Sentença de Julgado de Paz
Processo: 318/2014-JP
Relator: FILOMENA MATOS
Descritores: RESPONSABILIDADE CIVIL CONTRATUAL
Data da sentença: 08/31/2015
Julgado de Paz de : CANTANHEDE
Decisão Texto Integral: SENTENÇA
RELATÓRIO
1- IDENTIFICAÇÃO DAS PARTES
Demandante: Associação “A”, com o NIPC X, e sede no Parque Tecnológico de X, em X.
Demandada: Companhia de Seguros “B”, com o X, e sede na Avenida X, em X.

2-OBJECTO DO LITIGIO
A Demandante intentou a presente ação declarativa de condenação, pedindo a condenação da Demandada no pagamento da quantia de €8.300,00 (oito mil e trezentos euros) correspondente ao valor da reparação do sistema de tração da caixa e do comando do elevador do poço do edifício X, que importou em € 8.052,81, peticionando ainda, o pagamento de juros vencidos à taxa legal de 4% desde a data da constituição em mora (16 de maio de 2014) no valor de € 201,32 e vincendos até integral pagamento.
Para tanto, alegou os factos constantes do requerimento inicial de fls. 1 a 6, cujo teor se dá por reproduzido e juntou 16 documentos.

Regularmente citada, a Demandada contestou, impugnando a factualidade alegada pela Demandante, concluindo pela improcedência do pedido e pela sua absolvição conforme resulta de fls. 52 a 60, e juntou um documento.
Suportar as custas com a presente ação.
O Julgado de Paz é competente para julgar a presente causa (cfr. art. 9.º, n.º 1, i) da LJP).
Não existem exceções que cumpram conhecer ou questões prévias que obstem ao conhecimento de mérito da causa.

A audiência de julgamento realizou-se com observância das formalidades legais, conforme se alcança da respetiva ata.

Verificam-se os pressupostos de regularidade e validade da instância, inexistindo questões prévias ou nulidades que obstem ao conhecimento do mérito da causa.

A questão a decidir por este Tribunal consiste em saber se se tem por verificados os pressupostos de responsabilidade civil que geram a obrigação da Demandada em indemnizar a Demandante, no valor peticionado.

