Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa | |||
Processo: |
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Relator: | ANABELA CALAFATE | ||
Descritores: | LIVRANÇA TÍTULO EXECUTIVO PACTO DE PREENCHIMENTO PRESCRIÇÃO | ||
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Nº do Documento: | RL | ||
Data do Acordão: | 09/11/2025 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Texto Parcial: | N | ||
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Meio Processual: | APELAÇÃO | ||
Decisão: | PARCIALMENTE PROCEDENTE | ||
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Sumário: | I – Como os pactos de preenchimento de cada uma das livranças constam nos contratos em que foram prestadas as garantias autónomas e neles é interveniente a apelada na qualidade de avalista, a prorrogação do prazo de caducidade dessas garantias autónomas só poderia produzir feitos quanto à apelada se esta tivesse autorizado essa alteração contratual ou a tivesse ratificado. II – A inclusão nas livranças das importâncias relativamente às quais caducaram as garantias autónomas constitui violação dos pactos de preenchimento, implicando a inexistência de título executivo quanto a essas importâncias. II - O prazo de prescrição da obrigação cambiária é de três anos a contar do vencimento da letra/livrança. III – A extinção da obrigação cambiária por prescrição não atinge a obrigação subjacente/causal. IV - O simples decurso do tempo sem que o credor tenha exigido o pagamento da dívida não permite considerar que o devedor criou legitimamente a convicção de que já não teria de cumprir. | ||
Decisão Texto Parcial: | ![]() | ||
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Decisão Texto Integral: | Acordam na 6ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa I – Relatório Por apenso à execução instaurada por Lisgarante – Sociedade de Garantia Mútua, SA contra AA, BB e CC, veio esta última deduzir embargos de executado, alegando em síntese: - deu o seu aval nos financiamentos concedidos à Avrotel – Sociedade de Investimentos Hoteleiros, Lda, de que era sócia, juntamente com suas irmãs, - mas não participou nas negociações do financiamento e das garantias nem na elaboração dos documentos que assinou referentes ao preenchimento das livranças que assinou, - limitando-se a assinar os documentos elaborados pela exequente que lhe foram colocados à frente para assinar, que não lhe foram lidos nem explicado o contrato, - estão em causa cláusulas contratuais gerais, nomeadamente o pacto de preenchimento das livranças, - assim, tendo sido violado o art. 5º do DL 446/85 de 25/10, deverá ser excluída a cláusula 4ª do pacto de preenchimento; - além disso: - caducou a garantia prestada ao banco financiador, Santander, o que se repercute nas garantias, - foi violado o pacto de preenchimento, - e já decorreu o prazo de 3 anos de prescrição das livranças * A exequente contestou, concluindo pela improcedência da oposição. * Realizada a audiência final, foi proferida sentença que julgou procedentes os embargos e declarou extinta a execução relativamente à embargante. * Inconformada, apelou a exequente, terminando a alegação com estas conclusões: «A. Fundamentam-se os embargos de executada no preenchimento abusivo das livranças e inexigibilidade da obrigação, em virtude de, no entender do Embargante, não lhe terem sido comunicadas cláusulas contratuais que integram o pacto de preenchimento das livranças, em violação do artigo 5º do regime jurídico das cláusulas contratuais gerais B. Não pode a Recorrente conformar-se, salvo o devido respeito, com o julgamento da prova produzida, designadamente quanto ao ponto 5. dos factos provados, e que está em contradição com a realidade dos factos e prova produzida. C. Está em discussão o motivo por que a embargante assinou documentos, e explicações que lhe foram fornecidas. Conforme decorre da documentação junta aos autos, foram celebrados, entre a