Sentença de Julgado de Paz
Processo: 19/2005-JP
Relator: GABRIELA CUNHA
Descritores: CONTRA-PROMESSA COMPRA E VENDA - PERDA DE INTERESSE
Data da sentença: 05/31/2005
Julgado de Paz de : SANTA MARTA DE PENAGUIÃO
Decisão Texto Integral: SENTENÇA

RELATÓRIO:
A e mulher B, melhor identificados a fls. 1, intentaram contra C, melhor identificada a fls. 1, acção declarativa ao abrigo da al. i) do n.º1 do art. 9.º da Lei n.º 78/2001 de 13 de Julho, pedindo que seja declarada a nulidade do contrato promessa por falta de requisitos formais e a Demandada condenada a restituir o valor do sinal acrescido de juros legais de mora, desde a data de citação ou, subsidiariamente, a condenação da Demandada no reconhecimento da perda de interesse no cumprimento do contrato promessa e a restituir aos Demandantes o valor do sinal em dobro.
Para tanto, alegaram os factos constantes do Requerimento Inicial de fls. 1 a 9, que se dá por reproduzido. Juntaram 6 documentos (fls. 12 a 20) que se dão igualmente por reproduzidos.
Regularmente citada a Demandada, apresentou contestação, na qual se defendeu por impugnação quanto à versão dos factos apresentados pelos Demandantes. Para tanto alegou os factos constantes da sua contestação de fls. 44 a 49 que se dá por reproduzida. Não juntou documentos.
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O Julgado de Paz é competente em razão do valor, da matéria e do território. As partes são dotadas de personalidade e capacidade jurídica e são legítimas.
Não existem excepções de que cumpra conhecer ou outras questões prévias que obstem ao conhecimento de mérito da causa.
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Tendo os Demandantes recusado aceder à fase da mediação, nos termos do nº 1 do artº 49º da Lei 78/2001, de 13 de Julho (LJP), foi designado dia para a realização da audiência de julgamento.
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Aberta a audiência e estando presentes os Ilustres mandatários das partes, foram ouvidos nos termos do disposto no Artº 57.º da LJP, tendo-se explorado todas as possibilidades de acordo, nos termos do disposto no nº 1 do artº 26º do mesmo diploma legal, o que não logrou conseguir-se, tendo-se procedido à audiência de julgamento, com observância do formalismo legal como da acta se infere.
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FUNDAMENTAÇÃO DA MATERIA DE FACTO
Resultaram provados os seguintes factos com relevância para a decisão da causa:
1. Em 16 de Janeiro de 2004, os Demandantes e a Demandada celebraram um contrato de promessa de compra e venda de um prédio urbano sito na Rua da Breia, Sobrados, freguesia de Paços no concelho de Sabrosa, inscrito na matriz sob o artº 215 e descrito na Conservatória do Registo Predial de Sabrosa, a favor da Demandada, sob o nº 02120 da freguesia de Paços – cujo teor se dá por reproduzido e provado.
2. Com a celebração do contrato de promessa de compra e venda os Demandantes entregaram à Demandada, a título de sinal e princípio de pagamento a quantia de € 2.500,00 (dois mil e quinhentos euros).
3. A escritura pública do contrato definitivo de compra e venda devia ser realizada até 31 de Agosto de 2004.
4. A escritura pública não foi efectuada dentro do prazo estipulado.
5. Os Demandantes se aperceberam da diferença entre a área constante na descrição (30 m2) e a área real (85 m2) do prédio objecto do contrato de promessa.
6. Os Demandantes contactaram a Demandada para que regularizasse a situação.
7. De forma, a resolver a situação, a Demandada deslocou-se a Portugal.
8. Fazendo os Demandantes questão de verem a área rectificada, foi decidido prolongar a data da realização da escritura pública.
9. Em 17 de Agosto de 2004, os Demandantes e a Demandada celebraram um acordo que deferia a data da realização da escritura pública até 31 de Dezembro de 2004, com o propósito de obter a correcção da área.
10. A Demandada não procedeu à rectificação da área no prazo estipulado.
11. A Demandada afirmou não ter intenção de rectificar a área, a não ser que os Demandantes custeassem todo o processo.
12. Os Demandantes e a Demandada não se encontram a residir em Portugal.
13. A rectificação de áreas é um processo dispendioso e moroso.
14. Por carta datada de 3 de Janeiro de 2005, os Demandantes comunicaram à Demandada a perda de interesse na prestação.
15. Justificando que as datas não foram cumpridas e que por isso já não lhes interessa a realização do negócio, pedindo a devolução da quantia recebida a título de sinal.
16. A escritura não se realizou devido, exclusivamente, ao facto de Demandada não ter procedido à correcção da área, para a qual os Demandantes lhe concederam tempo.
