Sentença de Julgado de Paz
Processo: 14/2006-JP
Relator: FILOMENA MATOS
Descritores: INDEMNIZAÇÃO CÍVEL POR DANO SIMPLES
Data da sentença: 08/23/2006
Julgado de Paz de : VILA NOVA DE POIARES
Decisão Texto Integral: SENTENÇA
(arts. 26.º, n.º 1 e 57.º da Lei n.º 78/2001, de 13-07 – LJP)

Processo n.º 14/2006

1. -RELATÓRIO
Identificação das partes

Demandantes:
- AA e BB, casados, residentes em Vila Nova de Poiares.
Demandado:
-CC, viúvo, residente em Vila Nova de Poiares

Objecto da acção
Indemnização por dano simples (art. 9.º, n.º 2, alínea f) da Lei n.º 78/2001, de 13 de Julho - LJP).

Valor: € 1.935,00 (mil e novecentos euros e trinta e cinco cêntimos).

Requerimento inicial
Os demandantes alegaram em síntese, SEREM donos e legítimos proprietários de um prédio urbano, inscrito na matriz de Vila Nova de Poiares, freguesia de Poiares Sto. André, sob o n.º XX, omisso na Conservatória do Registo Predial, e que tal prédio adveio à sua posse por escritura publica de doação, outorgada em 1999.
O prédio dos demandantes e demandado confinam entre si, sendo separados por uma parede meeira com 30 centímetros de espessura, numa linha divisória de norte a sul.
O demandado por diversas vezes, provocou danos quer numa parede dos demandantes, quer na parede meeira.
Assim no dia 01/06/2006, andou em cima do telhado do prédio dos demandantes a destruir a parede daquele, colocando um arame de norte a sul com vista a alinhar as empenas.
Em 11/07/2006, o demandado voltou a subir, sem qualquer autorização, ao telhado do prédio dos demandantes e destelhou parte do telhado numa distância desviada 3 metros da parede, descravando as telhas que estavam arrematadas à parede.
Os demandantes viram desta forma a sua propriedade invadida, e
sujeita a vários estragos por parte do demandado.
Provocando não só danos materiais, mas também morais e psicológicos, uma vez que os demandantes ficaram deveras perturbados e irritados com esta invasão da propriedade, pelo que reclamam a quantia de 1500,00€ (mil e quinhentos euros), nomeadamente, pelo transtorno causado proveniente das invasões de propriedade.
O demandado já foi, por diversas vezes, advertido de se inibir dos comportamentos tidos até à data, no entanto continua a perturbar e invadir a propriedade, repetindo-o mais uma vez no dia 12/07/2006.
Os demandantes solicitaram um orçamento, com vista à reposição de todos os prejuízos causados pelo demandado estimado em € 435.32 (quatrocentos e trinta e cinco euros e trinta e dois cêntimos) mais IVA.

Pedindo a procedência da acção, e a condenação do demandado, a chumbar as telhas descravadas, na parede a telhar a parte descoberta do telhado, cerca de 3 metros; a reparar a parede destruída, que está edificada ao lado da parede meeira, na propriedade dos demandantes e a pagar uma indemnização por danos morais no valor de €1500,00€ (mil e quinhentos euros); bem como a pagar as custas do processo.

Documentos APRESENTADOS:
Os Demandantes juntaram 12 documentos.

Tramitação e Saneamento:
O demandado foi regularmente citado e contestou.

CONTESTAÇÃO:
Para tanto, alegou ser dono e legítimo possuidor do prédio urbano, inscrito na matriz sob o artigo YY da freguesia de Arrifana, prédio este, que confina a nascente com o prédio dos Demandantes, manifestando interesse na resolução consensual do pedido principal em questão, visto o aqui demandado reconhecer que não deveria ter destelhado uma parte da cobertura do prédio dos demandantes, assumindo a responsabilidade pela reparação integral do telhado e da parede danificada, porquanto o orçamento apresentado (€435,32 + IVA) revela-se manifestamente excessivo. Contestando expressamente os alegados danos peticionados, pelo que se deixa aqui, impugnado o ponto 12.º da petição, pela sua manifesta tentativa, de enriquecimento sem causa.
Concluiu assumindo a responsabilidade pelos danos causados, e pedindo a improcedência do pedido de indemnização efectuado, bem como o valor do orçamento apresentado.
Juntou um documento.
Foi marcada uma sessão de Pré-Mediação, seguida de mediação na qual estiveram presentes as partes, sem que tenham chegado a acordo.
No dia e hora agendados, procedeu-se a audiência de julgamento com observância das formalidades legais, e no qual as partes transigiram relativamente à primeira parte do pedido, comprometendo-se o demandado no prazo de trinta dias a reparar todos os prejuízos por si causados na propriedade dos demandantes, conforme da acta que antecede se alcança.
Quanto á indemnização requerida pelos danos morais, não tendo as partes alcançado um acordo, é sobre esta que nos iremos pronunciar.
O Julgado de Paz de Vila Nova de Poiares é competente para julgar a presente causa (cfr. art. 9.º, n.º 2, f) e art. 11.º, n.º 1, ambos da LJP).
O processo encontra-se isento de nulidades que o invalidem na totalidade.
As partes são dotadas de personalidade e capacidade judiciárias e são legítimas.
Não se verificam excepções dilatórias e peremptórias, nulidades ou incidentes processuais que impeçam o conhecimento do mérito da causa.

