Sentença de Julgado de Paz
Processo: 207/2012-JP
Relator: ASCENSÃO ARRIAGA
Descritores: QUOTAS DE CONCOMÍNIO
Data da sentença: 09/28/2012
Julgado de Paz de : CASCAIS
Decisão Texto Integral:
ATA DE AUDIÊNCIA DE JULGAMENTO (2ª sessão)
COM PROLACÇÃO DE SENTENÇA

Proc. n.º x
Data: 28 de setembro de 2012.
Hora de Início: 12.45 horas / Hora de Encerramento: 13.00 horas
Parte Demandante: A
Parte Demandada: 1 - B e 2 - C
Juíza de Paz: Senhora Dra. Maria de Ascensão Arriaga
Técnica do Serviço de Atendimento: Lic. Maria Helena Mateus
Feita a chamada verificou-se estarem presentes:
- A parte Demandante supra referida
- O I. mandatário dos Demandados, Sr. Dr. D
Verificou-se a ausência dos Demandados
Reaberta a audiência, pela Senhora Juíza de Paz foi dada a palavra ao representante legal da parte Demandante e ao I. mandatário da parte Demandada para proferirem alegações, prescindindo ambos de o fazer.
Não desejando as partes usar mais da palavra, pela Senhora Juíza de Paz foi proferida a seguinte:
SENTENÇA
I - RELATÓRIO – As partes e o objeto do litígio
Nos presentes autos, o Demandante, sito em Cascais, representado pela sua Administração, pretende que os Demandados, lhe paguem contribuições para despesas de conservação e gestão do prédio cujo valor total é de €3.055,82, acrescido de €178,25 de juros, de €861 a título de honorários e de €15 a título de custo com certidão, acrescidas de despesas que vierem a realizar-se com o patrocínio e a liquidar até ao julgamento.
Fundamenta a ação na qualidade que assiste aos Demandados, de proprietários de uma fração autónoma inserida no empreendimento que constitui o condomínio Demandante e, alegando matéria enquadrável na alínea c) do nº1 do artigo 9º da Lei 78/2001, de 13.07 (LJP), sustenta que estes não pagaram as contribuições de condomínio respeitantes ao período de outubro a dezembro de 2010 e de janeiro a março de 2011 e fundo comum de reserva, num total de €3.005,82; que, para além das quotas, os Demandados devem juros e, nos termos do regulamento do condomínio, devem também as despesas incorridas com honorários com vista à cobrança. Atribui à ação o valor de €4.060,07. Junta: 12 documentos (cfr. fls. 9 a 72) e procuração forense.
Os Demandados foram regular e pessoalmente citados e apresentaram contestação. Alegam, em síntese, por exceção, que as contribuições de condomínio anteriores a 15.11.2010 não são de sua responsabilidade por apenas terem adquirido a qualidade de proprietários nessa data e, no mais, por impugnação, sustentam que estando em causa um condomínio de luxo, se viram impedidos de ocupar a sua fração até meados de março de 2012 por motivo de obras na X. Só em meados de março de 2012 o edifício foi limpo. Por isso, os Demandados iniciaram, em abril de 2012, o pagamento das contribuições devidas. Mais alegam que a aprovação das despesas do prédio e a eleição da administração do condomínio foram efetuadas em data em que todo o edifício pertencia à E, em moldes e com conteúdo que nunca lhes foi dado a conhecer, e que tais deliberações, incluindo a aprovação do regulamento de condomínio são inválidas por serem tomadas pelo único proprietário. Aceitam pagar o fundo comum de reserva de 15.11.2010 a 31.03.2011 e pedem a improcedência dos demais pedidos. Requerem a notificação do Demandante para juntar cópia da ata nº1 e as folhas 5 e 6 da ata nº3 do condomínio e a concessão de prazo para se pronunciarem.
Juntam 10 documentos (cfr. fls. 104 a 112) e procurações forenses.
Não ocorreu sessão de pré-mediação por ter sido afastada pelo Demandante.
O Demandante juntou a ata nº1, da qual foram notificados os Demandados, assim como, das folhas 5 e 6 da ata nº3.