17. No contrato de promessa não ficou estipulado a qual das partes incumbia a marcação da escritura pública.

Factos não Provados:
Não se provaram quaisquer outros factos alegados pelas partes, com interesse para a decisão da causa.
Motivação:
Os factos assentes resultaram da conjugação dos documentos constantes dos autos, nomeadamente, de fls. 12 a 20 e depoimento testemunhal prestado em sede de audiência final, sendo que os factos constantes dos pontos 1, 2, 3, 4 e 5 se consideram admitidos por acordo – artº 490º nº2 do C.P.C..
Assim, teve-se em conta o depoimento da testemunha D, que revelou um conhecimento directo dos factos aqui em discussão, e pese embora ser pai do Demandante, o seu depoimento mostrou-se consistente e credível.
O depoimento da testemunha E, foi muito relevante, uma vez que demonstrou um conhecimento directo dos factos aqui em discussão, nomeadamente, por ser quem tratou das questões relacionadas com o caso em apreço, dado que os Demandantes não se encontravam a residir em Portugal, e pese embora ser mãe do Demandante, o seu depoimento mostrou-se isento, consistente e credível.
Foi também considerado o depoimento da testemunha F, desenhadora, que confirmou a discrepância de áreas existentes na descrição da Conservatória e na realidade.
Foi tido em conta o depoimento da testemunha G, irmã da Demandada, que demonstrou conhecimento directo dos factos em discussão.
Não foi considerado o depoimento da testemunha H, por ter revelado completo desconhecimento dos factos em discussão.
Quanto aos factos não provados, eles resultaram da ausência de prova ou de prova convincente sobre os mesmos.
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FUNDAMENTAÇÃO DA MATÉRIA DE DIREITO
1. Nulidade do Contrato Promessa por falta de requisitos formais:
De acordo com o nº 3 do artº 410 do Código Civil, a promessa relativa à celebração de contrato oneroso de transmissão ou constituição de direito real sobre edifício ou fracção autónoma dele, já construído, em construção ou a construir, além de ter de ser corporizada em documento particular, deve ainda desse documento constar o reconhecimento presencial da assinatura dos promitentes e a certificação, feita pelo próprio notário, da existência da licença respectiva de utilização (no caso de imóvel já construído) ou de construção (se a construção ainda não terminou ou mesmo se não começou).
O desrespeito pelas exigências de forma determina a nulidade do contrato, nos termos do art.º 220 Código Civil. Esta nulidade tem, no entanto, uma natureza atípica, porquanto não é invocável por terceiros (jurisprudência fixada pelo Assento 15/94), nem pode ser conhecida oficiosamente pelo tribunal (jurisprudência fixada pelo Assento 3/95).
No caso em apreço, os Demandantes alegam a nulidade do contrato promessa fundada na falta de reconhecimento presencial das assinaturas dos promitentes.
Ora, o contrato de promessa de compra e venda foi celebrado no Consulado-Geral de Portugal em Bordéus, e reconhecido pelo Vice-cônsul.
Dispõe a alínea a) do nº 1 do artº 3 do Código do Notariado: “Excepcionalmente, desempenham funções notariais os agentes consulares portugueses”.
Assim sendo, como é, contempla o contrato promessa em apreço os requisitos formais legalmente exigidos.

Face ao que antecede, declaro improcedente a arguida nulidade do contrato de promessa por falta de requisitos formais e a condenação da Demandada na restituição da quantia de € 2.500,00 que recebeu a título de sinal, acrescido de juros legais de mora.

2. Reconhecimento da Demandada na perda de interesse do cumprimento do contrato de promessa:
Os Demandantes e a Demandada celebraram um contrato de promessa de compra e venda de imóvel, válido e eficaz – artºs 410, 874 e 875 do Código Civil.
O Código Civil define no artº 410, nº 1, contrato de promessa nos seguintes termos:“1. À convenção pela qual alguém se obriga a celebrar certo contrato são aplicáveis as disposições relativas ao contrato prometido, exceptuadas as relativas à forma e as que, por sua razão de ser, não se devam considerar extensivas ao contrato-promessa.
O Contrato promessa é um acordo preliminar que tem por objecto uma convenção futura, o contrato prometido. Mas em si é uma convenção completa, que se distingue do contrato subsequente. Reveste, em princípio, a natureza de puro contrato obrigacional, ainda que diversa seja a índole do contrato definitivo. Gera uma obrigação de prestação de facto, que tem de particular consistir na emissão de uma declaração negocial. Trata-se de um “pactum de contrahendo” (Galvão Teles, Direito das Obrigações, 7ª ed-102).
Como contrato que é esse negócio jurídico deve ser pontualmente cumprido, ou seja, o cumprimento deve coincidir ponto por ponto com a prestação a que o devedor se encontra adstrito (artº 406, nº 1 do C.C.).
