Sentença de Julgado de Paz
Processo: 33/2008-JP
Relator: ELISA FLORES
Descritores: INCUMPRIMENTO CONTRATUAL
Data da sentença: 01/30/2009
Julgado de Paz de : AGUIAR DA BEIRA
Decisão Texto Integral: SENTENÇA

RELATÓRIO
A, propôs contra B, ambos sociedades e identificadas nos autos, a presente acção declarativa de condenação por incumprimento contratual, enquadrada na alínea i) do nº 1 do art. 9.º da Lei n.º 78/2001 de 13 de Julho, pedindo a condenação desta a pagar-lhe a quantia global de €996,60 (novecentos e noventa e seis euros e sessenta cêntimos), referente a um contrato de serviços móveis TMN com aquisição de cinco cartões novos e quatro telemóveis, tudo no valor de €498,30 (quatrocentos e noventa e oito euros e trinta cêntimos) e o mesmo valor a título de penalização pelo incumprimento, bem como ao pagamento de juros legais vencidos e vincendos.
Mais requereu, a condenação da demandante em litigância de mã fé em multa condigna e em indemnização não inferior a €500,00, pelas razões invocadas no requerimento de fls 113 a 117.
Para o efeito, alegou os factos constantes do requerimento inicial de fls.1 a 3 e juntou os documentos de fls.7 a 9, 49 a 52 e 159 e 160 dos autos, uns acompanhando o requerimento inicial e outros até ao início da Audiência de Julgamento e que aqui se dão por reproduzidos.
A Demandada foi regularmente citada, faltou à sessão de Pré-Mediação e apresentou a contestação de fls 19 a 26 e juntou os documentos de fls.28 a 39, 77 e 78, 127 a 130
e 134 a 137 dos autos, uns acompanhando este articulado e outros posteriormente e que aqui também se dão por reproduzidos.
FUNDAMENTAÇÃO DA MATÉRIA DE FACTO:
Consideram-se provados, com interesse para a decisão da causa, os seguintes factos:
1º- A Demandante dedica-se ao comércio de produtos para telecomunicações e informática;
2º- A Demandada dedica-se ao corte e comercialização de mármores e granitos.
3º- Esta, no exercício da actividade necessita de vários telemóveis para contactos com clientes e fornecedores, entre outros;
4º - Para o efeito, dispunha de um contrato de assinatura mensal com a Optimus para os seguintes cinco números de telemóveis;
5º - Pretendendo mudar de operadora, em 5 de Março de 2007, cumprindo o prazo estipulado no respectivo contrato, comunicou à Optimus que pretendia extinguir o contrato, com efeitos a 31 de Maio de 2007;
6º - Entretanto, em data próxima de 28 de Maio de 2007, assinou, na sua sede, a “proposta de acordo de adesão” de serviço telefónico móvel nº x, com a TMN, conta nº x, através da Demandante, na qualidade de subAgente do Agente Y;
7º - A proposta consistia num contrato de prestação de serviços móveis pela TMN, com a duração prevista de 24 meses, com um desconto de 35% relativamente aos valores cobrados normalmente pela operadora e na aquisição de cinco novos cartões e quatro telemóveis identificados naquela proposta de adesão e discriminados na factura nº 975 de 6-06-2007 (2ª via), junta aos autos a fls 7;
8º - Da proposta resultava ainda que, “A desactivação do serviço por iniciativa do cliente ou por iniciativa da tmn por causa imputável ao cliente, antes do decurso do período de vigência contratual, decorrente do incumprimento por parte do cliente de qualquer das suas obrigações previstas na proposta de acordo de adesão, designadamente, da obrigação de pagamento atempado das facturas emitidas pela TMN e/ou da obrigação de manutenção do vínculo à rede pelo período de vigência contratual mínimo acordado, obriga o cliente ao pagamento imediato de uma indemnização correspondente ao valor do consumo mínimo mensal multiplicado pelo número de vezes que faltarem para completar esse período relativamente aos cartões vinculados e ao pagamento do valor descrito no campo (valor equip. s/IVA), correspondente ao equipamento cedido.”
9º - Destinavam-se tais serviços e equipamentos a ser utilizados no exercício da actividade da Demandada, quer pelos vários sócios gerentes, quer por alguns dos seus funcionários;
10º - Embora não constando da proposta, foi contratado verbalmente entre as partes que o serviço teria de ser activado logo que findasse o contrato com a Optimus, ou seja, em 1 de Junho de 2007, com a manutenção dos números de telefone supra identificados, cuja portabilidade teria de ser negociada com a Optimus pela Demandante;
11º - Parte dos equipamentos foram logo entregues com a proposta;
12º - Em 1 de Junho de 2007 a Demandada, que já tinha terminado o contrato de assinatura mensal com a Optimus, ainda não estava ligada à TMN através da Demandante;
13º - A Demandada ao cancelar o serviço com a Optimus com efeitos a 31 de Maio, com o consequente cancelamento dos números-cartões, dificultou a contratada portabilidade;
14º - Todavia, e porque solicitado nos primeiros dias de Junho, conseguiu manter três números da Optimus, mas em sistema de carregamentos, muito mais dispendioso, enquanto não autorizada a respectiva portabilidade para a TMN;
15º - Mantendo-se a situação em 5 de Junho de 2007 comunicou à Demandante, através de fax, que vinha “anular o contrato...” porque “...não foi possível da vossa parte entregar os novos cartões com os mesmos nºs. Esta firma não pode estar mais tempo sem contactos”.
16º - Contudo, no dia seguinte, procedeu ao levantamento do restante equipamento no estabelecimento da Demandante.
17º - Mas, em 12 de Junho de 2007 o serviço continuava inactivo, pelo que, nessa data, a Demandada solicitou a anulação do contrato à própria TMN, através do fax de fls 30 onde referia que “A Optimus já nos comunicou que à TMN foi concedido o pedido de portabilidade no dia 06/06/2007 visto sermos uma empresa comercial e precisarmos de estar sempre contactáveis, o que sem telemóveis é muito complicado. Ainda hoje foi feito um telefonema para a TMN na qual tivemos a resposta que estavam a analisar. Há 10 dias que entramos em contacto todos os dias para saber a situação do contrato e é sempre a mesma resposta que obtivemos – nem da parte do v/agente tivemos comunicação”;
18º - Comunicando o cancelamento no dia seguinte à Demandante através do fax junto aos autos a fls 32, “...pelo motivo de não nos ter dado a devida assistência e esclarecimentos no nosso processo”.
19º - Mais referia: “Agradecíamos por isso que viessem levantar o equipamento que está na nossa posse, visto este nunca ter sido utilizado por não estar activado”.
20º - O que a Demandante não fez.
21º - Cancelamento que a TMN aceitou, desactivando todos os cartões e remetendo as quatro notas de crédito constantes de fls 134 a 137 relativas a facturação de assinatura mensal que, entretanto, havia remetido à Demandada.
