Sentença de Julgado de Paz | ||||
Processo: | 253/2005-JP | |||
Relator: | MARIA MANUELA FREITAS | |||
Descritores: | RESPONSABILIDADE CIVIL - SINAL STOP - TEORIA DA CAUSALIDADE ADEQUADA | |||
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Data da sentença: | 10/14/2005 | |||
Julgado de Paz de : | VILA NOVA DE GAIA | |||
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Decisão Texto Integral: | SENTENÇA I – IDENTIFICAÇÃO DAS PARTES Demandante: A..., casada, residente na Rua ........, Vila Nova de Gaia; Demandada: B... – Companhia de Seguros, S.A., com sede na ......, Lisboa. II - OBJECTO DO LITÍGIO A Demandante veio propôr contra a Demandada, a presente acção, enquadrada na alínea h) do nº 1 do art. 9º da Lei nº 78/2001, de 13 de Julho, pedindo a condenação desta a indemnizá-la do valor de € 3.165,19 (três mil cento e sessenta e cinco euros e dezanove cêntimos), devido pela reparação do seu veículo, acrescido dos juros de mora, à taxa legal, contados desde a citação até efectivo e integral pagamento No início da Audiência de Julgamento a Demandante requereu a ampliação do pedido ao abrigo do art. 273º do C.P.C. para o montante de € 3.218,38, tendo em conta que a taxa do IVA foi alterada e é actualmente de 21%, a qual foi admitida, dado tratar-se do desenvolvimento do pedido inicial. Para tanto alega, que a Demandante é proprietária da viatura ligeira de mercadorias, marca “Mitsubishi”, matrícula OT. No dia 11 de Maio de 2002, pelas 14:00 horas, o veículo OT, conduzido por C..., transitava pela Av. de Francelos, em Gulpilhares, no sentido poente/nascente, pela sua mão de trânsito e após verificar que não circulava nenhum veículo em sentido contrário, resolveu ultrapassar um veículo que seguia à sua frente, tendo para o efeito accionado o dispositivo luminoso do pisca-pisca do lado esquerdo. Quando se encontrava a passar no cruzamento da Av. de Francelos com a Av. da Junqueira, foi embatido pelo ligeiro de passageiros de marca “Honda”, matrícula LN, propriedade de D... e por ele conduzido. O condutor do veículo LN não teria imobilizado a sua marcha no local do cruzamento com a Av. de Francelos, desrespeitando o sinal de “STOP”, lá existente. Com a sua conduta, o condutor do veículo LN violou o disposto nos arts. 24º e 25º, nº 1, f) do CE. Do embate resultaram danos no veículo da Demandante cuja reparação ascendeu a € 3.218,38 Por força da apólice nº 31/5200731, o proprietário do veículo ligeiro de passageiros LN transferiu a sua responsabilidade civil para a Demandada. Juntou documentos. A Demandada, regularmente citada, contestou invocando a excepção da litispendência afirmando que corria termos pelo 1º Juízo Cível do Tribunal Judicial de Vila Nova de Gaia o processo com o nº 148/05.1 TBVNG, tendo apresentado a sua contestação em 1 de Fevereiro de 2005, em que as partes intervenientes são as mesmas, quer o pedido quer a causa de pedir. Por outro lado, a Demandada alega que o acidente de viação deu-se por culpa exclusiva do condutor do veículo da Demandante. O condutor do veículo LN parou no cruzamento, obedecendo ao sinal STOP. Verificou que não havia trânsito de veículos e reiniciou a sua marcha, flectindo à direita. Quando havia concluído a manobra de mudança de direcção surgiu a circular em sentido contrário o veículo OT, indo embater na frente do veículo LN. Não conseguiu evitar o embate. O condutor do veículo OT violou o disposto no art. 41º, nº1, alíneas c) e d) do CE. Por fim alega que o condutor do veículo OT conduzia-o com o conhecimento, autorização, por conta e ao serviço da Demandante. Juntou documentos. Questões a decidir: As questões essenciais decidendas consistem em saber: 1. Se se têm por verificados os pressupostos de responsabilidade civil que geram a obrigação da indemnizar por parte da Demandada; 2. Se os danos patrimoniais sofridos pelo Demandante se computam em € 3.218,38. O Julgado de Paz é competente em razão da matéria, do território e do valor. O processo não enferma de nulidades que o invalidem totalmente. As partes gozam de personalidade e capacidades judiciárias. Não há excepções, para além da que infra se apreciará, ou nulidades que obstam ao conhecimento do mérito da causa. Procedeu-se ao Julgamento com observância das legalidades formais como da acta se infere. Cumpre apreciar e decidir. III – FUNDAMENTAÇÃO Da prova carreada para os autos, resultaram