Factos provados e com interesse para a decisão da causa.
1-No dia 13 de Fevereiro de 2014, cerca das 9,15 horas, foi detetada água no poço do elevador do edifício X, a qual teve como consequência a avaria do mesmo.
2-No dia 24 de Fevereiro de 2014, cerca das 9 horas, foi igualmente detetada agua no poço de dois elevadores situados no mesmo edifício.
3-A causa a entrada de água nos referidos poços de elevador, foi originada pelas chuvas que caíram nesses dias de Fevereiro de 2014.
4-Na sequência da participação à Demandada dos dois incidentes, foram os mesmos objectos de peritagem realizada em 26/02/2014 pela “C”, Sociedade de Peritagens e Avaliações, S.A. a mando da Demandada, cfr. doc. junto a fls. 63 a 67.
5-Após vistoria ao edifício da Demandante, nomeadamente, ao poço do elevador avariado os peritos observaram que:
-o edifício está localizado numa zona plana, sem acidentes geográficos nas suas imediações;
-o poço do elevador, cujos danos se reclamam, estava inundado com cerca de 10 cm de água, sendo visível que a água já teria estado a cerca de 50/60 cm;
-em toda a área da cave não eram visíveis quaisquer sinais de ocorrência de inundação,
-a água existente no poço do elevador estava a ser bombeada para o sistema de águas pluviais da cave, cfr. doc. junto a fls. 63 a 67.
6-O relatório apresentado em resultado da peritagem concluiu pela existência do “alagamento do poço de elevador por infiltrações de águas do exterior para o interior através das paredes e base de pavimento desse mesmo poço, em consequência da alteração dos níveis de lençóis freáticos, tendo provocado consequentemente o curto-circuito e danos diversos nos grupos de comando, caixa e sistema de tração do elevador.”, cfr. doc. junto a fls. 63 a 67.
7-Apenas o elevador em que foi detetada maior quantidade de água não funcionava, e os dois elevadores não careciam de qualquer reparação.
8-Tal facto foi transmitido à seguradora no dia 30 de abril de 2014.
9-Da avaliação realizada pela empresa fornecedora dos elevadores e que tem a seu cargo a sua manutenção, foi a demandante informada que “na sequência da v/ comunicação de avaria, e após diagnóstico técnico às causas da mesma, somos a informar da necessidade de reparação do seu equipamento, tendo verificado que alguns componentes se encontram danificados, devido à inundação anormais de águas na caixa do elevador resultantes das condições adversas”, Cfr. doc. junto a fls.11.
10-Apresentaram, por isso, um orçamento de € 6.547,00, acrescido de IVA, o que perfaz o valor total de € 8.052,81, visando a reparação do sistema de tração da caixa e do comando, através da aplicação das peças constantes do mesmo orçamento, cfr. doc. junto a fls. 12 a 15.
11-Comunicado o valor da reparação à Demandada, esta declinou a responsabilidade, por comunicação de 16 de Maio de 2014, na qual informa que “que conforme Condições Gerais da Apólice ficam excluídos os sinistros cuja origem seja pela alteração do nível das águas naturais e infiltrações através de paredes, pelo que, não poderemos assumir esta ocorrência”, cfr. doc. junto a fls. 16.
