Sentença de Julgado de Paz | |
| Processo: | 541/2007-JP |
| Relator: | MARIA ASCENÇÃO ARRIAGA |
| Descritores: | RESPONSABILIDADE CIVIL EXTRACONTRATUAL - SERVIÇO PÚBLICO DE DISTRIBUIÇÃO POSTAL - EXTRAVIO DE ENCOMENDAS |
| Data da sentença: | 02/29/2008 |
| Julgado de Paz de : | LISBOA |
| Decisão Texto Integral: | SENTENÇA I- IDENTIFICAÇÃO DAS PARTES e OBJECTO DO LITÍGIO A, ora Demandante, vem propor a presente acção contra B com sede em Lisboa, ora Demandada, pedindo que esta seja condenada a pagar-lhe €920. Alega, em resumo, que remeteu por correio, da China para Portugal, duas embalagens com diversos objectos as quais, depois de terem sido identificadas nos depósitos dos B e de ter sido solicitada a sua entrega ao requerente, vieram a ser devolvidas para aquele País não mais voltando a ser entregues ao Demandante. Os objectos contidos nas encomendas tinham o valor de €750 e, em portes de correio, o Demandante gastou €170, pelo que deverá ser ressarcido desses valores. Junta, com o requerimento inicial, 13 documentos (de fls. 5 a 22) que correspondem a cópias de correspondência trocada entre as partes. Regularmente citada a Demandada contestou, alegando, em resumo, que o carteiro não entregou as encomendas ao Demandante, no giro, porque o endereço não estava correcto; que, depois, de alertada pelo Demandante e localizadas as encomendas a Demandada não conseguiu impedir o reenvio para a China; que se disponibilizou para pagar os custos de reenvio; que não sabe o que continham as encomendas nem o respectivo valor. Conclui pela improcedência da acção. Junta procuração forense. Não ocorreu sessão de pré-mediação devido a ausência não justificada da Demandada. Realizou-se audiência de julgamento, na qual foi tentada, sem sucesso, a conciliação das partes, e que foi interrompida para posterior apresentação de prova pelo Demandante. A fls. 52 a 66 veio o Demandante juntar diversa documentação, aparentemente escrita em chinês, e a respectiva tradução não certificada e sem autoria atribuída e, bem assim, indicar duas testemunhas para serem inquiridas. A Demandada pronunciou-se sobre os documentos a fls. 69, impugnando a força probatória deles e da tradução. Veio a realizar-se em 11 de Dezembro de 2007, a continuação da audiência de julgamento, com inquirição de testemunhas e observância do formalismo legal aplicável como tudo decorre da acta. Só nesta data o tribunal pôde continuar a audiência para leitura de sentença. Cumpre apreciar e decidir. O Julgado de Paz é competente em razão da matéria, do território e do valor. Verificam-se os pressupostos processuais de regularidade e validade da instância, inexistindo questões prévias ou nulidades que obstem ao conhecimento do mérito da causa. Está em causa apurar se a Demandada se constituiu perante o Demandante, na obrigação de o indemnizar – o que significa apurar se estão reunidos os pressupostos da responsabilidade civil – por danos sofridos por este e se os danos reclamados têm, ou não, o valor de €920. II – FUNDAMENTAÇÃO Considerando a prova produzida, incluindo o teor dos documentos juntos aos autos que, adiante, se enunciarem, ficaram provados, com interesse para a decisão da causa, os seguintes factos: A. Em Outubro de 2006 foram expedidas da China para o Demandante, em Portugal, duas encomendas postais com os nºs x e x por cuja expedição foi pago o montante de 1.540,6 yuans (cfr. doc. de fls. 54); B. As encomendas chegaram a Portugal no dia 10.11.2006 e não foram entregues ao Demandante; C. O endereço do Demandante aposto nas encomendas estava incorrecto porque em vez de 5ºC estava escrito 5º L; D. No início de Fevereiro de 2007, não tendo recebido as encomendas, o Demandante contactou os serviços da Demandada, em Cabo Ruivo, onde foi informado que as encomendas haviam sido devolvidas por desconformidade da morada; E. Em data não apurada o Demandante enviou à Demandada, para a estação de Porto Salvo, a reclamação de fls. 7 e 8; F. Em 10 de Abril de 2007, os serviços da Demandada enviaram ao Demandante o e-mail