Sentença de Julgado de Paz
Processo: 395/2017-JP
Relator: SOFIA CAMPOS COELHO
Descritores: RESPONSABILIDADE CIVIL – INDEMNIZAÇÃO POR DANOS DECORRENTES DE ACIDENTE DE VIAÇÃO
Data da sentença: 09/28/2017
Julgado de Paz de : SINTRA
Decisão Texto Integral: Demandante: A.

Demandada: B
Mandatária: Srª. Drª. C
RELATÓRIO:
A demandante, devidamente identificada nos autos, intentou contra a demandada, também devidamente identificada nos autos, a presente ação declarativa de condenação, pedindo que esta seja condenada a pagar-lhe a quantia de € 1.239,74 (mil duzentos e trinta e nove euros e setenta e quatro cêntimos). Para tanto, alegou os factos constantes do requerimento inicial, de folhas 1 a 3 dos autos, que aqui se dá por integralmente reproduzido, alegando, em síntese, que no dia 21 de fevereiro de 2019, pelas 07:13 horas, na Rua …, junto ao número 46, em …, concelho de …, ocorreu um acidente de viação no qual foram intervenientes o veículo ligeiro de passageiros marca D, matrícula VE (doravante referido VE), propriedade da demandante e conduzido por E, e o veículo ligeiro de passageiros, marca F, Modelo …, matrícula SD (doravante referido SD), conduzido por G. Alega que no dia, hora e local acima referido, a condutora do SD iniciou uma manobra de marcha atrás de saída de estacionamento, tendo embatido no VE, causando-lhe danos na lateral direita (porta, guarda lamas e para-choques). Junta aos autos a declaração amigável preenchida, alegando que a demandada, “peritou” o VE, avaliando a reparação dos seus danos no valor peticionado. Alega que a culpa do acidente se deve integralmente ao condutor do SD, não aceitando a pretensão da demandada de atribuição das culpas do acidente em 50% a cada condutor. Juntou 5 documentos, que aqui se dão por integralmente reproduzidos.
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Regularmente citada, a demandada contestou (a fls. 28 a 30 dos autos, que aqui se dão por integralmente reproduzidas), na qual impugna a dinâmica do acidente alegada pela demandante, alegando que a condutora do SD não se encontrava a sair de estacionamento, mas sim a entrar em estacionamento, tendo sido embatida pelo VE; mais alega que, não conseguindo imputar a responsabilidade do acidente a nenhum condutor, propôs à demandante indemnizá-la nos termos do n.º 2 do art.º 506.º do Código Civil, o que a demandante não aceitou. Juntou procuração forense e 2 documentos, que aqui se dão por integralmente reproduzidos.
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A demandante não aderiu à mediação, tendo sido marcada data para realização da audiência de julgamento, tendo as partes, e mandatária, sido devidamente notificadas.
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Foi realizada a audiência de julgamento, na presença da demandante e da mandatária da demandada, tendo a Juíza de Paz procurado conciliar as partes, nos termos e para os efeitos do disposto no n.º 1, do art.º 26.º, da LJP, não tendo a diligência sido bem sucedida.
Foi ouvida a parte demandante, nos termos do disposto no n.º 1 do art.º 57.º da LJP, e realizada a audiência de julgamento, com observância do formalismo legal, como resulta da respetiva ata, tendo sido ouvidas as testemunhas apresentadas por ambas as partes.
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Nos termos do n.º 1 do art.º 306.º do Código de Processo Civil, fixa-se à causa o valor de € 1.239,74 (mil duzentos e trinta e nove euros e setenta e quatro cêntimos).
O Julgado de Paz é competente em razão do valor, da matéria e do território.
As partes são dotadas de personalidade e capacidade jurídica e são legítimas.
Não existem nulidades e exceções de que cumpra conhecer ou questões prévias que obstem ao conhecimento do mérito da causa.
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FUNDAMENTAÇÃO – MATÉRIA DE FACTO
Com interesse para a decisão da causa, ficou provado que:
1 – No dia 21 de Fevereiro de 2017, pelas 07:13 horas, na Rua …, junto aos número 46, …, concelho de …, ocorreu um acidente de viação no qual foram intervenientes o veículo ligeiro de passageiros marca D, matrícula VE (doravante referido VE), propriedade da demandante e conduzido por E, e o veículo ligeiro de passageiros, marca F, Modelo …, matrícula SD (doravante referido SD), propriedade de H e conduzido por G.
2 – O SD circulava referida via e mudou de direcção, à sua esquerda, com vista a estacionar em estacionamento existente nessa via, à sua esquerda, à direita da faixa de destinada ao sentido contrário.
3 – O VE circulava em sentido contrário do SD.
4 – Ainda na faixa de rodagem do VE os dois veículos embatem, conforme visível na fotografia a fls. 70 dos autos.
5 – O embate dá-se na lateral direita frontal (porta, guarda lamas e para-choques) do VE e a traseira (para-choques e mala) do SD.