12-À data dos factos, por contrato de seguro titulado pela apólice nº X, a Demandante contratara com a Demandada um seguro denominado “Multi-Riscos – X Total Empresarial”, cfr. doc. junto a fls. 17 a 19.
13-Transferiu pois para a demandada a responsabilidade civil por determinados danos que pudessem ocorrer no edifício X.
14-Esse seguro estava sujeito às cláusulas gerais constantes de documento fornecido pela Demandada à Demandante, cfr doc. junto a fls. 20 a 39.
15-Nos termos do plasmado nas condições gerais, no que respeita às inundações, o contrato garante o ressarcimento pela perda ou dano resultante de:
1.1. Trombas de água ou queda de chuvas torrenciais com precipitação atmosférica de intensidade superior a 10mm em 10 minutos, no pluviómetro;
1.2. Rebentamento de adutores, coletores, drenos, diques e barragens;
1.3. Enxurrada ou transbordamento do leito de cursos de água naturais ou artificiais. – cfr. art. 5.º, risco 4, cfr. doc. junto a fls. 20 a 39.
16-Por sua vez o nº 4 refere, as exclusões.
4. Ficam excluídos a Perda ou Dano causados:
4.1 Por subidas de marés, marés vivas, e mais genericamente, pela ação do mar ou pela simples alteração do nível das águas naturais ou artificiais que não sejam consequência das situações referidas no ponto 1;
4.2 Em caminhos, passagens, terraços, pátios, muros, portões, vedações, toldos e estores interiores ou exteriores. As perdas ou danos sofridos por estes bens ficam, no entanto, cobertos se forem acompanhados de destruição total ou parcial do edifício;
4.3 Por aluimentos deslizamentos, derrocadas e afundamentos de terrenos, mesmo que estes acontecimentos resultem de tempestade;
4.4-Por infiltração através de paredes e/ou tectos, oxidação, humidade e/ou condensação, excepto quando diretamente resultantes de Sinistro abrangido por este Risco, cfr doc. junto a fls. 20 a 39.
17-Entrou agua na caixa do elevador, por infiltração através das paredes do mesmo, que não estavam preparadas para esse efeito.
18-O Edifício X está em funcionamento há mais de 4 anos, sem que tal situação tivesse ocorrido, conforme resulta do alvará de autorização de utilização com o nº. 209/2009, datado de 16 de Dezembro de 2009, cfr. documento junto a fls. 42.
19-Na clausula 4.4, ressalva da exclusão dos danos provocados por infiltrações, os sinistros abrangidos pelo risco de inundações, entre os quais se refere de forma expressa e explícita o “…transbordamento do leito de cursos de água naturais…”, não fazendo distinção entre cursos de água à superfície ou subterrâneos, cfr doc. junto a fls. 20 a 39.
20-No documento que envia à Demandante é a própria demandada que reconhece que as infiltrações pelas paredes resultaram da “alteração do nível das águas naturais”, ou seja, as águas que faziam parte do curso de água subterrâneo que passa por debaixo do edifício X, cfr. doc junto a fls. 16.
21-A seguradora em 16 de maio de 2014 não assumiu a responsabilidade pelo sinistro participado e a Demandante procedeu à reparação do elevador.
22-Tendo suportado o custo de € 8.052,82, já com IVA, cfr. docs. juntos a fls 40 e 41.

