Sentença de Julgado de Paz
Processo: 290/2014-JP
Relator: FILOMENA MATOS
Descritores: INCOMPETÊNCIA MATERIAL DO JULGADO
Data da sentença: 08/28/2015
Julgado de Paz de : CANTANHEDE
Decisão Texto Integral: SENTENÇA

1- RELATÓRIO
Identificação das partes
Demandante:
“A”, residente na Av. X, em X.
Demandadas:
“B”, S.A., (XX, S.A.), anteriormente designada por
“C”, S.A., com sede, em X.
“D”, S.A., com sede na Zona X, em X.

A demandante intentou a presente ação declarativa de condenação, contra as demandadas, peticionando que “em conjunto ou separadamente, de acordo com a responsabilidade apurada, na reparação dos danos causados, identificados em 19 deste articulado, no prazo de 30 dias após o transito em julgado da sentença”.
Para o efeito, alegou que, é proprietária de um imóvel urbano composto por casa de rés-do-chão ampla, destinada a diversões, dependência e logradouro, na qual funciona um café snack bar e uma discoteca, sito na Avenida X, em X, freguesia X, com a área de 658,0 m2, inscrito na matriz predial urbana da freguesia X sob o artigo X e descrito na Conservatória do Registo Predial de Cantanhede sob o nº X daquela freguesia.
O prédio foi edificado no ano de 2005, e emitido o Alvará de utilização nº X, datado de 24 de Julho daquele ano, permitindo o seu uso para estabelecimento de restauração e bebidas, com dança. Aquando do termo das obras e para ligação da água ao imóvel, foi efetuada uma intervenção na tubagem do sistema público de abastecimento de água, com o objetivo de substituir o abastecimento em ferro galvanizado (26.08.2005).
Os trabalhos foram executados pela “D”, S.A., encontrando-se a via EN X sob a jurisdição da “C”, S.A..
A reparação da via decorrente da execução das identificadas obras, ocorreu de forma deficiente, criando um desnível ou lomba no local do remendo e apesar de sucessivas reclamações, a reparação da via no local das identificadas obras, apenas viria a ocorrer em 25.08.2014.
A EN X naquele local, situa-se em posição frontal ao edifício da Demandante, e apresenta alta densidade de trânsito, nomeadamente veículos pesados.
No prazo compreendido entre a abertura da vala para substituição do tubo ou conduta de água (2005) e a data da reparação (2014), o frequente tráfego, sobretudo de veículos pesados, aliado à deficiente reparação, provocou a abertura de rasgos e desníveis no remendo em betuminoso, utilizado na referida EN X naquele local.
Tal facto, aliado ao tráfego ali existente que provocou fortes vibrações que se estendiam às edificações contíguas à EN X, nomeadamente ao prédio da demandante originando a fissuração de paredes interiores e exteriores e tetos, que se agravaram com o decurso dos anos.
Pese embora as démarches encetadas pela demandante junto das demandadas, nenhuma delas assumiu qualquer responsabilidade na reparação dos danos do seu imóvel, cujo valor orçado é de 11.869,92 € acrescido de IVA.

A primeira demandada na sua contestação, alega entre outros, a incompetência material do julgado de paz para decidir o presente pleito, considerando ser o foro administrativo o tribunal competente, fundamentando a sua pretensão conforme resulta da referida peça processual constante de fls. 51 a 58.

A demandante, foi notificada para exercer o contraditório relativamente às exceções invocadas, para o qual foi fixado prazo, nada dizendo.

