Sentença de Julgado de Paz | |
Processo: | 90/2009-JP |
Relator: | DANIELA SANTOS COSTA |
Descritores: | RESPONSABILIDADE CIVIL |
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Data da sentença: | 07/29/2009 |
Julgado de Paz de : | TAROUCA |
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Decisão Texto Integral: | SENTENÇA IDENTIFICAÇÃO DAS PARTES Demandante: A, casado. Demandada: Seguradora B O Demandante intentou contra a Demandada a presente acção declarativa, enquadrável na alínea h) do nº 1 do Art. 9º da Lei n.º 78/2001, de 13 de Julho (doravante, LJP), pedindo a condenação desta a pagar-lhe importância de € 3.997,04, acrescida de juros legais a contar da citação e demais encargos, em consequência dos prejuízos decorrentes de um acidente de viação com o seu veículo ligeiro de passageiros, com a matrícula OQ. A Demandada apresentou contestação, conforme plasmado a fls. 27 a 39, defendendo-se por excepção e por impugnação. O Julgado de Paz é competente em razão da matéria, do objecto, do território e do valor. As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias e são legítimas. Não se verificam quaisquer excepções ou nulidades, nem quaisquer questões prévias, além da que infra se apreciará, que obstem ao conhecimento do mérito da causa. Procedeu-se à realização da audiência de julgamento com observância do legal formalismo consoante resulta da Acta. FACTOS PROVADOS: A. No dia 16 de Maio de 2008, pelas 15 horas, ocorreu um acidente de viação na EM n.° 1081, na freguesia de Vila Nova de Souto D'el Rei, concelho de Lamego; B. Foram intervenientes no sinistro, o veículo ligeiro de passageiros de matrícula OQ, apólice de seguro n° x, propriedade do Demandante, por quem era conduzido, e o veículo ligeiro de passageiros matrícula FD, conduzido por C; C. O OQ circulava na EM 1081, no sentido Penude – Lamego, estando o piso seco e conduzindo atento o seu sentido de marcha; D. O FD encontrava-se parado na oficina X, que em relação ao sentido de trânsito do OQ, se situa do lado direito e é ladeado por um muro com rede; E. O local onde se deu o acidente é em recta ligeiramente descendente, sendo antecedido por uma curva à direita, atento o sentido de marcha do OQ; F. A estrada no local tem fraca visibilidade, principalmente para quem sai da oficina e a faixa de rodagem tem a largura de 6,65 metros, cruzando dois veículos em sentidos opostos, tendo dois sentidos de marcha; G. O OQ, após desfazer a curva, foi surpreendido pelo FD, que saiu subitamente da oficina, passando para a faixa de rodagem contrária, para prosseguir no sentido Lamego / Penude; H. O OQ, ao aperceber-se do FD, para evitar a colisão frontal, travou e guinou para a sua esquerda, não tendo conseguido evitar o embate; I. Da travagem realizada pelo OQ resultaram marcadas, na estrada, os rastos dos pneumáticos deste, numa distância entre 13,70 e 13,50 metros; J. Do embate resultou danos materiais em ambos os veículos, uma vez que a colisão se deu entre a parte frontal esquerda do OQ e a parte lateral esquerda do FD (lado do condutor); K. A reparação do OQ ascendeu a € 1.372,00, montante respeitante a mão de obra e materiais; L. À data do acidente, tal como ainda hoje, o Demandante era comerciante de vestuário e tecidos nas feiras semanais de Mirandela, Meda, Murça, Mondim de Bastos e Vila Real; M. Em virtude desta situação e dada a impossibilidade de poder circular com o OQ, durante o tempo que esteve a ser reparado, o Demandante teve de recorrer ao pedido de veículos amigos e de familiares, porquanto não dispõe de qualquer outro veículo para se fazer transportar, quer para o seu negócio quer mesmo com a própria família; N. C transferiu a sua responsabilidade civil, emergente da circulação do FD, para a Demandada seguradora através da apólice n.