A audiência desenrolou-se em duas sessões, incluindo a presente como tudo consta da ata respetiva. Na primeira sessão, foram ouvidas as partes e tentada, sem sucesso, a sua conciliação; os Demandados pronunciaram-se sobre os documentos juntos antes da audiência; foram juntos novos documentos de fls. 142 a 150 e inquiridas cinco testemunhas. Após, a audiência foi interrompida para continuar no dia seguinte para alegações e leitura de sentença, o que não pôde verificar-se, tendo sido designada a presente data.
O tribunal é competente em razão do território, da matéria e do valor (artigo 7º da Lei 78/2001, de 13.07).
Cabe apreciar e decidir.
II - FUNDAMENTAÇÂO
Com interesse para a decisão da causa consideram-se provados os seguintes factos:
A. Os Demandados são proprietários da fração autónoma designada pela letra “R” correspondente ao 4º andar, lado B, do Bloco A, arrecadação no piso menos três, identificada pelo nº 59, e dois lugares de estacionamento localizados no piso menos 3, identificados pelos nºs x e x do Edifício x , sito em Cascais, descrito na 1ª Conservatória do Registo Predial de Cascais sob o nº x, da freguesia e concelho de Cascais (cfr. certidão permanente disponibilizada em www.predialonline.mj.pt e que constitui fls.9 e 10 dos autos);
B. A propriedade da supra descrita fração encontra-se registada a favor dos Demandados pela x sendo também desse dia a escritura de compra e venda através da qual a adquiriram, a “E”, livre de ónus e encargos (cfr. idem e fotocópia de escritura de fls. 11 a 16);
C. Em 04 de agosto de 2010, foi realizada a assembleia geral de condóminos do x destinada, entre outras matérias a aprovação do orçamento previsional para o ano de 2010 (cfr. ata nº2 junta sob doc.3 de fls. 17 a 30);
D. Para perfazer o orçamento global, à fração dos Demandados foi atribuída uma prestação trimestral de condomínio no valor de €1.174,92, acrescida de €117,30 para o fundo comum de reserva (cfr. doc. 3 a fls. 18/30);
E. Em 10 de fevereiro de 2011, precedendo convocatória nos termos legais, foi realizada a assembleia-geral ordinária destinada à aprovação de contas do exercício de 2010 e do orçamento das despesas para o ano de 2011, na qual estiveram presentes, ou representados, proprietários das frações nos termos que constam da respetiva lista de presenças (cfr. doc 4 e 5 a fls. 31/32 e 33/60);
F. Para perfazer o orçamento global e tendo em conta a permilagem da fração pertencente aos Demandados coube-lhes uma prestação trimestral de condomínio no valor de €1.557,81, acrescida de €155,59 para o fundo comum de reserva (cfr. idem );
G. Foram emitidas e entregues aos Demandados, no início de cada trimestre, as notas de débito correspondentes às prestações de condomínio da fração “R” do 4º trimestre de 2010 e 1º trimestre de 2011, no valor total de €3.005,82 (cfr. doc. 6 e 7 a fls.61 e 62);
H. Interpelados por escrito para regularizar o seu saldo devedor, os Demandados até ao momento não efetuaram qualquer pagamento (cfr. doc. 8 a fls. 63/65);
I. As notas de débito referentes às prestações de condomínio devem ser pagas até ao dia 15 do primeiro mês de cada trimestre de acordo com o artigo 31º, nº2, do regulamento do condomínio (cfr. doc. 9 a fls. 66/67);
J. Segundo o artigo 50º, nº 5, do regulamento de condomínio, “ (...) o demandado, que der causa à ação, (...) suportará todas as despesas judiciais e extrajudiciais, nomeadamente com honorários de advogado (...) “ (cfr. doc. 10 a fls. 68/69 dos autos);
K. Com despesas e honorários de advogado o condomínio Demandante já despendeu €861, com IVA incluído, e com a obtenção da certidão permanente da fração despendeu €15 (cfr. doc. 11 e 12 a fls. 70 e 71);
L. A venda do x decorreu sob a garantia de observância dos mais elevados padrões de luxo sendo o valor de cada uma das frações autónomas superior a 1 milhão de euros, incluindo a dos Demandados que custou €1.460.000;
M. Os Demandados adquiriram o imóvel para habitação própria, imediata e permanente e;