Decorre do artº 762, nº 1 do C.C., que o devedor cumpre a obrigação quando realiza a prestação a que está vinculado.
É sabido que, atendendo ao efeito ou resultado, existem três formas de não cumprimento: a falta de cumprimento ou incumprimento definitivo, a mora ou atraso no cumprimento e o cumprimento defeituoso (A. Varela, Das obrigações em Geral, 9ª ed., II, págs. 62 e segs. e M.J. Almeida Costa, Direito das Obrigações, 7ª ed. Págs. 927 e segs.).
A falta de cumprimento ocorre quando a prestação deixou de ser executada no devido tempo e já não pode ser cumprida e por se tornar impossível (artºs801 e 802 do C.C.).
Pode, ainda, o não cumprimento definitivo resultar da falta de irreversível cumprimento, equiparado por lei à impossibilidade (artº 808º, nº 1 do C.C.). Tal sucede quando a prestação, sendo materialmente possível, perdeu o interesse, objectivamente justificado, para o credor.
No artº 808 do Código Civil consagram-se duas causas de inadimplemento definitivo: quando se verifica a perda do interesse do credor na prestação devida, com a demora do devedor, e quando o devedor moroso não cumprir no prazo razoável, adicional e peremptório fixado pelo credor.
Pressupõe-se a mora do devedor (artº 804, nº 2 do C.C.), convertida em não cumprimento definitivo, equiparando-se este à impossibilidade de cumprimento (artº 801º do C.C.).
O não cumprimento definitivo, imputável a um dos contraentes, confere ao outro o direito de resolver o contrato de promessa (artºs 432º, nº1 e 801º, nº 2 do C.C.).
A resolução consiste no acto de um dos contraentes dirigido à dissolução do vínculo contratual, em plena vigência deste, e que tende a colocar as partes na situação que teriam se o contrato não se houvesse celebrado (M.J. Almeida Costa, Direito das Obrigações, 7ª ed., pág. 268).
O direito de resolução é um direito potestativo extintivo e depende do facto do incumprimento, estando sempre condicionado a uma situação de inadimplência – Batista Machado, “Pressupostos de Resolução por Incumprimento”.
“O direito de resolução de um contrato, com o subsequente pedido de indemnização apenas encontra fundamento na impossibilidade culposa da prestação (artº 801º e 802º do C.C.), sendo certo que a mora culposa do devedor (artº 805º e 799, nº1 do C.C.) é equiparada ao não cumprimento definitivo quando, em resultado do mesmo (retardamento) se verifique uma de duas situações: ou o credor perdeu o interesse que tinha na prestação ou o devedor não a ter cumprido no prazo razoável que o credor lhe fixou (808º do C.C.) – Acórdão do STJ, de 27.11.1997, in BMJ 471-391.
Na realização da prestação e na execução dos contratos devem as partes actuar com boa-fé, ou seja, com lisura, transparência e respeito pelos interesses da parte contrária, cooperando para a obtenção do desiderato comum.
Daí que, tanto devedor como credor, possam estar sujeitos a deveres acessórios de conduta sem os quais a prestação a que se vincularam pode sair frustrada.
Esta exigência de compromisso de cooperação exprime a existência de deveres acessórios de conduta que na definição de José João Abrantes, in “A excepção de não cumprimento do contrato” – 1986, 42, nota 8:
“São os que, não respeitando directamente, nem à perfeição, nem à perfeita (correcta) realização da prestação debitória (principal), interessam todavia ao regular desenvolvimento da relação obrigacional, nos termos em que ela deve processar-se entre os contraentes que agem honestamente e de boa-fé nas suas relações recíprocas”.
Os deveres acessórios de conduta são indissociáveis da regra geral que impõem aos contraentes uma actuação de boa-fé –artº 762º nº 2 do C.C. – entendido o conceito no sentido de que os sujeitos contratuais, no cumprimento da obrigação, assim como no exercício dos deveres correspondentes, devem agir com honestidade, e consideração pelos interesses da outra parte.
A omissão dos actos necessários ao cumprimento da obrigação é um dos motivos que pode conduzir à mora.
Feitas estas breves considerações de natureza normativa, doutrinal e jurisprudencial, importa agora resolver a questão que os Demandantes, subsidiariamente, colocam a este Tribunal.
A factualidade provada ilustra sem motivo para dúvida que, as partes celebraram em 16 de Janeiro de 2004 um contrato promessa de compra e venda de um prédio urbano, propriedade da Demandada, em virtude do qual esta recebeu dos Demandantes a titulo de sinal e princípio de pagamento a quantia de € 2.500,00.
Da matéria assente nos autos, resulta que no contrato de promessa não foi estipulado a qual das partes incumbia a marcação da escritura pública.