° x. FACTOS NÃO PROVADOS: Não se provaram quaisquer outros factos alegados pelas partes, com interesse para a decisão da causa. Os factos assentes resultaram da conjugação dos documentos constantes dos autos, a fls. 10 a 16, 40 a 47 e 71 a 75, e dos depoimentos testemunhais prestados em sede de audiência final. Para tanto, atendeu-se ao depoimento, sério e credível, da testemunha D, indicado pelo Demandante, que apesar de não ter presenciado directamente o sinistro, conduzia atrás do OQ, tendo ouvido o estrondo do embate, para além de ter declarado que a via estava livre de quaisquer obras ou de qualquer sinalização referente às mesmas, apenas existindo uma vala mais baixa, ao lado da berma, mas através da qual se podia circular. Quanto ao depoimento de E, indicado pelo Demandante, exerce a mesma profissão de feirante que este, tendo confirmado que lhe proporcionou boleia para as feiras durante o tempo em que o OQ esteve por reparar. Das declarações prestadas por F, responsável pela reparação do OQ e indicado pelo Demandante, relevou o facto de ter mencionado que o Demandante não deixou o OQ, de imediato, na Oficina, mas apenas um mês e meio após o sinistro, e que este circulava e que a sua reparação durou cerca de uma semana. No que concerne ao testemunho prestado por G, indicado pela Demandada, trata-se do agente responsável pelo levantamento do auto do acidente em causa, tendo confirmado, tal como a testemunha D, que a via estava livre de obstáculos, apenas existindo uma vala, com uma pequena descida de 3 ou 4 centímetros, mas que não impedia a circulação automóvel. Mais informou o Tribunal de que não havia qualquer sinalização no local, referente a obras ou a localidade. Quanto ao depoimento de C, condutor do FD e indicado pela Demandada, apresentou versão oposta à constante no RI, mas não foi objecto de valoração por este Tribunal na medida em que não demonstrou isenção nem foi corroborada por qualquer outra testemunha. Por fim, foi ouvido H, perito de seguros e indicado pela Demandada, cujo depoimento, sério e credível, foi atendido por este Julgado de Paz porquanto descreveu os danos do OQ, a possibilidade de se circular com ele e a duração previsível da sua reparação. Contribuíram, ainda, para a convicção do Tribunal os elementos objectivos constantes da participação policial, a fls. 10 e 11, e, ainda, o relatório fotográfico digital referente ao acidente de viação, a fls. 71 a 75, facultado pelo agente e testemunha G, bem como a inspecção ao local, onde se permitiu apurar a viabilidade fáctica das versões apresentadas pelas partes, sobretudo a falta de visibilidade da via para quem está situado na entrada da oficina e pretenda entrar nela. Quanto aos factos não provados, eles resultaram da ausência de prova ou de prova convincente sobre os mesmos. ENQUADRAMENTO JURÍDICO Questão Prévia: da falta de acordo da Demandada na manutenção do presente pleito no Julgado de Paz Veio a Demandada, em sede de contestação, alegar, por excepção, que não concorda com a manutenção do presente pleito nos Julgados de Paz, motivo pelo qual devem os presentes autos ser remetidos para o Tribunal Judicial da comarca territorialmente competente. Suporta a sua tese na fundamentação de que a Jurisprudência tem entendido que entre os julgados de paz e os tribunais da ordem judicial da primeira instância não há qualquer relação de limitação de competência, porque entendem que o nexo entre ambos existente é de paralelismo e de concorrência. Mais defende que os julgados de paz são órgãos jurisdicionais de resolução alternativa de litígios e, consequentemente, não sucederam na competência dos tribunais da ordem judicial, nem são seus substitutos, integrando-se na categoria de tribunais de resolução de conflitos de existência facultativa. A esse título, cita: "No actual quadro jurídico, a competência material dos julgados de paz para