Sentença de Julgado de Paz
Processo: 1208/2013-JP
Relator: MARIA JUDITE MATIAS
Descritores: RESPONSABILIDADE CIVIL CONTRATUAL
Data da sentença: 06/05/2014
Julgado de Paz de : LISBOA
Decisão Texto Integral:
Sentença
(n.º 1, do art. 26º, da Lei n.º 78/2001, de 13 de Julho)
Processo n.º 1208/2013-JP
Matéria: responsabilidade civil contratual.
(alínea H) do n.º 1, do art. 9º, da Lei n.º 78/2001, de 13 de Julho)
Objecto: prestação defeituosa de transporte de mercadorias.

Valor da acção: € 530 ( quinhentos e trinta euros)

Demandante: A
Mandatário: B
Demandada:C
Mandatário: D
Do requerimento inicial: de fls. 1 a fls. 4.
Pedido: no pagamento das 2 camas danificadas pelo transporte no valor total de €350 ( trezentos e cinquenta euros) e na devolução do preço pago por esse transporte no valor de €188 ( cento e oitenta e oito euros).
Junta: 7 documentos.
Contestação: a fls. 2.
Tramitação:
A demandante não aderiu à mediação, pelo que foi marcada audiência de julgamento para o dia 24 de Abril de 2014, pelas 11:00, que continuou em 14 de maio de 2014, sendo as partes devidamente notificadas para o efeito.
Audiência de Julgamento.
A audiência decorreu conforme acta de fls. 59 e 82 a 85 e 86.
Fundamentação fáctica.
Com relevância para a decisão da causa dão-se por provados os seguintes factos:
1 – A demandada é uma sociedade comercial, cujo objecto social é o de prestação de serviços postais, transporte e distribuição, nacional e internacional, de encomendas postais, incluindo as registadas e com valor declarado, conforme certidão junta a fls. 17 a 21 e 65 a 68, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido;
2 - Em 17 de março de 2013, a demandante, através dos serviços da demandada C, despachou para a Ucrânia duas encomendas, correspondentes aos talões de despacho n.º x e x, registando que o valor da mercadoria era €60,00 em cada caixa (crf. Doc 5 e doc 6, a fls. 9 e 10, confirmados pelo representante legal da demandada e pela demandante);
3 – A encomenda n.º x tinha 45Kg, e a encomenda n.º x tinha 29Kg, tendo a demandante pago, pelo transporte, €110,00 e €78,00, respectivamente (crf. Doc 5 e doc 6, a fls. 9 e 10);
4 - Cada uma das encomendas consistia numa cama, embaladas em cartão grosso revestido depois a plástico;
5 – Na declaração de conteúdo das encomendas elaboradas em Portugal, resulta que o mesmo consiste em 4 peças correspondentes a cama usada (crf. Doc 2, fls. 69 e 70, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido);
6 – As camas foram embaladas pela demandante, juntamente com o filho e o marido (confirmado por estes que depuseram como testemunhas);
7 – O destino das encomendas era a morada da residência da mãe da demandante na Ucrânia;
8 – A empresa E preencheu um formulário, junto como doc 4, a fls. 72, com a respectiva tradução a fls. 73, que o responsável da demandada identificou como “ata de inspecção da Alfandega”, do qual consta que são duas encomendas, com os n.º x e x com o peso de 29/45, assinalando: “não embalado”, “quebrado”, “no interior não embalado”;
9 – A empresa E, regista o transporte para o destino apenas da encomenda n.º x, admitindo as partes em audiência que era as duas encomendas (doc 5, fls. 76, com tradução a fls. 78 –AV);
10 - As embalagens chegaram ao destino rasgadas e as camas danificadas, conforme atesta a empresa E no doc 4, “ata de inspecção da Alfandega”, assinalando: “não embalado”, “quebrado”, “no interior não embalado”, tendo destinatário recusado recebê-las;
11 – Em 18 de fevereiro de 2012 demandante adquiriu uma cama pela qual pagou a quantia de €200,00 (doc 7 fls. 11);
12 – A demandante afirma que uma das camas lhe custou €200,00 e a outra €150,00.
Factos não provados.
Consideram-se não provados os factos não consignados.
Motivação.
