentativa de conciliação, realizada nos termos do artigo 26.º da mesma Lei, apurou o Tribunal que o Demandado admitiu que o Demandante lhe entregou material em três vezes, concretizando o Demandado que o primeiro fornecimento ocorreu antes de 27 de abril de 2022 (tendo sido fornecidos 60 sacos de cimento e 3 “cargas” de areia), que houve outro fornecimento em 23 de maio de 2022 (tendo sido entregues 20 sacos de cimento, 10 barras de ferro de 10 mm e uma “carga” de areia”), mas demonstrando não saber ao certo o valor de todos os materiais que lhe foram fornecidos. Ademais, também em sede de tentativa de conciliação e de declarações prestadas nos termos do artigo 57.º da Lei n.º 78/2001, de 13 de julho, o Demandado admitiu ainda haver valores por pagar, não sabendo, contudo, o valor exato de tudo o que lhe foi lhe foi entregue pelo Demandante. Acresce que, a afirmação do Demandado de que entregou € 550,00 à sua tia, a testemunha [PES-7] (sogra do Demandante) veio a ser contrariada por esta que disse que este apenas lhe entregou €430,00, o que também comprova que existem valores por entregar ao Demandante. O Demandado admitiu, ainda, que o Demandante, em 2023, lhe disse que aquele se encontrava em dívida para com este, o que admite a sua interpelação para pagamento. O Tribunal considerou, ainda, o depoimento da testemunha do Demandante, [PES-7], tia do Demandado e sogra do Demandante. Afirmou que acompanhou as obras porque a habitação em causa tem junto à mesma uma vacaria que é pertença desta testemunha. A testemunha referiu que o Demandado lhe entregou €430,00 para esta entregar ao Demandante e que aquele (Demandado) lhe disse que depois fazia as contas com o Demandante, dizendo-lhe “é mais, mas depois faço as contas com ele”. A testemunha também contrariou a tese do Demandado de que este lhe entregava um papel com a lista de material que pretendia que o Demandante comprasse em seu nome. A testemunha referiu, ainda, que depois da entrega dos €430,00, o Demandado ainda fez mais obras na habitação acima referida, dizendo desconhecer se depois da entrega daquele valor foram “acertadas” as contas entre o Demandante e o Demandado. A testemunha esclareceu que os € 430,00 lhe foram entregues logo no início da obra, ou seja, depois das obras da garagem e que depois do pagamento daquele valor viu o Demandante a entregar mais material. Acresce também que, o Demandado veio dizer que o primeiro fornecimento de material foi para a “chapa da garagem”, que ocorreu antes do dia 27 de abril de 2022 e que depois disso ainda teve lugar outro fornecimento em 23 de maio de 2022 (tendo sido entregues 20 sacos de cimento, 10 barras de ferro de 10 mm e uma “carga” de areia”), o que também leva o Tribunal a concluir que depois do referido pagamento de €430,00 ainda houve nova entrega de material. O Tribunal considerou, também, o depoimento da testemunha do Demandante, [PES-9], tio do Demandado e tio da mulher do Demandante. Disse ter visto o Demandante a descarregar material na obra/habitação do Demandado, nomeadamente areia (que disse ser bastante), cimento e ferro e que também lá viu o Senhor [PES-5] a descarregar material. Disse saber que o Demandado entregou à testemunha [PES-7] €430,00, porque contou o dinheiro (não viu o Demandado a entregar o dinheiro, tendo-o contado à posteriori). Disse saber que quer para a obra da garagem quer para obra da escadaria foi o Demandante que trouxe o material para o Demandado. Disse também que, depois da entrega dos €430,00, o Demandante ainda foi descarregar mais material para o Demandado. O Tribunal considerou, também, o depoimento da testemunha do Demandante, [PES-10], avô do Demandado e avô da mulher do Demandante. A testemunha disse ter visto o Demandante a entregar material na habitação acima referida e que o Senhor [PES-5] também lá entregou material. Mais considerou o Tribunal o depoimento da testemunha conjunta, [PES-5]. A testemunha confirmou que o Demandado