apreciar e decidir as acções previstas no art. 9°, n°.1 da lei 78/2001, de 13 de Julho, é alternativa relativamente aos tribunais judiciais de competência territorial concorrente" - cfr. Acórdão de fixação de jurisprudência do STJ de 24.05.2007, in www.dgsi.pt. Por conseguinte, conclui que a opção da jurisdição dos Julgados de Paz deverá ser exercida por acordo das partes, sendo que, no caso em concreto, discorda com a manutenção do presente pleito nos Julgados de Paz. Cumpre apreciar e decidir: A falta de previsão legal expressa quanto à natureza da competência dos Julgados de Paz constitui uma das problemáticas de maior relevo e que tem dividido não só a doutrina como também a própria jurisprudência. Esta questão traduz-se, no essencial, em determinar se a competência dos Julgados de Paz é exclusiva ou meramente optativa face à competência dos Tribunais Comuns, nomeadamente daqueles que fazem parte da ordem judicial pois, à luz do Art. 66º do CPC, “são da competência dos tribunais judiciais as causas que não sejam atribuídas a outra ordem jurisdicional”. Desde a entrada em vigor da LJP e da criação, a título experimental, dos primeiros Julgados de Paz, que esta questão foi debatida ao nível jurisprudencial, o que levou à definição de duas diferentes teorias sobre a mesma matéria. Assim, por um lado, sufragou-se a ideia de que os Julgados de Paz são exclusivamente competentes para conhecer das acções que neles são propostas, já que o “Art. 9.º da LJP, que estabelece a competência dos julgados de paz, em razão da matéria, é taxativo, encontrando-se a competência tipificada em exclusividade. Logo, se a competência pertencer, assim, ao Julgado de Paz, não pode a acção ser proposta no Tribunal de Pequena Instância, impondo-se a absolvição da instância”. Parte do STJ também aderiu a esta posição, fundamentando que “a criação dos Julgados de Paz, não teve por finalidade pôr à disposição dos cidadãos a possibilidade de, em alternativa, recorrerem àqueles ou aos Tribunais de Pequena Instância Cível, conforme bem entendessem, mas sim, a atribuição de competência material exclusiva aos Julgados de Paz. Contrariamente, defendia-se que “constituindo os julgados de paz entidades vocacionadas para a resolução alternativa de litígios, esta sua função específica não é, pois, obrigatória: se o fosse, não se compreenderia se deixasse na disponibilidade do interessado propor a acção no julgado de paz ou no tribunal judicial competente. Pelo que, até por revestir a sua instalação natureza experimental (Art. 64º da Lei n.º 78/2001, de 13 de Julho), se mostra plenamente justificada, quanto à competência em razão da matéria, a concorrência, ao menos transitória, entre julgados de paz e tribunais comuns. Certos quadrantes do STJ também defenderam que “a competência material dos Julgados de Paz é meramente optativa” com a justificação de que “não diz no Art. 9º (nem em qualquer outro lugar) que a competência é exclusiva, sinal de que o legislador quis, a final, postergar a atribuição de competência imperativa aos julgados de paz. Por outro lado, a Constituição da República Portuguesa (Art. 209º n.º2) coloca os julgados de paz ao nível dos tribunais arbitrais, arredando-os da categoria dos tribunais judiciais, prevendo a possibilidade de formas de composição não jurisdicional de conflitos no Art. 202º, n.º 4. Os julgados de paz consubstanciam uma estrutura paralela, necessariamente menor, com vocação para, com mais celeridade, buscar a mediação e a conciliação, em processo menos formal. Igualmente neste sentido, o Ministério Público subscreveu o teor do Parecer n.º 10/05, de 21/04/05, do Conselho Consultivo da Procuradoria-Geral da República, publicado no DR IIª série, n.