CUMPRE DECIDIR
No decurso da ação entrou em vigor o Decreto-Lei nº 91/2015 de 29 de Maio, que procedeu à fusão entre a “E” e a “C”, S.A., alterando a denominação para “B”, S.A., sucedendo aquelas nos seus direitos e obrigações legais, conforme resulta respetivamente do art.º 1º, e 2º, do referido diploma legal.
Como é sabido, para decidir a excepção de incompetência material há que considerar a factualidade emergente dos articulados, isto é, a causa de pedir e o pedido.
Ora, o demandante invoca no âmbito da causa de pedir, a ocorrência de danos no seu imóvel originado segundo alega, pela deficiente reparação de um rasgo efetuado na via pública, que criou um desnível ou lomba no local.
Por isso, reclama a reparação pelas demandadas de todos os danos, nomeadamente a primeira, por ser responsável pela manutenção da via em bom estado de conservação e segurança.
A competência em razão da matéria, “deriva da competência das diversas espécies de tribunais dispostos horizontalmente, isto é, no mesmo plano, não havendo entre elas uma relação de supra-ordenação e subordinação”, e “na definição desta competência a lei atende à matéria da causa, quer dizer, ao seu objecto encarado sob o ponto de vista qualitativo – o da natureza da relação substancial pleiteada. Trata-se pois de uma competência ratione materiae. A instituição de diversas espécies de tribunais e da demarcação da respectiva competência obedece a um princípio de especialização, com as vantagens que lhe são inerentes”, in Manuel Andrade, Noções Elementares de Processo Civil, 1976,Pág. 94.
O art. 80º da LOSJ (Lei n.º62/2013, de 26 de Agosto) estabelece que, compete aos tribunais de comarca preparar e julgar os processos relativos a causas não abrangidas pela competência de outros tribunais.
A competência dos tribunais judiciais determina-se, pois, por um critério residual, sendo-lhes atribuídas todas as matérias que não estiverem conferidas aos tribunais de competência especializada.
No mesmo sentido idêntico estipula o art. 64º do C. P. Civil que “são da competência dos tribunais judiciais as causas que não sejam atribuídas a outra ordem jurisdicional”.
A Constituição da República Portuguesa, refere no art. 211º nº 1 da Constituição da República Portuguesa ao estabelecer que “os tribunais judiciais são os tribunais comuns em matéria cível e criminal e exercem jurisdição em todas as áreas não atribuídas a outras ordens judiciais”.
Por outro lado e no que toca à competência dos tribunais administrativos, estabelece o art. 212º, nº 3, da Constituição que “compete aos tribunais administrativos e fiscais os julgamento das acções e recursos contenciosos que tenham por objecto dirimir os litígios emergentes das relações jurídicas administrativas e fiscais”.
Em sentido idêntico estabelece o art. 1º nº 1 do ETAF (Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais -Lei 13/2002 de 19/2 – com as alterações pela Lei 4-A/2003 de 19/2, 107-D/2003 de 31/12 e Dec-Lei 116/2009 de 31/7) que “os tribunais administrativos e fiscais são os órgãos de soberania com competência administrar a justiça em nome do povo, nos litígios emergentes das relações administrativas e fiscais”.
Conjugado o teor dos arts.1º, nº 1 do ETAF e o 212º nº 3 da Constituição, a competência dos tribunais administrativos e fiscais, resultará da análise se estamos ou não, perante pleitos derivados de relações jurídicas administrativas (e fiscais), e só na primeira hipótese tal competência se verificará.
Como refere Mário Aroso de Almeida (in Novo Regime do Processo nos Tribunais Administrativos, 2005, pág. 57) “as relações jurídico-administrativas não devem ser definidas segundo critério estatutário, reportado às entidades públicas, mas segundo um critério teológico, reportado ao escopo subjacente às normas aplicáveis”.
Assim, relações jurídicas administrativas são as derivadas de actuações materialmente administrativas, praticadas por órgãos da Administração Pública ou equiparados.
No âmbito de jurisdição dos tribunais administrativos, de forma exemplificativa estabelece o art. 4º nº 1 do ETAF que “compete aos tribunais da jurisdição administrativa e fiscal a apreciação de litígios que tenham nomeadamente por objecto…”, enumerando de seguida diversas situações, das quais, e para o caso em apreço, importam as alíneas g) “responsabilidade civil extracontratual das pessoas colectivas de direito público e i) “responsabilidade civil extracontratual dos sujeitos privados aos quais seja aplicável o regime específico da responsabilidade do Estado e demais pessoas colectivas de direito público”.
