Sentença de Julgado de Paz
Processo: 757/2014-JP
Relator: MARIA JUDITE MATIAS
Descritores: CONTRATO DE PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS - INCUMPRIMENTO CONTRATUAL - AGÊNCIA DE VIAGENS E TURISMO - CONTRATO DE VIAGEM
Data da sentença: 05/31/2016
Julgado de Paz de : LISBOA
Decisão Texto Integral: Sentença

Matéria: Responsabilidade Civil
(alínea h do n.º 1, do art. 9º, da Lei n.º 78/2001, de 13 de Julho na redacção que lhe foi dada pela Lei n.º 54/2013 de 31 de Julho).
Objeto: Incumprimento contratual.
Valor da ação: €3490,00 (três mil quatrocentos e noventa euros).

Demandante: A, divorciada, terapeuta, portadora do cartão de cidadão n.º x, válido até xx-xx-2017, com o contribuinte fiscal n.º x, residente na Alameda x, n.º x, x xxxx-xxx Lisboa.
Mandatárias: Dra. B, advogada, com domicílio profissional na Rua x, n.º x, x, xxxx – xxx Almada.
Demandados: C, sociedade por quotas, com o CAE Principal x- x, com sede na Rua x, x em xxxx-xxx Lisboa.
Mandatário: Dr. D, advogado, com domicílio profissional na Av.ª x, x, x, xxxx – xxx Lisboa, designado nos termos previstos do n.º 2 do artigo 25.º no NCPC.