º 169, de 2 de Setembro de 2005, cuja doutrina é obrigatória para o Ministério Público. E em suma diz: “os julgados de paz são uma categoria de Tribunais aos lado dos Tribunais Marítimos e Arbitrais que acresce à estrutura dos Tribunais Judiciais, dos Tribunais Administrativos e Fiscais e do Tribunal de Contas, estando a sua actuação vocacionada para permitir a participação cívica dos interessados e para estimular a composição dos litígios por acordo das partes (art.º 2, n.º 1 da L 78/01), com princípios de simplicidade, adequação, informalidade oralidade e absoluta economia processual (art.º 2, n.º 1 da L 78/01); nenhuma disposição da Lei contém a exclusividade ou a alternatividade da competência, ao contrário dos Projectos de Lei n.º 82/VIII e 83/VIII apresentados pelo Partido x ; a nova forma de administração de Justiça foi assumida com um Projecto Experimental, com instalação limitada a quatro municípios: Lisboa, Oliveira do Bairro, Seixal e Vila Nova de Gaia como meio alternativo de resolução de pequenos diferendos da vida quotidiana e com vista a aliviar a sobrecarga destes últimos e o facto de se reconhecerem dois Tribunais com idêntica competência material não implica qualquer entorse aos princípios gerais, uma vez que pertencem a estruturas diferentes”. Esta dissidência acabou por ser superada, pelo menos por agora, pelo Acórdão de Uniformização de Jurisprudência n.º 11/2007 (adiante designado por AUJ), no sentido de que “no actual quadro jurídico, a competência material dos julgados de paz para apreciar e decidir as acções enumeradas no artigo 9º, nº 1, da Lei nº 78/2001, de 13 de Julho, é alternativa relativamente aos tribunais judiciais com competência territorial concorrente”. As razões expressas para esta decisão prendem-se, sobretudo, com a própria LJP, que não possui nenhuma norma a atribuir exclusividade aos Julgados de Paz e que prescreve, em contrapartida, a competência concorrencial destes e dos Tribunais da ordem judicial quando, no decurso da tramitação dos processos, nos primeiros se suscitar algum incidente ou neles for requerida prova pericial. Assim, “resultaria incongruente que os tribunais da ordem judicial tivessem competência para conhecer das mencionadas acções a partir de determinada vicissitude processual meramente eventual e não a tivessem para conhecer delas inicialmente”. Também reconhece que, dado o carácter de participação cívica dos interessados e estímulo à justa composição dos litígios por acordo das partes, deve depender da vontade optativa dos interessados instaurar acções nos Julgados de Paz e não nos Tribunais Judiciais. No plano doutrinal, temos, por um lado, a tese de Jorge Miranda e Rui Medeiros que defende que os Julgados de Paz são Tribunais Judiciais em virtude de estarem “em boa verdade subordinados ao regime de categoria de tribunais judiciais” . Numa posição intermédia, Cardona Ferreira entende que os Julgados de Paz não são Tribunais Judiciais mas também não são, em si, um “meio alternativo voluntário, é a instituição definida como competente na medida das causas que lhe podem ser afectas e das respectivas territorialidades. Logo, segundo este autor, a competência dos Julgados de Paz não é optativa, mas, sim, vinculativa, ou seja, onde houver Julgados de Paz e na medida das suas competências, as respectivas acções devem ser aí propostas e não nos Tribunais Comuns, com competências territorial e material concorrentes. Este posicionamento é também perfilhado por Joel Timóteo Pereira que defende a existência de uma competência “semi-exclusiva” dos Julgados de Paz. Na sua óptica, duas condições conduzem a esta conclusão: por um lado, aquando da propositura da acção, tal competência é exclusiva mas também obrigatória pois a parte não tem a faculdade de escolher entre a instauração no Julgado de Paz e no Tribunal Judicial, na medida em que a competência deste é apenas quando a competência não pertença a outra ordem de jurisdição; por outro lado, apesar da exclusividade inicial dessa competência, deixa de o ser a partir do momento em que seja alterado o valor da causa para valor superior à alçada do Tribunal Judicial de Primeira Instância ou seja suscitado um incidente da instância (Art.