Resulta pois, que o art. 4º nº 1 als. g) e i) do ETAF atribuiu competência aos tribunais administrativos e fiscais para apreciar (e decidir) a responsabilidade civil extracontratual das pessoas colectivas de direito público e dos sujeitos privados em relação aos quais seja aplicável o regime específico da responsabilidade do Estado e demais pessoas colectivas de direito público.
Sem dúvida, a competência dos tribunais administrativos e fiscais abrangerá as questões atinentes à responsabilidade civil extracontratual daqueles sujeitos privados desde que, a eles deva ser aplicado o regime próprio da responsabilidade do Estado e demais pessoas colectivas de direito público.
Entendemos que, implicitamente se pretendeu entender as relações firmadas, como relações jurídicas administrativas.
Ao deixar de vigorar a alínea f) do art. 4º, inserta no anterior ETAF ( Dec- lei 124/84 de 27 de 4) que extinguia da jurisdição daqueles tribunais as ações e recursos que tinham por objecto questões de âmbito privado, ainda que, uma das partes fosse de direito publico.
Com a alteração dos Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais legislador estendeu a competência dos tribunais administrativos e fiscais a áreas de jurisdição antes não permitido.
Alargou-se pois, a competência aos tribunais administrativos e fiscais a todas as questões de responsabilidade civil envolvendo pessoas colectivas de direito público (vide alíneas g) e h) do referido art. 4º nº 1), independentemente de se saber se as mesmas eram regidas por normas de direito público ou por normas de direito privado, indo ainda mais além ao aplicar essa competência à responsabilidade civil extracontratual dos próprios privados desde que lhes deva ser aplicado o regime próprio da responsabilidade do Estado e demais pessoas colectivas de direito público.
Em resultado da alteração suprarreferida, parece-nos que, para efeitos de competência dos tribunais administrativos e fiscais, deixa de ter relevância a distinção, que antes do actual ETAF entrar em vigor, se fazia entre actividade de gestão privada e de direito público.
Com este entendimento, refere-se no acórdão do STJ de 10-4-2008 (in www.dgsi.pt/jstj.nsf) que tal distinção “não releva para determinação da competência jurisdicional, certo que a lei seguiu critério objectivo da natureza da entidade demandada, ou seja, sempre que o litígio envolva uma entidade pública, em quadro de imputação à mesma de facto gerador de um dano, o conhecimento do litígio compete aos tribunais da ordem administrativa, independentemente do direito substantivo aplicável”. E de igual forma, no acórdão do STJ de 12-2-2007 (in www.dgsi.pt/jstj.nsf) que em sumário, diz que “1-O âmbito de jurisdição administrativa abrange todas as questões de responsabilidade civil envolventes de pessoas colectivas de direito público, independentemente de as mesmas serem regidas pelo direito público ou pelo direito privado. 2. Os conceitos de actividade de gestão pública e de gestão privada dos entes públicos já não relevam para determinação da competência jurisdicional para a apreciação de questões relativas à responsabilidade civil extracontratual desses entes por tribunais da ordem judicial ou da ordem administrativa”.
Em conformidade, a competência do foro administrativo em relação à responsabilidade civil extracontratual dos privados, depende de a estes dever ser aplicado o regime próprio da responsabilidade do Estado e demais pessoas colectivas de direito público.
Por outro lado, prescreve o art. 1º nº 5 da Lei 67/2007 de 31/12 (diploma que aprovou o regime de responsabilidade civil extracontratual do Estado e demais entidades públicas) que, “as disposições que, na presente lei, regulam a responsabilidade das pessoas colectivas de direito público, bem como dos titulares dos seus órgãos, funcionários e agentes, por danos decorrentes do exercício da função administrativa, são também aplicáveis à responsabilidade civil de pessoas colectivas de direito privado e respectivos trabalhadores, titulares de órgãos sociais, representantes legais ou auxiliares, por acções ou omissões que adoptem no exercício de prerrogativas de poder público ou que sejam regulados por disposições ou princípios de direito administrativo”.
Este normativo consagra assim que, mesmo em relação às entidades privadas de natureza pública, aplica-lhes o regime de responsabilidade civil extracontratual do Estado, no que toca a acções ou omissões levadas a cabo «no exercício de prerrogativas de poder público» ou que sejam «regulados por disposições ou princípios de direito administrativo».
