Sentença de Julgado de Paz
Processo: 680/2013-JP
Relator: SANDRA MARQUES
Descritores: RESPONSABILIDADE CIVIL E INCUMPRIMENTO CONTRATUAL
Data da sentença: 12/23/2013
Julgado de Paz de : SEIXAL
Decisão Texto Integral:
SENTENÇA
(n.º 1, do artigo 26.º, da Lei n.º 78/2001, de 13 de Julho,
na redação que lhe foi dada pela Lei N.º 54/2013, de 31 de Julho,
doravante designada abreviadamente LJP)

Processo n.º x
I- IDENTIFICAÇÃO DAS PARTES E OBJECTO DO LITÍGIO
Matéria: Responsabilidade civil e incumprimento contratual, enquadrada nas alíneas h) e i), ambas do n.º 1, do artigo 9.º, da LJP.
Objeto do litígio: reparação defeituosa de veículo automóvel.
Demandante: A, representado por B
Demandada: C, representada pelos seus sócios-gerentes, D e E.
Valor da ação: €2983,81 (dois mil novecentos e oitenta e três euros e oitenta e um cêntimos).
Relatório:
A presente ação vem proposta por A, aqui Demandante, contra C, ora Demandada, e tem por objeto questão que diz respeito a responsabilidade civil e incumprimento contratual, enquadrando-se, quanto à matéria, nas alíneas h) e i), ambas do nº 1, do artigo 9.º da LJP.
Alega, em resumo, o Demandante, que no início de Janeiro de 2013, por denotar problemas com o seu veículo automóvel, se dirigiu à oficina da Demandada, a qual, após análise prévia, indicou ao Demandante que a reparação seria avultada, de cerca de €3000 (três mil euros), pois envolveria a troca de várias peças, e indicando que a reparação levaria cerca de uma semana. Acrescenta que só ao fim de um mês a viatura lhe foi entregue, mas que, após as primeiras utilizações, detetou de imediato que a viatura ainda se encontrava com alguns problemas, ao nível de peças que teriam sido substituídas, bem como com barulhos que não fazia anteriormente, pelo que solicitou livro de reclamações na Demandada, tendo-lhe sido dito que só após resposta da F a viatura seria concertada. Mais diz que, após a resposta da F a indicar que não seria o organismo competente, a viatura regressou à Demandada, para nova reparação, dos injetores e bomba injetora, enviados para a marca, G, novamente com indicação de uma semana para reparação, a qual retornou a demorar cerca de um mês. Alega ainda que, quando levantou a viatura, verificou que as luzes direitas do carro estavam avariadas, bem como o alternador, estando ainda um injetor a verter gasóleo, tendo-se o gerente da Demandada responsabilizado para nova assistência na marca, sendo que, após uma semana, foi negada a entrega da viatura ao Demandante, ficando este a saber que as peças que foram para a marca com a finalidade de serem substituídas não o foram, mas sim reconstruídas, quando pagou uma bomba nova.
Pede o Demandante a condenação da Demandada a proceder ao arranjo integral do seu veículo automóvel desde as primeiras deficiências detetadas em Janeiro bem como as produzidas após a permanência da mesma na oficina, no prazo de 2 semanas a contar do proferimento da sentença, bem como a, durante o período de duração da reparação, dar a Demandada ao Demandante um veículo de cortesia; ou, caso esta se recuse a efetuar a reparação ou não o faça no prazo requerido, ser a Demandada condenada a suportar os custos da reparação da viatura noutra oficina, bem como no pagamento das despesas inerentes ao carro de substituição necessário durante o período em que incorrer a reparação.
