Sentença de Julgado de Paz
Processo: 106/2011-JP
Relator: DULCE NASCIMENTO
Descritores: INCUMPRIMENTO DO CONTRATO DE PROMESSA DE COMPRA E VENDA DE VEÍCULO AUTOMÓVEL
Data da sentença: 09/06/2011
Julgado de Paz de : SANTA MARIA DA FEIRA
Decisão Texto Integral:
SENTENÇA

Valor da Acção: 1.000€ (mil euros)
I – IDENTIFICAÇÃO DAS PARTES
Demandante: A
Mandatário: B
Demandado: C
Defensor Oficioso: D
II – TRAMITAÇÃO
A Demandante intentou a presente acção em 07.06.2011 pedindo a condenação do Demandado a devolver o sinal de 500€ (quinhentos euros) em dobro, em virtude de incumprimento do contrato promessa de compra e venda celebrado entre as partes. Juntou aos autos procuração forense.
Frustrada a citação do Demandado por via postal, e impossibilitada por funcionário, foram notificadas as entidades identificadas no artigo 244º do Código de Processo Civil, nos termos e para os efeitos desse preceito legal; após as devidas diligências, desconhecendo-se o paradeiro do Demandado, foi nomeado defensor oficioso ao ausente, atento o disposto no nº 2 do artigo 46º da Lei nº 78/2001, de 13 de Julho, e no artigo 15º do Código de Processo Civil, aplicável ex vi artigo 63º da citada Lei nº 78/2001, e visto não existir Ministério Público junto dos Julgados de Paz. O defensor oficioso, citado em representação do mesmo, não contestou.
Foi marcada a audiência de julgamento para o dia 05.09.2011, pelas 10:00 horas, encontrando-se Demandante, sua mandatária e Defensor Oficioso, devidamente notificados.
O Julgado de Paz é competente em razão da matéria, do objecto, do território e do valor. O processo não enferma de nulidades que o invalidem na totalidade. As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias e são legítimas.
III – FUNDAMENTAÇÃO
Nos termos do disposto no n.º 3 do artigo 484º, do CPC, aplicável por remissão do artigo 63º da LJP, “Se a resolução da causa revestir manifesta simplicidade a sentença pode limitar-se à parte decisória, precedida da necessária identificação das partes e da fundamentação sumária do julgado”.
Da prova produzida (documental e testemunhal), constatou-se o seguinte:
1. No início de Janeiro de 2011, a Demandante viu, no site E, um anúncio de venda de um veículo automóvel ligeiro de passageiros, da marca Renault, a gasóleo, com 60.000 quilómetros, pelo preço de 11.000€ (onze mil euros).
2. A Demandante entrou em contacto com o seu proprietário, aqui Demandado, através do contacto telefónico constante do citado anúncio - x - e combinaram uma visita ao automóvel.
3. A Demandante, acompanhada pelo seu namorado e pelo seu pai, deslocou-se duas vezes ao F, sito no concelho de Santa Maria da Feira, local escolhido e marcado pelo Demandado para ver o supra identificado automóvel, tendo analisado o mesmo que apresentava alguns riscos.
4. Em 15.01.2011, Demandado e Demandante celebraram contrato promessa de compra e venda verbal do supra identificado veículo automóvel, pelo preço anunciado de 11.000€ (onze mil euros), tendo o Demandado exigido a entrega de um sinal de 500€ (quinhentos euros), que a Demandante pagou em 17.01.2011, através de transferência bancária para a conta com o NIB x, da titularidade de G, mulher do Demandado, por indicação deste.
5. O Demandado comprometeu-se a polir e lavar o automóvel por dentro e por fora e a legalizá-lo, uma vez que havia sido importado de França, acordando as partes que o contrato definitivo de compra e venda devia ser celebrado no prazo de uma semana, com entrega do carro e documentos, contra o pagamento do restante preço.
6. Passaram-se mais de sete dias e o Demandado alegava não poder ainda outorgar o contrato definitivo, porque se tinham atrasado os documentos, remetidos de França, com vista à legalização do automóvel prometido vender em Portugal.
7. Posteriormente, a Demandante contactou os serviços da Renault que informaram que o automóvel em causa, identificado através do número do chassis, apresentava, na última assistência efectuada, mais de 160.000 quilómetros e não apenas 60.000 quilómetros.
8. A Demandante informou o Demandado que, face ao atraso na outorga do contrato definitivo, por causas a ele imputáveis, acrescido da divergência entre as características anunciadas do automóvel e as efectivamente verificadas, concretamente quanto à quilometragem, não estava mais interessada na sua aquisição, pretendendo resolver o contrato promessa.