Concluindo, desde que as pessoas colectivas de direito privado (e respectivos trabalhadores, titulares de órgãos sociais, representantes legais ou auxiliares) actuem em moldes de direito público, desenvolvam uma actividade administrativa, deve aplicar-se às suas acções e omissões o regime de responsabilidade civil extracontratual do Estado.
O disposto no art. 1º nº 5 da Lei 67/2007, concretiza o princípio delineado no art. 4º nº 1 al. i) do ETAF que, como supra se disse, atribuiu competência aos tribunais administrativos e fiscais para apreciar (e decidir) a responsabilidade civil extracontratual dos sujeitos privados aos quais seja aplicável o regime específico da responsabilidade do Estado e demais pessoas colectivas de direito público.
Enumera pois, aquela disposição as situações em que as entidades privadas poderão ser submetidas a um regime de responsabilidade administrativa e, consequentemente, poderão ser demandadas perante os tribunais administrativos em acções de responsabilidade civil, nos termos do referido art. 4º nº 1 al. i) do ETAF.
A Empresa “C”, S.A., foi criada pelo Dec-Lei 374/2007 de 7 de Novembro, tendo-se expressamente estabelecido no art. 1º nº 1 deste diploma que “a Empresa “C”, S.A., criada pelo Decreto -Lei nº 239/2004, de 21 de Dezembro, é transformada em sociedade anónima de capitais públicos, com a denominação de Empresa “C”, S.A.”, em vigor à data da entrada da ação.
O art. 3º deste diploma refere que “a Empresa “C”, S.A., rege-se pelo presente decreto-lei, pelos seus estatutos, pelo regime jurídico do sector empresarial do Estado, consagrado no Decreto-Lei n.º 558/99, de 17 de Dezembro, pelos princípios de bom governo das empresas do sector empresarial do Estado constantes da Resolução do Conselho de Ministros n.º 49/2007, de 28 de Março, pelo Código das Sociedades Comerciais e pelos seus regulamentos internos, bem como pelas normas especiais que lhe sejam aplicáveis”.
O objecto da Empresa “C”, S.A., está elencado no art. 4º nº 1 do mesmo diploma aí se referindo “…a concepção, projecto, construção, financiamento, conservação, exploração, requalificação e alargamento da rede rodoviária nacional, nos termos do contrato de concessão que com ela é celebrado pelo Estado”.
Por sua vez, o mesmo diploma legal no capitulo III, titulado de Estatuto, o art. 10º, apelidado de Poderes de autoridade, no seu nº 1, estipula que “compete à EP — Empresa “C”, S.A., relativamente às infra-estruturas rodoviárias nacionais que integrem o objecto da concessão a que se refere o n.º 1 do artigo 4.º, zelar pela manutenção permanente de condições de infra-estruturação e conservação e de salvaguarda do estatuto da estrada que permitam a livre e segura circulação”.
Acrescenta o nº 2 daquele normativo que, “para o desenvolvimento da sua actividade, a Empresa “C”, S.A., detém os poderes, prerrogativas e obrigações conferidos ao Estado pelas disposições legais e regulamentares aplicáveis no que respeita: … h) À responsabilidade civil extracontratual, nos domínios dos actos de gestão pública”.
Acresce ainda, o prescrito no art. 8º nº 1, que “as infra -estruturas rodoviárias nacionais que integram o domínio público rodoviário do Estado e que estejam em regime de afectação ao trânsito público ficam nesse regime sob administração da Empresa “C”, S.A.”.
Logo, é à demandada que pertence a representação do Estado no que toca à gestão das infra-estruturas rodoviárias.
No âmbito destes dispositivos, (dentro das funções atribuídas à demandada) é-lhe concedido poderes de autoridade próprios do Estado.
Neste sentido são atribuídos à, EP - Empresa “C”, S.A., nos termos do nº 3 do dito art. 10º, poderes de autoridade necessários a garantir a livre e segura circulação.
A este propósito, diz Salvador da Costa (in A Responsabilidade Civil por Defeitos de Concepção, Conservação e Construção de Estradas – Separata da Revista do CEJ, 2º Semestre, nº 10, pág. 56) a Empresa “C”, S.A. “para o desenvolvimento da sua actividade detém poderes prerrogativas e obrigações conferidas pelo Estado, por via de disposições legais no que respeita, designadamente, ao uso público dos serviços e à sua fiscalização, à regulamentação e fiscalização dos serviços prestados no âmbito das suas actividades e aplicação das correspondentes sanções, nos termos da lei, e à responsabilidade civil extracontratual no domínio dos actos de gestão pública (artigos 10º nº 2, alíneas e), g) e h) do Dec-Lei 374/2007 de 7 de Novembro). E ainda, “trata-se, pois, de uma sociedade anónima, de capitais exclusivamente públicos, sujeito de um contrato de concessão celebrado com o Estado relativo às estradas nacionais, com algumas prerrogativas de direito público”.