Do requerimento inicial: fls. 1 a 8:
PEDIDO: fls. 8.
A Demandante pede a condenação da demandada:
1 - A reconhecer que incumpriu o contrato com a demandante e que seja condenada a proceder ao reembolso de €1490,00 (valor pago pela viagem de férias que contratou e que não se realizou);
2 - E que seja ainda condenada a pagar €2000,00 a título de indemnização pelos danos que lhe foram causados com toda esta situação. Nomeadamente com uns dias que eram supostamente de férias e que se transformaram nuns dias de pesadelo, sofrimento, tristeza e humilhação.
Junta: 8 documentos.
Contestação: a fls. 70.
Tramitação:
Frustradas todas as diligências de citação, quer da demandada quer dos Gerentes constantes do RNPC, bem documentadas nos autos a fls. 43 a 66, foi designado representante especial supra identificado.
Audiência de Julgamento
A audiência decorreu conforme ata de fls. 86.
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Fundamentação fáctica
Com relevância para a decisão da causa dão-se por provados os seguintes factos:
1 - Em 16 Julho de 2013 a demandante deslocou-se à agência de turismo aqui demandada com o fim de obter uma viagem para Baku (Azerbeijão), foi atendida pela Senhora E, (que sempre se apresentou como gerente) e na altura pediu um orçamento para a referida viagem, tendo ficado a saber que o valor seria de € 1490,00 (viagem +hotel );
2 - Nesse dia 16 de Julho de 2013, a demandante reservou a viagem para ocorrer entre os dias 14 e 21 de Agosto de 2013, com hotel incluído e escolhido, tendo pago de imediato €100,00 a título de sinal para a reserva, e em 17 de julho de 2013 entregou mais e €750,00; em 25 de julho de 2013 pagou mais €340,00 (cfr. doc 1);
3 – Em 25 de julho de 2013 a demandante é informada que o visto para Baku custaria €260,00 e por isso decidiu optar por uma viagem à Turquia;
4 – Em 06 de agosto de 2013, a demandante pagou €300,00, ficou a viagem e hotel totalmente pagos (cfr. doc 1);
5 – A demandada foi informada de todos os serviços contratados, tendo-lhe sido entregue o itinerário, o electronic ticket da Turkish Airlines e o voucher referente ao alojamento em quarto duplo para uma pessoa no Hotel Aydinbey Famous Resort (cinco estrelas) em regime tudo incluído de 14 a 21 de Agosto de 2013 (cfr. doc. 2, 3, 4 fls. 10 a 14);
6 - E chegou o dia 13 de Agosto de 2013 demandante embarcou no voo TKx da Turkish Airlines com destino a Istambul, onde às 00h45 (locais) de dia 14 fez a ligação com destino a Antalya “o Aydinbey Famous Resort 5;
7 - A Demandante Chegou ao hotel cerca das 05h00 e apresentou no check in o voucher que lhe tinha sido entregue juntamente com a documentação de viagem pela F;
8 - O recepcionista informou a demandante, não tinha nenhuma reserva confirmada em seu nome;
9 – A demandante aguardou as 09h00 da manhã para contactar a D. E, para relatar o sucedido e pedir-lhe para se certificar se teria havido algum erro com o pagamento da reserva;
10 - Cerca das 15h00, a D. E telefonou informando a demandante que deveria aguardar no hotel porque estava a averiguar o que se passava e que voltaria a contactá-la;
11 – A demandante passou a manhã e a tarde na receção do hotel, à espera de solução;
12 - Pelas 20h30, numa chamada que fez através do telefone do hotel, a mencionada senhora acabou por informar a demandante que tinha encontrado um outro hotel, o Iberostar Bellis, que teria de se deslocar de táxi para o mesmo pagando a deslocação, e que quando chegasse a Lisboa, a ressarciria destas despesas extra;
13 – A demandante deslocou-se de táxi ao hotel indicado, ao qual chegou cerca das 21h30;
14 - A demandante dirigiu-se ao check in, apresentou a confirmação de reserva que a Senhora E tinha enviado, mas mais uma vez foi informada que não tinha reserva nenhuma (documento n.º 3, fls. 13);
15 – Contatou novamente D. E que disse haver mau funcionamento dos hotéis na Turquia;
16 - Os próprios funcionários do hotel tentaram ajudar, contactando outros hotéis e até pensões, tentando conseguir um quarto para a demandante pernoitar, mas estavam todos cheios e foi informada que teria de abandonar o hotel;
17 – A demandante desesperada, contactou novamente a D. E, informando-a que queria regressar com a maior brevidade possível a Lisboa;
18 - A demandante foi informada que no dia seguinte às 07h00 teria um voo de regresso a Portugal, devia ir para o aeroporto aguardar pelo voo, e que bastaria dirigir-se ao balcão de check in;
19 - Pela 01h00, a demandante apanhou um táxi para o aeroporto, onde passou a noite aguardando o anunciado voo;
20 - Quando se dirigiu ao check in, foi informada que não havia qualquer reserva em seu nome;
21 - Em desespero, voltou a contactar a D. E por e-mail, sem sucesso;
22 - Na ausência de resposta, comprou cartões telefónicos e acabou por conseguir falar com a senhora, que continuava a queixar-se da incompetência dos turcos, dos hotéis, da Turquia e agora também das companhias aéreas;
23 – Em novo contacto a D. E informou a demandante que apenas poderia embarcar no dia seguinte, dia 16 de Agosto, no voo das 08h10;
24 - A demandante passou mais uma noite no aeroporto, sozinha, com frio devido ao forte ar condicionado;
25 – A demandante despendeu todo o dinheiro que levava com todas estas diligências, deslocações e refeições, incluídas na viagem;
26 - A demandante embarcou para Lisboa no dia 16 de Agosto de 2013, três dias depois de ter saído de Lisboa (o equivalente a quase metade das férias de que deveria ter usufruído), cansada, humilhada, doente e sem férias, depois de ter juntado com bastante sacrifício os €1.490,00 pagos antecipadamente para uma viagem tão desejada e de ainda ter tido gastos acrescidos;
27 – Em, a 22 de Agosto de 2013, a demandante foi à agência demandada tendo por esta sido emitida uma nota de crédito no valor de € 1.490,00, que seria pago por transferência bancária (cfr. doc 5, fls. 15, que se dá por integralmente reproduzido);
28 - Como a prometida transferência bancária tardava em dar entrada na conta da demandante, esta acabou por voltar várias vezes à agência pedindo que resolvessem o problema rapidamente, mas o discurso e atitude da D. E foram mudando, e começou a dizer que devolvia o dinheiro da viagem, quando lhe apetecesse e, que se a demandante quisesse, que comprasse outra viagem porque não devolvia o dinheiro; 29 – A demandante requereu a intervenção da DECO sem que esta entidade lograsse resposta da demandada (cfr. doc. 6, a fls. 16 a 19, cujo teor se dá por reproduzido);
30 – A demandante apresentou reclamação dirigida à Direção-Geral do Turismo (cfr. doc. de fls. 20 a 27, cujo teor se dá por reproduzido).