de fls. 9, informando-o que as encomendas foram localizadas para devolução e que foi solicitada a sua reentrada na Alfândega prevendo-se que, em breve, o destinatário possa levantá-las; G. Em 11 de Maio de 2007, a Demandada envia ao Demandante o e-mail de fls. 10, informando-o que uma das encomendas, x, havia sido devolvida a Pequim no dia 21.04.2007, e que os serviços não conseguiam localizar a outra; H. No mesmo e-mail, pede a Demandada ao Demandante que tente certificar-se da devolução junto do remetente e que, caso pretenda o reenvio das encomendas, os B suportarão os custos das taxas de devolução e dos portes de reenvio pagos pelo remetente; I. Quando o endereço não se encontrar correctamente escrito e surgir dúvida ao carteiro no que respeita à identidade do destinatário, deve aquele devolver a encomenda; J. A Demandada não conseguiu travar, a final, a devolução das encomendas; K. O Demandante veio, posteriormente, a receber uma das encomendas. Com interesse para a decisão da causa não ficaram provados os seguintes factos: 1. Pelo transporte das encomendas da China para Portugal, o Demandante pagou aos Correios Chineses a quantia de €170; 2. Os objectos constantes das encomendas tinham o valor de cerca de €750. Motivação dos factos provados e não provados Na formação da sua convicção sobre os factos provados, o tribunal tomou em consideração o teor das declarações das partes e o que resulta, por acordo ou confissão, dos próprios articulados. As testemunhas apresentadas pelo Demandante, confirmaram que o Demandante enviou, por intermédio da Universidade de Nanjing, duas encomendas para Portugal, contendo diversos artigos que referiram como sendo roupas chinesas para oferta, livros técnicos, batas para usar em clínica, uma máquina de acupunctura e outros materiais eléctricos, uma máquina fotográfica digital, entre outros. Referiram não saber precisar o valor económico, nem sequer aproximado, do conteúdo das caixas. Apenas referiram que um aparelho de acupunctura custaria cerca de €50. A testemunha apresentada pela Demandada, funcionária no sector de reclamações internacionais, confirmou os procedimentos da empresa e diligências que efectuou para impedir o reenvio das encomendas. Da Apreciação de facto e de Direito A factualidade apurada retrata uma relação estabelecida entre um particular, consumidor, e uma entidade obrigada à prestação de um serviço público - de distribuição postal – por força de contrato de concessão celebrado entre a concessionária B e o Estado Português. A exploração do serviço encontra-se disciplinada na Lei 102/99, de 26 de Julho (alterada pelo Dec. Lei 116/2003, de 12.06) nos termos da qual emerge para a Demandada a obrigação de prestar um serviço universal postal, no território nacional, o que compreende a aceitação, tratamento, transporte e distribuição de envios postais, incluindo encomendas postais até 20kg de peso (artigo 4º, nº1 e 6º da Lei 102/99). Por sua vez o Dec. Lei 448/99, que contém as bases de concessão do serviço postal universal, dispõe na sua BASE XXVIII, sob a epígrafe “Responsabilidade extracontratual” que “ A concessionária responderá nos termos da lei geral, por quaisquer prejuízos causados a terceiros no exercício das actividades que constituem o objecto da concessão, pela culpa ou pelo risco, não sendo assumido pelo concedente qualquer tipo de responsabilidade neste âmbito.“ Impõe-se, pois, averiguar se perante a factualidade provada estão, ou não, reunidos os pressupostos que permitam imputar à Demandada a responsabilidade pelo desaparecimento de uma das encomendas do Demandante e a obrigação de indemnização dos respectivos danos. Para que tanto se verifique é necessário que exista uma conduta ilícita, lesiva de interesses de terceiro, que essa conduta se deva a culpa do agente, que tenham ocorrido danos e que entre os danos e o acto lesivo ocorra um nexo de causalidade, isto é, de causa/efeito. Parece-nos que não surgem dúvidas quanto à omissão pela Demandada, do dever de impedir a devolução, para a