Factos não provados
1-O sinistro em causa resultou de um curso de água subterrâneo, lençol subterrâneo – ter transbordado do seu curso natural, por causa das abundantes chuvas que caíram no inverno passado.
2-A água do poço do elevador teve a sua origem numa alteração do nível das águas, provocada pela alteração dos níveis dos lençóis freáticos.
3-A caixa do elevador estava construída bem acima do lençol de água.
4-Não existiram “abundantes chuvas” no dia do sinistro que conduziu à avaria dos elevadores, não se verificando uma precipitação de intensidade de 10mm em 10 minutos.
5-No dia 18/02/2014, “B” recebeu, via correio eletrónico, a participação de um alegado sinistro ocorrido no edifício da Demandada.
6-A avaria não “resultou do facto de um curso de água subterrâneo – lençol subterrâneo – ter transbordado do seu curso natural, por causa das abundantes chuvas que caíram (…)”.
7-Não existiu “precipitação atmosférica de intensidade superior a 10mm em 10 minutos, no pluviómetro”, qualquer “Rebentamento de adutores, coletores, drenos, diques e barragens”, ou ainda, “transbordamento do leito de cursos de água naturais ou artificiais.”

FUNDAMENTAÇÃO FÁCTICA
Para a convicção formada, conducente aos factos julgados provados, concorreu a prova documental junta aos autos, e o teor dos depoimentos das testemunhas inquiridas se revelaram isentos, credíveis e imparciais.
Assim, os factos assentes em 3,7,8 e 13 consideram-se admitidos por acordo nos termos do disposto no art. 574º, nº2 do C.P.C.
Os factos enumerados sob o nº. 4, 5,6,7,9 a 12, 14 a 16, 18 a 20, e 22, resultaram do teor dos documentos juntos conforme referido em cada um dos factos.
Os restantes resultaram dos depoimentos das testemunhas.
Assim a testemunha “D”, que trabalha para a demandante explicou que, “… houve uma inundação de um elevador, ocorreu em janeiro/fevereiro do ano passado. Choveu muito naquele inverno. As instalações da Dte estão situados entre dois cursos de água (2 valas), está no meio da Vala da X e Ponte do X. Em 10 anos as instalações nunca teve problemas. Até tem estudo freático. A torre do elevador é feita de betão, e estão em contacto com o chão. O betão estaria a 4/5 metros de profundidade. Fez a participação do 1º e 2º elevador. Mas só no primeiro é que era preciso reparar. No 1º. Elevador teria cerca de 1 metro de altura e no 2º, uns cm. No primeiro elevador, cortaram a energia elétrica, bombearam a água para o exterior para o sistema pluvial. Por onde entrou a água não sabe. O elevador, bloqueou, tinha água. Tudo o que esteve mergulhado na água teve de ser substituído. Acompanhou a construção de outros edifícios, e por isso sabe as condições geológicas do solo onde está construído o imóvel. Os cursos de água não sabe se transbordaram, mas podiam ter transbordado. A caixa do elevador terá 5/6 metros abaixo do solo. Não tem qualquer sistema de drenagem. Não há sistema de escoamento. Detetou a avaria e foi lá. A fatura foi paga – a Empresa só aceitava reparar após o pagamento de 50%. Após retirar a água não foi detetado qualquer zona de rachas ou que permitisse a entrada da água. Era água da chuva que se infiltrou. Do relatório de peritagem fala só de 10 cm pois já tinham retirado água. A água não era possível vir de cima, nunca por cima.
“E”, testemunhas da demandada, explicou que, “…não foi o gestor do sinistro. Após a entrada do processo, nomearam uma empresa de peritagem. Chegou o relatório, que concluiu que não teria sido uma inundação, nem enxurrada, mas das paredes do próprio poço. Refere infiltrações por danos pelas paredes. O contrato estava válido.”
Por sua vez, “F”, Eng.º. Civil de profissão, referiu que, “ …Foi o perito que foi ao local. Em 13/02/2014, ocorreu uma situação de água no poço de um elevador. Foi ao local dia 26. O poço à data tinha 10cm. Mas, havia sinais que tinha subido até 50/60 cm. Estava instalada uma bomba de água submersível, com uma mangueira para retirar a água. No quadro de eletricidade teriam tirado os fusíveis (pela Empresa do Elevador). Observou o poço, sem sinais de escorrimentos, nem canalização que por ali passasse. Na cave do edifício não havia sinais de qualquer inundação. À primeira vista a água teria entrado pela base do elevador. Após a avaria, constaram que os outros elevadores também tinham agua, e preventivamente foram desligados. Para esses elevadores, não foi recebido qualquer orçamento. Foram ver as condições gerais, e não conseguiram enquadrar o sinistro. Nas conclusões “ infiltrações não era possível”. Foram ver os registos de pluviosidade e diz que choveu bem. Ninguém consegue precisar se a água vem por baixo ou pelas paredes. A caixa do elevador podia não estar impermeabilizada. O betão não é impermeável à passagem da água, mas com as telas. Pode haver deficiências. Mas, não foi realizada qualquer peritagem nesse sentido. Não fez os ensaios necessários para o efeito. A água pode lá estar e demorar até atingir aquele nível, não houve evento súbito, mas, foi gradualmente subindo. Não viu qualquer curso de água. Andou por cima do jardim e não estava encharcado. Desconhece as valas. Nível freático todos os solos têm.”
Quanto aos factos não provados, resultam da ausência de prova quanto aos mesmos, porquanto as partes não trouxeram testemunhas ou qualquer outro meio de prova que permitisse concluir de forma diferente, nomeadamente, quanto aos níveis de pluviosidade ocorrida no período em antecedeu o sinistro em apreço.
A ausência de prova neste sentido, vale para ambas as partes, pois, nem a demandante provou que choveu muito, e por isso era possível enquadra-lo nos indicies estipulados para o efeito no contrato em apreço.
Por outro lado, também a demandada não provou conforme alegou que choveu, mas que tais parâmetros não foram atingidos, precipitação de intensidade superior a 10 mm em 10 minutos no pluviómetro.
Tal facto seria facilmente comprovado com a emissão de certidão pelo Instituto de Meteorologia, o que não foi feito por nenhuma das partes.
Mais não se provou, que cursos naturais provocaram ou fossem aptos a provocar os danos no poço do elevador da demandante, bem como a sua localização, imprescindível para se poder estabelecer o nexo causal, entre outros.

