Sentença de Julgado de Paz | |
Processo: | 503/2013-JP |
Relator: | ANTÓNIO CARREIRO |
Descritores: | INCUMPRIMENTO CONTRATUAL |
![]() | ![]() |
Data da sentença: | 12/31/2013 |
Julgado de Paz de : | SETÚBAL |
![]() | ![]() |
Decisão Texto Integral: | Sentença (N.º 1, do art.º 26.º, da Lei n.º 78/2001, de 13 de Julho) Matéria: Incumprimento contratual, excepto contrato de trabalho e arrendamento rural (Alínea i), do n.º 1, do art.º 9.º, da Lei n.º 78/2001, de 13 de Julho, alterada pela Lei n.º 54/2013, de 31 de Julho). Objecto do litígio: Indemnização por danos morais por extravio de imagens de casamento. Demandantes: 1 - A e 2 - B Mandatário: C Demandado: D Mandatário: E Valor da acção: 4.000,00€. Do requerimento e contestação Os demandantes alegam, em síntese, que, casaram em 08-06-2002, tendo o casamento sido filmado por F, convidado e amigo do casal. As filmagens deram origem a três cassetes de vídeo, com as quais pretendiam fazer uma montagem vídeo. A conselho do F e de G (cunhada deste), a demandante, cerca de um ano depois, contactou telefonicamente o demandado, que aceitou fazer a montagem vídeo do casamento a partir das três cassetes; o preço dependeria do tempo que demorasse a efectuar o trabalho. Combinaram que as cassetes seriam entregues pelo F ou G por morarem no x e serem amigos do demandado. Os demandantes entregaram as cassetes ao F e este acompanhado da G delas fez entrega ao demandado. Passados meses os demandantes telefonaram ao demandado, que disse não ter muito tempo e que o trabalho era complicado e demoraria, que iria fazer o trabalho nas férias ou fim-de-semana. Os demandantes já tinham sido avisados (pelo F e G) que o demandado demorava a fazer os trabalhos e, passados mais alguns meses, ligaram novamente tendo o demandado respondido para não ligaram tantas vezes e que não trabalhava sobre pressão. Continuaram a telefonar mas o demandado deixou de atender o telefone. Através do F e G combinaram tomar café com o demandado, em Março de 2011, mas este quando viu os demandantes não entrou no café. Depois disso o demandado entregou uma cassete ao F, que perguntou pelas outras duas, ao que o demandado respondeu que não as tinha encontrado mas que assim que as tivesse as devolveria. Os demandantes ficaram privados de duas cassetes com gravações do casamento e o trabalho não foi feito. Terminam com o seguinte pedido: “nesta medida, e uma vez que não recuperaram duas das três cassetes entregues ao demandado, muito provavelmente porque o demandado as perdeu ou destruiu, os demandantes pedem em alternativa uma indemnização por danos morais não inferior a 4 000,00 €, uma vez que ficaram para sempre privados das filmagens de um dos momentos mais felizes da sua vida senão mesmo o mais feliz, que foi o seu casamento. Assim deverá o demandado ser condenado a indemnizar os demandantes na quantia de 4 000,00€” Mais alegaram, conforme requerimento inicial de fls 3 a 7, que aqui se dá como reproduzido. O demandado contestou, referindo que a sua empresa fez a reportagem do casamento de G e posteriormente a do casamento de F, que passou a fazer reportagens para a sua empresa. Dias depois do casamento dos demandantes, o F perguntou-lhe quanto é que poderia custar a montagem em DVD das imagens recolhidas, ao que respondeu que tinha pouco tempo uma vez que a sua empresa estava em fim de actividade e ele próprio passar a trabalhar por conta de outrem, noutra empresa. Teriam os demandantes de sujeitar-se ao tempo de espera e o valor a cobrar teria de ser apurado posteriormente em face do material que utilizasse. Mais tarde, o F ou a G “entregaram-me as três cassetes, tendo dito (o F) que as imagens tinham sido recolhidas por ele próprio por meio de uma “handycam” e que as restantes imagens das outras duas cassetes tinham sido cedidas aos demandantes por outros convidados presentes no casamento. Pediu que facultassem uma foto dos noivos para a capa e outras para fazer introdução ao DVD. O F ficou de entregar. Coloquei as três cassetes não identificadas/etiquetadas numa caixa com a indicação “casamento dos primos do F”. Nunca visionei as cassetes. Passado algum tempo O F disse-me para avançar mesmo sem as fotos e que iria facultar o meu contacto telefónico à demandante. Cerca de um ano depois desta conversa comecei a receber chamadas da demandante – e nunca do demandante – que foi muito insistente, não obstante ter transmitido inicialmente ao F que não me podia comprometer com prazo e valor, sugeri que era preferível que procurasse outro profissional para realizar o trabalho. Entrei em contacto com o F para devolver as cassetes, que nunca visionei, mas tive dificuldade em encontrar a caixa das mesmas por já ter encerrado a empresa e ter desmontado o estúdio. Devolvi as cassetes. Passados poucos dias o F veio ter comigo, acompanhado da mulher, alegando que visionara as cassetes e que só uma era a correcta e as outras duas não tinham