22º - Mas debitando à Demandante o respectivo valor da factura acrescido da respectiva penalização em 100%, ou seja, no valor de €498,30 (quatrocentos e noventa e oito euros e trinta cêntimos);
23º - Em 13 de Junho de 2007 procedeu à contratualização de serviços móveis com outro agente TMN, sem o desconto que havia contratado com a Demandante, que ficou activado, com a portabilidade relativamente a três números concretizada, em 26 do mesmo mês e ano;
24º - Sendo que só em 28 de Junho de 2007 o contrato intermediado pela Demandante, ora em causa, ficou concluído com a TMN conforme data aposta na proposta de adesão;
25º - Em consequência, a Demandante remeteu à Demandada a factura supra mencionada, com vencimento imediato, para pagamento dos artigos fornecidos, no valor de €498,30 (quatrocentos e noventa e oito euros e trinta cêntimos) acrescida de igual valor a título de cláusula penal, por incumprimento;
26º - A Demandada apesar de instada para proceder ao pagamento, nomeadamente em 08/07/2008, por carta registada, com Aviso de Recepção (AR), nada pagou até à presente data.
Motivação dos Factos Provados
Atendeu-se aos documentos supra - referidos apresentados pelas partes, bem como ao fax da TMN de fls 151 e ainda ao depoimento da testemunha da Demandante, que é funcionário da mesma, e à da Demandada, que além de funcionária é familiar e afim dos Representantes Legais, mas quando informada de que poderia recusar-se a depor, manifestou interesse em fazê-lo. Ambos demonstraram ter conhecimento directo dos factos.
FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO:
Dos factos provados resulta que a Demandante, que é uma sociedade comercial, possui um contrato de subagência com a empresa Z que, por sua vez tem um contrato de agência com a TMN, contrato previsto e regulado no Decreto-Lei nº 178/86, de 3 de Julho, com as alterações que lhe foram conferidas pelo artigo 1º do Decreto-Lei nº 118/93, de 13 de Abril.
De acordo com o disposto no artigo 5º do mesmo diploma, ao contrato de subagência, aplicam-se, com as necessárias adaptações, as normas constantes daqueles diplomas.
No âmbito desse contrato de subagência, a Demandante, representando comercialmente a TMN, e actuando em nome e por sua conta, celebrou com a Demandada, pessoa colectiva e para utilização na actividade comercial, ao abrigo da “Proposta de acordo de adesão” supra mencionada, um contrato de prestação de serviços móveis e venda de equipamento telefónico, com início em 1 de Junho de 2007.
Trata-se de um contrato misto que reúne, num único contrato, as características dos contratos de prestação de serviços inominado e do contrato de compra e venda, previstos, respectivamente, nos artigos 1154º e 874º ambos do C. Civil, sujeitos à legislação que regula este contrato e à liberdade negocial mas também às regras gerais da lei aplicáveis aos contratos em geral.
Ao abrigo da liberdade contratual prevista no artigo 405º do Código Civil, as partes estabeleceram a exigência da manutenção dos números de telefone da anterior operadora Optimus, uma cláusula de fidelização que implicava a permanência da Demandada por 24 meses e ainda uma cláusula penal para o eventual incumprimento das obrigações da Demandada.
O artigo 406º do C. Civil refere que o contrato deve ser integralmente cumprido, ou seja, as obrigações contratuais devem ser cumpridas nos exactos termos em que são assumidas e segundo as normas gerais da boa-fé, de acordo com o artigo 762, nº 2, também do C. Civil.
Vindo agora a Demandante exigir o pagamento dos equipamentos fornecidos e do valor correspondente a título de cláusula penal, como estipulado no contrato, competia à Demandada, nos termos do artigo 342º do C. Civil. provar os factos impeditivos, modificativos, ou extintivos do direito invocado.
Ora, resultou provado que a mesma procedeu unilateralmente à resolução do contrato em 12 de Junho de 2007 junto da TMN e em 13 de Junho junto da Demandante, pelo facto de ter decorrido já algum tempo sem que a Demandante activasse o serviço móvel, com garantia de portabilidade dos referidos números e não vislumbrar a curto prazo a solução do problema.
A demora na activação dos serviços causava prejuízos atendendo a que estava a trabalhar com o serviço Optimus mas na modalidade de carregamentos, mais dispendiosa.
Facto que a levou a contratar com outro agente em condições menos vantajosas mas que lhe garantiu o serviço, com a portabilidade dos referidos três números, em treze dias.
Estipula o artigo 804º do C. Civil que se considera o devedor constituído em mora quando, por causa que lhe seja imputável, a prestação, ainda possível, não foi efectuada no tempo devido (cf. ainda o artigos 805º do mesmo código).
Da matéria provada resulta, assim, que foi, efectivamente, a mora a causa directa e objectiva da perda do interesse da Demandada no cumprimento da prestação.
E estipula o artigo 808.º do Cód. Civil que se o credor, em consequência da mora, perder o interesse que tinha na prestação se considera, para todos os efeitos, não cumprida a obrigação.
Um contrato bilateral torna-se resolúvel desde que uma das partes falte culposamente ao seu cumprimento, sendo considerado resolvido a partir do momento em que o credor dê conhecimento à outra parte, nos termos dos artigos 432º, 808º, 801º e 436º, todos do C. Civil.
E a Demandante não provou a ausência de culpa do seu representante legal no incumprimento, como lhe competia, nos termos do nº 1 do artigo 799º do C. Civil, sendo responsável pelos seus actos (cf. artigo 800º do mesmo Código). Este não logrou provar que tenha envidado todos os esforços para que a activação se procedesse em tempo útil e que mantivesse informada a Demandada das eventuais dificuldades no cumprimento e da vontade de cumprir, sabendo que a demora lhe causava prejuízos porque necessitava de telemóveis para o exercício da actividade.
A resolução do contrato bilateral é equiparada, quanto aos seus efeitos, à declaração de nulidade e à anulação do negócio jurídico, tendo assim valor retroactivo (cf. artigos 433º e 434º do C.Civil) e devendo ser restituído tudo o que tiver sido prestado ou, se a restituição em espécie não for possível, o valor correspondente, nos termos do disposto no nº 1 do artigo 289º também do C. Civil.
Tinha, assim, a Demandada direito à resolução do contrato celebrado com a Demandante, e a obrigação de restituir-lhe o equipamento que lhe foi entregue ou o seu valor em dinheiro.