4-O DIREITO
Questão prévia.
Após as alegações finais, a demandante requereu “…se tivesse em consideração na sentença final os factos quer instrumentais, quer complementares ou concretizadores que resultaram da instrução da prova.”
Exercido o contraditório a demandada não se opôs.
Cumpre decidir.
O artigo 5º do C.P.C., consagra o ónus de alegação pelas parte dos factos essenciais, e a distinção efetuada nas alíneas a) e b) do nº 2, impõe a delimitação precisa entre factos principais e factos instrumentais e, dentro dos factos principais, os factos complementares, desde já se salientando que, quanto aos factos principais, eles dependem sempre da alegação da parte – alegação a efetuar nos articulados no caso de factos que constituem a causa de pedir ou a exceção, ou até ao encerramento da discussão, relativamente àqueles que a complementem.
Por factos instrumentais, Lebre de Freitas explicita o âmbito de tal conceito, pela seguinte forma: “Para chegar à conclusão sobre a realidade dos factos principais, o tribunal, exceto, por vezes, na prova por inspeção, lança mão de regras da experiência que estabelecem a ligação entre eles e os factos (probatórios) com os quais é diretamente confrontado, tidos em conta factos (acessórios) que permitem a aferição concreta dessa ligação. Estes factos (probatórios e acessórios) são factos instrumentais, que como tais não têm que ser alegados pelas partes, podendo surgir no decorrer da instrução da causa. In “Código de Processo Civil Anotado”, Vol. I, 3ª ed., Coimbra Editora, Setembro 2014, págs. 15 e 16. Segundo Lopes do Rego os factos instrumentais ou “probatórios” “destinam-se a realizar prova indiciária dos factos essenciais, já que através deles se poderá chegar, mediante presunção judicial, à demonstração dos factos essenciais correspondentes – assumindo, pois, em exclusivo uma função probatória e não uma função de preenchimento e substanciação jurídico-material das pretensões e da defesa”, in Comentários ao Código de Processo Civil”, Vol. I, 2ª ed., 2004, Almedina, págs. 252 e 253.
Os fatos essenciais serão aqueles que integram a causa de pedir – os factos constitutivos do direito do autor ou integrantes do fato cuja existência ou inexistência se afirma e os que fundamentam as exceções, cuja alegação tem de ser feita pelas partes nos seus articulados.
A lei permite ainda considerar, de entre os factos essenciais, aqueles que completando ou concretizando os alegados nos articulados, se tornem patentes na instrução da causa.
Nos autos em apreço, da instrução da causa o que resultou para completar a factualidade alegada pela demandante, (pese embora a parte não tenha concretizado quais os factos instrumentais que pretendia aproveitar da instrução) que permitiria concretizar e alegadamente integrar os danos do evento reclamado nas cláusulas do seguro, “alteração do nível das águas naturais” foi, a existência de dois cursos de água localizados próximos das instalações da sede da demandante, a Vala da X e a Ponte do X, conforme referiu a testemunha por si apresentada.
Ora, tal facto deveria ter sido logo alegado no requerimento inicial e até junto uma planta que os localizasse, face ao local em que ocorreu o evento.
Além de que, sem sabermos a sua localização, o que era de todo relevante, para se apurar se foi causa ou contribuiu para o evento em litígio, e ainda assim, sempre teria de se provar o seu transbordamento e inundação dos solos localizados nas suas imediações.
Aqui chegados, torna-se irrelevante, no caso em apreço, apurar se nos encontramos perante um facto verdadeiramente “novo” ou se apenas um facto concretizador ou complementar de outros já alegados pelo autor, uma vez que, ainda que se tratasse de um facto complementar ou concretizador, só por si, não era suficiente face á ausência de outros fatos, que permitisse ao tribunal fazer o que ensina (já na vigência do novo C.P.C.) Miguel Teixeira de Sousa, in Estudos Sobre o Novo Código de Processo Civil, LEX, 1997, págs. 76 a 79. “Factos instrumentais são os que indiciam, através de presunções legais ou judiciais (cfr. arts. 349º a 351º, do Código Civil), os factos que constituem a causa de pedir ou os factos complementares; os factos instrumentais compõem a base de uma presunção e a causa de pedir ou os factos complementares os factos presumidos; por tanto os factos instrumentais cumprem apenas uma função probatória dos factos indispensáveis à procedência da causa”.
Em conformidade, não é possível presumir o que é essencial e imprescindível razão pelo qual, nada há a considerar relativamente ao requerido.