2. FUNDAMENTAÇÃO

2.1. OS FACTOS

2.1.1.Factos Provados:
Com base e fundamento nos autos, julgam-se provados os seguintes factos, com interesse para o exame e decisão da causa: 1- Os demandantes são donos e legítimos proprietários de um prédio urbano, inscrito na matriz de Vila Nova de Poiares, freguesia de Poiares Sto. André, sob o n.º XX, omisso na Conservatória do Registo Predial.
2- Tal prédio adveio à sua posse por escritura pública de doação, outorgada em 1999.
3- O demandado por sua vez é dono e legítimo possuidor do prédio urbano, inscrito na matriz sob o artigo YY da freguesia de Arrifana.
4- O prédio dos demandantes e demandado confinam entre si, sendo separados por uma parede meeira com 30 centímetros de espessura, numa linha divisória de norte a sul.
5- O demandado por três vezes, provocou danos quer numa parede dos demandantes, quer na parede meeira.
6- Assim no dia 01/06/2006, andou em cima do telhado do prédio dos demandantes a destruir a parede daquele, colocando um arame de norte a sul com vista a alinhar as empenas.
7- Em 11/07/2006, o demandado voltou a subir, sem qualquer autorização, ao telhado do prédio dos demandantes e destelhou parte do telhado numa distância desviada 3 metros da parede, descravando as telhas que estavam arrematadas à parede.
8- O demandado foi, por diversas vezes, advertido de se inibir dos comportamentos tidos até à data, repetindo-o mais uma vez no dia 12/07/2006.
9- Os demandantes viram desta forma a sua propriedade invadida,
e sujeita a vários estragos por parte do demandado, e ficaram perturbados e irritados.

Fundamentação:
Para a convicção formada conducente aos factos julgados provados concorreram as declarações dos demandantes e os documentos juntos, e os factos admitidos por acordo pelo demandado na sua contestação, bem como o documento que juntou.

2.1.2.Factos não provados: não se provaram outros factos, por ausência de prova.

2.2.O DIREITO
Dispõe o art. 129.º do Cód. Penal, que a indemnização de perdas e danos emergentes de um crime é regulada pela lei civil. O pedido de indemnização civil, ainda que enxertado na acção penal, goza de autonomia em relação a esta e tem natureza de verdadeira acção civil.
Os presentes autos, consubstanciam, não uma queixa-crime, mas um pedido cível fundado na prática de um crime – in casu, o de dano previsto e punido pelo artº 212º do Código Penal, e por ter sido apresentado neste Julgado de Paz, regula-se pela lei civil, recorrendo concretamente ao disposto nos artigos 483.º e ss. do CC, para deste modo aferir da responsabilidade civil do Demandado.
Ora nos termos do art. 483.º-1 do C. Civil, são pressupostos (cumulativos) da responsabilidade civil aquiliana ou por factos ilícitos: (1) a existência de um facto voluntário, (2) a ilicitude da conduta, (3) a imputação subjectiva do facto ao agente e (4) a existência de um dano, (5) o nexo de causalidade entre o facto e o dano.
Na responsabilidade por factos ilícitos, vamos somente apreciar o pedido de indemnização por danos morais, intimamente ligados e consequência dos danos patrimoniais praticados pelo demandado, e por ele assumidos por acordo através de transacção.
A ressarcibilidade dos danos não patrimoniais está prevista no artigo 496º do Código Civil:
“1 – Na fixação da indemnização deve atender-se aos danos não patrimoniais que, pela sua gravidade, mereçam a tutela do direito.

