Sentença de Julgado de Paz
Processo: 408/2011-JP
Relator: PAULA PORTUGAL
Descritores: RESPONSABILIDADE CIVIL PRÉ-CONTRATUAL – BOA-FÉ
Data da sentença: 02/29/2012
Julgado de Paz de : VILA NOVA DE GAIA
Decisão Texto Integral:
SENTENÇA

I - IDENTIFICAÇÃO DAS PARTES
Demandante: A
Demandada: B
II - OBJECTO DO LITÍGIO
A Demandante veio propor contra a Demandada a presente acção declarativa, enquadrada na al. h) do n.º 1 do art.º 9º da Lei n.º 78/2001 de 13 de Julho, pedindo a condenação desta a pagar-lhe a quantia de € 1.000,00, a título de indemnização por todos os danos causados na sua esfera jurídica pessoal: danos morais, pelos incómodos, aborrecimentos, ansiedade, afectação da imagem e bom nome perante terceiros e pelo tempo despendido com a resolução do problema; bem como a suportar as correspondentes custas processuais.
Alegou, para tanto e em síntese, que, atendendo a que o seu local de trabalho é dentro das instalações do X, sempre estacionou o seu automóvel no parque de estacionamento existente no “C”, pertencente à Demandada, tendo tomado essa opção pelo facto de o parque de estacionamento se localizar ao lado do X; entretanto, há meio ano atrás, a Demandante optou por um cartão mensal pré-pago, tendo-lhe sido concedido o cartão n.º x, procedendo ao seu pagamento mensal de € 45,00 no primeiro dia útil de cada mês; acontece porém que, muitas das vezes, a Demandante não tinha lugar para estacionar, provavelmente, porque a empresa em questão aluga o mesmo lugar simultaneamente a vários utentes; por consequência, a Demandante sentia-se impedida de cumprir tempestivamente o seu horário de trabalho, estando sujeita às correspondentes penalizações profissionais devido ao atraso; no dia 29 de Outubro de 2010, mais uma vez a Demandante entrou no parque e não havia lugar para estacionar a sua viatura; após algum tempo de espera, estacionou o veículo num lugar que encontrou disponível, tendo posteriormente sido chamada à atenção pelo funcionário do parque por ter estacionado num lugar reservado para alguém; entretanto, no dia 02.11.2010, deslocou-se à caixa para proceder ao pagamento da quantia mensal habitual, contra a qual nunca lhe foram entregues os respectivos recibos, tendo sido surpreendida por um funcionário que lhe disse que não tinha cartões naquele momento mas que o colega tinha ido buscar mais, tendo acordado com o mesmo passar mais tarde; quando regressou, um outro funcionário disse-lhe que teria de pagar não € 45,00 mas € 70,00 e ainda uma caução de € 150,00; ainda que tenha sido apanhada de surpresa, a Demandante disponibilizou-se a pagar tal quantia, exigindo o respectivo recibo, todavia, o funcionário recusou-se a passar o recibo e alegou que já não tinha estacionamento para a Demandante; com a conduta da Demandada, a Demandante sente-se lesada moralmente na sua dignidade e honra, vendo defraudadas as suas legítimas expectativas.
Juntou documentos.
Tendo-se frustrado a citação da Demandada e não se tendo logrado obter através da base de dados das entidades solicitadas, bem como demais diligências, informações adicionais sobre a mesma, foi ordenada a nomeação de defensor oficioso à ausente. Citada a defensora oficiosa, não foi pela mesma apresentada Contestação.
Procedeu-se à realização da Audiência de Julgamento com observância do formalismo legal como da acta se infere.
Cumpre apreciar e decidir.
III - FUNDAMENTAÇÃO FÁCTICA
Da prova carreada para os autos, resultou provado para o que aqui releva que:
A) A Demandante trabalha no X de Vila Nova de Gaia;
B) Junto ao X existe um parque de estacionamento no “C”, explorado pela Demandada;
C) Em data que não foi possível apurar mas que terá sido no decurso do ano de 2010, a Demandante adquiriu à Demandada um cartão mensal pré-pago, tendo-lhe sido concedido o cartão n.º x, procedendo ao seu pagamento mensal de € 45,00 no primeiro dia útil de cada mês;
D) No início de Novembro de 2010, a Demandante deslocou-se à caixa para proceder ao pagamento da quantia mensal habitual, tendo sido surpreendida por um funcionário que lhe disse que não tinha cartões naquele momento mas que o colega tinha ido buscar mais, tendo acordado com o mesmo passar mais tarde;
E) Quando regressou, um outro funcionário disse-lhe que teria de pagar não € 45,00 mas € 70,00 e ainda uma caução de € 150,00;
F) A Demandante disponibilizou-se a pagar exigindo o respectivo recibo, todavia, o funcionário recusou-se a passar o recibo e alegou que já não tinha estacionamento para a Demandante.
Motivação da matéria de facto provada:
Atendeu-se às declarações da Demandante e ao teor dos documentos de fls. 5 a 14, entre eles, missiva da Demandante endereçada à Demandada e missivas enviadas pelo x junto da D à Demandada (não reclamadas) e à Demandante, a propósito da questão em apreço.
Relevou ainda o depoimento da testemunha E, amigo da Demandante, por se encontrar com esta no dia em que pretendia proceder ao pagamento da mensalidade de Novembro de 2010.
Declarou esta testemunha ter assistido à conversa em que o funcionário da Demandada, primeiro terá dito à Demandante para passar mais tarde pois um colega tinha ido buscar os cartões; quando regressaram ao local, um outro funcionário exigiu da Demandante o pagamento de uma quantia mensal superior à habitual, acrescida de caução; embora a Demandante se tenha disponibilizado a pagar tal quantia, uma vez que precisava de lugar para estacionar pois trabalha ali perto e tem problemas de saúde, o mesmo funcionário, estranhamente, disse-lhe que já não havia lugar.
IV - O DIREITO
Dispõe o artigo 227º-1, do Código Civil, que: «Quem negoceia com outrem para conclusão de um contrato deve, tanto nos preliminares, como na formação dele, proceder segundo as regras da boa - fé, sob pena de responder pelos danos que culposamente causar à outra parte».
Temos assim contemplados, como pressupostos essenciais de indemnizabilidade, como exigências do preceito, a actuação em desconformidade com a boa fé e a produção culposa de danos indemnizáveis.
A disposição revela um principio estruturante do direito dos contratos, qual seja, o da lisura, da lealdade e da honradez na relação de negociação, projectando-se na correspondente relação de cumprimento, e em todos os direitos e deveres que lhe estão associados (artigo 762º-2, do Código Civil).
Autores há, que, a este propósito, falam mesmo em cooperação e solidariedade contratual a que as partes reciprocamente se vinculam ou vincularam (ou se vão vincular) e ficam adstritas para dar satisfação ao interesse do credor com o menor sacrifício possível do devedor.
Nem caminho diferente seria de esperar de um direito contratual, eticamente fundado, quer na negociação prévia, na celebração e no cumprimento. A boa-fé reveste isso mesmo, o significado ético, embora afirmado numa expressão objectiva, ou seja, segundo o que é razoável, como regra de conduta, supor da prestação do dever de lealdade geradora de confiança contratual, e não tanto daquilo que qualquer das partes, subjectivamente, quis honrar ou confiar à contraparte.