qualquer imagem. As três cassetes nunca saíram da caixa que tive o cuidado de identificar nem do estúdio da minha empresa ao qual só eu tinha acesso. Recebi as cassetes que disse estarem em branco, assegurando-lhe que ia visionar outras cassetes que tinha em estúdio e que pudessem não estar identificadas. Visionei as poucas cassetes não identificadas e nenhuma se referia ao casamento dos demandantes.” Termina pela improcedência da acção. Impugna os danos morais até porque os demandantes possuem uma cassete gravada com imagens do casamento. Mais alegou, conforme contestação de fls 15 a 18, que aqui se dá como reproduzida. Fundamentação Dos factos Com base nos depoimentos das partes, testemunhas e documentos, dão-se como provados os seguintes factos: 1 – Os demandantes casaram, tendo o casamento sido filmado por dois convidados, amigos do casal, em três cassetes vídeo, com máquinas amadoras. 2 – Duas das cassetes foram filmadas por F, convidado e amigo do casal, que, na altura, se dedicava profissionalmente à realização de reportagens de casamento; que as entregou aos demandantes sem qualquer identificação. 3 – A terceira cassete foi filmada por outro convidado que a identificou com o nome “H” em vez de “A”. 4 – Passado cerca de um ano, a demandante contactou telefonicamente com o demandado, no sentido deste produzir um filme em DVD do casamento, a partir das imagens das três cassetes. 5 – Este acedeu a fazer o trabalho mas alertando para que iria haver demora na execução do mesmo e que o preço só a final seria calculado. 6 – A demandante enviou as três cassetes, duas sem qualquer identificação, ao demandado, através de G, por esta residir no x e conhecer o demandado. 7 – O demandado recebeu as cassetes, não as visionou nem as identificou. 8 – Passados meses, a demandante telefonou ao demandado, que disse não ter muito tempo e que o trabalho era complicado e demoraria, que iria fazer o trabalho nas férias ou fim-de-semana. 9 – Telefonou posteriormente mais vezes, incluindo através de G, tendo o demandado respondido para não ligaram tantas vezes e que não trabalhava sobre pressão. 10 - Continuaram a telefonar mas o demandado deixou de atender o telefone, pretendendo os demandantes que apenas lhes fossem restituídas as cassetes e o demandado propôs-lhes, a certa altura, que contratassem outra pessoa para fazer o DVD. 11 - Através de F e G combinaram um encontro “fortuito” para tomar café com o demandado, em Março de 2011, mas este quando viu os demandantes não entrou no café. 12 – O demandante devolveu as três cassetes, não se provando se a F se a G, que lhe entregaram de novo duas das cassetes por não terem qualquer imagem. 13 – A cassete devolvida com imagem é a que está identificada com a palavra “H” 14 – Os demandantes sentem desgosto e mágoa por terem ficado privados das imagens do seu casamento, acontecimento único, tendo já falecido pessoas que estiveram no casamento e já que a única cassete de que agora dispõem com imagens diz respeito apenas a filmagens da parte do noivo, e estimam em 4 000,00 € os danos morais sofridos. 15 – O demandado propôs devolver as duas cassetes sem imagem na audiência de julgamento, não tendo os demandantes aceite por nelas não terem interesse uma vez que não contêm imagens. 16 – Não provado que o demandado tenha colocado as três cassetes numa caixa com a identificação “casamento dos primos do F”. Os depoimentos de parte e testemunhas foram credíveis, o do demandado na medida do adequado, tendo havido desencontros nas versões de alguns factos instrumentais, admissíveis face ao tempo decorrido sobre os mesmos. No entanto, no essencial foi consistente a prova. Do direito Entre demandantes e demandado foi celebrado um contrato misto de prestação de serviços, nas modalidades de empreitada e depósito. Empreitada é o contrato pelo qual uma das partes se obriga a realizar determinada obra e a outra a pagar o preço como contrapartida daquela obrigação (artigos 1154.º, 1155.º e 1207 e seguintes do Código Civil). Com efeito o demandado obrigou-se a produzir um filme em DVD do casamento dos demandantes, a partir das imagens recolhidas por convidados destes e os demandantes pagariam um preço a estabelecer após a realização do trabalho. Para o efeito foram entregues aos demandados três cassetes, estando uma identificada com a palavra “H” e duas sem qualquer identificação. Conexo ou integrando este contrato, celebraram também as partes um contrato de depósito, que está regulado nos artigos 1185.