Embargada Lisgarante e a sociedade Avrotel - Sociedade de Investimentos Hoteleiros, Lda., dois contratos, o primeiro em 02/03/2010 e o segundo a 25/01/2011, destinados a regular os termos e condições em que a Lisgarante prestaria, em nome e a pedido daquela sociedade, duas garantias autónomas à primeira solicitação, a favor do Banco Santander Totta, S.A., para garantia de cujas obrigações a empresa Avrotel - Sociedade de Investimentos Hoteleiros, Lda. entregou à Lisgarante duas livranças em branco, uma para cada um dos contratos, subscritas pela mesma e avalizadas pelos executados, entre os quais a ora Recorrida. D. Constam dos contratos de prestação de garantia mútua, anexos à contestação produzida pela ora Recorrente como doc. 1 e 2 os respectivos pactos de preenchimento, designadamente da cláusula 4) de cada um dos contratos. Dando o seu consentimento ao teor das aludidas cláusulas, a Recorrida, e demais avalistas, apuseram as suas assinaturas nos contratos de prestação de garantia, supra referidos. E. Alegou a Recorrida que lhe foi solicitado, na sua qualidade de sócia da Avrotel, e atendendo às necessidades de financiamento desta empresa, que prestasse o seu aval em financiamentos, ao que a Recorrida acedeu. Alegou, ainda, que foi o Executado AA e a sua esposa DD (irmã da Recorrida) quem negociou com as entidades bancárias e com a Recorrente, tendo aqueles informado a Recorrida do local onde deveria comparecer para assinar os documentos, não tendo conhecimento do respectivo teor, tendo-se limitado a aderir e a apor a sua assinatura nos documentos elaborados pela Recorrente, os quais não lhe foram lidos ou explicados. F. Reconhece a Recorrida que lhe foi solicitado, pela sua irmã, e atenta a sua qualidade de sócia da Avrotel, que se constituísse garante em operações de financiamento desta empresa, ao que esta acedeu. Confessa, então, a Recorrida que tinha consciência que, ao assinar os contratos que lhe seriam apresentados, iria prestar uma garantia pessoal ao cumprimento de tais operações financeiras. G. Para o efeito, a Recorrida dirigiu-se às instalações do Banco Santander Totta, onde assinou, em 02/03/2010 e dez meses depois, em 25/01/2011, diversa documentação, designadamente dois contratos de mútuo (entre a Avrotel e o Banco Santander Totta), dois contratos de prestação de garantia autónoma (entre a Avrotel e a Lisgarante) e quatro livranças, no seu verso, sob a expressão “bom por aval à firma subscritora”, também aí aposta por si, duas para a Lisgarante e duas para o Banco Santander Totta. H. A Recorrida assinou, portanto, diversa documentação, com o formalismo inerente à subscrição de contratos bancários, nas instalações do Banco Santander Totta, na presença de representantes deste banco, e de advogado que aí se encontrava para reconhecer presencialmente as suas assinaturas – vide, a propósito, os depoimentos prestados pelas testemunhas EE e FF, gravadas e disponíveis nos autos. I. Quer a Recorrida fazer crer que, tendo-se deslocado por duas vezes, com 10 meses de intervalo, ao Banco Santander Totta, por lhe ter sido solicitado que prestasse garantia pessoal aos financiamentos da Avrotel, empresa da qual era sócia, e aí tendo assinado diversos contratos e livranças, não lhe foi explicado o teor de tais documentos ou das obrigações por si assumidas. J. Discorda a Recorrente do decidido no ponto 5, in fine, dos factos provados da douta sentença recorrida. Com efeito, não questiona a Recorrente se a Recorrida participou na negociação dos contratos de mútuo e de prestação de garantia. Tais contratos foram negociados entre o gerente da Avrotel, o Banco Santander Totta e a Recorrente Lisgarante. Não tinha, como tal, que intervir na sua negociação a Recorrida, que apenas neles interveio enquanto avalista, autorizando o preenchimento das livranças por ela avalizadas. K. Diferentemente, não pode concordar a Recorrente que se dê como provado que não foram lidos ou explicados