A convicção do tribunal fundou-se nos autos, nos documentos apresentados e referidos nos respectivos factos, complementados pelos esclarecimentos das partes que se tiveram em consideração ao abrigo do princípio da aquisição processual e nos depoimentos das testemunhas apresentadas.
Do Direito.
Nos presentes autos pretende a demandante ser ressarcida dos prejuízos decorrentes da danificação de duas camas que a demandada lhe transportou de Lisboa para uma localidade da Ucrânia, e respectivos custos com o transporte. Alega, em resumo, que, encontrando-se, com marido e filhos, a residir em Portugal, contratou a demandada para efectuar o transporte de dois volumes contendo cada um uma cama, comprometendo-se esta a transportar esses dois volumes, cujo conteúdo indicou, para a Ucrânia, seu país de origem, e entrega-los na morada indicada, que é a residência da sua mãe. Quando a mercadoria estava a ser retirada do transporte, a mãe verificou que as embalagens estavam destruídas vendo-se que algumas peças das camas estavam danificadas, pelo que se recusou a receber as mesmas.
Com a base factual supra provada, a relação jurídica subjacente à mesma, é subsumível aos a normativos constantes do Código Comercial e à Convenção Relativa ao Contrato de Transporte Internacional de Mercadorias por Estrada, doravante CMR, bem como a diversos preceitos do Código Civil em matéria obrigacional, aplicáveis imediata ou subsidiariamente.
Com efeito, estamos perante um contrato de transporte, podendo definir-se o mesmo como o contrato “ que se celebra entre aquele que pretende fazer conduzir a sua pessoa ou as suas coisas de um lado para o outro e aquele que por um determinado preço se encarrega dessa condução” (seguindo Cunha Gonçalves, in Comentário ao Código Comercial Português, 2º vol, pg. 394).Trata-se de um contrato de prestação de serviços que obedece a uma disciplina específica, designadamente quando assume natureza mercantil. Segundo o artº 366º do C. Comercial “o contrato de transporte por terra, canais ou rios considerar-se-á mercantil, quando os condutores tiverem constituído empresa ou companhia regular e permanente”., como é o caso. Entre outros aspectos relevantes deste contrato, destaca-se o regime de responsabilidade do transportador, estabelecendo-se no corpo do artº 377º do Código Comercial o que se transcreve: “O transportador responderá pelos seus empregados, pelas mais pessoas que ocupar no transporte dos objectos e pelos transportadores subsequentes a quem for encarregando do transporte”. No § 1º, a referida norma estatui que: “Os transportadores subsequentes terão direito a fazer declarar no duplicado da guia de transporte o estado em que se acharem os objectos a transportar, ao tempo em que lhes foram entregues, presumindo-se, na falta de qualquer declaração, que os receberam em bom estado e na conformidade das indicações do duplicado”. De acordo com a doutrina de Cunha Gonçalves, já supra citado, a responsabilidade cumulativa dos transportadores, que resulta da lei e não do contrato, constitui uma obrigação indivisível. No plano jurisprudencial está assente, unanimemente, que: “Tendo sido estabelecido um contrato de transporte, a transportadora é responsável perante a expedidora pelo cumprimento defeituoso desse contrato, cabendo-lhe a reparação dos danos causados, quer resultantes da acção dos empregados, quer da acção das transportadoras subsequentes”; “Quando a prestação do serviço implica a intervenção de transportadores em cadeia, a responsabilidade do transportador primitivo e dos é solidária, nesta matéria, unânime a nossa jurisprudência, desde os anos sessenta”.