A demandante pretende através da presente ação, que a demandada seja condenada no pagamento do valor de € 8.052,81 por si despendido com a reparação de um elevador, e adicionalmente pede o pagamento de juros vencidos e vincendos. Consubstancia a sua pretensão na existência de um contrato de seguro Multirrisco com a apólice nº X que subscreveu com a demandada. Para o efeito, alega, a ocorrência de um sinistro ocorrido num dos elevadores das suas instalações cujas causas integra nas cláusulas contratuais do referido seguro e por isso a responsabilidade encontra-se transferida para a demandada.
Vejamos.
O contrato de seguro, como refere JOSÉ VASQUES, in "Contrato de Seguro", Coimbra Editora, 1999, 87 e segs., define-se pela convenção através da qual uma seguradora se obriga a proporcionar a outrem, a segurança de pessoas ou bens, relativamente a determinados riscos, mediante o pagamento de uma contraprestação chamada "prémio".
Assim, mediante o pagamento de uma retribuição, a seguradora obriga-se a assumir determinado risco e, caso ele ocorra, a satisfazer, ao segurado ou a um terceiro, uma indemnização pelo prejuízo ou um montante previamente estipulado.
A pessoa que transfere o risco diz-se tomador ou subscritor do seguro; a que assume esse risco e recebe a remuneração (prémio) diz-se segurador; o dano eventual é o sinistro; a pessoa cuja esfera jurídica é protegida é o segurado – que pode ou não coincidir com o tomador do seguro – v. artigos 426º e 427º do Código Comercial e artigo 1º do Regime Jurídico do Contrato de Seguro (RJCS), aprovado pelo DL nº 72/2008, de 16 de Abril.
O segurado é, portanto, aquele por conta de quem o tomador celebra o seguro. Nos casos de seguros por conta própria as qualidades de tomador do seguro e segurado confundem-se na mesma pessoa - tomador-segurado; nos seguros por conta de outrem, está-se face a um ou mais terceiros-segurados. O segurado não é, portanto, quem contrata o seguro, mas sim quem por ele fica coberto.
A cobertura-objecto do contrato de seguro efetua-se, em regra, através de uma cobertura de base e da subsequente descrição de sucessivos níveis de exclusões. Estas são regras contratuais que definem o âmbito ou delimitam o perímetro de cobertura do seguro.
Essa delimitação pode ser feita positiva e negativamente, e dentro da delimitação negativa, através de exclusões objetivas ou subjetivas.
No contrato de seguro vigora o “princípio geral” da liberdade contratual consagrado no art. 405.º do CC) e a ideia de autonomia privada.
As condições gerais e especiais do contrato de seguro multirriscos, constam de fls. 20 a 39, aí se estabelecendo, designadamente, as garantias e amplitude de cobertura do seguro, bem como os riscos cobertos e excluídos.
O risco, define-se como o evento futuro e incerto cuja materialização constitui o sinistro, está ínsito na própria noção de contrato de seguro, sendo um elemento essencial do contrato.
O sinistro é a realização do risco que se encontrava previsto no contrato de seguro, i. e., evento suscetível de fazer funcionar as garantias do contrato e cuja prova consiste na demonstração da superveniência do evento previsto no contrato e nas condições nele incluídas, sendo necessário, obviamente, apurar o nexo de causalidade adequada entre a causa e o sinistro.
No caso em apreço, cumpre apreciar as cláusulas previstas no contrato para em função da factualidade alegada decidir se o sinistro está ou não coberto pela apólice subscrita e aceite por ambas as partes.
Começando pela definição de sinistro, “Qualquer evento ou série de eventos de natureza aleatória, suscitável de provocar o funcionamento das garantias do contrato, cuja ocorrência seja acidental, súbita, imprevista e originaria de uma mesma causa.
Inundações, o termo “inundação” tem o sentido de alagamento, de cheia, de enchente de água. “Pode ser o resultado de uma chuva que não foi suficientemente absorvida pelo solo e outras formas de escoamento, causando transbordamentos. Também pode ser provocada de forma induzida pelo homem através da construção de barragens e pela abertura ou rompimento de comportas de represas.” “ Existem vários tipos de inundações: a inundação fluvial, quando há uma grande precipitação, causando esta o transbordamento de rios e lagos, a inundação de origem marítima, que é causada por grandes ondas (ressacas), que invadem os pólderes e as inundações artificiais, causadas por falhas humanas na operação de diques, comportas, rompimento de barragens, etc.”, in Wikipédia.
Infiltração, “ Ação de líquidos que penetram nos poros das paredes dos edifícios”. In Dicionário de Engenharia Civil.
Sabemos que, as infiltrações ocorrem quando um determinado material deixou de isolar devidamente a água. As causas podem ser várias, nomeadamente, defeitos de construção, má qualidade dos materiais, sendo muitas vezes difícil descobrir a sua causa.