provados os seguintes factos: A) No dia 11 de Maio de 2002, cerca das 14:00 horas, no cruzamento da Av. de Francelos com a Av. Vasco da Junqueira, Gulpilhares, Vila Nova de Gaia, ocorreu um acidente em que foram intervenientes o veículo ligeiro de mercadorias com a matrícula OT, propriedade de A..., na altura conduzido por C..., e o ligeiro de passageiros, com a matrícula LN, conduzido por D... que é também o seu proprietário; B) O veículo LN circulava pela Av. da Junqueira, no sentido Norte/Sul e o OT na Av. de Francelos, no sentido poente/nascente, ou seja no sentido ascendente; C) O condutor do veículo OT seguia a uma velocidade não superior a 60 Km/hora; D) À sua frente e no sentido poente/nascente circulavam outros veículos, cujo número não se conseguiu apurar; E) Após verificar que não circulava nenhum veículo em sentido contrário, accionou o dispositivo luminoso do pisca-pisca do lado esquerdo e iniciou a ultrapassagem perto de um cruzamento e uma passagem para peões; F) Quando se encontrava a passar no cruzamento da Av. de Francelos com a Av. da Junqueira, foi embatido pelo ligeiro de passageiros LN; G) O veículo LN, que circulava no sentido norte/sul e não imobilizou o seu veículo em obediência ao sinal STOP, ali existente no cruzamento, apenas abrandou; H) O cruzamento onde se deu o referido embate tem boa visibilidade; I) O veículo LN bateu com a sua parte dianteira na zona lateral esquerda na parte da frente do OT; J) Com o embate, o veículo OT sofreu danos, a nível do pára-choques, do guarda-lamas, partiu as ópticas e barras de direcção, cuja reparação orça em € 3.218,38; L) A responsabilidade civil por danos causados a terceiros com a circulação do LN encontrava-se transferida para a Demandada, por contrato de seguro através da apólice nº 31/5200731 Não ficou provado que: O condutor do veículo LN tivesse parado no cruzamento, em obediência ao sinal STOP e tivesse assegurado que ao flectir à direita não punha em perigo a circulação automóvel naquela via. Motivação dos factos provados: Para dar como provado os factos A) e B) teve-se em conta o documento de fls. 5 e 6 e 68. Para dar como provado os factos C), D) e E) teve-se em conta o depoimento das testemunhas C..., condutor do veículo OT, que contou os pormenores do acidente e E..., que viu o acidente, que relatou num depoimento coerente e credível que explicou como se deu o acidente, referindo que o condutor do veículo LN quando chegou ao aludido cruzamento terá apenas abrandado, uma vez que o mesmo tem boa visibilidade, e olhado para um dos lados, pelo que não terá visto o veículo OT. Para dar como provados os factos descritos nas alíneas F), G), H), I), J) e L) baseou-se na convicção do Tribunal e teve em conta o depoimento da testemunha E... e D..., condutor do veículo LN, e os documentos de fls. 5,6, 7,8 e 24, 25. Motivação da matéria de facto não provada: Resultou da ausência de mobilização probatória credível que permitisse o Tribunal aferir da veracidade dos factos após a análise dos documentos juntos e da inquirição das testemunhas. Estes os factos. IV – DO DIREITO Da excepção de litispendência Na Contestação, a Demandada alega que está pendente no Tribunal Judicial de Vila Nova de Gaia o Proc. 148/05.1 TBVNG, que corre os seus termos pelo 1º Juízo Cível e cujos sujeitos, causa de pedir e pedido são os mesmos da presente acção. Mais alega que foi citada em 13 de Janeiro de 2005 e apresentou Contestação m 1 de Fevereiro de 2005. Ora, oficiosamente, foi solicitada informação ao Tribunal Judicial de Vila Nova de Gaia, sobre uma eventual situação configuradora de litispendência. Apurou-se que aquele Tribunal se considerou incompetente em razão da matéria., por entender ser competente para o pleito o Julgado de Paz de Vila Nova de Gaia. Em consequência, decide-se pela não procedência de tal excepção. A chamada responsabilidade civil extracontratual emergente da prática de factos ilícitos assenta no seguinte conjunto de pressupostos: o facto ou acto humano voluntário, por acção ou omissão; a ilicitude do mesmo; a imputação do facto ao agente, ou seja a sua culpa; a ocorrência de um dano ou lesão; o nexo de causalidade entre o facto e o dano. Nem todos os danos sobrevindos ao facto ilícito são passíveis de ser incluídos na responsabilidade do agente, mas apenas os resultantes do facto ou efectivamente causados por ele, o que encontra