Regularmente citada (cfr. fls. 21), a Demandada apresentou contestação, confessando ter sido contactada em Janeiro de 2013 para efetuar uma reparação na viatura do Demandante, mas sem ter efetuado referência a preços, indicação de avarias ou previsão de datas de entrega, sem primeiro averiguar as suas origens e disponibilidade dos fornecedores, tendo sido, após análise, comunicado ao proprietário o tipo de intervenção, as peças necessárias e custos prováveis, bem como ainda sido dada a possibilidade ao Demandante de, se tivesse quem lhe fornecesse peças mais baratas, as trazer para colocação, o que foi feito pelo Demandante, quanto ao turbo. Acrescenta que os atrasos que se possam ter verificado foram originados pelo atraso do Demandante no pagamento dos valores pedidos para encomendar as peças, pois atualmente nada se encomenda sem pagamentos parciais, tendo-lhe sido concedida mera viatura de cortesia. Mais disse que o arranjo foi efetuado com os termos aceites pelo Demandante, sendo tudo aceite e pago por este. Alega que o primeiro arranjo foi efetuado e substituídas as peças essenciais, e que, após o mesmo, o Demandante voltou à oficina, mas com outros problemas, os quais nada tinham a ver com o primeiro, como se comprova pelas faturas juntas ao processo, sendo realizada segunda intervenção no veículo, e não uma correção do primeiro arranjo, facto que o Demandante confessa, ao alegar que foi efetuada nova reparação. Mais diz que o Demandante pagou o arranjo, sem mais, em 28 de Fevereiro de 2013. Acrescenta que, passado bastante tempo, o Demandante retornou à oficina, reclamando alguns problemas na bomba injetora, os quais, por estarem na garantia, foi enviada à G, e resolvida a situação. Mais disse que já em Outubro de 2013 o Demandante reclamou de luzes fundidas e alternador, sendo que estes últimos nada tinham a ver com os arranjos anteriores, sendo do normal desgaste da viatura, pelo que já não foi realizado este terceiro arranjo. Alega que o Demandante pretende sempre mais qualquer coisa arranjada, sem razão, não assumindo o desgaste de uma viatura com quase 200.000km e quase 12 anos, sendo que todos os arranjos foram executados conforme combinado, não tendo sido negado ao Demandante qualquer correção inerente ao que foi faturado e aceite, bem como as respetivas garantias, mas mais que isso não, por constituir abuso de direito. Termina, alegando que sabe agora que nestes intervalos de tempo o carro foi intervencionado noutras oficinas, onde foram quebrados os selos de garantia, pondo termo às garantias que pudessem existir.
O Demandante aceitou a utilização do serviço de mediação, pelo que foi a referida sessão agendada para 12 de Novembro de 2013, à qual a Demandada faltou (cfr. fls. 31), sem justificação.
Nesse mesmo dia 12 de Novembro de 2013, o Demandante informou que se iria ausentar para o estrangeiro por motivos laborais, requerendo a sua representação por B.
Foi agendada realização da audiência de julgamento para o dia 27 de Novembro de 2013, bem como notificado o Demandante para juntar documentação comprovativa da ausência alegada, o que este fez, juntando procuração notarial em 18 de Novembro de 2013, e documento comprovativo da sua ausência em 20 de Novembro de 2013.
Em 27 de Novembro de 2013, à audiência de julgamento compareceram a procuradora do Demandante e o representante da Demandada, tendo sido realizada tentativa de conciliação, a qual se revelou impossível. Após, foi produzida prova documental e iniciada a produção de prova testemunhal, tendo sido, face ao adiantado da hora, agendado o dia 4 de Dezembro de 2013 para continuação da audiência, posteriormente adiado para o dia 19 de Dezembro de 2013, por indisponibilidade devido a doença da Juíza de Paz para a primeira data designada, e indisponibilidade da testemunha do Demandante para o período da tarde.
Em 19 de Dezembro de 2013, realizou-se a continuação da audiência, com conclusão da prova testemunhal, tendo sido agendada a presente em virtude de ter sido requerido e concedido prazo até esta data para as partes, querendo, se pronunciarem sobre documentos juntos aos autos em 19 de Dezembro por uma das testemunhas. Nesta data, novamente à audiência compareceram a procuradora do Demandante e o representante da Demandada, tendo sido efetuada pronúncia sobre a documentação, e apresentadas breves alegações finais, após o que foi suspensa a audiência por cerca de quatro horas, para redação da presente, posteriormente retomada, na presença dos representantes das partes, tendo sido proferida a presente sentença – cfr. ata de fls. anteriores.
II- COMPETÊNCIA DO JULGADO DE PAZ
Verifica-se a competência em razão do valor do Julgado de Paz para apreciar a presente ação tendo em conta que o respectivo valor fixado pelas partes é inferior a €15000 (quinze mil euros); que está em discussão matéria atinente a responsabilidade civil e incumprimento contratual e, bem assim, como supra exposto, que se trata de facto ilícito praticado no concelho do Seixal e de contrato que deveria ser cumprido no mesmo concelho, concelho este que corresponde à área de jurisdição territorial do Julgado de Paz (artigos 7º, 8º, 9º,nº1 alíneas h) e i), e artigo 12º, nºs 1 e 2, todos da LJP).