N. Viram-se impossibilitados de residir na sua fração até meados de março de 2011 devido à existência de obras profundas na X que terminaram em finais de fevereiro.2011 e por falta de limpeza geral do prédio que ocorreu em março.2011;
O. Em meados de dezembro de 2010 os Demandados entraram em contacto com o F e deslocaram-se com este ao apartamento com o intuito de pelo mesmo lhes serem entregues as chaves codificadas e de iniciar a mudança dos móveis, equipamentos e objetos pessoais;
P. Na altura, um dos elevadores não funcionava e o elevador acima do piso 0 encontrava-se adaptado a obras, forrado interiormente com cartões e outros materiais e cheio de pó;
Q. Todo o pavimento do hall do piso do apartamento estava cheio de pó assim como, dentro deste, o pó se estendia por toda a área;
R. Os Demandados manifestaram ao F o seu desagrado e comunicaram-lhe que o imóvel não se encontrava em condições de habitabilidade;
S. A Administração do Condomínio enviou aos Demandados, em 23 de dezembro de 2010, a carta de fls. 106/107 dos autos, comunicando-lhes que, por ter sido detetada insuficiência de cobertura da rede x, o promotor do empreendimento iria efetuar melhorias na rede de comunicações e que estes trabalhos, a realizar em duas fases, decorreriam, na X, entre 21 e 27 de janeiro.2011 e entre 16 e 17 de fevereiro.2011;
T. Mais se refere, na indicada carta, que “ Na primeira fase, serão efetuados trabalhos preparatórios de construção civil e passagem de cabos para o interior do apartamento (zona do quadro elétrico) e, na segunda fase, será efetuada a montagem e ensaio de equipamentos e acabamentos de construção civil“;
U. Por carta datada de 24. fevereiro.2011 (a fls. 104 dos autos), dirigida à Administração, os Demandados relataram o sucedido em meados de dezembro de 2011, informaram que em face da comunicação de realização de obras não voltaram ao prédio para codificar as chaves e solicitaram informação sobre o termo das obras incluindo se estavam “ (...) asseguradas as condições de segurança, higiene e limpeza que o empreendimento exige para podermos voltar ao apartamento, codificar as chaves e ocupá-lo. Mais informo que, só assumirei o pagamento de encargos de condomínio que sejam reportados a períodos posteriores à data em que nos sejam asseguradas as condições dignas de uso, que nos foram prometidas e que presidiram à venda e que por motivos alheios à nossa vontade mas que se prendem com as vossas funções, ainda não permitiram dar ao apartamento o uso a que se destina.”;
V. A limpeza geral da X ocorreu em meados de março de 2011 depois das obras terem ficado concluídas;
W. A E foi a única proprietária de todo o empreendimento, constituído por quatro torres, pelo menos até ao fim de setembro de 2010 e na altura da constituição do condomínio, eleição da administração e elaboração do regulamento de condomínio;
X. À data da escritura, não foi dado conhecimento aos Demandados das atas já realizadas no ano de 2010 e das circunstâncias em que as assembleias decorreram;
Com interesse ficou ainda provado que:
Y. Em 30.julho.2010 teve lugar a assembleia de condóminos do condomínio Demandante a que corresponde a ata nº1 (cfr. fls. 128) a qual foi constituída pelo condómino E, titular de 100% do prédio, tendo este deliberado eleger a atual administração “ ... para em sua representação administrar o condomínio, até a Assembleia de Condóminos a realizar após efetuadas 75% das escrituras de compra e venda”;
Z. Na Assembleia de Condóminos de 10.fevereiro.2011, estiveram presentes ou representados os condóminos cujas assinaturas estão apostas na respetiva lista de presenças que constitui fls. 145 a 150 dos autos;
Não ficaram provados os seguintes factos:
1. A prestação trimestral de €1.174,92 acrescida de €117,30 para fundo de reserva, num total de €1.292,22, teve por base a permilagem da fração dos Demandados;
2. Os Demandados viram-se impossibilitados de residir na sua fração por falta de entrega das respetivas chaves codificadas de acesso.