º 41.º da LJP) que implique a remessa do processo ao Tribunal Judicial . Outros autores, que compõem a maioria da doutrina, são igualmente defensores da competência exclusiva dos Julgados de Paz , sendo de destacar a opinião de Lúcia Dias Vargas que, através da interpretação a contrario do Art. 67º da LJP , pugna que as acções que corram após a entrada em vigor da LJP passam a estar sujeitas unicamente à jurisdição dos Julgados de Paz. Para sustentar a sua tese, acrescenta que o Art. 18º da Lei 3/99, de 13 de Janeiro (LOFTJ, entretanto revogada pela Lei n.º 52/2008, de 28 de Agosto), ao atribuir competência residual aos Tribunais Judiciais nas “(...) causas que não sejam atribuídas a outra ordem jurisdicional”, determina a competência exclusiva dos Julgados de Paz na medida em que estes são uma outra ordem jurisdicional, prevista no n.º 2 do Art.209º da CRP, pelo que as matérias para as quais a lei lhe atribui competência não podem ser apreciadas por outro tribunal. Por fim, em clara oposição ao supra exposto, ressalta a tese de Miguel Teixeira de Sousa que é partidária da ideia de que os Julgados de Paz possuem uma competência material alternativa (e imperfeita) face à competência dos Tribunais Judiciais, com base no argumento principal de que sendo admitida a hipótese contrária, logo, “obrigar os interessados a recorrer a esses julgados e vedar àqueles o acesso aos tribunais judiciais é forçá-los a escolher uma forma de administração da justiça diferente daquela que é própria dos tribunais judiciais”. O autor afasta, ainda, o disposto no Art. 67º da LJP como argumento a favor do carácter exclusivo da competência dos Julgados de Paz na medida em que aquele é uma mera repetição, por outras palavras, do disposto no Art. 22º, n.º 1 da LOFTJ e pode, aliás, servir para confirmar a tese oposta já que, se fosse uma competência exclusiva, o legislador teria imposto a translatiio iudicii. No nosso entender, a competência dos Julgados de Paz é exclusiva ante a dos Tribunais Judiciais territorial e materialmente concorrentes. O carácter inicialmente experimental que foi atribuído aos Julgados de Paz foi decididamente substituído pela sua paulatina disseminação pelo território nacional, tal qual o Plano de Desenvolvimento da Rede dos Julgados de Paz prevê e que tem vindo a ser concretizado de ano para ano. Exceptuada esta razão de natureza essencialmente conjuntural, sempre diríamos que a própria LJP nada preceitua sobre a exclusividade ou alternatividade da competência destes Tribunais. Logo, se não o faz e sendo esta uma legislação especial, não existirá outra hipótese senão enveredar pela aplicação da norma geral subsidiária prevista no Art. 66º do CPC que estabelece que “são da competência dos tribunais judiciais as causas que não sejam atribuídas a outra ordem jurisdicional”. De facto, defendemos que os Julgados de Paz inscrevem-se numa ordem jurisdicional responsável pela administração da justiça e que, apesar de se afastarem dos cânones de formalismo e de distanciamento físico que caracterizam os Tribunais Judiciais, não abandonam a sua identidade inquestionável de órgão de soberania e a sua tarefa de dirimição de conflitos de natureza privada. Assim, as causas previstas no Art. 9º da LJP foram atribuídas a esta e só esta ordem jurisdicional o que inviabiliza, ab initio, o seu conhecimento por outros Tribunais, sendo que os Tribunais Judiciais só serão competentes nas situações específicas do Art. 41º e n.