Sentença de Julgado de Paz | |
Processo: | 158/2012-JP |
Relator: | ASCENSÃO ARRIAGA |
Descritores: | DIREITOS E DEVERES DE CONDÓMINOS |
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Data da sentença: | 07/10/2012 |
Julgado de Paz de : | CASCAIS |
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Decisão Texto Integral: | ATA DE AUDIÊNCIA DE JULGAMENTO COM PROLAÇÃO DE SENTENÇA Data: 10 de julho de 2012. Hora de Início: 17:55 horas / Hora de Encerramento: 18:15 horas Parte Demandante: E Parte Demandada: C Juíza de Paz: Senhora Dra. Maria de Ascensão Arriaga Técnica do Serviço de Atendimento: Lic. Maria Helena Mateus Feita a chamada verificou-se estarem presentes: - A parte Demandante supra referida - A parte Demandada supra referida (representada por E por sua vez representada pelo seu sócio gerente A). Reaberta a audiência e não desejando as partes presentes usarem mais da palavra, pela Senhora Juíza foi proferida a seguinte: SENTENÇA I- RELATÓRIO (PARTES E OBJETO DA AÇÃO) Nos presentes autos, a Demandante, pede que o Demandado, representado pela sua Administração, seja condenado a devolver-lhe a quantia de €1.048, acrescida de juros. Alegando matéria enquadrável na alínea c) do nº 1 do artigo 9º da Lei 78/2001, de 13.julho, Lei dos Julgados de Paz, doravante LJP, sustenta que, em virtude de as contribuições para as despesas de gestão e conservação do prédio não terem sido fixadas de acordo com a regra da permilagem, foi-lhe cobrada a mais a quantia de €1.4048,00 calculada apenas a partir de 2006. A administração não aplicou em 2001 o critério da permilagem apesar de ter sido essa a decisão da assembleia. Pretende ser reembolsada do valor pago a mais. Com o requerimento inicial junta os documentos de fls. 6 a 122 e procuração forense. O Demandado, regularmente citado, apresentou a contestação de fls. 139 e seguintes sustentando que a fixação das quotas ocorreu em 1992 e que a Demandante foi, em 1994, administradora e nada alterou. A regra de apuramento do valor das quotas de condomínio é usada há cerca de 20 anos e em 2011, não foi deliberado alterar o critério de fixação de quotas para o da permilagem, só em 2012 tal deliberação ocorreu. Conclui pela improcedência da ação. Junta os documentos de fls. 142 a 176. As partes efetuaram sessão de mediação. Marcada audiência de julgamento para 04 de julho de 2012, iniciou-se a mesma com audição das partes e tentativa de conciliação. As partes juntaram os documentos de fls. 185 a 193, após o que foi interrompida para continuar nesta data com leitura de sentença. Atenta a competência do julgado de paz (artigo 7º da LJP) cumpre apreciar e decidir. II – FUNDAMENTAÇÃO Para além dos documentos juntos, as partes não apresentaram qualquer outro meio de prova, designadamente, testemunhal. Assim sendo a convicção do tribunal decorre da ponderação de tais documentos e das declarações prestadas pelas partes em sede de discussão oral da causa. Resultou provado que a Demandante é proprietária da fração E, correspondente ao 1ºandar letra C do prédio urbano que constitui o condomínio Demandado por a ter adquirido, por escritura de compra e venda. Aceitam as partes que, em 14 de junho de 1992, por deliberação da assembleia de condóminos, a que corresponde a ata nº 2, foi aprovado um orçamento para despesas da ordem dos 500/600.000$00 anuais e foi aprovada a repartição desse orçamento pelas frações, segundo um critério que não é o da respetiva permilagem. Este critério parte de uma base fixa para cada fração, de 2.500$00, fazendo-lhe acrescer 250$00 por assoalhada e 100$00 por garagem (cf. ata de fls. 191/193). Após a assembleia de condóminos de 14.junho.1992, as quotas de condomínio foram sofrendo aumentos anuais na mesma percentagem. Em 1994 a Demandada foi eleita administradora e aplicou os valores de quotas que estavam estabelecidos sem ter procedido ao cálculo segundo a regra da permilagem. A partir de março de 2004, as quotas sofreram um aumento de €5, mais IVA, por cada fração, por ter sido contratada uma empresa externa de administração do condomínio, pelo que a quota da Demandante passou a ser de €36,49. Este foi o valor cobrado e pago pela Demandante até final do ano de 2011. Também ficou apurado, em resultado da discussão entre as partes, que na assembleia de condóminos de 2009, a Demandante interpelou a administração para esclarecer a razão pela qual era tão diminuta a diferença paga pela sua fração, que tem permilagem de 25, e pela fração correspondente a duplex, com permilagem de 70, tendo sido esclarecido que os cálculos tinham sido feitos com base no que vinha de trás. Igualmente se provou que, por carta de 12.fevereiro.2012 dirigida à administração e na Assembleia de Condóminos de 26.março.2012, a Demandante manifestou discordância com o facto de pagar mais do que seria devido em função da permilagem da sua fração e pediu à administração e aos condóminos a devolução das quantias pagas a mais. A partir desta última assembleia as quotas, incluindo as de 2012, passaram a ser calculadas de acordo com a permilagem. As partes discordaram quanto à existência, ou não, de deliberação da assembleia de condóminos para aplicação, já em 2011, do critério da permilagem ao cálculo das quotas a pagar pelos condóminos. Quanto a esta questão, manteve a Demandante que houve deliberação nesse sentido, tal como consta da ata e que a administração efetuou um cálculo errado por não ter usado o critério da permilagem; sustentou o Condomínio Demandado