Uma infiltração é um processo que ocorre de forma lenta, gradual, o contrário da designação de sinistro súbito e inesperado.
Regressando ao caso dos autos, efetivamente, o poço do elevador que sofreu os danos reclamados ficou alagado com cerca de 50/60 cm água, que aí se acumulou por infiltração através das paredes e base da caixa do poço.
Tal ocorrência não se verificou subitamente, repentinamente, rapidamente, mas de forma gradual, e durante certo tempo, atendendo ao volume de água aí encontrada.
É que do relatório pericial realizado ao poço do elevador, não foram encontradas rachas, fenda, buracos que permitisse a entrada de água doutra forma.
Tal facto, não permite a sua integração enquanto sinistro, conforme resulta da definição suprarreferida.
Mas, o facto da água detetada no poço aí se acumular por infiltração, poderia estar a coberto da cláusula prevista no ponto 4.4, que refere as exclusões “Por infiltração através de paredes e/ou tetos, oxidação, humidade e/ou condensação, exceto quando diretamente resultantes de sinistro abrangido por este risco”, e com referência ao ponto 1.1, dos Riscos 4, que prevê entre outros, “Tromba de agua ou queda de chuvas torrenciais com precipitação atmosférica de intensidade superior a 10 mm em 10 minuto, no pluviómetro.”, mas, como acima se disse, essa prova não foi feita por nenhuma das partes, logo, não é possível enquadrar a ocorrência no mesmo.
Acresce que, o Decreto-Lei n.º 320/02, de 28 de Dezembro, transfere para as Câmaras Municipais, as competências para o licenciamento e fiscalização de elevadores, monta-cargas, escadas mecânicas e tapetes rolantes, que se encontravam atribuídas a serviços da administração central.
O referido decreto-lei prescreve as regras para a manutenção e inspeção de ascensores, monta-cargas, escadas mecânicas e tapetes rolantes. Razão pelo qual, estes estão obrigatoriamente sujeitos a manutenção regular, assegurada por uma empresa de manutenção de ascensores que assumirá a responsabilidade, criminal e civil, pelos acidentes causados pela deficiente manutenção das instalações ou pelo incumprimento das normas. O proprietário da instalação é responsável solidariamente.
A empresa de manutenção de ascensores tem o dever, de informar por escrito o proprietário das normas de funcionamento e reparações necessárias para que do seu uso não resulte perigo para os seus utilizadores. Caso seja detetada uma situação de grave risco para o funcionamento da instalação, a empresa de manutenção de ascensores deve proceder à sua imediata imobilização e dar conhecimento, por escrito, ao proprietário e à câmara municipal respetiva, no prazo de 48 horas. O proprietário de uma instalação em serviço é obrigado a celebrar um contrato de manutenção com uma empresa de manutenção de ascensores. Só podem exercer a atividade de manutenção as entidades inscritas na Direção-Geral de Energia e Geologia em registo próprio. As entidades têm de satisfazer os requisitos do Estatuto das Empresas de Manutenção de Ascensores.
Do anexo I, do citado diploma legal, consta o Estatuto das Empresas de Manutenção de Ascensores (EMA), refere o Anexo II, A Contrato de manutenção simples, al.) e) diz, No caso dos ascensores, o contrato de manutenção simples implica: A limpeza anual do poço…
Será que nessas inspeções não foi possível detetar, vestígios de humidade que pudesse fazer prever a ocorrência em apreço?
Não deveria estar integrado no poço, uma bomba que automaticamente bombeasse a água que ali pudesse acidentalmente entrar, para o circuito das águas pluviais?
Ainda, no ponto 1.3 dos Riscos 4, refere-se como risco coberto o decorrente de, “Enxurrada ou transbordamento do leito de cursos de agua naturais ou artificiais.”, sendo nesta clausula, que a demandante integra o sinistro ocorrido alem de referir os elevados índices de pluviosidade ocorrida, que não provou.
Estará então o sinistro a coberto da mesma?
O que são cursos de água? Um curso de água, ou fluxo de água é qualquer corpo de água fluente. Rios, córregos, riachos, regatos, ribeiros, etc. são cursos de água. In Wikipédia.
Na alínea a, do nº 1, da Secção II, Anexo 1, do DL n.º 166/2008, atualizado DL n.º 80/2015, de 14/05 define cursos de água e respetivos leitos e margens
como “Os leitos dos cursos de água correspondem ao terreno coberto pelas águas, quando não influenciadas por cheias extraordinárias, inundações ou tempestades, neles se incluindo os mouchões, os lodeiros e os areais nele formados por deposição aluvial.”.
Ora, são os cursos de água que fluem com continuidade e à superfície daí que possam transbordar provocando ou não enxurradas.
Da factualidade alegada e pese embora a testemunha apresentada pela demandante, tenha referido que as instalações da demandante se situava no meio da Vala da X e a Ponte do X, tal facto, só por si, não nos permite objetivamente estabelecer o nexo causal com o ocorrido.
Pois a testemunha, desconhece se os mesmos transbordaram. Não foi produzida prova, relativamente a que distancia distam (os cursos de agua), do edifício onde se encontrava o elevador.