Motivação
A convicção do tribunal fundou-se no depoimento da demandante, nos documentos juntos aos autos e não impugnados, os quais atestam que a demandante contratou a viagem com a demandada, fundamentalmente os documentos de fls. 11 a 15, que atestam as datas das viagens de ida e volta programadas e a antecipação do regresso, acompanhado do documento que atesta a nota de crédito que a demandada reconhece a favor da demandante (fls. 16). O Relato feito pela demandante, da sua frustração ao perceber que não tinha quarto no primeiro hotel, as horas que passou no átrio desse hotel; a sua deslocação para outro hotel com nova frustração; a chegada ao aeroporto para regressar sem ter gozado férias e constatar que não tinha voo; passar uma noite no aeroporto, foi absolutamente convincente. É caso para dizer que, ninguém merece passar por tal experiência. As entidades a quem apelou por escrito (DECO, doc 6 fls. 16 a 19, e Direcção Geral de Turismo, relatando o sucedido, são documentos que não deixam dúvida alguma quanto ao sofrimento e frustração que a demandada causou à demandante, que em vez das desejadas férias sofreu três dias de tormento. Consideramos o seu depoimento absolutamente credível e, em consonância com os documentos apresentados e supra referidos.
Factos não provados
Consideram-se não provados os factos não consignados, nomeadamente despesas com táxis e telefonemas.

Do Direito
Entre a demandante e a demandada foi celebrado um contrato de prestação de serviços, figura prevista no artigo 1154.º do Código Civil, ao qual se aplicam os normativos específicos constante da Lei da Agência de Viagens e Turismo (Decreto-Lei nº 61/2011 de 6 de Maio, com as alterações do Decreto-Lei nº 199/2012 de 24 de Agosto), bem como as previstas no Código Civil, a todas as situações não contempladas nestes diplomas. Assim, no que respeita à responsabilidade civil das agências de viagens, nos casos de violação das obrigações decorrentes do contrato celebrado, importa ter presentes as disposições estabelecidas nos referidos diplomas que estabelecem normativos específicos. O nº 1 do art. 29º, do citado DL 61/2011 estabelece que as agências são responsáveis perante os seus clientes pelo pontual cumprimento das obrigações resultantes da venda de viagens turísticas, sem prejuízo do disposto nos números seguintes. Quando se tratar de viagens organizadas, como é o caso em apreço, as agências são responsáveis perante os seus clientes, ainda que os serviços devam ser executados por terceiros. É doutrina assente, que se considera celebrado o contrato de viagem com a entrega ao cliente do documento de reserva e do programa, desde que se tenha verificado o pagamento, ainda que parcial, da viagem, sendo que, no caso, o preço foi integralmente pago. A demandada criou na demandante a convicção de que o documento de reserva do hotel causa seria suficiente para comprovar a estadia estava assegurada. Ora, frustrada tal expectativa, é quanto basta para se ter incumprido o contrato. Ou seja, mais que não fosse, apenas a impossibilidade de permanência no Aydinbey Famous Resorte 5*, consubstancia uma clara situação de cumprimento defeituoso do contrato. Efetivamente, a demandada estava obrigada a assegurar a estadia da demandante, durante o período constante do itinerário, naquela estância turística. Tal não veio a suceder, porque o hotel estava lotado, e não havia nenhuma reserva em nome da demandante. A partir daqui, ocorrem todas as peripécias resultantes dos factos supra dados por provados. A conclusão é simples: a demandada não cumpriu o contrato, decorrendo desse incumprimento danos morais que a demandante quer ver ressarcidos. Há assim que atender ao disposto no art. 483º, do Código Civil, segundo o qual “aquele que violar ilicitamente o direito de outrem, ou qualquer disposição destinada a proteger interesses alheios fica obrigado a indemnizar o lesado pelos danos resultantes da violação”, bem como nos arts. 762º, 798º e 799º, do mesmo Código. No âmbito da responsabilidade contratual, como é o caso concreto, estabelece o referido artigo 799.º uma presunção de culpa, recaindo sobre o devedor, no caso a demandada, a prova de que a falta de cumprimento ou o cumprimento defeituoso não procede de culpa sua, presunção que não se mostra ilidida.