É questão a decidir nos presentes autos: se há ou não lugar à reparação da viatura do Demandante pela Demandada.
III – FUNDAMENTAÇÃO
Ponderada a prova consubstanciada nos documentos juntos, nas declarações das partes, bem como a prova testemunhal produzida, há que considerar provada a seguinte factualidade com interesse para a decisão da causa:

1 – Em data não concretamente determinada, mas no mês de Janeiro de 2013, o Demandante dirigiu-se à oficina da Demandada sita no concelho do Seixal,
2 – solicitando que esta efetuasse reparações no seu automóvel, Marca x, matrícula TG;
3 - Após análise da viatura pela Demandada, foi indicado por esta ao Demandante que tinha alguns danos, pelo que a reparação seria avultada, envolvendo a troca de várias peças,
4 – sendo-lhe dada a possibilidade pela Demandada de, se o Demandante tivesse quem lhe fornecesse peças mais baratas, as trazer, procedendo a Demandada apenas à sua montagem;
5 - Foi acordado entre Demandante e a Demandada, ser efetuada pela Demandada a substituição das seguintes peças e equipamentos na viatura do Demandante:
6 – quatro injetores;
7 – óleo 5W40 e filtro óleo;
8 – Ecolub;
9 – filtro gasóleo;
10 – filtro ar;
11 – junta coletor admissão;
12 – junta colector escape;
13 – junta tubo;
14 – junta radiador EGR;
15 – tubo metálico retorno turbo;
16 – tubo flexível retorno turbo;
17 – tubo bomba vácuo;
18 – rolamento tensor distribuição;
19 – bateiria 80AH;
20 – Ecolub;
21 – Bem como, ainda, de turbo fornecido pelo Demandante;
22 – Tudo montado pela Demandada;
23 – Pela substituição das peças com exceção do turbo, e mão-de-obra de toda a reparação, a Demandada solicitou ao Demandante em 31 de Janeiro de 2013 o pagamento do montante de €2081,57 (dois mil e oitenta e um euros e cinquenta e sete cêntimos);
24 – Que o Demandante liquidou nessa mesma data;
25 – Em data não concretamente determinada, mas entre 31 de Janeiro de 2013 e 28 de Fevereiro de 2013, o Demandante detetou que a viatura ainda se encontrava com alguns problemas,
26 – pelo que se deslocou novamente ao estabelecimento da Demandada,
27 – tendo sido acordada entre as partes nova reparação na viatura de:
28 – bomba injectora;
29 – apoio motor LD dist.;
30 – Todas as peças adquiridas e montadas pela Demandada;
31 - Pela substituição das peças e mão-de-obra de tal reparação, a Demandada solicitou ao Demandante em 28 de Fevereiro de 2013 o pagamento do montante de €902,24 (novecentos e dois euros e vinte e quatro cêntimos);
32 – Que o Demandante liquidou nessa mesma data;
33 – Após essa reparação, em data não concretamente determinada, mas entre 28 de Fevereiro de 2013 e 30 de Setembro de 2013, o Demandante retornou à oficina da Demandada,
34 – tendo sido pela Demandada enviada para a G, fornecedora da bomba injectora, a referida bomba para averiguação e reparação, ao abrigo da garantia;
35 – A qual foi realizada em 30 de Setembro de 2013 diretamente pela G,
36 – com um custo total de peças de €469,10 (quatrocentos e sessenta e nove euros e dez cêntimos),
37 – mas com valor a liquidar apenas de €26,38 (vinte e seis euros e trinta e oito cêntimos),
38 – os quais foram suportados pela Demandada;
39 – Após o Demandante levantar a sua viatura, em data não concretamente determinada, mas entre 30 de Setembro de 2013 e 10 de Outubro de 2013, este verificou que as luzes direitas do carro, ou seja, máximos e travão, estavam avariadas,
40 – pelo que retornou à oficina da Demandada;
41 – Aquando da observação do eletricista da Demandada da viatura, este concluiu que o problema era no alternador,
42 – tendo o Demandante recusado pagar mais qualquer reparação;
43 – Em data não concretamente determinada, mas no ano de 2013, o Demandante mandou proceder numa outra oficina à reparação do kit de embraiagem.