9. O Demandado aceitou a resolução contratual e comprometeu-se a devolver a quantia de 500€ (quinhentos euros) entregue a título de sinal, mas apesar das insistências da Demandante e das promessas do Demandado, este, até à presente data, não devolveu à Demandante aquela quantia.
Para fixação da matéria fáctica dada como provada concorreram os factos admitidos, os depoimentos testemunhais e os documentos juntos aos autos. No que diz respeito aos depoimentos testemunhais os mesmos foram apreciados segundo as regras da experiência comum, os critérios da lógica e os juízos de probabilidade e razoabilidade. No seu confronto teve-se em consideração demais provas, tendo-se procedido à selecção fundamentada do que se considerou verdadeiro e credível do que é incoerente ou deixou dúvidas.
As testemunhas mereceram a total credibilidade do Tribunal, por terem deposto de modo imparcial e credível, tendo-se registado terem conhecimento directo dos factos objecto dos presentes autos, porquanto acompanharam a Demandante nas negociações e tentativas de resolução da situação.
A fixação da matéria fáctica dada como não provada resultou da ausência de mobilização probatória credível, que permitisse ao Tribunal aferir da veracidade dos factos, após a análise dos documentos juntos e da prova testemunhal produzida.
Verificando-se os pressupostos processuais de regularidade e validade da instância, não existindo excepções, nulidades ou quaisquer questões prévias de que cumpra conhecer, ou que obstem ao conhecimento do mérito da causa, cumpre apreciar e decidir:
IV - O DIREITO
Nos presentes autos pretende-se apurar a responsabilidade em relação ao cumprimento de um contrato-promessa de compra e venda de veículo Automóvel.
De acordo com a matéria probatória o objecto do negócio prometido foi a aquisição de um veículo automóvel marca Renault, a gasóleo, com 60.000 quilómetros pelo preço de 11.000€, tendo a Demandante efectuado a entrega de 500€ a título de sinal, com vista a que o Demandado procedesse à regularização da documentação que demoraria cerca de uma semana, período findo o qual celebrariam o contrato definitivo.
Mais resultou provado que para além do não cumprimento pelo Demandado do prazo acordado para a legalização e entrega do veículo, posteriormente a Demandante verificou que a viatura tinha mais 100.000 quilómetros do que o declarado pelo Demandado, factos nos quais a Demandante fundamenta a sua intenção de anular o negócio, solicitando a entrega do sinal em dobro.
A relação material controvertida da presente acção consiste num contrato promessa de compra e venda, segundo o qual a Demandante, através da Internet tomou conhecimento do objecto do negócio, que depois veio a visualizar presencialmente com o Demandado, tendo pessoalmente acordado os termos do negócio e procedido à transferência da verba de 500€ a título de sinal e principio de pagamento para compra do automóvel.
Tendo em consideração o exposto não estamos perante uma compra on-line (prática cada vez mais comum e corrente), mas sim um contrato de promessa de compra e venda com entrega de sinal e sem entrega do objecto, acrescido do facto de verificação posterior de desconformidade do objecto do negócio prometido com a realidade. Acresce que, também não estamos perante uma situação em que seja aplicável a lei da defesa do consumidor (DL 67/2003 de 8 de Abril), uma vez que o Demandado (vendedor) não actua como profissional.
Resulta verificado e provado que a Demandante procedeu ao pagamento do valor correspondente ao sinal acordado entre as partes. Bem como, resulta provado que o Demandado não cumpriu com a sua obrigação de formalizar o contrato prometido no prazo acordado, acrescido de posterior verificação de desconformidade nas características do objecto prometido vender em cerca de mais 100.000Km, ão tendo o Demandado procedido à devolução do sinal.
A verificada desconformidade na quilometragem do veículo automóvel levou a que a Demandante emitisse uma declaração negocial viciada por erro. Ora quando o erro atinja os motivos determinantes da vontade quanto ao objecto do negócio, torna este anulável (251º e 247º CC).
Cumpre verificar se à entrega dos 500€ pretenderam as partes atribuir carácter de sinal ou antecipação parcial do cumprimento. Ora, dispõe o artigo 441º CC que estando em causa um contrato de promessa de compra e venda, presume-se ter carácter de sinal toda a quantia entregue pelo promitente-comprador ao promitente vendedor, ainda que a título de antecipação ou princípio de pagamento do preço.