Conclui-se assim que, a regra é a de que o transportador é responsável pela perda total ou parcial, que ocorrer entre o momento do carregamento da mercadoria e o da entrega no destino, designadamente pelos actos ou omissões dos seus agentes e de todas as outras pessoas a cujos serviços recorra para a execução do transporte, quando esses agentes ou pessoas actuem no exercício das suas funções, como se fossem cometidos por ele próprio (artigos 3º e 17º, n.º 1, da CMR).O transportador só fica desobrigado dessa responsabilidade “se os danos, ou a perda, tiveram por causa uma falta do interessado, uma ordem deste que não resulte de falta sua, um vício próprio da mercadora ou circunstâncias que não podia evitar e a cujas consequências não podia obviar, (artigos 17º, nº 2 da CMR)”. O ónus de alegação e de prova das referidas circunstâncias, incumbe a quem as alega com vista a eximir-se da responsabilidade decorrente da perda ou danos da mercadoria (artigos 18º, nº 1, da CMR e 342º, nº 2, do Código Civil). Ora, no caso vertente, a demandada, para se desobrigar da sua responsabilidade, não lhe basta alegar que as camas estavam mal embaladas, na medida em que recebeu os dois volumes, sabendo qual era o seu conteúdo, e aceitou transportá-los. Sendo que, à chegada, as embalagens estavam danificadas de modo que se via o seu conteúdo e os danos, circunstância, atestada pela E, sendo absolutamente compreensível que a mãe da demandante, ou quem quer que fosse o destinatário, se recusasse a receber. Ora, face ao que antecede, cabia à demandada fazer a prova de circunstâncias que a isentassem de responsabilidade, nos termos dos artigos 3º do Código Comercial, 762º, n.º 1, e 799º, n.º 1, do Código Civil e 17º da CMR, o que não logrou fazer. Não há registos claros, inequívocos e convincentes de ter a demandada usado dos procedimentos necessários à preservação da integridade da mercadoria. Os procedimentos usados pela E, patentes no facto provado 8 (preencheu um formulário, junto como doc 4, a fls. 72, com a respectiva tradução a fls. 73, que o responsável da demandada identificou como “ata de inspecção da Alfandega”, do qual consta que são duas encomendas, com os n.º x e x com o peso de 29/45, assinalando: “não embalado”, “quebrado” “no interior não embalado”), sem haver nada nos autos que revele quaisquer diligências junto da demandante ou da demandada que a contratou, no sentido de relatar a ocorrência, continuando o processo até ao destino, onde pretende entregar as peças que reportou de forma incorrecta e irresponsável só à encomenda n.º x, não pode deixar de conduzir ao reconhecimento do direito da demandante a ser ressarcida.
Vejamos agora o montante da indemnização.
Estabelece a Convenção (CMR), no seu artigo 23º, um desvio limitativo do princípio de direito comum em matéria de responsabilidade contratual, que é o da reparação integral dos danos. Estatui o nº 1, do aludido artigo 23º da CMR, que quando for debitada ao transportador indemnização por perda, total ou parcial, da mercadoria transportada, em virtude das disposições da presente Convenção, essa indemnização, será calculada segundo o valor da mercadoria no lugar e época em que foi aceite para transporte, ressalvado o direito de o expedidor poder exigir indemnização maior, desde que proceda de harmonia com os arts.24º e 26º, pagando por isso preço mais elevado pelo transporte. No caso vertente, não logrou a demandante fazer prova do valor exato despendido pelas camas. Com efeito, não ficou este tribunal convencido que uma das camas expedidas fosse aquela que a demandante comprou em 18 de fevereiro de 2012 e pela qual pagou a quantia de €200,00 (doc 7 fls. 11), nem que pagou pela outra, que o filho disse ter sido adquirida no X, tenha custado os alegados €150,00. É que, relativamente ao preço das camas as testemunhas baralharam-se nos montantes e não foram nada convincentes. Assim, tem recorrer-se aos critérios previstos fixados no artigo 566.º, do Código Civil, em particular o seu n.º 3, que estipula: “ Se não poder ser averiguado o valor exato dos danos, o tribunal julgará equitativamente dentro dos limites que tiver por provados”. Assim, o único indicador certo dado por provado, é o valor atribuído pela demandante à mercadoria que constituía o conteúdo das encomendas. Ora, se a demandante atribuiu o valor de €60,00 a cada uma, não pode este tribunal ir além desse montante por total falta de prova. Acresce a este montante, as despesas com o transporte, supra dadas por provadas, que ascendem a €188,00.
Decisão.
Em face do exposto, considero a presente ação procedente por provada e em consequência condeno a demandada a pagar à demandante a quantia de €308,00 (trezentos e oito euros) conforme pedido.
Custas.
Nos termos da Portaria n.º 1456/2001, de 28 de Dezembro, alterada nos seus n.ºs 6.º e 10.º pela Portaria n. 209/2005, de 24 de Fevereiro, custas em partes iguais já liquidadas.

Julgado de Paz de Lisboa, em 05 de junho de 2014
A Juíza de Paz
Maria Judite Matias