Motivação dos factos provados e não provados
Os factos vertidos sob os pontos A, B, E,F, G e H resultaram provados pelos documentos neles referidos e por confissão; os factos dos pontos I,J,K, S,T, U, Y e Z foram considerados provados pelos documentos que neles se mencionam; os factos vertidos em M, N, O, P, Q, R e U resultaram provados pelo depoimento das testemunhas, as três primeiras – F, G e H -, relacionadas com a assistência pós-venda, os serviços de gestão do prédio e a manutenção diária do mesmos e conhecedoras da situação de falta de limpeza do edifício, da existência de obras, da utilização e avarias dos elevadores e, a última – I -, filho dos Demandados, conhecedora da intenção dos Demandados de passarem a residir na fração dos autos após a escritura e da situação de falta de limpeza e de deficiências do funcionamento de alguns equipamentos do edifício. O facto referido no ponto L é do domínio público, pelo menos, no concelho de Cascais. A matéria do ponto W foi provada pelas cópias das atas de julho e de agosto de 2011 e pelo depoimento da testemunha F que esclareceu, ainda, que todas as suas assinaturas, apostas na lista de presenças na assembleia de 10.02.2011 correspondem a frações ainda não vendidas embora já objeto de contratos-promessa de compra e venda documentos. O ponto X considerou-se provado por presunção tirada da leitura das atas, das circunstâncias em que foi constituído o condomínio e, também, por força da ausência de prova em contrário efetuada pelo Demandado, porque tratando-se de alegação de falta de informação cabia à contraparte (aqui, o Demandante) fazer a prova do facto positivo (artigo 344º, nº1, do Código Civil).
Relativamente aos factos não provados: o facto referido em 1 não ficou provado porque resulta de simples cálculo aritmético que a divisão por permilagem, do orçamento aprovado em 04.agosto.2010, não conduz a uma quota trimestral de €1.292,22 para a fração dos Demandados que tem uma permilagem de 7,160; o facto referido em 2 não ficou provado porque antes ficou provado que os Demandados poderiam ter codificado as chaves em qualquer momento após a escritura.
Enquadramento de facto e direito
Dos factos alinhados decorre que aos Demandados está a ser pedido o pagamento de despesas de condomínio, por um lado, relativamente a um período – antes de .../.../... - em que ainda não eram proprietários no montante de €646,11, e, por outro lado, relativamente a um período – entre .../.../... e finais de março de ... - em que a fração e o edifício ainda não reuniam todas as condições de limpeza, funcionamento e utilização plena segundo os padrões de luxo próprios do empreendimento.
Resulta também apurado, não sendo questão controversa entre as partes, que o Regulamento de Condomínio se contém no título constitutivo da propriedade horizontal e que tanto a elaboração desse regulamento, como a constituição do condomínio, como a aprovação do primeiro orçamento e eleição da administração, ocorreram num momento em que a totalidade das frações era detida por E, entidade que promoveu a construção do mesmo.
Os Demandados sustentam a ilegalidade destes atos e deliberações e, por isso, impõe-se desde já apreciar esta questão.
Nos termos do regime jurídico da propriedade horizontal, em especial do vertido nos artigos 1417º e 1418º, nº2, alínea b), do Código Civil, resulta que a propriedade horizontal pode ser constituída por negócio jurídico e que o respetivo título constitutivo – escritura pública – pode conter, entre mais, o regulamento do condomínio. A doutrina e a jurisprudência têm convergido no sentido de entender que é legalmente permitido ao proprietário único de todas as frações, por nenhuma delas ainda ter sido vendida, elaborar e modificar por declaração unilateral o regulamento do condomínio. Nesse sentido ensinam Pires de Lima e Antunes Varela, em anotação ao artigo 1419º do mesmo Código Civil, e o acórdão do STJ, de 10.02.1998, no processo nº 870/97, ambos citados no Acórdão da RL de 05.03.2009 no proc. nº 6723/2008-6, publicado em www.dgsi.pt..
Parece-nos, pois, não poderem subsistir dúvidas quanto à admissibilidade legal de criação unilateral do regulamento de condomínio.