nunca lhe telefonou a pedir material e que foi o Demandante que lhe comprou material em nome do Demandado. Confirmou que a Fatura Recibo C/2000460 foi emitida a pedido do Demandante e que foi este quem lhe forneceu os dados do Demandado, confirmando ainda, como acima já referido, que a fatura está paga. Referiu, ainda, que a data que consta na Fatura Recibo C/2000460 não é a data da entrega do material e que o material foi fornecido antes da data constante em tal fatura. Acrescentou que foi o Demandante que lhe solicitou para emitir a fatura com tal valor. Referiu, ainda, que só foi uma vez descarregar material à habitação em causa nos autos. Conjugando todos os referidos depoimentos, com a prova documental, com as declarações das partes e com o depoimento do Demandante não restam dúvidas a este Tribunal para dar como provados os factos constantes dos números 3 e 5 a 9. Os factos dados como não provados de a) a d), resultaram da falta de prova por quem a ela incumbia, atentas as regras que estabelecem a distribuição do seu ónus, ou de prova em sentido contrário. Com efeito: Não resultou provado quem era o empreiteiro que executava as obras na habitação do Demandado (alínea a); Não resultou provado como eram estabelecidos os contactos entre o Demandante e o Demandado com vista à encomenda e transporte dos materiais (alínea b), nem se o Demandado possui o contacto telefónico do Demandante (alínea d); Não resultou provado que o Demandante quis entregar a factura-recibo ao Demandado, mas ele não a aceitou (alínea d); VII – FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO Com base na matéria de facto provada, cumpre apreciar os factos e aplicar o direito. A factualidade dada como provada sob os números 3 a 8 evidencia que o Demandante, a solicitação do Demandado, adquiriu e pagou materiais de construção em nome deste, que deles beneficiou. Com efeito, embora não tenha resultado provado qual a quantidade e valor concreto de tais materiais adquiridos pelo Demandante em nome do Demandado, apurou-se, nomeadamente em sede de audição de partes realizada nos termos do n.º 1 do artigo 57.º da Lei n.º 78/2001, de 13 de julho e da tentativa de conciliação realizada nos termos do artigo 26.º da mesma Lei, que o Demandado beneficiou dos materiais que lhe foram entregues pelo Demandante, que estes materiais foram pagos à empresa [ORG-2], Lda. pelo Demandante em nome do Demandado e que este não pagou a totalidade dos bens que foram adquiridos pelo Demandante em seu nome. Com efeito, ouvida a testemunha [PES-5], a mesma declarou, em nome daquela empresa, que os materiais que foram comprados pelo Demandante para o Demandado e que se encontravam pagos pelo Demandante. Assim, verifica-se que o Demandado beneficiou de materiais (embora em quantidade e de valor não concretamente apurados) relativamente aos quais não suportou o respetivo pagamento. Nos termos do n.º 1 do artigo 473.º do Código Civil, “aquele que, sem causa justificativa, enriquecer à custa de outrem é obrigado a restituir aquilo com que injustamente se locupletou”. O enriquecimento sem causa constitui uma fonte autónoma de obrigações e assenta na ideia de que pessoa alguma deve locupletar-se à custa alheia. Conforme ensinam Pires de Lima e Antunes Varela (in “Código Civil Anotado, Vol. I, 3ª ed., págs. 427/431”), a obrigação de restituir fundada no enriquecimento sem causa ou locupletamento à coisa alheia pressupõe a verificação cumulativa dos seguintes três requisitos: a) É necessário, em primeiro lugar, que haja um enriquecimento. Este enriquecimento consiste na obtenção de uma vantagem de carácter patrimonial, seja qual for a forma que essa vantagem revista, tanto podendo traduzir-se num aumento do ativo patrimonial, como numa diminuição do passivo, como, inclusive, na poupança de despesas. b) Em segundo lugar, a obrigação de restituir pressupõe que o enriquecimento, contra o qual se reage, careça de causa justificativa (quer porque nunca a tenha tido, quer porque, tendo-a inicialmente, a haja, entretanto perdido). O enriquecimento carecerá de causa sempre que o direito não o aprove ou consente, dado não existir uma relação ou um facto que, de acordo com as regras ou os princípios do nosso sistema jurídico, justifique a deslocação patrimonial ocorrida (a favor do enriquecido e à custa do empobrecimento de alguém), isto é, que legitime o enriquecimento. c) Em terceiro lugar, a obrigação de restituir pressupõe que o enriquecimento tenha sido obtido à custa de quem requer a restituição. A correlação exigida por lei entre a situação dos dois sujeitos traduz-se, como regra, no facto de a vantagem patrimonial alcançada por um deles resultar do sacrifício económico correspondente suportado pelo outro. Ou seja, o benefício obtido pelo enriquecido deve, pois, resultar de um prejuízo ou desvantagem do empobrecido. Ora esta é, de facto, a situação dos autos, pois o pagamento por parte do Demandante dos bens de que o Demandado beneficiou resulta num enriquecimento do Demandado à custa do empobrecimento do Demandante, que procedeu ao pagamento de materiais em nome daquele. Acresce que, embora seja entendimento maioritário de que, à luz do n.º 1 do artigo 342.º do Código Civil, é sobre o autor que impende o ónus de alegação e prova dos correspondentes factos que integram cada um dos requisitos do enriquecimento sem causa, o certo é que o Demandante logrou provar: i) que o Demandado beneficiou dos materiais que lhe foram fornecidos (enriquecimento); ii) que não existe causa justificativa para o enriquecimento do Demandado; iii) que o enriquecimento se fez à custa do Demandante, que pagou os materiais em nome do Demandado e que não se viu ressarcido de tais pagamentos. Assim, a ver deste Tribunal, é patente que, no caso dos autos, ocorreu um enriquecimento do Demandado à custa de um correlativo e imediato/direto empobrecimento do Demandante. O enriquecimento do Demandado e o correspetivo empobrecimento do Demandante ocorrem no mesmo momento, e sem que entre o pagamento realizado pelo Demandante (em nome do Demandado) e a vantagem auferida pelo Demandado (beneficiar dos materiais de construção que lhe foram entregues) tenha, entretanto, sido cometido um outro qualquer ato jurídico. Deste modo, face ao exposto, é de concluir mostrarem-se preenchidos todos os requisitos ou pressupostos legais que permitem ao Demandante obter do Demandado, com base no instituto do enriquecimento sem causa, a restituição das quantias pagas em seu nome, de que ficou privado, e de que, sem causa legitima, o Demandado beneficiou. Contudo, embora tenha resultado provado que o Demandante, a pedido do Demandado, adquiriu a terceiro (empresa [ORG-2], Lda.) sacos de cimento, areia e ferro e que o Demandado não pagou ao Demandante os bens por este adquiridos em seu nome (facto dado como provado sob o número 7), não resultaram provadas quais as quantidades concretamente adquiridas e entregues ao Demandado nem, em consequência, o respetivo valor. Em face do exposto, entende-se não ser de considerar a totalidade do valor peticionado pelo Demandante, porque este não ter logrado provar a quantidade exata dos materiais que foram pagos em nome do Demandado, fixando-se, equitativamente, nos termos do artigo 566.º, n.º 3 do Código Civil, tal quantia em 50% do valor peticionado, correspondendo assim a € 232,09 (duzentos e trinta e dois euros e nove cêntimos). ** Mais peticiona o Demandante a condenação do Demandado no pagamento de juros vencidos e vincendos à taxa legal desde a citação até efetivo e integral pagamento.Faltando culposamente ao cumprimento da obrigação o devedor torna-se responsável pelo prejuízo que causa ao credor, incumbindo-lhe o ónus de provar que a falta de cumprimento não procede de culpa sua (cf. artigos 798.º e 799.