à Recorrida os termos dos contratos de prestação de garantia, mormente da cláusula 4) que constitui o pacto de preenchimento das livranças por ela avalizadas. L. Desde logo, porque, conforme se deixou dito supra, a Recorrida sabia já ao que ia – prestar garantia pessoal em financiamentos da Avrotel. E depois, porque, conforme resulta dos depoimentos das testemunhas EE e FF, neste caso, como em todos os contratos celebrados ao abrigo das linhas de crédito nas quais se inserem, constituídos por contrato de mútuo (celebrado com o banco) e contrato de prestação de garantia autónoma (celebrado com a Lisgarante), a assinatura dos contratos e das livranças era formalizada nas instalações do banco, perante representante desta instituição e advogado ou solicitador que procedia ao reconhecimento das assinaturas. M. Veja-se, a propósito, os depoimentos da testemunha EE, disponível na plataforma Citius, designadamente a partir de 8m30s da gravação e da testemunha FF, a 16m34s e 21m10s da gravação: N. Decorre com manifesta clareza do depoimento destas testemunhas, funcionárias do Banco Santander Totta, que, não estando, por norma, presente aquando da assinatura dos contratos qualquer representante da Lisgarante, era habitualmente o funcionário do Banco Santander e/ou o solicitador/advogado que aí compareciam para reconhecer as assinaturas quem se certificava que as partes outorgantes compreendiam o alcance dos documentos que subscreviam. E isso mesmo se passou no caso concreto. O. A Recorrida, sabendo que ia garantir obrigações assumidas pela Avrotel, e no seu próprio interesse, pois que os contratos se destinavam à concessão de financiamentos a esta empresa, da qual era sócia e, como tal, beneficiária, dirigiu-se ao balcão do Banco Santander Totta, e aí, na presença do legal representante da Avrotel, seu cunhado, das demais avalistas, suas irmãs, do representante/gerente de balcão do Banco Santander Totta, e do advogado que fez o reconhecimento das assinaturas, a Recorrida assinou a documentação que lhe foi apresentada, P. Apondo a sua assinatura nos locais identificados pela palavra “avalista”, apondo no verso da livrança, pelo seu punho, a expressão “bom por aval à firma subscritora”. Não uma, mas duas vezes, separadas por mais de 10 meses de intervalo. Q. É manifesto que a Recorrida sabia o que assinava, pois que todas as informações decorrem com clareza dos documentos, mas também porque a mesma foi prestada pelo representante do banco e pelo advogado, como referiram as testemunhas. Mas, ainda que assim não fosse, não pode a Recorrida alegar que não sabia o que assinava. R. Como a Recorrida confessa, foi-lhe solicitado, e esta aceitou, garantir pessoalmente os financiamentos concedidos à Avrotel. A única cláusula dos contratos celebrados pela Avrotel com a Recorrente aplicável à Recorrida, e o motivo pelo qual esta última os subscreveu, é a cláusula 4), que contém o pacto de preenchimento das livranças. S. Ao avalizar as livranças, títulos de crédito, e declarando dar o seu aval, bem sabia a Recorrida estar a constituir-se avalista da empresa subscritora, com as consequências que daí advém, mormente a responsabilidade solidária pelo pagamento dos valores em divida em caso de incumprimento do contrato. Como tal, foram prestados à Recorrida todos os esclarecimentos quanto aos termos das obrigações que assumia pela aposição das suas assinaturas nos contratos e nas livranças, obrigações estas que esta bem conhecia-. T. Como tal, a redacção dada ao ponto 5. dos factos provados na douta sentença em crise deveria referir que os termos em que se obrigava a Recorrida foram-lhe explicados e eram do seu conhecimento. U. Do mesmo modo, deveria constar dos factos provados, atendendo à confissão expressa da Recorrida, constante dos artigos 16º e 17º da sua petição inicial de embargos que esta, ao subscrever os contratos e as livranças, pretendeu constituir-se garante das obrigações assumidas