China, das encomendas postais do Demandante já que (ultrapassada a questão da morada incorrecta) conhecia este como sendo o destinatário, sabia onde os pacotes se encontravam, sabia porque razão não haviam sido entregues pelo carteiro e sabia como evitar o reenvio. Perante tal enquadramento, impunha-se que a Demandada tivesse tomado todas as medidas ao seu alcance para entregar ao Demandante as ditas encomendas, o que só ela podia fazer. Sabia a Demandada que se nada fizesse, ou se não actuasse com eficácia, frustrava o interesse, expectativas e vontade do destinatário – aqui Demandante -, porquanto o impediria de tomar posse do conteúdo dos envios postais. Na verdade, as encomendas continham diversos artigos, desde livros a aparelhos eléctricos que pertenciam ao Demandante por os haver adquirido e que, assim, ficou privado deles, facto este que permite detectar a presença de danos materiais ou patrimoniais. Do que vem de dizer-se resulta que a Demandada se constituiu na obrigação de indemnizar o Demandante pelos danos decorrentes da lesão, mediante reconstituição natural ou, não sendo possível, mediante indemnização a fixar em dinheiro (artº 562º e 566º, nº1 do Código Civil). Posto que a Demandada não pode entregar ao Demandante a encomenda postal perdida coloca-se, então, a questão do apuramento da compensação pecuniária, do montante indemnizatório adequado, sendo certo que não sendo possível apurar o montante exacto deverá proceder-se à sua fixação equitativa dentro dos limites que o tribunal tiver por provados (cfr. artº 566º, nº 3 do mesmo código). Porém, no caso dos autos, não foi de todo possível averiguar quais os concretos bens colocados em cada uma das encomendas, nem, por conseguinte, o seu valor – ambas as testemunhas disseram não o conseguir fazer – , nem saber quais os bens que se extraviaram e os que o Demandante veio a receber. De resto, ele próprio afirmou que era incapaz de quantificar o valor dos objectos que estavam dentro da encomenda que veio a receber. Não é, portanto, possível quantificar o dano em função do valor correspondente aos bens extraviados e, tão-pouco, é de relegar essa liquidação e materialização para execução de sentença pois que ficou demonstrada a impossibilidade de o Demandante vir a conseguir tal operação. Contudo, também não é admissível que à face do que ficou provado o Demandante não se veja minimamente ressarcido dos danos que sofreu e a Demandada lhe causou pois traduziria uma verdadeira injustiça no caso concreto. Cabe pois, socorrermo-nos da faculdade que o nº3 do artº 567º do Código de Processo Civil atribui ao julgador, qual seja a de, funcionando como árbitro, poder julgar “ex aequo et bono”, isto é, afastar-se do enquadramento rígido do direito aplicável e decidir da forma que lhe parecer mais justa, mais equitativa mais fiel à justiça do caso concreto. Por essa via, cabe ponderar que segundo as regras gerais de experiência, os bens que as pessoas remetem por via postal justificam o respectivo custo de portes, isto é, valem no mínimo o mesmo que as respectivas despesas de envio. As despesas de envio das duas encomendas foram de 1.540,60 Yuans (ou CNY), o que à presente data corresponde a 142.3325 EUR (cfr. taxa de conversão de 1 CNY = 0.0924 EUR e 1EUR = 7.1135 CNY disponível em http://www2.gfxsa.com). Em conformidade com este critério, e atendendo a que o Demandante recuperou uma das encomendas, o valor a fixar para efeitos de indemnização a pagar pela demandada ao Demandante é de €71,17. III – DECISÃO Por tudo o exposto, julgo a acção parcialmente procedente e, em consequência, condeno a Demandada a pagar ao Demandante a quantia de €71,17. Declaro vencidas, quanto a custas, ambas as partes, na mesma proporção atento o respectivo reduzido valor. Custas do processo €70, encontrando-se pagas. Registe e notifique as partes porquanto as mesmas não compareceram. Julgado de Paz de Lisboa, 29 de Fevereiro de 2008 (Texto elaborado e revisto pela própria por meios informáticos) A Juíza de Paz Maria de Ascensão Arriaga |