3– O montante da indemnização será fixado equitativamente pelo tribunal, tendo em atenção, em qualquer caso, as circunstâncias referidas no artigo 494º Este preceito dispõe que “quando a responsabilidade se fundar na mera culpa, poderá a indemnização ser fixada, equitativamente, em montante inferior ao que corresponderia aos danos causados, desde que o grau de culpabilidade do agente, a situação económica deste e do lesado e as demais circunstâncias do caso o justifiquem”;…
A maioria da nossa jurisprudência tem-se pronunciado no sentido de que este preceito, deve ser interpretado por forma a que os simples incómodos ou contrariedades não justifiquem a indemnização por danos não patrimoniais.
Como é sabido a indemnização pelos danos não patrimoniais não visa reconstituir a situação que existiria se não ocorresse o evento danoso, mas sim compensar o lesado, tendo também uma função sancionatória.
Na indemnização de tais danos apenas serão de considerar aqueles que pela sua gravidade mereçam a tutela do direito, sendo essa gravidade medida por um padrão objectivo e não por factores subjectivos (cfr. artº 496, nº 1, do CC).
Caberá pois ao Tribunal, em cada caso concreto, dizer se o dano é ou não merecedor de tutela jurídica.
Quanto ao cálculo do montante da indemnização por danos não patrimoniais, é sempre feito com base em critérios de equidade, atendendo ao grau de culpabilidade do responsável, à sua situação económica e à do lesado, deve ser proporcional à gravidade do dano, tomando em conta na sua fixação todas as regras da justa medida das coisas e de criteriosa ponderação das realidades da vida (vidé, Profs. Pires Lima e Antunes Varela in «Código Civil Anotado, Vol. I, 4ª ed., pág. 501»).
Como escreveu Vaz Serra (BMJ 38º, p. 83) “a satisfação ou compensação dos danos morais não é uma verdadeira indemnização, no sentido de um equivalente do dano, isto é, de um valor que reponha as coisas no seu estado anterior à lesão. Trata-se de dar ao lesado uma satisfação ou compensação do dano sofrido, uma vez que esta, sendo ofensa moral, não é susceptível de equivalente”.
Não visando a indemnização o enriquecimento do lesado à custa do autor do facto ilícito nem a restauração natural da situação anterior à lesão, impossível, pela natureza das coisas, mas apenas proporcionar uma compensação pelo sofrimento causado, ou proporcionar uma quantia susceptível, de alguma forma de proporcionar um “quantum de prazer” que neutralize, quanto possível, o sofrimento causado.
Vejamos no caso em apreço, se temos factos e danos a considerar para o efeito, levando assim à condenação do demandado.
É certo que os demandantes, apesar de sumariamente alegarem prejuízos resultantes da invasão e destruição da sua propriedade, causadores de danos morais, não os consubstanciaram em factos concretos e específicos que permitam ao tribunal proceder à sua avaliação.
Mas mais do que isso, ainda que os tivessem alegado, não apresentaram qualquer testemunha ou documento, que pudessem servir de suporte à sua pretensão.
Aliás, em julgamento, instados a concretizarem tais prejuízos, referiram unicamente o abuso do demandado na invasão do seu prédio e os aborrecimentos que tiveram, sem precisarem quais.
Pelo exposto e sem necessidade de mais considerações, e porque não dispomos de base factual e prova, que era um ónus dos demandantes, teremos que absolver o demandado do pedido formulado por aqueles.
Sendo certo, que o demandado num gesto de arrependimento, além de pedir desculpa aos demandantes, propôs-se pagar um valor pelos incómodos causados, que não foi por estes aceite.

3. Decisão
Face ao que antecede e às disposições legais aplicáveis, julgo a presente acção parcialmente improcedente por não provada e, em consequência absolvo o demandado do pedido de indemnização por danos morais contra si formulado.

Custas a cargo da demandante, (no valor de 35,00 euros, a pagar no prazo de três dias úteis, a contar da presente data, sob pena do pagamento de uma sobretaxa de 10,00 euros, por cada dia de atraso) como parte vencida, com o respectivo reembolso aos demandados, em conformidade com os Art.8º e 10º da portaria nº1456/2001 de 28 de Dezembro, o n.º 10 com a redacção dada pelo art. único da Port. n.º 209/2005, de 24-02).
Esta sentença foi ditada na presença de todos os presentes, considerando-se dela pessoalmente notificados.
Notifique o demandado ausente.

Vila nova de Poiares, 23 de Agosto de 2006
A Juíza de Paz,
(Filomena Matos)
Processado por meios informáticos e
revisto pela signatária. Verso em branco.
(Art. 138.º, n.º 5 do CPC)