A escritura de compra e venda deveria ter sido realizada até ao dia 31 de Agosto de 2004.
Resulta também da matéria assente que os Demandantes se aperceberam da diferença entre a área constante na descrição e a área real.
Provado ficou também, que os Demandantes contactaram a Demandada para que regularizasse a situação, tendo os Demandantes e a Demandada acordado prolongar o prazo para a realização da escritura, com o propósito da Demandada regularizar a situação.
Verificou-se, contudo que, a Demandada, apesar do prazo concedido pelos Demandantes, não se empenhou na resolução da questão em apreço, da qual dependia a realização da escritura pública.
Pelo contrário, a Demandada afirmou não ter intenção de rectificar a área, a não ser que os Demandantes custeassem todo o processo.
É facto assente que, por carta datada de 3 de Janeiro de 2005, os Demandantes comunicaram à Demandada a resolução do contrato de promessa, por falta de interesse na prestação e solicitaram a restituição do sinal entregue.
Citamos o Acórdão da Relação do Porto de 14-07-2003: “… IV – o comportamento dos promitentes-vendedores que exprima omissão de deveres acessórios de conduta, imprescindíveis ao cumprimento da obrigação pela contraparte, reconduz-se ao conceito de incumprimento culposo, o que permite considerá-los definitiva e culposamente inadimplentes, dando causa à resolução do contrato”.
Ora, resulta provado que, a escritura não se realizou devido, exclusivamente, à Demandada não ter procedido à correcção da área, para a qual os Demandantes lhe concederam tempo, sendo essa uma sua obrigação essencial. Não cumprindo a Demandada essa obrigação, impediu a titulação do negócio através da competente escritura pública.
Reza o Código Civil no seu artº 808 nº1: Se o credor, em consequência da mora, perder o interesse que tinha na prestação, ou esta não for realizada dentro do prazo que razoavelmente for fixado pelo credor, considera-se para todos efeitos não cumprida a obrigação. E, o nº 2 do mesmo normativo: A perda de interesse na prestação é apreciada objectivamente.
A invocada perda de interesse, equivalente ao não cumprimento da obrigação, capaz de legitimar a resolução do contrato, há-de ser apreciada objectivamente (nº 2 do artº 808 do C.C.), em função da utilidade que a prestação poderia ter para o credor, tudo em função da factualidade que caracterize uma tal situação e sustentada num critério de razoabilidade própria do comum das pessoas – v., a propósito, Baptista Machado, in RLJ, ano 118, pág. 55 e Almeida Costa, in RLJ, ano 124, pág. 95.
Diz-nos o Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 12-02-98: “… IV – a perda do interesse do credor na prestação deve ser apreciada objectivamente e não subjectivamente, segundo um critério de razoabilidade próprio do comum das pessoas”.
Ora, se nos interrogarmos quanto a um cidadão comum, nestas condições que:
· Pretende adquirir um imóvel;
· Celebra um contrato promessa de compra e venda com prazo para realização da escritura pública;
· No decorrer do prazo para a realização da escritura, percebe que o imóvel não tem as condições legais para cumprir o seu objectivo.
· Uma vez que, a área do imóvel descrita na Conservatória e a área real não coincidem;
· Que tenha concedido tempo suficiente ao promitente vendedor para regularizar a situação;
· Findo este prazo, não tenha o promitente-vendedor tomado qualquer diligência para a resolver a questão;
· Tenha o promitente-vendedor demonstrado não ter intenções de resolver a situação, a menos que o promitente-comprador custeasse os encargos inerentes.
· Perante esta situação o promitente-comprador decide resolver o contrato.
Ora, não se afigurando data para a rectificação das áreas, terá o promitente-comprador que esperar indefinidamente que o promitente-vendedor solucione a questão, que só por este pode ser resolvida? Entendemos que não.
Está, assim, demonstrada a objectividade da perda de interesse, no caso em apreço.
Por outro lado, dispõe o nº 2 do artº 442 do Código Civil: “se o não cumprimento do contrato for devido a este último (que recebeu o sinal), tem aquele (quem pagou o sinal) a faculdade de exigir o dobro do que prestou.” Tem pois cobertura legal a posição assumida pelos Demandantes.
Assim sendo, como é, não pode deixar de proceder a pretensão dos Demandantes.

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DECISÃO
Pelo exposto e nos termos dos fundamentos de Direito invocados, julgo a presente acção procedente e, em consequência, condeno a Demandada a reconhecer a perda de interesse no cumprimento do contrato de promessa e a restituir aos Demandantes o sinal em dobro.
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Custas pela Demandada, que se declara parte vencida (artº 8º da Portaria 1456/2001 de 28 de Dezembro).
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Registe.
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Santa Marta de Penaguião, em 31 de Maio de 2005
Gabriela Cunha