CD 360

Centro de Documentação da PJ
Analítico de Monografia
DUARTE, José Nuno Ramos
A história do confisco no antigo direito português / José Nuno Ramos Duarte
In: O confisco não baseado numa condenação / coord. Norberto Martins, João Conde Correia. - Coimbra : Almedina, 2023. - p. 17-46.


CONFISCO DE BENS, PERDA A FAVOR DO ESTADO, HISTÓRIA DO DIREITO, CÓDIGO PENAL, POLÍTICA CRIMINAL

A nossa legislação possui, desde o período da fundação de Portugal, mecanismos que, para defender a sociedade do crime, permitem que o Estado fique com a titularidade de bens relacionados com o cometimento de infracções criminais, nalguns casos, simplesmente, por pertencerem aos respectivos agentes, noutros, por terem sido utilizados na prática de delitos, ou por terem sido produzidos por estes. Durante a vigência das Ordenações Afonsinas, Manuelinas e Filipinas, porém, a importância político-criminal do confisco foi sendo ofuscada por algumas práticas abusivas, estimuladas quer por motivações economicistas, quer por fenómenos de pura arbitrariedade punitiva. Tal levou a que o confisco tivesse sido proibido, quer pelas Constituições Liberais do século XIX, quer pelas Constituições Republicanas de 1911 e 1933. Não obstante, os Códigos Penal de 1852 e de 1886 continuaram a admitir a declaração da perda a favor do Estado dos objectos obtidos através de práticas criminosas que não devessem ser restituídos aos ofendidos, dos objectos produzidos através de tais práticas e também dos instrumentos utilizados para cometer crimes. O Código Penal de 1982 não só manteve a possibilidade de o Estado proceder ao confisco dos instrumentos e dos produtos do crime, como passou, ainda, a prever a perda das recompensas e, em termos mais gerais, das vantagens económicas adquiridas através de factos criminosos. A proibição do confisco já havia desaparecido da nossa Lei Fundamental desde a aprovação da Constituição de 1976 e, face ao cada vez maior reconhecimento das potencialidades do instituto para combater a criminalidade reditícia, trilhava-se no novo Código Penal um caminho destinado a alargar a abrangência e a eficácia do confisco, passando a admitir-se também a possibilidade de a perda de bens ser substituída pelo pagamento ao Estado do valor patrimonial daquilo que não se lograsse confiscar em espécie, bem como a possibilidade de se proceder ao confisco de bens sem condenação de qualquer agente. No mesmo sentido, em 2002, viria a ser aprovada a Lei n.º 5/2002, de 11 de Janeiro, que veio autorizar o confisco do património de agentes do crime que se demonstre ser incompatível com os seus rendimentos lícitos conhecidos. Hoje em dia, existe consenso quanto ao facto de o confisco, nas suas várias vertentes, ser um instrumento fundamental para combater a projecção patrimonial da criminalidade que continua a desestabilizar os fundamentos dos Estados de Direito. O debate sobre a sua expansão, todavia, não deve prescindir de uma análise cuidada sobre os desenvolvimentos que, quanto a tal matéria, houve ao longo da nossa história legislativa. É o que se procura fazer neste artigo.