º 3 do Art. 59º da LJP, isto é, para os casos de dedução de incidentes, pelas partes, ou de requerimento de produção de prova pericial, respectivamente. Afastadas estas duas hipóteses, os Julgados de Paz detêm um poder de jurisdição exclusivo na área territorial onde estão implementados, de tal modo que o demandante deve, e não pode, instaurar a competente acção declarativa senão aí. Ao demandado, por seu turno, não assiste o direito de declinar a propositura de tal acção pois, caso contrário, estar-se-ia a franquear as portas para a possibilidade de um desaforamento injustificável e reiterado, que usurpava da égide jurisdicional originária dos Julgados de Paz o conhecimento de questões de Direito Privado. E, quanto a isso, não parece vingar o argumento de que haverá um desrespeito pelos princípios de igualdade no acesso à justiça (Art. 13º CRP) e da igualdade das partes em processo (Art. 3º-A do CPC) porquanto o demandado, se não o quiser, não é obrigado a sujeitar-se às formas de composição amigáveis assimiladas pelos Julgados de Paz e que correspondem à mediação e à conciliação. Estas assumem, como vimos, uma natureza absolutamente voluntária e que terão como “reverso da medalha” a sujeição dos feitos a julgamento. O que é sinónimo de dizer que, em última instância, sempre assistirá às partes a possibilidade do seu litígio ser resolvido por um terceiro – o juiz de paz – nos moldes concebidos pelo Direito Processual Civil e com garantias equivalentes. Logo, os Julgados da Paz são-no, de facto, “estruturas de mediação e conciliação mas também representam a faceta de hetero-composição de litígios que caracteriza os demais Tribunais de tal modo que as decisões que deles emergem têm o valor de uma sentença proferida por um Tribunal de 1ª Instância (Art. 61º da LJP), sendo recorríveis para este em razão do valor da acção (Art. 62º da LJP). Assim, quando no AUJ n.º 11/2007 se sentencia que a sua competência é alternativa, tem de entender-se que é alternativa apenas para o demandante nada podendo o demandado fazer para contrariar a opção daquele. Ora, se se conceber a ideia da natureza optativa dos Julgados de Paz, esta impossibilidade do demandado em opor-se à propositura da acção viola, de facto, os supra referidos princípios de igualdade no acesso à justiça e da igualdade das partes em processo. Porém, entendendo como entendemos nós o oposto, que os Julgados de Paz são Tribunais onde obrigatoriamente se devem instaurar as acções da sua competência material, tanto o demandante como o demandado estão vinculados a esta exclusividade, numa verdadeira igualdade processual, de tal forma que, se ambos ou um deles não quiser, não há lugar à mediação ou à conciliação mas, tão somente, ao julgamento, que é imperativo. Pelo exposto, improcede a excepção invocada pela Demandada, declarando-se este Julgado de Paz exclusiva e materialmente competente para apreciar a presente acção. Com a propositura da presente acção, o Demandante tem por objectivo a condenação da Demandada no pagamento de uma indemnização, por entender que o acidente em causa nos autos, e descrito no respectivo requerimento inicial, se ficou a dever a culpa exclusiva do condutor do veículo FD. Da Responsabilidade dos intervenientes no acidente: O direito à indemnização, aqui em análise, funda-se na responsabilidade civil extracontratual por factos ilícitos, cujo normativo vem consagrado no Art. 483º do Código Civil (adiante designado de CC), nos seguintes moldes: “aquele que, com dolo ou mera culpa, violar ilicitamente o direito de outrem ou qualquer disposição legal destinada a proteger interesses alheios fica obrigado a indemnizar o lesado pelos danos resultantes da violação”. O reconhecimento de tal responsabilidade depende da reunião de uma série de requisitos: um facto, ou seja, uma acção humana sob o domínio da vontade; a ilicitude, isto é, a violação de direitos subjectivos absolutos ou de normas que visem tutelar interesses privados; a culpa do agente que praticou o facto, ou seja, o juízo de censura ou reprovação que o Direito faz recair sobre o lesante porquanto agiu ilicitamente, quando podia e devia ter agido de outra forma e, por fim, um nexo de causalidade entre esse facto e o dano provocado, de acordo com a teoria da causalidade adequada. A culpa do lesante pode assumir duas formas: o dolo e a negligência ou mera culpa. Porém, a prova de tal juízo de censurabilidade impende sobre aquele que sofreu a lesão, isto é, o lesado, conforme o que dita o n.