6 – O condutor do VE e o proprietário do SD subscreveram a declaração amigável de acidente automóvel a fls. 69 dos autos, que aqui se dá por integralmente reproduzida, onde foi assinalado, pelo proprietário do SD, no campo “circunstância” o número três, que refere “Ia estacionar” e nenhuma circunstância pelo condutor do VE.
7 – À data do sinistro, a responsabilidade civil decorrente da circulação do veículo matrícula SD encontrava-se transferida para a Companhia de Seguros demandada, ao abrigo do contrato de seguro automóvel, titulado pela apólice n.º 0....9.
8 – Do acidente resultaram danos para o MF, cuja reparação foi orçada, pela demandada, em € 1.239,74 (mil duzentos e trinta e nove euros e setenta e quatro cêntimos).
9 – Por carta de 7 de Março de 2017, a fls. 13 dos autos, que aqui se dá por integralmente reproduzida, a demandada aceita que a reparação dos danos no VE ascende a € 1.239,74 (mil duzentos e trinta e nove euros e setenta e quatro cêntimos), propondo-se indemnizar a demandante em € 503,96 (quinhentos e três euros e noventa e seis cêntimos), por atribuir a responsabilidade do acidente a ambos os condutores na mesma medida de culpa.
10 – A demandante recebeu da sua companhia a carta a fls. 14 dos autos, que aqui se dá por integralmente reproduzida.
11 – Dão-se aqui por integralmente reproduzidas as declarações da condutora do SD a fls. 35 verso dos autos.
12 – Dão-se aqui por integralmente reproduzidas as declarações do condutor do VE a fls. 69 verso dos autos.
Não ficou provado:
Não se provaram mais factos com interesse para a decisão da causa, designadamente:
1 – O SD fazia manobra de marcha atrás para sair de estacionamento.
Motivação da matéria de facto:
Para fixação da matéria fáctica dada como provada concorreram os factos admitidos, os documentos juntos aos autos e o depoimento das testemunhas apresentadas pelas partes, que prestaram depoimentos seguros e convincentes, demonstrando terem conhecimento directo dos factos sobre os quais depunham, sendo certo que a única testemunha apresentada pela demandante e a primeira testemunha apresentada pela demandada foram os condutores dos veículos no acidente. Estas duas testemunhas prestaram depoimentos contrários quanto ao SD estar a entrar em estacionamento (versão da condutora do SD) ou estar a sair de estacionamento (versão do condutor do VE). Porém, quanto a este facto o condutor do VE e o proprietário do SD subscreveram a declaração amigável de acidente automóvel a fls. 69 dos autos, que aqui se dá por integralmente reproduzida, onde foi assinalado, pelo proprietário do SD, no campo “circunstância” o número três, que refere “Ia estacionar” e nenhuma circunstância pelo condutor do VE. Assim, considerando o disposto no nº 2 do artigo 20º-E do Decreto-Lei nº. 83/2006, de 3 de maio (Quando a participação do sinistro seja assinada conjuntamente por ambos os condutores envolvidos no sinistro, presume-se que o sinistro se verificou nas circunstâncias, nos moldes e com as consequências constantes da mesma, salvo prova em contrário por parte da empresa de seguros”) e não tendo sido feita prova em contrário, temos, nesse facto, de suportar a nossa decisão no constante da participação amigável. Por esse facto, e por considerarmos consentâneo a versão da condutora do SD de que circulava em sentido contrário ao do VE consideramos como provados os factos acima indicados sob os números 2 e 3.
Quanto à segunda testemunha apresentada pela demandada a mesma esclareceu-nos que atribuiu responsabilidade igual a ambos os condutores por existirem divergência quanto à versão de cada condutor, não tendo tido elementos suficientes para atribuir a responsabilidade do acidente a um dos condutores.
Não foram provados quaisquer outros factos alegados pelas partes, dada a ausência de mobilização probatória credível, que permitisse ao tribunal aferir da veracidade desses factos, após a análise dos documentos juntos aos autos e da audição das partes e testemunhas.
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FUNDAMENTAÇÃO – MATÉRIA DE DIREITO
Com a presente ação a demandante pretende ser indemnizada dos danos patrimoniais para si advenientes do acidente de viação referido nos autos, cuja culpa imputa exclusivamente ao condutor do veículo matrícula SD, fundamentando, assim, a sua pretensão indemnizatória no instituto da responsabilidade civil extracontratual. A questão a resolver resume-se, basicamente, à verificação da existência dos pressupostos da responsabilidade civil, geradores da obrigação de indemnizar. Prescreve o artigo 483.º, do Código Civil, que “Aquele que, com dolo ou mera culpa, violar ilicitamente o direito de outrem ou qualquer disposição legal destinada a proteger interesses alheios fica obrigado a indemnizar o lesado pelos danos resultantes da violação”, ou seja, são elementos constitutivos da responsabilidade civil extracontratual: (1) a existência de um facto voluntário, (2) a ilicitude da conduta, (3) a imputação subjectiva do facto ao agente e (4) a existência de um dano, (5) o nexo de causalidade entre o facto e o dano, só surgindo o dever de indemnizar quando, cumulativamente, se verifiquem tais requisitos.