Para a matéria dada como provada e não provada, atendendo ao princípio da livre apreciação das provas que vigora no nosso direito, consagrado no artigo 607.º do Código de Processo Civil atual, foram relevantes as declarações das partes corroboradas pelos documentos juntos ao processo, de acordo com as regras do ónus da prova.
Relativamente à prova testemunhal, cada uma das partes apresentou uma testemunha.
O Demandante apresentou como testemunha H, a qual, apesar de aos costumes ter declarado já se encontrar atualmente separada do Demandante, prestou o seu testemunho no plural, com palavras como “encomendámos”, “fizemos”, “pagámos”, “levantámos a viatura”, sendo sobretudo relevante o seu tom de intensa animosidade para com a Demandada, o que suscitou a dúvida sobre a imparcialidade do seu testemunho, situação que se agravou ao constatar que a testemunha trazia consigo fotocópia do requerimento inicial e da contestação apresentadas nos autos, bem como um resumo dos factos idêntico ao que o Demandante entregou à sua procuradora, indicando que os mesmos lhe foram entregues “para se orientar no presente processo”. Ora, tal coloca em causa o testemunho prestado, não sendo possível ao Tribunal destrinçar do depoimento o que eram factos do conhecimento da testemunha, e quais aqueles que resultaram da sua leitura dos articulados e apontamentos, pelo que o seu testemunho não se revelou isento nem credível, e não foi tido em consideração na prova produzida.
Quanto à testemunha apresentada pela Demandada, I, funcionário da Demandada, e apesar dessa qualidade, prestou testemunho de forma clara e convicta, tendo sido quem tratou do objeto dos autos com o Demandante, criando no Tribunal a convicção que falava verdade, quer quanto ao que foi contratado entre as partes, quer quanto ao objeto das reparações.
Apreciação de facto e de direito:
Assim, revelam os factos alinhados que, em data não concretamente determinada, mas entre 1 e 31 de Janeiro de 2013, e depois entre 31 de Janeiro de 2013 e 28 de Fevereiro de 2013, entre Demandante e Demandada foram celebrados dois contratos de prestação de serviços de reparação automóvel.
A liberdade contratual é o apanágio do direito das obrigações, podendo assim as partes dentro dos limites da Lei, fixar livremente o conteúdo dos contrato, celebrar contratos diferentes dos previstos, e ainda reunir no mesmo contrato regras de dois ou mais negócios, total ou parcialmente regulados na Lei - conforme artigo 405.º do Código Civil.

O contrato de prestação de serviços encontra-se previsto no artigo 1154.º do Código Civil, definido como, “aquele em que uma das partes se obriga a proporcionar à outra certo resultado do seu trabalho intelectual ou manual, com ou sem retribuição”. O artigo 1155.º especifica as modalidades do contrato de prestação de serviços, sendo que, dentro destes, dos factos dados como provados, retira-se que entre Demandante e Demandada foi celebrado uma das modalidades do contrato de prestação de serviços, concretamente, um contrato de empreitada, pois dispõe o artigo 1207.º do Código Civil que ”empreitada é o contrato pelo qual uma das partes se obriga em relação à outra a realizar certa obra, mediante um preço”. A doutrina e a jurisprudência têm entendido esta referência a “obra” num sentido extenso, de produção ou realização de algo através do trabalho do empreiteiro.
No contrato de empreitada em apreço, as partes celebraram entre si um acordo no qual a Demandada (empreiteira) se obrigou a realizar uma obra (reparação e viatura automóvel), mediante o pagamento pelo Demandante (dono da obra) do preço ajustado.
Da relação jurídica emergente de uma empreitada, derivam obrigações recíprocas e interdependentes: a obrigação de realizar uma obra tem, como contrapartida, o dever de pagar o preço. Temos assim que, do lado do empreiteiro, a principal obrigação é a de obter um certo resultado material (conforme artigo 1207.º citado), que se traduz na execução da obra nas condições convencionadas, e sem vícios que excluam ou reduzam o valor dela, ou a sua aptidão para o uso ordinário ou previsto no contrato (conforme artigo 1208.º do mesmo Código). Enquanto do lado do dono da obra, e em contrapartida, impende o dever principal de, caso aceite a obra, pagar o preço ajustado o que, na ausência de convenção ou uso em contrário, deve ser efetuado no ato daquela aceitação (conforme artigo 1211.º, n.º 2 do Código Civil).