º 1 do Art. 487º do CC: “é ao lesado que incumbe provar a culpa do autor da lesão, salvo havendo presunção de culpa”. No caso em análise, não será possível o recurso à presunção legal de culpa prevista na 1ª parte do n.º 3 do Art. 503º do CC, nos termos do qual se presumiria a culpa do comissário, que agiu por conta e no interesse do comitente, já que o Demandante não logrou provar que existia uma relação de comissão entre o condutor do veículo FD e I e que teria este transferido a sua responsabilidade civil, emergente da circulação do mesmo, para a Demandada. Ao invés, apurou-se que o condutor do FD, C, foi o tomador do contrato de seguro celebrado com a Demandada, conforme se constata pela análise aos documentos a fls. 40 a 47. Resta, então, aferir se o Demandante conseguiu provar, como lhe competia, a culpa efectiva do condutor do FD na produção do evento gerador de prejuízos na sua esfera patrimonial. A este título, se ficar provada a violação de norma estradal, existe presunção “juris tantum” de negligência contra o autor da contravenção que causou o dano. Neste sentido, Ac. de 10.3.98, no BMJ 475-635 – “que a prova da inobservância de leis ou regulamentos faz presumir a culpa na produção dos danos dela decorrentes, dispensando a concreta comprovação da falta de diligência”. Atentos os factos dados como provados, ficou demonstrado que o acidente em questão derivou, efectivamente, do comportamento do condutor do veículo FD, na medida em que era dever seu ceder a passagem ao condutor do OQ, dado que estava a sair de um prédio, nos termos prescritos na al. a) do n.º 1 do Art. 31º do Código da Estrada (adiante designado de CE): “Deve sempre ceder a passagem o condutor: a) Que saia de um parque de estacionamento, de uma zona de abastecimento de combustível ou de qualquer prédio ou caminho particular”. Neste sentido, o condutor do FD deveria ter parado na entrada da Oficina e não, como o fez, sair subitamente dela, pois é dever seu, conforme dita o Art. 29º do CE, “(…) abrandar a marcha, se necessário parar ou, em caso de cruzamento de veículos, recuar, por forma a permitir a passagem de outro veículo, sem alteração da velocidade ou direcção deste”. Com efeito, atenta a prova produzida, em sede testemunhal e documental, nomeadamente a localização dos danos em ambos os veículos e o local do embate, não restam dúvidas de que o condutor do FD estava a sair de uma Oficina, sem que tivesse respeitado a regra de cedência de passagem ora aludida, tanto mais que era exigível que tivesse adoptado comportamento diverso, com observância por aquelas normas estradais e, ainda, pelo dever objectivo de diligência geral de atenção que todos os condutores de veículos automóveis, que circulam numa estrada municipal, deverão obedecer. Por outro lado, a materialidade fáctica dada como assente, não permite imputar ao Demandante qualquer negligência da condução, pois não se apurou ter este infringido qualquer norma de trânsito, contrariamente ao condutor do FD, nem que no local existissem obras de condutas de água ou qualquer sinalização a limitar a velocidade a 30 km/h, como foi alegado, mas não provado, na contestação. Estão, pois, reunidos os pressupostos em que se baseia a responsabilidade civil extracontratual por factos ilícitos e o consequente dever de indemnizar por parte do condutor do FD, à luz do n.