satisfação e compreensão através da chamada “teoria da causalidade adequada, na sua variante conhecida como condicionalidade abstracta”. Segundo esta teoria, para que um dano seja reparável pelo autor do facto é não só necessário que o facto tenha actuado como condição concreta desse dano, mas também que, em abstracto, o facto seja uma causa adequada desse dano. No caso em apreço, importa discutir se há algum nexo de causalidade entre a conduta do condutor do veículo LN e o acidente verificado com o condutor do veículo OT, e danos daí resultantes e ocorrendo tal nexo deve ou não ser considerada culposa a conduta daquele condutor pelo acidente. Face à matéria dada como provada, o embate dá-se devido à inobservância pelo condutor do veículo LN do sinal STOP, o qual impõe não só a paragem, mas a cedência da passagem aos veículos que circulam pela via prioritária, não autorizando ademais que o condutor reinicie a sua marcha sem se assegurar de que a manobra não põe em perigo a circulação naquela via. Não basta o mero formalismo de parar e arrancar de seguida. O condutor, após parar só deve retomar a marcha e avançar depois de se assegurar que não põe em perigo a circulação rodoviária da via prioritária – cfr. art. 12º, nº 1 do CE. In casu, mesmo que o condutor do veículo LN tivesse parado face ao sinal STOP, mas acaba por arrancar sem qualquer cuidado e com manifesta falta de atenção e imperícia e acaba por colidir com o veículo OT, de nada serviu a sua paragem prévia, que não é um fim em si mesma, mas antes determinada por lei a fim de propiciar as condições para uma travessia cuidada por parte do condutor que pretende entrar numa estrada prioritária. Embora, o condutor do veículo OT ao iniciar a manobra de ultrapassagem, perto de um cruzamento e de uma passadeira para peões ali existente, tal contra-ordenação não foi causal do embate. A conduta ilícita do condutor do veículo OT não contribuiu em termos de causalidade adequada, para o embate dos presentes autos. Posto isto, é de atribuir inteiramente ao condutor do veículo LN, que não obedecendo ao sinal STOP, vai colidir com o veículo OT que circula na outra via, a culpa na produção do respectivo acidente. Em virtude da transferência de responsabilidade operada pelo contrato de seguro, a obrigação de indemnizar cabe à Demandada. Determinada a responsabilidade civil da Demandada nos termos atrás expostos, importa agora valorar os danos que resultaram do acidente dos autos e computar a indemnização devida pelo seu ressarcimento. Por imperativo legal – art. 562º do C.C. – sempre que alguém esteja obrigado a reparar um dano deve reconstituir a situação que existiria se não fosse a lesão. Ao responsável incumbe reparar os danos – e em princípio todos os danos – que estejam em conexão causal com o facto gerador da responsabilidade – artº 563º do C.C. Não sendo possível a reconstituição natural, ou mostrando-se esta excessivamente onerosa para o lesado, a indemnização é fixada em dinheiro – art. 566º, nº 1 do C.C. Esta terá como medida a diferença entre a situação real em que o facto lesivo deixou o lesado e a situação hipotética em que ele se encontraria se não fosse a lesão – art. 562º do C.C. Ficou provado que o veículo 88-84-OT, sofreu danos em consequência do acidente, cuja reparação ascendeu a € 3.218,38 e que equivale ao valor do orçamento resultante da peritagem feita pelo perito da Demandada, após correcção da taxa de IVA, recentemente alterada. Assim sendo, o Demandante sofreu a este título um dano patrimonial, que reveste a natureza de dano emergente, objecto da obrigação de indemnizar como expressamente refere o art. 564º, nº 1 do C.C. Ascende, pois, a este título, o prejuízo sofrido pelo Demandante à referida quantia de € 3.218,38. V – DECISÃO Face a quanto antecede, julgo procedente a presente acção, e, por consequência, condeno a Demandada B... – Companhia de Seguros, S.A. a pagar à Demandante a quantia de €3.218,38, acrescida de juros de mora, à taxa legal, desde a citação até efectivo pagamento. Declaro a Demandada como parte vencida, correndo as custas por sua conta com o correspondente reembolso à Demandada, em conformidade com os art. 8º e 9º da Portaria nº 1456/2001 de 28 de Dezembro. Registe e notifique. Vila Nova de Gaia, 14 de Outubro de 2005 A Juíz de Paz (Maria Manuela Freitas)
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