nos ditos contratos pela Avrotel. Posto isto, V. É isento de dúvida que as aludidas cláusulas dos contratos de prestação de garantia autónoma (onde se apoiam os valores peticionados relativamente aos quais a sentença recorrida julgou procedente os embargos) não foram negociados com a Recorrida, que não representava a sociedade Avrotel, mas apenas com o gerente desta. W. Sendo que foram objecto de negociação o montante garantido, prazo, taxa aplicável às comissões de garantia e demais condições especificas, sendo no demais o documento constituído por cláusulas aplicáveis pela Recorrente à generalidade dos contratos celebrados no âmbito da mesma linha de crédito. X. Caso se entenda que as cláusulas que integram tais contratos correspondem a cláusulas contratuais gerais e que, como tal, estão sujeitas ao regime instituído pelo Dec. Lei nº446/85, de 25/10, importa ter presente o mesmo. Dispõe o art. 5º do citado diploma legal: “1 - As cláusulas contratuais gerais devem ser comunicadas na íntegra aos aderentes que se limitem a subscrevê-las ou a aceitá-las. 2 - A comunicação deve ser realizada de modo adequado e com a antecedência necessária para que, tendo em conta a importância do contrato e a extensão e complexidade das cláusulas, se torne possível o seu conhecimento completo e efectivo por quem use de comum diligência. 3 - O ónus da prova da comunicação adequada e efectiva cabe ao contratante que submeta a outrem as cláusulas contratuais gerais”. Y. E, segundo dispõe o art. 8º a) do mesmo diploma, o incumprimento do dever de comunicação estabelecido no art. 5º determina a exclusão das cláusulas em questão. Z. Ainda que a Exequente não tivesse logrado fazer a prova de ter comunicado e explicado à Recorrida as aludidas cláusulas (o que não se admite), diga-se que não estava obrigada a fazê-lo. De facto, como resulta da matéria de facto provada e dos documentos juntos aos autos, a Embargante/Recorrida não teve qualquer intervenção nos aludidos contratos de prestação de garantia autónoma (onde foram inseridas as aludidas cláusulas). Tais contratos foram celebrados (apenas) entre a Exequente e a sociedade Avrotel. AA. Ora, como decorre do disposto no citado art. 5º, o dever de comunicação das cláusulas contratuais gerais inseridas em determinado contrato apenas se dirige aos “aderentes”, ou seja, aos contraentes que subscrevem e aceitam as cláusulas que lhes foram submetidas; tal dever não se estende – por inexistir qualquer disposição que assim o determine – a terceiros que, por qualquer razão ou em virtude de qualquer negócio que tenham celebrado ou venham a celebrar, assumam obrigações relacionadas com aquele contrato, como é o caso do avalista que, sem ter intervenção no negócio, dá o seu aval numa livrança que é entregue para garantia das obrigações que nele foram assumidas por outrem. BB. O regime jurídico das cláusulas contratuais gerais – constante do Dec. Lei nº 446/85 – tem como objectivo introduzir alguns mecanismos que visam, por um lado, evitar os abusos decorrentes da imposição unilateral de determinadas cláusulas por parte de um dos outorgantes e, por outro lado, colmatar, de alguma forma, as restrições ao princípio da liberdade contratual que são inerentes aos contratos de adesão e onde um dos contraentes não tem qualquer possibilidade de negociar e influenciar os termos do contrato. A exclusão dessas cláusulas – por incumprimento do dever de comunicação e informação – radica na circunstância de o contrato não se dever ter por validamente formado ou concluído, no que respeita a essas cláusulas e, portanto, o contratante que aderiu ao contrato poderá opor esse facto ao contratante que lhe submeteu as respectivas cláusulas, sem lhe dar a conhecer o respectivo conteúdo. CC. Ora, no caso sub judice, os contratos de prestação de garantia autónoma nasceram e formaram-se apenas entre a Exequente e a sociedade Avrotel, e com a sua adesão às cláusulas que lhe foram submetidas