Mais se extrai do que antecede que, esse regulamento, integrando a escritura pública de constituição da propriedade horizontal, na medida em que pode ser conhecido pelos interessados na compra das frações através da publicidade inerente ao registo predial, é eficaz em relação àqueles que vierem a possuir a qualidade de condóminos os quais ficam juridicamente vinculados (ao regulamento) por força da assinatura dos contratos de compra e venda das suas frações. Assim sucede em relação aos Demandados mesmo que, no caso, se verifique que a respetiva escritura de compra e venda da fração não menciona a existência do regulamento (cfr. fls. 11 a 16) e que a entidade vendedora não lhes prestou essa informação por outro meio.
Passemos então à apreciação da segunda parte da questão, e que se prende com a validade das deliberações de constituição do condomínio, de aprovação do orçamento para 2010 e de eleição da administração e sua eficácia em relação aos Demandados.
Da matéria provada resulta que o vendedor E, realizou assembleias de condóminos em 30.julho.2010 (cfr. fls. 128) e em 04.agosto.2010 (cfr. fls. 17), na qualidade de único proprietário, assembleias essas em que, entre mais, procedeu à eleição da administração do condomínio e à aprovação do orçamento previsional para despesas para o ano de 2010.
Numa perspetiva de legalidade estrita, não se afigura ter ocorrido a prática pelo condómino universal E, de qualquer ato que a lei lhe não consinta. Com efeito, do estatuído nos artigos 1424º a 1435º do Código Civil, decorre que os comproprietários devem concorrer para os encargos de conservação e fruição das partes comuns do prédio, em regra, segundo a permilagem das respetivas frações; que as partes comuns são administradas pela assembleia de condóminos e por um administrador pela mesma eleito; que a assembleia deve aprovar, até 15 de janeiro, as contas do último ano e aprovar o orçamento das despesas a efetuar durante o ano. Se, como explanado supra, ao proprietário único é permitido, por declaração unilateral, elaborar um regulamento de condomínio, com implicações mais estruturais e, logo, duradouras na organização e funcionamento do prédio, por argumento de maioria de razão poderá praticar os atos/deliberações que se prendem com a gestão corrente do condomínio. Dito de outro modo, afigura-se-nos que a lei não impede o proprietário único de tomar as deliberações que a lei “pensou e desenhou” para serem tomadas em assembleias de condóminos com participação de uma multiplicidade de condóminos como é próprio da compropriedade.
Mas poderão tais deliberações expressivas da vontade de uma única pessoa, produzir efeitos plenos, designadamente para efeitos de comparticipação nas despesas de funcionamento do prédio, em relação a quem nelas não participou por não deter a qualidade de proprietário nem delas foi informado e mesmo quando, por atos imputáveis àquela proprietária única, se viu privado de usufruir dos bens comuns que integram o condomínio?
Salvo melhor opinião, a resposta tem de ser obtida por apreciação de cada caso concreto, com ponderação da realidade social e dos interesses legítimos que o direito visa proteger sobretudo porque a aplicação deste não pode ser dissociada da sua função primordial de realizar a justiça. A lei não é o texto mas o contexto ou, no brocardo latino, lex no est textus, sed contextus.
Vejamos.
No caso em apreço estão a ser imputadas aos Demandados despesas de condomínio no valor de €646,11, referentes a um período anterior ao da aquisição do seu direito de propriedade sobre a fração “R”. Estão, ainda, a ser-lhes imputadas despesas de condomínio, no valor de €2.359,71 correspondentes ao período que medeia entre a aquisição e o final do 1º trimestre de 2011 (de 15.11.2010 a 30.03.2011).
Os Demandados compraram a sua fração ao E, único proprietário do empreendimento e que promoveu a sua construção e posterior venda.
Como ficou provado, lê-se na ata de fls. 128, datada de 30.julho.2010, e a propósito do ponto 1 – Eleição da Administração do Condomínio, o seguinte: “Concluindo-se pela necessidade de por em funcionamento os serviços básicos do condomínio, designadamente vigilância, limpeza e manutenção e rececionar do construtor os diversos equipamentos, o E, na qualidade de proprietário e único condómino, elege a empresa de J (...) para em sua representação, administrar o condomínio até a Assembleia de Condóminos, a realizar após efetuadas 75% das escrituras de compra e venda” à qual “ O E confere mandato (...) para contratar a título provisório, os serviços necessários ao início do funcionamento do condomínio“.