A esta questão aplica-se, quanto à sua substância, forma e efeitos, além do Código Civil supra citado, a Lei N.º 24/96 de 31 de Julho, adiante designada por Lei de Defesa dos Consumidores, e o Decreto-Lei N.º 67/2003 de 8 de Abril, ambos alterados pelo Decreto-Lei N.º 84/2008 de 21 de Maio, que estabelece o regime legal aplicável à defesa dos consumidores, por força da disposição constante no artigo 1.º-A, n.º 2 do Decreto-Lei N.º 67/2003 de 8 de Abril, o qual estipula ser o regime nele constante aplicável, com as necessárias adaptações, aos contratos de prestação de serviços.

Ora, os bens e serviços destinados ao consumo devem ser aptos a satisfazer os fins a que se destinam e a produzir os efeitos que se lhes atribuem, segundo as normas legalmente estabelecidas ou, na falta delas, de modo adequado às legítimas expectativas do consumidor (conforme o atual artigo 4.º da Lei de Defesa do Consumidor).
Por seu turno, o vendedor ou prestador de serviços tem o dever de prestar ao consumidor serviços que estejam conformes com o contrato de prestação de serviços, presumindo-se que o não estão, designadamente, se não forem conformes com a descrição deles feita pelo prestador, se não forem adequados às utilizações habitualmente dadas aos bens do mesmo tipo, ou se não apresentarem as qualidades e o desempenho habituais nos bens do mesmo tipo e que o consumidor pode razoavelmente esperar, atendendo à sua natureza (nos termos do artigo 2.º, n.ºs 1 e 2, alíneas a), c) e d) do Decreto-Lei N.º 67/2003).
Em consequência, o prestador de serviços responde perante o consumidor por qualquer falta de conformidade que exista no momento em que entrega o bem a este, presumindo-se, em princípio, existentes já nessa data as faltas de conformidade que se manifestem no prazo de garantia (conforme artigo 3.º do Decreto Lei citado).
A garantia legal é, em princípio, de dois anos, a contar da data da entrega da coisa móvel corpórea (caso de reparação de um automóvel), podendo ser reduzida para um ano, no caso de bens móveis usados, desde que as partes tenham acordado tal redução (cfr. artigo 5.º, n.ºs 1 e 2 do Decreto-Lei N.º 67/2003), o que não é o caso dos presentes autos. Em caso de falta de conformidade do bem ou serviço com o contrato durante o período da garantia legal, o consumidor tem direito a que essa desconformidade seja reposta sem encargos, por meio de reparação ou de substituição, à redução adequada do preço ou à resolução do contrato (cfr. artigo 4.º do Decreto-Lei N.º 67/2003). Para exercer tais direitos e tratando-se de um bem móvel, o consumidor deve denunciar a falta de conformidade num prazo de dois meses a contar da data em que a tenha detetado (cfr. artigo 5.º-A, n.º 2 do Decreto-Lei N.º 67/2003), possibilitando assim ao prestador retificar o cumprimento defeituoso e ainda cumprir bem o dever de prestação.
Face ao período da garantia legal, a falta de conformidade manifestada no prazo de dois anos a contar da data da entrega do automóvel reparado ao Demandante, presume-se existente nessa data (cfr. artigo 3.º, n.º 2 do Decreto-Lei N.º 67/2003), correndo por conta do prestador de serviços, que pretenda ilibar-se da responsabilidade da reposição da conformidade, o ónus da prova de que o defeito é anterior ou posterior à data de entrega da coisa reparada, para ilidir tal presunção.