º do Código Civil). Se a obrigação tiver prazo certo e a prestação não for efetuada no tempo devido, por causa imputável ao devedor, fica este constituído em mora, tornando-se responsável pela reparação dos danos causados ao credor pela demora na prestação (artigos 804.º e 805.º do Código Civil). Tendo a obrigação natureza pecuniária, e nada tendo sido estipulado em contrário, tais danos corresponderão aos juros legais, contabilizados desde o dia da constituição em mora (artigo 806.º, n.º 1 do Código Civil). Assente a existência de mora, torna-se necessário determinar o momento a partir do qual ela opera. Nos termos do n.º 3 do artigo 805.º do Código Civil, se o crédito for ilíquido, não há mora enquanto não se tornar líquido, salvo se a falta de liquidez for imputável ao devedor. Contudo, embora não se tenha apurado o valor concreto de que o Demandado beneficiou, não podemos entender que o crédito em causa configura um crédito ilíquido. Poderemos definir a obrigação ilíquida como sendo aquela cuja existência é certa, mas cujo montante ainda não está fixado ou apurado (Cfr. Antunes Varela, Das Obrigações em Geral, Vol. II, 7ª ed., pág. 115, nota 1). Ora, conforme se refere no Acórdão do Tribunal Relação de Coimbra de 10/23/2012 (Processo 2073/10.9T2AVR.C1), disponível em www.dgsi.pt, “para que se possa afirmar que o valor da obrigação não está fixado ou apurado - sendo, por isso, uma obrigação ilíquida - não basta que as partes estejam em desacordo acerca desse valor, já que aquilo que releva para esse efeito é a circunstância de as partes - ou pelo menos o devedor- desconhecerem esse valor por não disporem ainda de todos os elementos que são necessários ao seu apuramento. Com efeito, se o valor da obrigação é determinado em função de critérios, factos ou circunstâncias previamente definidos, que são do conhecimento das partes, não existirá qualquer obrigação ilíquida e a mera circunstância de as partes não estarem de acordo acerca desse valor – porque não estão de acordo quanto à verificação (ou não) dos factos (pré-existentes) que servem de base ao apuramento daquele valor – não é idónea para transformar em ilíquida uma obrigação cujo valor não depende de quaisquer outros factos (que ainda não tenham ocorrido ou não sejam do conhecimento de alguma ou de ambas as partes) ou de operações que ainda não tenham sido efetuadas. Se a indefinição do valor da obrigação apenas resultar de uma divergência ou desacordo das partes relativamente à verificação ou interpretação dos factos ou circunstâncias que, alegadamente, teriam sido previamente estabelecidos, não estamos perante uma obrigação ilíquida; tal indefinição resolver-se-á apenas através da prova (ou não) desses factos ou pressupostos pré-existentes, sem necessidade de apurar quaisquer outros factos adicionais ou de proceder a qualquer outra operação. Estaremos, de facto, perante uma obrigação ilíquida quando a indefinição do valor da obrigação resulta da circunstância de não terem ainda ocorrido ou serem desconhecidos de alguma das partes algum ou alguns dos factos que são necessários para o apuramento e conhecimento desse valor. Tendo sido demonstrado e provado nos autos que o Demandante entregou ao Demandado determinados materiais, que foram pagos por aquele e de que este beneficiou (e não pagou), mostra-se evidente que estava ao alcance do Demandado apurar o valor devido ao Demandante, pelo que não estamos perante uma obrigação ilíquida. Todavia, lançando mão do disposto no artigo 805.º, n.º 1, do Código Civil, que prescreve que o devedor só fica constituído em mora depois de ter sido judicial ou extrajudicialmente interpelado para cumprir (e inexistindo nos autos prova concreta da data de interpelação extrajudicial para cumprir), entendemos ser de atender ao pedido do Demandante de condenação do Demandado ao pagamento de juros de mora desde a data da citação até efetivo e integral pagamento. Assim, sobre a quantia em dívida acima fixada € 232,09 (duzentos e trinta e dois euros e nove cêntimos), são devidos juros de mora, à taxa legal e contados desde a data de citação do Demandado (14/12/2023) até efetivo e integral pagamento. ** Por fim, cada uma das partes pediu a condenação da outra parte como litigante de má fé.Cumpre apreciar. É litigante de má fé aquele que atenta, com dolo ou com negligência grave, contra o princípio da boa fé processual (cfr. artigo 542.