E, na ata da assembleia de 04.agosto.2010, em que E continuava a ser proprietário único, lê-se que “... o proprietário do empreendimento, representado pelo Presidente da Mesa ... conferiu mandato ao gerente J, administradora do empreendimento ... para em nome do condomínio abrir a conta fundo de maneio para o condomínio e a conta fundo comum de reserva, e poderes para em conjunto com o Presidente da Mesa, ..., movimentar a conta fundo de maneio.
Desde logo, há uma realidade que ressalta das atas: a administração do condomínio praticava os atos de contratação de serviços básicos do condomínio e de abertura e movimentação de contas que lhe eram solicitados pelo proprietário único, em representação deste e até à assembleia de condóminos que se visse a realizar após terem sido outorgadas 75% das escrituras de compra e venda.
Do confronto das declarações das partes e demais prova, tira-se a conclusão que esses serviços básicos, como por exemplo, o de conciérge ou de vigilância ou de limpeza ou de manutenção, não eram os que a administração julgasse adequados numa perspetiva de interesse comum mas, antes, aqueles que na perspetiva do vendedor conferiam ao empreendimento as características e qualidades de luxo que foram por ele invocadas e garantidas nas negociações de venda dos apartamentos. No essencial, eram os serviços necessários e indispensáveis a que o vendedor cumprisse as condições de funcionalidade e habitabilidade do empreendimento exigíveis pelos padrões de luxo que o caracterizam.
Do imediatismo da prova resultou também a convicção de que aos futuros proprietários, incluindo aos Demandados, foi “vendida” a garantia de que, à data em que viessem a ser proprietários, lhes seria entregue um imóvel apto a habitar com as comodidades e funcionalidades inerentes ao valor do investimento.
O circunstancialismo descrito evidencia que ao vendedor seria legítimo entregar o imóvel aos novos e múltiplos proprietários quando neste estivessem todas as obras concluídas, quando estivesse garantida a segurança do acesso e circulação dos moradores, quando os elevadores estivessem limpos e em condições de funcionamento normal, quando os patamares de acesso aos apartamentos não apresentassem pó. Estas circunstâncias não se verificavam à data em que os Demandantes adquiriram a sua fração e o vendedor nunca praticou um ato formal de entrega do prédio aos condóminos.
Por isso, como se lê no Acórdão do STJ de 29.11.2011, há que considerar que a entrega ocorreu “no momento a partir do qual o vendedor deixa de ter poder para determinar ou influir sobre o curso das decisões dos condóminos constituídos em assembleia de interesses autónomos e identificados com os interesses comuns”. Mais se aprende com o mesmo aresto do STJ (que se pronuncia sobre o momento da entrega do imóvel para efeitos de denúncia de defeitos) que a entrega do prédio corresponde a uma cisão entre o vendedor e o prédio vendido e que, se este não puder ser entregue a uma assembleia de condóminos que possa exercer todos os direitos de fiscalização sobre as partes comuns, por v.g. não estarem reunidas as condições para esse efeito, então deverá o prédio ser entregue a uma entidade/administração, distanciada do vendedor e com plena autonomia para denunciar os eventuais defeitos existentes na obra.
No caso, atendendo ao teor da ata da assembleia de 10.02.2011 e respetiva lista de presenças (cfr. fls. 33 a 60 e fls. 145 a 150), verifica-se que nesta assembleia participaram outros condóminos para além do vendedor (embora largamente maioritário) e que nela foi deliberado aprovar as contas do ano anterior e o orçamento para esse ano e eleger a administração.