que, apesar de constar da ata que “Estabeleceu-se que as mensalidades dos Condóminos serão estabelecidas de acordo com a permilagem de cada uma das frações segundo o orçamento proposto em anexo à presente ata (...) “ este texto corresponde a um erro de escrita da ata porquanto não existiu deliberação nesse sentido. Em abono da sua tese, sustenta que com a aprovação do orçamento, que contempla as despesas (fls.42), foi também aprovado o mapa designado por “Listagem de frações e quotas” (fls. 43) que evidencia as receitas a obter pelo condomínio e que por aí se vê que as quotas têm um valor igual ao ano anterior. Ponderando os argumentos e procedendo ao seu enquadramento legal, afigura-se que assiste aqui razão à Demandante. As atas, devidamente assinadas pelos condóminos que compareceram à assembleia, gozam de uma presunção de veracidade quanto ao seu conteúdo de tal modo que as deliberações delas constantes são vinculativas para os condóminos e para terceiros com direitos relativos às frações (artigo 1º do Dec. Lei 268/94, de 25.outubro). Ainda que em tal ata se use, de forma talvez menos adequada, o verbo “estabelecer” e não o verbo “deliberar”, é inequívoco que de tal ata consta a opção pelo critério da permilagem para apuramento das quotas dos condóminos. Já não consta da mesma ata de 2011 que foi aprovado o mapa de fixação do montante das quotas nem pode presumir-se que esse mapa faça parte integrante do orçamento. No caso dos autos, e em sintonia com o que é comum suceder, o que se verifica é que os condóminos aprovaram o montante das despesas anuais – orçamento para despesas – e, também, que esse montante iria ser suportado por igual valor de quotas a imputar a cada fração segundo a permilagem respetiva. Na medida em que a administração tem o dever de executar as deliberações dos condóminos, deveria a quota da Demandante para o ano de 2011, em face da aprovação de um orçamento anual de €9.835,86 (incluindo fundo de reserva), ter sido fixada num valor anual de €245,90 ao invés dos €437,88 que lhe foram imputados e que pagou. Consequentemente, tem a Demandante direito a reaver do Demandado a quantia de €191,98. Porém, não tem Já a Demandante direito a reaver os valores que pagou nos anos anteriores ainda que a situação em causa pudesse ser geradora de nulidade da deliberação inicial de cálculo das quotas de condomínio, o que não vem pedido. O direito não lhe assiste, fundamentalmente, por duas ordens de razões. Primeiro, porque a Demandante nunca reagiu contra qualquer deliberação anterior a 2011 que aprovasse um qualquer critério de repartição de despesas, incluindo as deliberações de aumento de quotas ordinárias e extraordinárias e nunca comunicou de forma consistente e eficaz qualquer discordância perdendo, por conseguinte, o direito a impugnar essas deliberações por decurso do prazo legal (artigo 1432º do Código Civil). Depois, porque ao agir em conformidade com a prática que vinha sendo seguida, incluindo no período em que foi administradora do prédio, e procedendo ao pagamento dos valores que lhe eram apresentados, a Demandante criou nos demais condóminos a convicção de que aceitava o modo de repartição das despesas que era adotado. Dispõe o artigo 334º do Código Civil que é ilegítimo o uso de um direito quando o seu titular excede de forma ostensiva os limites ditados pela boa fé, pelos bons costumes ou pelo fim económico e social desse direito. Deve considerar-se desconforme com os limites impostos pela boa fé e pelos bons costumes, por consubstanciar uma verdadeira situação de “venire contra factum proprium “, o exercício pela Demandante do direito à repartição das despesas de condomínio, segundo o critério da permilagem após uma inércia de 20 anos na medida em que frustra a confiança que o decurso desse longo lapso de tempo objetivamente gerou nos demais condóminos. III – DECISÃO Nos termos e com os fundamentos expostos julgo a ação improcedente, exceto no que respeita à devolução da quantia de €191,98, condenando o Demandado a pagar tal importância à Demandante e absolvendo-o do mais peticionado. Declaro parte vencida e responsável pelas custas do processo a parte Demandante (artigos 8º e 10º da Portaria 1456/2001, de 28.12) por ser irrisório o valor do decaimento. Custas do processo: €70. Reembolse-se ao Condomínio Demandado a quantia de €35. A Demandante deverá efetuar o pagamento das custas de €35 (trinta e cinco euros), de sua responsabilidade, num dos três dias úteis subsequentes ao conhecimento da presente decisão, sob pena de incorrer numa sobretaxa de €10 (dez euros) por cada dia de atraso no efetivo cumprimento dessa obrigação, conforme disposto nos números 8º e 10º da Portaria 1456/2001, de 28.12, até um máximo de sobretaxa de €140. Decorridos quinze dias sobre o termo do prazo supra referido sem que se mostre efetuado o pagamento, será remetida a competente certidão aos Serviços do Ministério Púbico junto do Tribunal Judicial da Comarca de Cascais, pelo valor então em dívida, que será de €210 (duzentos e dez euros), para efeitos de eventual execução por custas. Registe e notifique. Da sentença que antecede foram todos os presentes notificados. Para constar se lavrou a presente ata, por meios informáticos, que, depois de revista e achada conforme, vai assinada, sendo entregue uma cópia da mesma a cada uma das partes. Cascais, Julgado de Paz, 10 de julho de 2012. A Técnica do Serviço de Atendimento Maria Helena Mateus A Juíza de Paz Maria de Ascensão Arriaga |