Assim sendo, a circunstância dos 500€ ter sido entregue com vista à necessária regularização da legalização dos documentos não inviabiliza que a mesma seja considerada como tendo sido entregue a título de sinal, uma vez que apenas após a regularização desse acto se poderia concretizar o negócio definitivo, ou seja o contrato de compra e venda do veículo automóvel. Termos em que, conclui-se que as partes celebraram um contrato promessa de compra e venda e a importância entregue o foi a título de sinal.
O contrato deve ser pontualmente cumprido (406º CC), e o devedor cumpre a obrigação quando realiza a prestação a que está vinculado (762º/1 CC), o que não se verificou por parte do Demandado que não entregou a coisa vendida, no prazo acordado para celebrar o contrato definitivo, resultando uma situação de incumprimento.
Releva verificar se a falta de cumprimento é imputável ao devedor, regendo aqui a regra da presunção de culpa (art. 799.º, n.º 1 CC). No caso, ficou provado que o negócio prometido não se concretizou e a propriedade não se transmitiu, não tendo o vendedor, aqui Demandado, cumprido com as suas obrigações.
O Demandado não realizou qualquer prova de que o mesmo não procedeu de culpa sua, verificando-se uma situação de incumprimento contratual por parte deste com presunção da sua culpa relativamente aos factos de que vem acusado.
Face ao demonstrado atraso na regularização da legalização da documentação da viatura, bem como à quilometragem real da viatura, a Demandante perdeu a confiança e interesse na execução específica do negócio. Verificando-se assim uma situação de impossibilidade do cumprimento definitiva e culposa imputável ao devedor (ora Demandado), confere-se legalmente a possibilidade do credor (Demandante) poder resolver o contrato e, se já tiver realizado a sua prestação, exigir a restituição dela por inteiro (801º/2 CC) conforme resulta claro dos presentes autos.
Acresce que a prestação da Demandante foi entregue a título de sinal, o qual constitui uma garantia de cumprimento dada por uma parte à outra, antes da conclusão do negócio. Neste sentido, até à data da celebração da compra e venda é possível ao comprador desistir do negócio, com a consequência de perder o sinal que entregou. No caso de ser o vendedor a desistir do negócio, terá de devolver ao comprador o dobro do sinal que este lhe entregou (442º CC).
Dos factos e disposições legais supra referidas resulta claro e inequívoco que se o não cumprimento do contrato definitivo é imputável ao promitente vendedor, quer face ao não cumprimento dos prazos fixados, quer pela posterior verificação de desconformidade dos quilómetros do objecto negociado e o real. Termos em que tem o promitente-comprador a faculdade de exigir o dobro do que prestou (442º/2 CC), conforme resulta peticionado nos presentes autos, valor no qual vai o Demandado condenado.
V - DECISÃO
Em face do exposto, julgo a presente acção procedente, por provada, e consequentemente condeno o Demandado a proceder è devolução à Demandante do sinal em dobro, ou seja a proceder ao pagamento à Demandante da importância de 1.000€ (mil euros).
Extraia-se certidão da presente sentença, e remeta-se aos competentes Serviços das Finanças, Autoridade de Segurança Alimentar e Económica (ASAE), Comissão de Aplicação de Coimas em Matéria Económica e de Publicidade (CACMEP), e ao Ministério Público, nomeadamente, por suspeita de incumprimento de obrigações fiscais, prática de comportamentos susceptíveis de contra-ordenação, e eventual prática de crime, por parte do Demandado, de acordo com o supra exposto na matéria probatória.
Nos termos da Portaria nº 1456/2001, de 28 de Dezembro, o Demandado é condenado nas custas, que ascendem a 70€ (setenta euros). Verificando-se a ausência do mesmo, encontra-se dispensado do aludido pagamento enquanto a sua situação se mantiver.
Cumpra-se o disposto no número 9 da mesma portaria, em relação à Demandante.
Fixo ao Sr. Defensor Oficioso D, honorários, nos termos da tabela anexa à Portaria n.º 1386/2004, de 10 de Novembro, revogada pela Portaria 210/2008 de 29 de Fevereiro, aplicado ex vi do artigo 40º, da Lei 78/2001, de 13 de Julho.
Defiro e determino, excepcionalmente, a notificação da presente sentença às partes nos termos requeridos, atendendo aos fundamentos pelas mesmas apresentados.
Registe.
Julgado de Paz de Santa Maria da Feira, em 6 de Setembro de 2011
A Juíza de Paz
(Dulce Nascimento)