De igual forma, o art. 14º nº 1 do Dec-Lei 558/99 de 17 de Dezembro (para onde remete expressamente o dito art. 3º do Dec-Lei 374/2007) estabelece que “poderão as empresas públicas exercer poderes e prerrogativas de autoridade de que goza o Estado, designadamente quanto a: … b) Utilização, protecção e gestão das infra-estruturas afectas ao serviço público”.
Apesar da denominação adoptada e da organização empresarial privada, S. A., tais empresas obedecem a regras de direito público, tais como o princípio da transparência financeira, garantia de cumprimento de exigências comunitárias de concorrência e auxílios públicos, deveres de informação e esclarecimento, de obediência estratégica a orientações e recomendações do Estado e até sujeição a controlo pelo Tribunal de Contas (art.ºs 7º e seg.s do Decreto-lei nº 558/99, de 17 de Dezembro).
A função administrativa compreende o conjunto de actos de execução de actos legislativos, traduzida na produção de bens e na prestação de serviços destinados a satisfazer as necessidades colectivas que, por virtude de prévia opção legislativa, se tenha entendido que incumbem ao poder do Estado – colectividade”, in M. Rebelo de Sousa, Lições de Direito Administrativo, 1999, pág. 12, e que essa função é “desempenhada essencialmente por pessoas colectivas públicas, entre as quais o Estado–Administração, e, marginalmente, por pessoas colectivas privadas integradas na Administração Pública.”
As primeiras, formam o cerne da Administração Pública e exercem a função administrativa do Estado – colectividade de forma imediata, necessária a por direito próprio, em obediência a opções prévias, que se traduziram no exercício da função legislativa daquele Estado, função principal ou primária.
As segundas, assumem uma posição secundária dentro da Administração Pública, exercendo a função administrativa por delegação daquelas. Assim, as pessoas colectivas privadas que se encontram nesta posição exercem a função administrativa do Estado por efeito de decisão prévia de uma pessoa colectiva pública, decisão essa que se insere no exercício da função administrativa por parte da pessoa delegante., in M. Rebelo de Sousa, Lições de Direito Administrativo, 1999.
Os actos praticados por tais entidades enquanto elas estiverem integradas na administração indirecta do Estado e esses actos se direccionarem à satisfação do interesse público, devem ser qualificados como actos de gestão pública e, portanto, praticados a coberto de normas de direito administrativo”, in Acórdão do tribunal de Conflitos de 2.10.2008, proc. 12708, in www.dgsi.pt, a propósito de responsabilidade hospitalar, envolvendo um hospital que funciona sob a denominação societária “S.A.”.
As estradas são do domínio público (art.º 84º da Constituição da República), são bens públicos, de afectação ao interesse público e colectivo.
Empresa “C”, S.A. está concebida para a prossecução de um fim público, de interesse colectivo, para o desempenho de uma tarefa própria do Estado e de gestão pública, através de uma concessão administrativa.
Integra o sector empresarial do Estado nos termos do art.º 3º do Decreto-lei nº 558/99, de 17 de Dezembro, que redefiniu o conceito de empresa pública.
As acções e omissões da demandada integram-se e são reguladas por disposições e princípios de direito administrativo.
A sua actividade está integrada na função administrativa do Estado.
Atualmente o objeto da Empresa “B”, S.A. está previsto no art.6º, do decreto-lei nº 91/2015 de 21 de maio, aí constando, “…a conceção, projeto, construção, financiamento, conservação, exploração, requalificação, alargamento e modernização da rede rodoviária e ferroviária nacionais…”.
Também do seu estatuto, resultam poderes de autoridade, cfr. art 12º, explicitando o nº 1º, “ Compete à Empresa “B”, S.A., relativamente às infraestruturas rodoviárias e ferroviárias nacionais sob a sua administração, zelar pela manutenção permanente das condições de infraestruturação e conservação e pela segurança da circulação ferroviária e rodoviária.”
No nº2, diz “Para ao desenvolvimento da sua atividade principal, a Empresa “B”, S.A., detém os poderes, prerrogativas e obrigações conferidos ao Estado pelas disposições legais e regulamentares aplicáveis, designadamente no que respeita:
…g)Á utilização, proteção, gestão e fiscalização das infraestruturas afetas ao serviço público;
k)À responsabilidade civil extracontratual, no exercício dos respetivos poderes públicos;
Pelo exposto, e aos normativos referidos é possível inferir-se que a responsabilidade extracontratual, que originou a presente demanda derivada das suas legais atribuições (designadamente conservação da rede rodoviária nacional), se desenvolve num quadro de índole pública.
A demandada é pois chamada a colaborar com a Administração na execução de uma tarefa administrativa de gestão pública, tarefa a que, como se viu, a lei atribui expressamente poderes de autoridade do Estado.
Aqui chegados, resta-nos concluir que, a eventual responsabilização da demandada por actos e omissões decorrentes dessa sua actividade, se insere no âmbito de aplicação das disposições supra-indicadas e, consequentemente, são os tribunais administrativos os competentes em razão da matéria para conhecer do pleito.
Neste sentido, entre outros, pese embora o objeto do litígio seja diverso, veja-se o Acórdão do T.C. de 09-12-2014, proc. 035/14, Acórdão do T.C. de 24-05-2011, proc. 019/2009, Acórdão do T.C. de 26-01-2012, proc. 07/2011, Acórdão do T.C. de 30-05-2013, proc. 17/2013, Acórdão do T.C. de 27-01-2010, proc. 17/09, Acórdão do T.C. de 20-02-2008, proc. 19/07, Acórdão do S.T.J de 16-10-2012,Acórdão do T.R.C. de 28-01-2014, proc. 92/13.2TBLSA.C1, Acórdão do T.R.G. de 25-09-2012, proc. 1097/12.6TBGMR.G1.
Também o recente Acórdão do T.C. de 09/12/2014, num caso cujo pedido é semelhante ao dos autos.
Face aos elementos existentes nos autos, é possível ao tribunal conhecer da exceção dilatória de incompetência material, questão de conhecimento oficioso – artigos 576º, nº 2, art. 577º, al. a) e 579.º o que impede o conhecimento do mérito da ação artigo 278/1 a) todos do C.P.C.).
Quanto à segunda demandada, Empresa “D”, S.A., tal como o nome indica é uma empresa pública de um sector especial, criada para satisfazer necessidades de interesse geral, neste caso a distribuição de água, recolha de resíduos e outros.
Por relação jurídico administrativa deve entender-se a relação social estabelecida entre dois ou mais sujeitos (um dos quais a Administração), que seja regulada por normas de direito administrativo e da qual resultem posições jurídicas subjetivas”. in Fernandes Cadilha, in Dicionário de Contencioso Administrativo, 117/118.
A competência do Tribunal afere-se pelo pedido formulado pela demandante e pelos fundamentos que invoca, nomeadamente a responsabilidade civil extracontratual de ambas ou só de uma das demandadas, ambas cujo objeto é de índole público.
Todavia, o n° 7 do art°. 10º do CPTA permite a demanda conjunta de particulares, ( que não é o caso) no âmbito de relações jurídico-administrativas que os envolvam com entidades públicas.
Competindo aos Tribunais de jurisdição administrativa e fiscal a apreciação de litígios que tenham por objecto questões em que, nos termos da lei, haja lugar a responsabilidade civil extracontratual das pessoas coletivas de direito público (art°. 4° n° 1 al. g) do ETAF) estão verificados os pressupostos para a atribuição da competência em razão da matéria à jurisdição administrativa (Acs. do Tribunal de Conflitos de 20.02.08, proc. n° 19/07, e de 28.11.07, proc. n°6/07).
Por todo o exposto, julga-se procedente a excepção dilatória invocada, declarando-se este julgado de paz incompetente em razão da matéria e em consequência absolvem-se as demandadas da instância, nos termos e para os efeitos no disposto nos art. 576º, nº 2, 577º, al. a) e 579.º e 278/1 al. a) todos do C.P.C. e em conformidade dá-se sem efeito o teor do despacho de fls. 107.


Custas:
A cargo da demandante, que declaro parte vencida, devendo efectuar o pagamento das custas em falta (€ 35,00) num dos três dias úteis subsequentes ao conhecimento da presente decisão, sob pena de incorre no pagamento de uma sobretaxa de €10,00 (dez euros) por cada dia de atraso no efectivo cumprimento dessa obrigação, conforme disposto nos números 8º e 10º da Portaria 1456/2001, de 28 de Dezembro.

Proceda ao reembolso das Demandadas, nos termos do artigo 9.º da Portaria n.º 1456/2001 de 28 de Dezembro.

Notifique e registe.

Cantanhede, em 28 de Agosto de 2015

A Juíza de Paz ( de 29 de Julho a 14 de Agosto de ferias, e desde Janeiro de 2015 em acumulação de funções no J.P. de Cantanhede e Miranda do Corvo)


(Filomena Matos)