Por outro lado, de tais factos não foi dado conhecimento ao perito que inspecionou o edifício em que se localizava o dito elevador, por forma a que, este pudesse avaliá-los e eventualmente apurar outros factos que permitisse integra-los na cobertura da apólice em discussão.
O perito, suprarreferido referiu que nas imediações “das instalações da demandante não viu qualquer curso de água, andou por cima do jardim e a relva não estava encharcada.”
Em conformidade, não é possível integrar a ocorrência que apreciamos na dita cláusula, face à ausência de prova.
A demandada refere como causa provável das infiltrações ocorridas no poço, a subida da água dos lençóis freáticos que se caracterizam por serem um reservatório de água subterrânea, decorrente da infiltração da água da chuva no solo.
No início da audiência foi junto pela demandante um estudo geológico- geotécnico datado de 22 de julho de 2011, solicitado por aquela ao Instituto Pedro Nunes aquando da construção de um dos edifícios da demandante, que não é o mesmo onde que ocorreu o evento dos presentes autos.
Tal junção foi fundamentada pela demandante, com o objetivo de “demonstrar que, não havendo agua depositada no local na data em que o estudo foi realizado, os factos ocorreram por força da inundação alegada.”
Isto porque no estudo refere-se que, quanto à cota do nível freático, não foi possível detetá-la em nenhum dos penetrómetros realizados.
Tal documento foi devidamente impugnado pela demandada, entre outros, pela razão acima referida e pela data do mesmo.
Assim, fica também por demostrar a tese trazida pela demandada face à ausência de prova.
Podemos no entanto concluir, que o que terá ocorrido em concreto, não foi possível apurar, mas, face à ocorrência de chuvas cuja intensidade desconhecemos, terá ocasionado a saturação do solo, aí permanecendo a água mais que o tempo habitual, o que terá ocasionado a sua infiltração no poço do elevador.
Poço este, que deveria ter sido construído de forma a impossibilitar tal ocorrência, e devidamente impermeabilizado, como decorre das legis artis da construção civil.
Mas, será que o conteúdo das cláusulas que alegadamente excluem o sinistro em apreço, tem um sentido dúbio, ambíguo e indeterminado, que necessite de ser interpretado? Desde já respondemos negativamente.
Tal como decorre, do Ac. STJ de 29/10/09 (P. 2157/06.8TVLSB.S1) e do Ac. de 25.06.2013, (P.24/10.0TBUNG.P1S1) se do documento elaborado pela seguradora constarem, por exemplo, cláusulas contratuais de conteúdo equívoco, que acabem por determinar uma deficiente compreensão do aderente acerca do seu efectivo âmbito, será plenamente aplicável, mesmo no confronto com a seguradora, o regime constante do artigo 11º do DL 446/85, de 25 de Outubro, alterado pelo Dec.-Lei nº 220/95 de 31 de Janeiro.
Por outro lado, na interpretação do contrato de seguro, segue-se no essencial, o regime da interpretação dos contratos em geral, art. 236º e seg.s C.C., que consagra a teoria de “impressão do destinatário”.
Assim, “a declaração negocial vale com o sentido que um declaratário normal, colocado na posição do real declaratário, possa deduzir do comportamento do declarante, salvo se este não puder razoavelmente contar com ele. Sempre que o declaratário conheça a vontade real do declarante, é de acordo com ela que vale a declaração emitida”. Na dúvida o (art.º 237º C.C.), sobre o sentido da declaração, prevalece, nos negócios gratuitos, o menos gravoso para o disponente e, nos onerosos, o que conduzir ao maior equilíbrio das prestações. “Nos negócios formais (art.º 238º C.C.) não pode a declaração valer com um sentido que não tenha um mínimo de correspondência no texto do respectivo documento, ainda que imperfeitamente expresso...».
Ora o sentido das cláusulas em litígio, não nos parece suscitar qualquer equivocidade relevante, por ser evidente a qualquer contraente que o sentido de tais cláusulas não poderia deixar de ser, o da exclusão do sinistro da apólice em causa, e face à ausência de prova em sentido diverso, improcedendo o pedido de indemnização deduzido.
Atendendo ao decaimento do pedido principal, improcede igualmente o pedido subsidiariamente deduzido a título de juros.

DECISÃO
Face a quanto antecede, julgo a presente ação totalmente improcedente e em consequência absolvo a Demandada dos pedidos contra si deduzidos pela demandante.

Custas:
A cargo da Demandante, que declaro parte vencida, (art.º 8º da Portaria nº 1456/2001 de 28 de Dezembro).

Em relação à Demandada, cumpra-se o disposto no n.º 9 da mesma Portaria, com restituição da quantia de € 35,00, referente à taxa de justiça paga.

Notifique e registe.

Cantanhede, em 31 de Agosto de 2015.
A Juíza de Paz

(Filomena Matos)
Processado por meios informáticos e
revisto pela signatária. Verso em branco.
(Artigo 131º, nº 5 do CPC e artigo 18 da LJP)