pela Exequente, o contrato ficou validamente concluído pelo encontro de vontades dos respectivos outorgantes, sendo totalmente irrelevante que a ora Recorrida desconhecesse essas cláusulas, porquanto a sua aceitação não era necessária à válida formação e conclusão de um contrato onde não haviam tido qualquer intervenção. DD. O contrato (acordo) no qual a Recorrida teve intervenção foi a convenção de preenchimento da livrança que foi entregue à Exequente (em branco) e com base na qual foi instaurada a presente execução. Pacto esse que consta apenas da cláusula 4) os aludidos contratos. Mas ainda que este acordo/contrato tenha como referência as obrigações assumidas pela Avrotel nos contratos de prestação de garantia autónoma (por ser em função dessas obrigações que o aludido acordo delimita os termos do preenchimento da livrança), a verdade é que estamos perante contratos distintos e autónomos e, como tal, a Recorrida apenas poderia invocar – com sucesso – a omissão do dever de comunicação (por parte da Exequente) de eventuais cláusulas contratuais gerais que estivessem inseridas no contrato que com ela celebraram (o acordo ou pacto de preenchimento da livrança) e às quais se tivessem limitado a aderir. EE. Esse pacto de preenchimento não se configura como um contrato de adesão e não contém quaisquer cláusulas que possam ser qualificadas como cláusulas contratuais gerais e relativamente à quais a Exequente estivesse obrigada ao cumprimento dos deveres de comunicação e informação, por força do regime instituído no diploma legal supra citado. FF. Nesse acordo, os Executados limitam-se a declarar que autorizam a Exequente a preencher a livrança em determinados moldes, ali declarando os ora Embargantes que possuem um perfeito conhecimento do conteúdo dos contratos de prestação de garantia autónoma e das responsabilidades que deles emergem para a sociedade Avrotel, assim como das consequências do seu incumprimento, temporário ou definitivo, da sua resolução, caducidade ou ineficácia, autorizando, em consequência, o preenchimento das Livranças nos precisos termos exarados. GG. Ainda que, por via desse acordo, tenha a Recorrida autorizado o preenchimento das livranças por referência às obrigações que decorriam para a Avrotel do contrato de prestação de garantia autónoma (obrigações que declarou conhecer), a Recorrida não aderiu e não subscreveu qualquer cláusula deste contrato para além do seu pacto de preenchimento; o contrato já estava concluído entre a Exequente e a Avrotel e dele não decorria, naturalmente, qualquer obrigação para a Recorrida e, não sendo aderente ou outorgante nesse contrato, não era destinatária de qualquer dever de informação ou comunicação, por parte da Exequente, relativamente a cláusulas nele inseridas. Refira-se que a obrigação da Recorrida – que está aqui a ser reclamada – não radica no contrato de prestação de garantia (no qual não teve intervenção), mas sim no aval que prestou nas livranças que servem de base à presente execução. HH. A Recorrida limitou-se a dar o seu aval nas livranças que a Avrotel havia subscrito em garantia das obrigações assumidas nos contratos de prestação de garantia, e a celebrar com a Exequente um contrato (pacto de preenchimento) por via do qual definiam os termos em que as livranças poderiam ser preenchidas, o que fizeram tendo como referência as obrigações e responsabilidades que pudessem advir para a Avrotel dos contratos de prestação de garantia, obrigações e responsabilidades relativamente às quais declarou a Recorrida possuir um perfeito conhecimento. II. Todavia, não obstante ter efectuado essa declaração, diz agora a Recorrida que, ao contrário do que ali declarou, não tinha um perfeito conhecimento dos contratos de prestação de garantia e das responsabilidades deles emergentes, pelo menos no que toca às concretas cláusulas que estão em causa nos presentes autos. Ora, ainda que esse acordo ou pacto de preenchimento