Aplicando a todo o circunstancialismo o ensinamento retirado do mencionado acórdão do STJ, pode admitir-se que, embora ainda decorressem as obras de melhoramento da cobertura da rede de comunicações e a limpeza geral da totalidade do empreendimento ainda não estivesse concluída, este já reunia condições para ser entregue aos condóminos em tal data (10.02.2011). A tudo acresce que, salvo melhor interpretação da ata de julho.2010, era intenção do E proceder à entrega do empreendimento aos condóminos apenas a partir do momento em estivessem realizadas 75% das escrituras, o que, se tivesse sido cumprido (e não foi como decorre da lista de presenças da assembleia de fevereiro. 2011) visava permitir uma efetiva e expressiva participação plural na decisão e defesa dos interesses comuns. Não tem, em consequência, sustentação, eventual tese que defenda que com a constituição do condomínio ocorreu a entrega aos condóminos – que ainda não existiam - do prédio e o poder de decidir sobre a gestão deste.
E, se assim é, então a administração do condomínio, que até 10.02.2011 agiu sempre por conta e no interesse do proprietário único, não só não pode exigir dos Demandados o pagamento das despesas relativas às partes comuns respeitantes a período anterior ao da aquisição da propriedade da fração (até 15.11.2010) como também não pode exigir-lhes o pagamento relativo ao período anterior ao da entrega dessas mesmas partes comuns. Dito de outro modo, só a partir do momento em que os condóminos assumiram a posse do empreendimento e elegeram, por si, com participação plural, como é típico de uma assembleia, a administração do condomínio é que é legítimo ser-lhes exigido o pagamento.
Por efeito do que antecede, só a parte proporcional das despesas de condomínio referentes ao período de 10.02.2011 a 31.03.2011 é exigível aos Demandados. Essa parte corresponde a €873,06 (€1.557,81: 91 dias x 51 dias).
A este valor, deve acrescer o valor correspondente ao fundo comum de reserva uma vez que os Demandados se predispuseram a pagá-lo, quer em sede de contestação quer em sede de audiência, com efeitos à data da aquisição da fração. O valor do fundo comum de reserva, no período entre 15.11.2010 e 31.12.2011 é de €57,38 (€117,30:92dias x 45 dias) e, no período compreendido entre 01.01.2011 e 31.03.2012, é de €155,59, o que perfaz €212,97.
De igual modo não pode ser assacado aos Demandados o pagamento da penalidade prevista no artigo 50º, nº5, do regulamento do condomínio. O fundamento dessa exigibilidade radica na circunstância de “o demandado dar causa à ação” ; manifestamente, não é aqui o caso por não ter sido nunca exigido aos Demandados o pagamento das quantias de que estes são, de facto, devedores e que agora se liquidam. À luz do disposto no artigo artigo 805º, nº1 e nº3 do C.Civil, os Demandados não incorreram em mora no pagamento.
III - DECISÃO
Nos termos e com os fundamentos expostos, considero a ação parcialmente procedente e, em consequência, condeno os Demandados a pagarem ao condomínio Demandante a quantia de €1.086,03 (€873,06 +€212,97) absolvendo-os dos demais pedidos.
As custas do processo ficam a cargo de mabas as partes na proporção do decaimento, cabendo ao Demandante suportar 75% das custas e aos Demandados suportar 25% (artigo 8º da Portaria 1456/2001, de 28.12).
Custas: €70.
Devolva €17,50 aos Demandados.
O Demandante deverá efetuar o pagamento da parcela de custas de sua responsabilidade, no valor de €17,50, no prazo de três dias úteis a contar da notificação da presente decisão sob pena de incorrer numa penalização de €10 por cada dia de atraso, nos termos do nº 10 da Portaria 1456/2001, de 28 de Dezembro, e até um máximo de €140. Decorridos 15 dias sobre o termo do prazo, sem que se mostre efetuado o pagamento, será extraída certidão da presente sentença e remetida aos serviços do Ministério Público da Comarca de Cascais para efeitos de eventual execução por custas, pelo valor então em dívida que será de €157,50.
Registe e dê cópia.
Da sentença que antecede foram os presentes notificados.
Para constar se lavrou a presente ata, por meios informáticos, que, depois de revista e achada conforme, vai assinada, sendo entregue uma cópia da mesma a cada uma das partes.
Cascais, Julgado de Paz, 28 de setembro de 2012.
O Técnico do Serviço de Atendimento
Maria Helena Mateus
A Juíza de Paz
Maria de Ascensão Arriaga