Dos danos
Estabelece o art. 562°, do C.C. que, quem estiver obrigado a reparar um dano deve reconstituir a situação que existiria, se não se tivesse verificado o evento que obriga à reparação sendo que a obrigação só existe em relação aos danos que o lesado provavelmente não teria sofrido, se não fosse a lesão (art. 563°, do C.C.). Quanto aos danos patrimoniais, resulta que a demandante despendeu a quantia de €1.490,00, para realizar umas férias que não gozou, constituindo este montante um dano patrimonial que a demandada tem de ressarcir, como de resto até reconheceu ao entregar à demandante a nota de crédito nesse montante. Quanto aos danos não patrimoniais. Estabelece o artigo 496º, n.º 1, do CC que “Na fixação da indemnização deve, atender-se aos danos morais que, pela sua gravidade, mereçam a tutela do direito”, e que o seu montante será fixado equitativamente pelo tribunal tendo em conta as circunstâncias referidas no art. 494º, e n.º 4 do referido 496º, n.º 3, do CC. Ou seja, o grau de culpabilidade do agente, a situação económica deste e do lesado e as demais circunstâncias do caso a demandante pede a quantia de €2.000,00 a título de indemnização por danos não patrimoniais. Ora, dos factos supra dados por provados, resulta que a demandante sofreu um desgaste físico e psicológico, que foi sempre em crescendo dos factos 9 ao 25, cujo sofrimento e humilhação ultrapassa em muito o denominado “dano das férias estragadas”, decorrente da frustração de não se Ora, face a todo o exposto entende-se por adequado atribuir à demandante a título de indemnização por danos morais, o montante peticionado.

Decisão
Em face do exposto, considero a presente ação procedente por provada e em consequência condeno a demandada a pagar à demandante a quantia de €3.490,00 (três mil quatrocentos e noventa euros), conforme pedido.

Custas
Nos termos da Portaria n.º 1456/2001, de 28 de Dezembro, alterada nos seus n.ºs 6.º e 10.º pela Portaria n. 209/2005, de 24 de Fevereiro, considero a demandada parte vencida, pelo que deve proceder ao pagamento integral das custas, a qual se declara isenta das mesmas conforme Despacho Autónomo n.º 64/2006, do Conselho de Acompanhamento.
Proceda-se à notificação do Ministério Público para efeitos do n.º 3, do artigo 60.º, da Lei n.º 78/2011, de 13 de Julho, na redação dada pela lei n.º 54/2013, de 31 de Julho.
Cumpra-se o disposto no n.º 9 da referida portaria em relação à demandante.

Julgado de Paz de Lisboa, em 31 de maio de 2016
A Juíza de Paz
Maria Judite Matias