Face à presunção de desconformidade dos bens, ilidível, ou seja, que a Demandada pode afastar provando que o defeito é anterior à prestação do seu serviço, ou posterior ao mesmo, concretamente, nos presentes autos, que o defeito já existia aquando da sua prestação de serviço de reparação ou que só se verificou depois, e que não foi causada durante o mesmo, porque não só lhe cabe ilidir a presunção, como é sobre si que recaía tal ónus – cfr. artigo 342.º, n.º 2 do Código Civil -, a Demandada fê-lo, pois que resulta dos factos provados que, inicialmente, entre Demandante e Demandada apenas foi contratado substituir os injectores, filtros de gasóleo e ar, mudar o óleo, juntas, tubos, rolamentos, bateria e o turbo, este último fornecido diretamente pelo Demandante, e que na segunda reparação a peça avariada era a bomba injectora, peça distinta das substituídas na primeira reparação. Mais resulta provado, não só por declaração do próprio Demandante, mas até porque corroborada pelos documentos juntos, que se tratou efetivamente de uma segunda reparação, que este não só aceitou que fosse realizada, como aceitou pagar, e pagou. Resulta ainda provado que, relativamente a esta bomba injectora, quando deu problemas, a Demandada acionou a garantia, junto do fornecedor, a G, tendo sido por esta reparada, sem custos para o Demandante/consumidor, sem que este tivesse vindo alegar e/ou provar, que a mesma ainda se encontra danificada, ou que não foi reparada de acordo com o por si solicitado. Quanto aos últimos defeitos, nas luzes e alternador, estes não estão ligados a qualquer uma das peças objeto das anteriores reparações. Mas poder-se-ia entender que se verificaram numa altura em que o veículo estava à guarda da Demandada, ou quando esta efetuou reparações no veículo, o que o Demandante também não logrou provar, pois que só resulta dos factos provados que entre 30 de Setembro de 2013 e 10 de Outubro de 2013 o Demandante se apresentou na Demandada, referindo tais defeitos, ou seja, após a viatura lhe ser entregue, sem que o defeito existisse ou fosse detetado nessa data, bem como que, resulta ainda provado que o alternador é uma peça de desgaste, pelo que não se trata de defeito mais sim de consequência do uso do veículo, não abrangido pela garantia. Mas, ainda que assim não fosse, tendo sido o veículo também objeto de reparação noutra oficina, restaria ainda a dúvida sobre se o defeito teria sido eventualmente, causado por essa outra oficina.
Assim, no caso, a Demandada logrou provar que os defeitos ora alegados pelo Demandante não se encontram ligados às reparações que efetuou no veículo (cfr. artigo 342.º, n.º 2 do Código Civil), pelo que da análise da prova produzida em audiência de julgamento resultou um juízo de forte razoabilidade e verosimilhança de não existirem quaisquer defeitos atualmente em ligação com a prestação do serviço pela Demandada ao Demandante, ou causados por esta.
Não se verificado a existência dos defeitos, nem a sua proteção legal, improcedem por não provados os pedidos de reparação, ou indemnização efetuados pelo Demandante, decorrentes desses alegados defeitos.
IV – DECISÃO
Por tudo o exposto, julgo a ação totalmente improcedente e, em consequência, absolvo a Demandada do pedido.
V – CUSTAS
Nos termos dos n.ºs 8.º e 10.º, da Portaria n.º 1456/2001, de 28 de Dezembro, o Demandante é declarado parte vencida, pelo que fica condenado no pagamento das custas finais do processo.
Custas do processo: €70 (setenta euros), nos termos do disposto no artigo 1.º da Portaria N.º 1456/2001 de 28 de Dezembro.
O Demandante, aquando da interposição da ação, já liquidou €35 (trinta e cinco euros), pelo que deverá efetuar o pagamento do restantes €35 (trinta e cinco euros) das custas de sua responsabilidade, num dos três dias úteis subsequentes ao conhecimento da presente decisão (conforme artigo 8.º da Portaria supra citada).
No caso de falta de pagamento, incorrerá o Demandante numa penalização de €10 (dez euros), por cada dia de atraso até um máximo de €140 (cento e quarenta euros) – cfr. art.º 10.º da Portaria N.º 1456/2001, de 28 de Dezembro. Decorridos catorze dias sobre o termo do prazo supra referido para pagamento sem que este se mostre efetuado, será extraída certidão a enviar aos Serviços do Ministério Púbico junto do Tribunal de Família e Menores e de Comarca do seixal, pelo valor então em dívida, que será de €175 (cento e setenta e cinco euros), para efeitos de eventual execução por custas.
Reembolse-se à Demandada a quantia de €35 (trinta e cinco euros).
Esta sentença foi proferida e notificada aos presentes nos termos do artigo 60.º, n.º 2, da Lei n.º 78/2001, de 13 de Julho, os quais declararam ficar cientes do seu conteúdo.
Notifique o Demandante juntamente com a notificação para pagamento das custas.
Registe.
Julgado de Paz do Seixal, em 23 de Dezembro de 2013
(processado informaticamente pela signatária)
A Juíza de Paz
Sandra Marques