O primeiro elemento pressupõe um facto voluntário violador de um dever geral de abstenção ou uma omissão que viola um dever jurídico de agir, isto é, um facto objectivamente controlável pela vontade (excluindo-se assim os casos de força maior ou por circunstâncias fortuitas). O segundo elemento (ilicitude) consiste na violação de direitos subjectivos (reais, de personalidade, familiares), de leis que protegem interesses alheios, particulares ou colectivos exprimindo a ilicitude fundamentalmente um juízo de reprovação e prevenção. O dano é a perda sofrida por alguém em consequência do facto, seja o dano real ou o dano patrimonial. Finalmente, é necessário que o facto seja em abstracto ou em geral causa do dano (ou uma das causas), isto é, que este dano seja uma consequência normal ou típica daquele, tendo em conta as circunstâncias reconhecíveis por uma pessoa normal ou as efectivamente conhecidas do lesante. A dinâmica do acidente que resultou provada foi a que se passa a explicar: no dia 21 de Fevereiro de 2017, pelas 07:13 horas, o SD circulava na Rua …, …, concelho de …, e mudou de direcção, à sua esquerda, com vista a estacionar em estacionamento existente nessa via, à sua esquerda, à direita da faixa de destinada ao sentido contrário, na qual circulava o VE; na faixa de rodagem do VE os dois veículos embatem: a lateral direita frontal (porta, guarda lamas e para-choques) do VE e a traseira (para-choques e mala) do SD.
Desta descrição resulta que o condutor do SD estava obrigado ao dever de cautela e precaução na realização de uma manobra de mudança de direção e via de trânsito, previsto no art.º 35.º, n.º 1, do Código da Estrada, que prescreve “O condutor só pode efetuar as manobras de ultrapassagem, mudança de direção ou de via de trânsito, inversão do sentido de marcha e marcha atrás em local e por forma que da sua realização não resulte perigo ou embaraço para o trânsito”, e bem assim do princípio geral de cautela e precaução na condução de veículos, previsto no art.º 24.º, n.º 1, do Código da Estrada, que prescreve que o condutor deve regular a velocidade de modo a que, atendendo às características e ao estado da via e do veículo e a quaisquer outras circunstâncias relevantes, possa, em condições de segurança, executar as manobras cuja necessidade seja de prever e, especialmente, fazer parar o veículo no espaço livre e visível à sua frente, de onde decorre a obrigação, que recai sobre os condutores de veículos, de adoção de todas as cautelas inerentes a uma condução segura, não pondo em causa a segurança da circulação rodoviária, obrigações que a condutora do SD incumpriu, já que as manobras de mudança de direção e estacionamento que executou deu causa a uma acidente, considerando que não resultou provado qualquer facto que indicie que o condutor do VE tenha, de algum modo, adoptado algum comportamento violador de qualquer dever de cuidado estradal, causal do acidente.
Assim sendo, não tendo ficado provada outra dinâmica do acidente, a demandante tem direito a ser indemnizada dos danos que o acidente lhe causou. Prescreve o art.º 562.º, do Código Civil, que quem estiver obrigado a reparar um dano deve reconstituir a situação que existiria, se não se tivesse verificado o evento que obriga à reparação”. Assim sendo, tendo ficado provado que a reparação dos danos causados ao VE foi orçada em € 1.239,74 (mil duzentos e trinta e nove euros e setenta e quatro cêntimos), vai a demandada condenada no seu pagamento.
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DECISÃO
Em face do exposto, julgo a presente ação procedente, por provada e, consequentemente, condeno a demandada a pagar à demandante a quantia de € 1.239,74 (mil duzentos e trinta e nove euros e setenta e quatro cêntimos).
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CUSTAS
Custas pela demandada, que deverá proceder ao pagamento dos € 35 (trinta e cinco euros) em falta, neste Julgado de Paz, no prazo de três dias úteis, a contar da data da notificação desta sentença, sob pena do pagamento de uma sobretaxa diária de € 10 (dez euros) por cada dia de atraso.
Cumpra-se o disposto no número 9 da Portaria nº 1456/2001, de 28 de dezembro, em relação à demandante.
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A presente sentença (processada em computador, revista e impressa pela signatária – art.º 18.º da citada Lei n.º 78/2001) foi proferida e notificada à demandante, nos termos do n.º 2 do artigo 60.º, da Lei n.º 78/2001, de 13 de julho, com a redação que lhe foi atribuída pela Lei n.º 54/2013, de 31 de Julho, que ficou ciente de tudo quanto antecede. Notifique a demandada e sua mandatária.
Registe.
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Julgado de Paz de Sintra, 28 de setembro de 2017
A Juíza de Paz,

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(Sofia Campos Coelho)