Quanto à requerida litigância de mã fé

Trata-se de um instituto previsto no artigo 456º do Código de Processo Civil, que tem subjacente a boa fé que deverá sempre nortear a actividade das partes de modo a que estas, conscientemente, não formulem pedidos injustos, não articulem factos contrários à verdade, não requeiram diligências meramente dilatórias, tudo em violação do princípio de cooperação das partes e dos deveres que lhe são inerentes, o que não se verificou na presente acção, pelo que julgo a mesma improcedente.

Decisão

O Julgado de Paz é competente.
Não existem nulidades que invalidem todo o processado.
As partes são dotadas de personalidade e capacidade judiciárias e são legítimas.
Não se verificam outras excepções dilatórias, nulidades ou outras questões prévias que obstem ao conhecimento da causa, ou excepções peremptórias que cumpra conhecer.
Em face do exposto, julgo a acção improcedente, por não provada, absolvendo a Demandada do pedido.
Declaro a Demandante parte vencida, com custas totais (€70,00) a seu cargo e o correspondente reembolso à Demandada, nos termos dos artigos 1º, 8º e 9º da Portaria 1456/2001, de 28 de Dezembro).
Registe.
Aguiar da Beira, 30 de Janeiro de 2009
A Juíza de Paz,
(Elisa Flores)
(Processado por computador (art.138º, nº5 do C P C)