º 1 do Art. 483º do CC. Da Obrigação de indemnizar: Ficou, também, provado que o condutor de tal veículo havia transferido a sua responsabilidade civil, por danos emergentes da sua circulação, para a Demandada seguradora, pelo que é sobre esta que recai a obrigação de indemnizar o Demandante pelos danos provocados pelo acidente. Dos Danos Ressarcíveis: A obrigação de indemnizar os danos causados ao lesado abrange, em primeira linha, a reposição ou restauração natural, de acordo com o Art. 562º do CC, que dispõe quem estiver obrigado a reparar um dano deve reconstituir a situação que existiria, se não se tivesse verificado o evento que obriga à reparação. São, pois, indemnizáveis os danos de carácter patrimonial (quer os prejuízos emergentes quer os lucros cessantes, sejam danos presentes ou futuros, nos termos dos nºs 1 e 2 do Art. 564º do CC) e os de carácter não patrimonial (caso apenas se mereceram a tutela do direito, de acordo com o n.º 1 do Art. 496º do CC). O Demandante, in casu, apenas peticionou danos patrimoniais: a reparação do OQ e a paralisação do mesmo. Provou-se em julgamento que o veículo OQ sofreu danos no montante de € 1.372,00, logo, tem o Demandante direito a ser ressarcido dessa quantia. O Demandante peticiona, ainda, uma paralisação de 75 dias, tendo alegado e demonstrado danos concretos e visíveis que resultaram da paralisação do seu veículo, em especial da impossibilidade de circular com o OQ para trabalhar nas feiras ou para transportar a sua própria família. Não conseguiu, porém, demonstrar que o veículo tivesse impedido de circular durante esse invocado hiato temporal mas, tão somente, que não conseguiu circular com ele durante o período que esteve a ser alvo de reparação. Por conseguinte, do vertido no relatório de Avaliação, a fls. 12, onde aliás se refere que o veículo circula, bastariam 5 dias de reparação e consequente paralisação do veículo OQ, pelo que se entende ser este o intervalo de tempo a ser atendível para efeitos indemnizatórios. Assim, tendo o Demandante provado o exercício da profissão de feirante e a impossibilidade de a exercer, por várias localidades, durante o período de reparação do OQ, por o mesmo não poder circular, terá direito a ser ressarcido da quantia de € 175,00 (trezentos Euros), correspondente a € 35,00, por cada dia de imobilização. O montante global da indemnização a atribuir ao Demandante ascende, assim, a € 1.547,00 (€ 1.372,00 + € 175,00). Os juros de mora: Nos termos do Art. 804º e Art. 559º do CC, sobre a obrigação de indemnizar incide também a obrigação de pagamento de juros a partir do dia da constituição em mora. A ser assim e tendo em conta o regime descrito no Art. 805º n.º 3 do citado Código, serão devidos juros de mora, no caso em apreço, à taxa legal de 4%, sobre a indemnização, desde a data da citação até integral pagamento (Portaria nº 291/2003, de 08.04). Assim sendo, deverá o Demandante ser ressarcido pela Demandada, da quantia de € 1.547,00, acrescida dos juros de mora à taxa legal de 4%, desde a citação, até integral pagamento. DECISÃO: Pelo exposto e nos termos dos fundamentos de Direito invocados, julgo a acção parcialmente procedente e, em consequência, condeno a Demandada a pagar ao Demandante a quantia de € 1.547,00 (mil e quinhentos e quarenta e sete Euros), acrescida dos juros de mora à taxa legal de 4%, desde a citação, que ocorreu a 07.05.2009, até integral pagamento. Custas na proporção do decaimento, que se fixam em 60% para o Demandante e 40% para a Demandada, em conformidade com os Artigos 8º e 9º da Portaria n.º 1456/2001, de 28 de Dezembro. Registe e notifique. Tarouca, 29 de Julho de 2009 A Juíza de Paz, Processado por computador Art.º 138º/5 do C.P.C.Daniela Santos Costa VERSO EM BRANCO Julgado de Paz de Tarouca |