º do Código de Processo Civil). Desde a reforma de 95/96 o legislador passou também a sancionar a litigância temerária, isto é, a atuação daquele que viola com culpa grave ou erro grosseiro o dever de pautar a sua conduta processual em conformidade com os ditames da boa fé (Cfr. [PES-11], Código de Processo Civil, Vol. 2.º, pps. 194 e195 e [PES-12], Litigância de Má Fé, Abuso do Direito de Acção e Culpa "in Agendo", Almedina, 2006, p. 23). Tal forma de sanção processual mantém-se no novo Código de Processo Civil, concretamente nos seus artigos 542.º a 545.º Da análise da conduta processual de cada uma das partes em juízo e apesar da falta de prova de parte dos factos alegados e da procedência parcial da causa, julga-se poder apenas afirmar não assistir razão ao Demandado mas não já uma frontal e deliberada atitude de má fé processual: isto é, sendo certo que as partes apresentam diferentes versões, não resultou provado o contrário do alegado por qualquer das partes, no que de essencial releva para a boa decisão da causa, o que seria determinante para concluir pela violação do princípio da boa fé processual. Desta forma, não se vê fundamento para apontar a qualquer das partes a necessária censura subjacente à condenação como litigante de má fé, razão pela qual se conclui pela absolvição do Demandante e do Demandado dos pedidos contra cada um, formulados. * VIII- DISPOSITIVONos termos e com os fundamentos invocados, julgo a presente ação parcialmente procedente, e em consequência decido: 1. Condenar o Demandado a restituir ao Demandante a quantia de € 232,09 (duzentos e trinta e dois euros e nove cêntimos), referente ao material de construção pago pelo Demandante, acrescida de juros de mora, à taxa legal e contados desde a data de citação do Demandado (14/12/2023) até efetivo e integral pagamento. 2. Absolver o Demandante e o Demandado dos pedidos de condenação como litigantes de má fé contra cada um, formulados. 3. Absolver o Demandado do demais peticionado. * IX– RESPONSABILIDADE POR CUSTAS:As custas serão suportadas pelo Demandante e pelo Demandado, na proporção do seu decaimento, que se fixa em 50% para cada uma das partes, sendo que o Demandante deverá pagar € 35,00 (trinta e cinco euros) e o Demandado também a quantia de € 35,00 (trinta e cinco), no prazo de 3 (três) dias úteis imediatamente subsequentes ao do conhecimento da presente decisão, sob pena de aplicação e liquidação de uma sobretaxa de € 10,00 (dez euros) por cada dia de atraso no cumprimento dessa obrigação, não podendo o montante global da sobretaxa exceder o valor de € 140,00 (cento e quarenta euros), conforme artigo 527º, nºs 1 e 2 e 607.º, n.º 6, ambos do Código de Processo Civil, aplicável por força do artigo 63º da Lei nº 78/2001, de 13 de julho, alterada pela Lei nº 54/2013, de 31 de julho e dos artigos 1º, 2º, nº 1, alínea b) e nº 3 e 3º, nº 4 da Portaria nº 342/2019, de 01 de outubro. * Advertem-se as partes que a falta de pagamento das custas da sua responsabilidade, através do documento único de cobrança (DUC) emitido pelo Julgado de Paz e no referido prazo, terá como consequência a submissão de certidão de dívida de custas para efeitos de execução fiscal junto da Administração Tributária, após o trânsito em julgado da presente decisão (artigo 35º, nºs 1 e 2 do Regulamento das Custas Processuais).* Registe e notifique.A presente sentença compõe-se de dezoito páginas, com os respetivos versos em branco, e foi elaborada (por meios informáticos) e revista pela signatária. Julgado de Paz de Vila Nova de Paiva, 17 de maio de 2024 A juíza de paz, (Janete Rodrigues Fernandes) |