A responsabilidade pré-contratual surge, então, como um incentivo e uma garantia à fundamentação do contrato dentro da perspectiva de zelar por sua função social.

No caso vertente, provou-se que, efectivamente, a Demandante tinha, pelo menos desde 2010, adquirido junto da Demandada um cartão pré-pago mensalmente, no valor de € 45,00, que lhe permitia estacionar a sua viatura no parque de estacionamento explorado por aquela. Sucede que, quando a Demandante se preparava para pagar a mensalidade referente ao mês de Novembro de 2010, tal foi-lhe recusado com o pretexto de que já não haveria disponibilidade de estacionamento, mesmo tendo a Demandante se disponibilizado a pagar a quantia que, de um momento para o outro, lhe estava a ser cobrada e que já não seria os € 45,00 mensais mas € 70,00 e ainda uma caução no montante de € 150,00 (?).
Ora,
A Demandada gerou expectativas na Demandante de poder contar com o estacionamento no parque que se encontrava muito próximo do seu local de trabalho até porque sofre de problemas de coluna que não lhe permitem deslocações a pé em grandes distâncias, expectativas essas que foram frustradas, ao ter a Demandada, primeiro lhe exigido sem mais nem menos uma quantia bem superior à que vinha a pagar até aí, acrescida de uma caução considerável, mas mais ainda, ao se ter recusado, imediatamente a seguir, a aceitar o pagamento do mês de Novembro, ainda que a Demandante, porque precisava do estacionamento, se tenha disponibilizado a pagar tal quantia.

A verdade é que,

se por um lado ninguém é obrigado a vender ou a oferecer um serviço, quando se dispõe a fazê-lo, tem o dever de contratar com todo aquele que de boa índole e de plena capacidade civil e económica o busca para tal.

Assim,
lesado o princípio da confiança, deverá a Demandada ser responsabilizada com base no interesse contratual negativo ou de confiança, o qual abrange os danos provenientes de falta de esclarecimento e de lealdade em que se desdobra o amplo aspecto negocial da boa fé, danos esses decorrentes de uma situação constrangedora e vexatória para a Demandante que confiou na intenção de contratar da Demandada e foi repelida por razões que não foi possível apurar mas que certamente se prendem com conveniência ou comodismo desta.
Mais,
não podemos deixar de referir que a Demandada, não obstante ter sido tentada a sua citação para mais do que uma morada, inclusivamente dos sócios-gerentes, nunca assinou o A/R e não levantou a correspondência junto dos CTT, revelando a mesma atitude relativamente à correspondência que lhe foi endereçada pelo x junto da D e pela ilustre defensora oficiosa nomeada, o que não deixa de ser revelador de uma manifesta falta de cooperação e de disponibilidade para atender às solicitações emergentes da sua actividade e conduta profissional, não permitindo sequer ao x esclarecer, com alguma segurança, o que, efectivamente, se passou.
Posto isto,
se o valor formulado pela Demandante se apresenta algo exagerado, a indemnização a atribuir deve ser de um valor que a compense dos danos em causa, pelo que se entende por bem atribuir a este título, a quantia de € 250,00.
V – DISPOSITIVO
Face a quanto antecede, julgo parcialmente procedente a presente acção, condenando a Demandada, a pagar à Demandante, a quantia de € 250,00 (duzentos e cinquenta euros).
Custas pela Demandante e pela Demandada na proporção de ¾ e ¼, respectivamente, sendo que, atento o facto de a Demandada se encontrar representada por defensor oficioso, tratando-se, nos termos do art.º 15º do C.P.C. , ex vi do art.º 63º, da Lei n.º 78/2001, de 13 de Julho, de uma situação, processualmente, idêntica à da realizada por magistrado do Ministério Público, concluímos pela correcção do regime de custas, com isenção do pagamento das mesmas (cfr. alínea a), do n.º 1, do art.º 2º do C.C.J.).
Registe.
Vila Nova de Gaia, 29 de Fevereiro de 2012
A Juiz de Paz
(Paula Portugal)
Processado por computador Art.º 138º/5 do C.P.C.
Revisto pelo Signatário. VERSO EM BRANCO
Julgado de Paz de Vila Nova de Gaia