Sentença de Julgado de Paz | |
Processo: | 556/2015-JP |
Relator: | LUÍS FILIPE GUERRA |
Descritores: | RESPONSABILIDADE CIVIL CONTRATUAL - SEGURO - CONTRATO À DISTÂNCIA |
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Data da sentença: | 03/16/2016 |
Julgado de Paz de : | PORTO |
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Decisão Texto Integral: | SENTENÇA RELATÓRIO: A, com os demais sinais identificativos nos autos, intentou acção declarativa respeitante à responsabilidade civil contratual contra B – Sucursal em Portugal, melhor identificada a fls. 3, pedindo a condenação da mesma a devolver-lhe o valor total de 197,82 €, bem como juros vencidos e vincendos desde Julho de 2012. Para tanto, o demandante alegou os factos constantes do requerimento inicial de fls. 3 e 4, que aqui se dá por reproduzido, tendo juntado ao mesmo catorze documentos. Regularmente citada, a demandada apresentou a contestação de fls. 34 a 37, que aqui se dá por reproduzida, pugnando pela improcedência da acção. Não se realizou a sessão de pré-mediação, dado que o demandante faltou à mesma, afastando tacitamente essa possibilidade. Foi, por isso, marcada e realizada a audiência de julgamento, segundo as regras legais. Encontram-se reunidos os pressupostos de regularidade da instância, nomeadamente: Este julgado de paz é competente em razão do objecto, do valor, da matéria e do território (cfr. artigos 6º nº 1, 8º, 9º nº 1 h) e 12º nº 1 da Lei nº 78/2001, de 13 de Julho). Por outro lado, as partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias e são legítimas. Não há nulidades, excepções ou outras questões prévias de que cumpra conhecer, pelo que se fixa o valor da presente causa em 197,82 €. Assim, cabe apreciar e decidir: II. FUNDAMENTAÇÃO FÁCTICA: Discutida a causa, ficaram provados os seguintes factos: 1. Em 07/05/2012, o demandante foi contactado telefonicamente na data acima aludida e foi-lhe apresentado e dada a possibilidade de subscrever com a demandada o contrato de seguro de acidentes pessoais denominado por Plano Tripla Segurança C 2. O demandante consentiu na realização dessa chamada telefónica e nela foi informado das condições de adesão ao plano, assim como das coberturas da apólice, do valor do prémio mensal e de que se produziria o primeiro débito em conta no final do mês de Junho do mesmo ano. 3. O demandante aceitou na mesma data contratar o seguro que lhe foi proposto, descrito e disponibilizado pela via telefónica, incluindo os seus filhos como beneficiários da apólice. 4. A demandada ficou de remeter ao demandante pelo correio a apólice do referido contrato de seguro. 5. A morada para a qual a demandada teria de dirigir a referida correspondência foi previamente confirmada pelo demandante durante a chamada telefónica acima aludida. 6. O demandante foi ainda informado de que dispunha de um período de reflexão de trinta dias, contados desde a data de recebimento da apólice de seguro, durante o qual poderia livremente cancelar a sua adesão, com a devolução do montante pago nesse período. 7. Entre os dias 07/05/2012 e 09/09/2013, o demandante não comunicou à demandada que queria cancelar o produto que havia contratado ou fazer qualquer alteração que fosse. 8. Em 09/09/2013, através de chamada telefónica efectuada para o Departamento de Apoio ao Cliente da demandada, o demandante comunicou-lhe que não estava interessado em manter a apólice que havia subscrito. 9. A demandada procedeu de imediato ao cancelamento da referida apólice, com efeitos à data de 01/09/2013, momento até ao qual a mesma esteve em vigor. 10. O demandante desenvolveu diligências, junto da demandada e da Autoridade de Supervisão de Seguros e Fundos de Pensões (ASF), para reaver o valor de 197,82 €, correspondente a onze mensalidades de 13,98 € cada e três a 14,68 €. 11. Na resposta à sua reclamação, a ASF informou o demandante de que tinha trinta dias após a recepção da apólice para pedir a resolução do contrato. 12. Pelo menos até 09/09/2013, o demandante não tinha recebido a referida apólice de seguro. 13. Em 2010, a demandada vendeu ao demandante o mesmo seguro, tendo este recebido a respectiva documentação na sua residência e informado oportunamente por meio de telecópia que não estava interessado no mesmo. Os factos provados sob os n.os 1 a 6 assentam na gravação da chamada telefónica acima aludida, da qual resulta claramente a aceitação por parte do demandante do contrato de seguro proposto pela demandada e o cumprimento do dever de informação e esclarecimento por parte desta. Os factos n.os 7, 8 e 13 resultam do acordo das partes, expresso e tácito, mediante a conjugação da alegação de um e outra. O facto nº 9 extrai-se dos factos n.os 7 e 8 e do pedido formulado pelo demandante, por presunção judicial. Os factos n.os 10 e 11 estão demonstrados pelos documentos oferecidos pelo demandante, os quais não foram impugnados. Finalmente, o facto nº 12 resulta da falta de prova bastante para convencer o tribunal da recepção por parte do demandante da apólice de seguro antes da data do seu cancelamento, sendo certo que o ónus da prova dessa factualidade competia à demandada, nos termos das disposições conjugadas dos artigos 342º, nº 2 do Código Civil e 414º do CPC, tanto mais que não seria exigível ao demandante fazer a prova de tal facto negativo. Não se provaram outros factos com interesse para a boa