º e seguintes do Código Civil. Depósito é o contrato pelo qual uma das partes entrega à outra uma coisa, móvel ou imóvel, para que a guarde, e a restitua quando for exigida. Para que o demandado efectuasse a obra, isto é, o filme em DVD, que se comprometeu a produzir, tinha necessariamente que ter as cassetes dos demandantes em seu poder e por conseguinte guardá-las, nos termos do contrato de depósito, com a obrigação das restituir. O demandado ao receber as cassetes não as identificou nem as visionou. O demandado, como profissional, tinha a obrigação de identificar as cassetes ao recebê-las e de verificar o seu conteúdo, isto é, visionar as imagens para saber se as mesmas estavam ou não gravadas e se a partir delas podia ou não realizar o DVD. Identificar as cassetes é a primeira regra técnica que o demandado deveria respeitar, como aliás, resultou dos depoimentos, sendo este o primeiro procedimento que qualquer profissional faria, sendo prática corrente do demandado que negligenciou neste caso. Escuda-se o demandado referindo que colocou as três cassetes numa caixa, identificando esta com a frase “casamento dos primos do F”. Porém não fez qualquer prova disso a não ser a sua afirmação. Em segundo lugar, também o demandado não visionou as cassetes (inclusive referiu que as devolveu depois sem as ter visionado), o que lhe era exigível também pelas regras técnicas, não sendo aceitável que, vários anos depois, sem que o trabalho fosse feito, alegue o demandado que duas das cassetes não têm imagens, quando não as identificou nem visionou e lhe foram entregues para sua guarda tendo imagens (Pode levantar-se a questão se à data da entrega teriam ou não imagens, mas a prova de que não continham imagens pertencia ao demandado, nos termos do n.º 2, do artigo 342.º do Código Civil). Muito antes da devolução das cassetes, já demandantes e demandado tinham tacitamente resolvido o contrato de empreitada. Tudo o que os demandantes pretendiam (mais ou menos após quatro anos) era apenas a devolução das cassetes e o demandado, inclusive, lhes propôs que contratassem outra pessoa. A actuação do demandado foi de muita incúria, em primeiro lugar por não ter identificado cada uma das três cassetes individualmente, em segundo lugar por não as ter visionado em tempo razoável e nesse caso avisar de imediato os demandantes se se apercebesse de que não havia imagens, porquanto esta é uma obrigação do depositário, nos termos da alínea b) do artigo 1187.º do Código Civil, e em terceiro lugar por não ser aceitável, mesmo tendo o demandado alertado para demora na realização do trabalho, que o demandado celebrasse o contrato não tendo condições para o realizar, que é o que se conclui depois de vários anos de espera dos demandantes e com insistências intensas destes. Ao constatar que não poderia realizar o trabalho, o demandado devia ter avisado os demandantes e devia ter restituído as cassetes por sua iniciativa. O comportamento do demandado é gravemente censurável e no que aqui é mais relevante na não identificação correcta das cassetes e não visionamento atempado, incumprindo não só o contrato de empreitada, o que motivou a sua resolução mas também as regras técnicas da profissão, de forma grosseira e o contrato de depósito. O devedor que falta culposamente ao cumprimento da obrigação torna-se responsável pelos prejuízos que causa ao credor (artigos 798.º e seguintes do Código Civil). Por ter incumprido o contrato, constituiu-se o demandado na obrigação de indemnizar. Nos termos dos artigos 562.º e seguintes do Código Civil, quem estiver obrigado a reparar um dano deve reconstituir a situação que existiria se não se tivesse verificado o facto gerador do dano e em relação aos danos que provavelmente o lesado não teria sofrido se a lesão não se tivesse verificado, sendo os danos morais indemnizáveis, nos termos do n.º 1, do artigo 496.º, do Código Civil, que serão estabelecidos equitativamente dentro dos limites dados como provados (n.º 3, do artigo 566.º, do Código Civil). No caso presente, os demandantes pedem o ressarcimento de danos morais que estimaram em 4 000,00€., valor manifestamente exagerado, estabelecendo-se os danos morais no montante de 400,00 €, que se considera valor adequado dentro dos limites dados como provados. A acção procede parcialmente por provada, impendendo sobre o demandado a obrigação de indemnizar os demandantes na quantia de 400,00€, para ressarcimento dos danos morais resultantes do incumprimento do demandado. Decisão Em face do exposto, condeno o demandado D a pagar aos demandantes a quantia de 400,00 € (quatrocentos euros), a título de indemnização por danos. Custas Nos termos do n.º 8.º, da Portaria n.º 1456/2001, de 28 de Dezembro, demandantes, face ao decaimento, e demandado são declarados parte vencida para efeitos de custas, na proporção de 90% e de 10%, respectivamente, pelo que os demandantes devem efectuar o pagamento de 28,00 € (70,00x90%-35,00 já pagos), relativos às custas, neste Julgado de Paz, no prazo de três dias úteis, a contar da notificação para o efeito, sob pena do pagamento de uma sobretaxa de 10,00 € por cada dia de atraso. Reembolse-se o demandado, nos termos do disposto no n.º 9.º daquela Portaria, no montante de 28,00€. Notifique-se. Julgado de Paz de Setúbal (Agrupamento de Concelhos), em 31-12-2013 O juiz de Paz António Carreiro |