decisão da causa, nomeadamente o teor dos artigos 1º da petição inicial e 9º da contestação, tendo em conta os escassos meios probatórios oferecidos pelas partes (documentos e gravação áudio), que não se referem a esta factualidade. III. FUNDAMENTAÇÃO JURÍDICA: Como decorre do artigo 2º do Decreto-Lei nº 95/2006, de 29 de Maio, o demandante e a demandada estabeleceram entre si um contrato à distância relativo a serviços financeiros ao consumidor, por meio do qual o primeiro subscreveu um seguro de acidentes pessoais disponibilizado pela segunda. Assim, nos termos do artigo 19º, nº 1 do mesmo diploma legal, “o consumidor tem o direito de resolver livremente o contrato à distância, sem necessidade de indicação do motivo e sem que possa haver lugar a qualquer pedido de indemnização ou penalização do consumidor”. O prazo de exercício do direito de livre resolução é de 14 dias, excepto para contratos de seguro de vida e relativos à adesão individual a fundos de pensões abertos, em que o prazo é de 30 dias, sendo o mesmo contado a partir da data da celebração do contrato à distância, ou da data da recepção, pelo consumidor, dos termos do mesmo e das informações, de acordo com o n.º 3 do artigo 11.º, se esta for posterior (cfr. artigo 20º, n.os 1 e 2 do mesmo diploma legal). Por sua vez, o artigo 118º, n.os 1 a) e 2 do Regime Jurídico do Contrato de Seguro (RJCS), aprovado pelo Decreto-Lei nº 72/2008, de 16 de Abril, estipula que o tomador do seguro, sendo pessoa singular, pode resolver o contrato sem invocar justa causa nos 30 dias imediatos à data da recepção da apólice, no caso de contratos de seguro de acidentes pessoais, com uma duração igual ou superior a seis meses, contando-se o prazo a partir da data da celebração do contrato, desde que o tomador do seguro, nessa data, disponha, em papel ou noutro suporte duradouro, de todas as informações relevantes do seguro que tenham de constar da apólice. O exercício do direito de livre resolução extingue as obrigações e direitos decorrentes do contrato ou operação, com efeitos a partir da sua celebração e, nos casos em que o prestador tenha recebido quaisquer quantias a título de pagamento dos serviços, fica obrigado a restituí-las ao consumidor no prazo de 30 dias contados da recepção da notificação da livre resolução (cfr. artigo 24º, n.os 1 e 2 do citado Decreto-Lei nº 95/2006, de 29 de Maio). Isto posto, como resultou claramente da gravação da chamada telefónica estabelecida pela demandada, por intermédio do seu agente, com o demandante em 07/05/2012, aquela informou este das condições do exercício do direito de resolução, nos termos do artigo 15º, nº 1 a) e b) deste diploma legal. Ora, de acordo com essas informações, o demandante dispunha do prazo de trinta dias após a recepção da apólice de seguro para exercer o direito de resolução, querendo. Ou seja, a recepção da apólice de seguro era condição de início da contagem do prazo para o exercício do direito de livre resolução do contrato e, por tabela, da sua caducidade. Porém, muito embora a demandada se tenha comprometido a fazer esse envio no prazo de 14 dias, a verdade é que a mesma não logrou provar que o demandante tivesse recebido a respectiva apólice de seguro nem que não a tivesse recebido por causa que lhe era imputável. De facto, a demandada não ofereceu qualquer prova desse facto, tendo-se limitado a fazer juízos de probabilidade a partir de situação análoga passada. Por outro lado, o print informático do registo interno da expedição de documentação, que a demandada enviou para a ASF, em resposta à interpelação desta entidade, não só não faz fé em juízo como não constituiria prova suficiente de que o demandante tivesse recebido a referida apólice de seguro, mas apenas de que a mesma lhe foi remetida. No entanto, como é público e notório, o extravio de correspondência é muito significativo, nos dias que correm, pelo que a expedição de carta por correio simples não garante a sua entrega ao destinatário, correndo o risco por conta do remetente. Assim sendo, como é evidente, sem ter recebido a referida documentação, o demandante não podia apreciar o seu teor para efeitos de exercer, querendo, o direito de livre resolução. Deste modo, tem necessariamente que se entender, face às informações transmitidas ao demandante e ao disposto nos preceitos legais acima citados, que este estava em tempo para exercer o direito de livre resolução do contrato quando comunicou essa pretensão à demandada em 09/09/2013. Por conseguinte, a demandada tem que devolver ao demandante as quantias recebidas deste a título de prémios de seguro, no total de 197,82 €, acrescidas de juros de mora, à taxa legal, contados a partir de 09/10/2013 até ao efectivo e integral pagamento (cfr. artigos 804º a 806º do Código Civil), considerando a data em que o demandante comunicou a resolução do contrato e o disposto no citado artigo 24º, nº 2 deste último diploma legal. IV. DECISÃO: Nestes termos, julgo a presente acção procedente e provada e, consequentemente, condeno a demandada a restituir ao demandante a quantia de 197,82 €, acrescida de juros moratórios, à taxa legal de 4% ao ano, computados desde 09/10/2013 até ao efectivo e integral pagamento. Custas pela demandada (cfr. artigo 8º da Portaria nº 1456/2001, de 28 de Dezembro). Registe e notifique. Porto, 16 de Março de 2016 O Juiz de Paz, (Luís Filipe Guerra) |