da livrança já viesse redigido, sendo entregue à Embargante/Recorrida apenas para aposição da respectiva assinatura, a verdade é que ele não contém qualquer cláusula contratual geral relativamente à qual impendesse sobre a Exequente um específico dever de comunicação e informação. JJ. Mas, ainda que assim não fosse, sempre se deveria considerar cumprido esse dever. Com efeito, e como resulta do disposto no nº 2 do citado art. 5º, aquela comunicação “deve ser realizada de modo adequado e com a antecedência necessária para que, tendo em conta a importância do contrato e a extensão e complexidade das cláusulas, se torne possível o seu conhecimento completo e efectivo por quem use de comum diligência”. KK. Ou seja, apesar de a lei impor ao contraente que impõe as cláusulas o ónus de as comunicar ao outro contraente, exige-se também que este adopte um comportamento diligente tendo em vista o conhecimento real e efectivo dessas cláusulas. LL. De facto, não se justificaria que a protecção concedida à parte mais fraca fosse ao ponto de abarcar as situações em que a falta de conhecimento das cláusulas apenas decorreu de um comportamento negligente ou pouco diligente dessa parte que, apesar de ter sido colocado em posição de conhecer essas cláusulas, não teve qualquer preocupação em assegurar-se do seu teor. MM. Assim, e face ao disposto no citado art. 5º, nº 2, deveremos considerar que aquele dever de comunicação é cumprido quando se proporcione ao outro contraente a possibilidade de, usando de comum diligência, tomar real e efectivo conhecimento do teor das cláusulas. NN. Nada existindo na lei que aponte para o facto de essa comunicação ter que ser oral – sem prejuízo do dever de informação, consignado no art. 6º, relativamente a aspectos cuja aclaração se justificasse e relativamente a esclarecimentos solicitados – afigura-se-nos que, por regra e sem prejuízo de situações em que se justifique outro procedimento, o cumprimento do dever de comunicação, a que se reporta o citado art. 5º, se bastará com a entrega da minuta do contrato, contendo todas as cláusulas (incluindo as gerais), com a antecedência que seja necessária – em função da extensão e complexidade das cláusulas – na medida em que, com a entrega dessa minuta, uma pessoa normalmente diligente tem a efectiva e real possibilidade de ler e analisar todas as cláusulas e de pedir os esclarecimentos que entenda necessários para a sua exacta compreensão. OO. Não havendo qualquer razão para supor que a Recorrida tenha sido pressionada ou coagida a assinar de imediato, terá tido o tempo necessário para ler o que estava a assinar e, portanto, não poderia deixar de saber que, pela aposição da sua assinatura, estava a declarar que tinha perfeito conhecimento dos contratos de prestação de garantia autónoma e, portanto, se essa declaração não correspondia à verdade (como vem agora sustentar), poderia ter solicitado os esclarecimentos necessários e poderia ter solicitado uma informação mais pormenorizada relativamente aos termos e cláusulas daqueles contratos, o que não fez. PP. Impõe-se, pois, a conclusão de que a Recorrida, caso tivesse usado de comum diligência (como impõe o citado art. 5º) – diligência que, no caso, se resumia a ler as poucas folhas que lhe eram apresentadas – teria tomado conhecimento efectivo das declarações que estava a efectuar com a aposição da sua assinatura, não sendo, por isso, legítimo que venha agora sustentar que, afinal e ao contrário do que declarou, não tinham conhecimento das cláusulas daqueles contratos. QQ. Mas, ainda que se concluísse – como pretende a Recorrida – pela nulidade do pacto de preenchimento da livrança e exclusão das cláusulas que lhes diziam respeito por omissão do dever de comunicação e informação (e – reafirma-se – o cumprimento desse dever relativamente à Recorrida apenas se poderia justificar relativamente a esta cláusula e não ao contrato de prestação de garantia na sua globalidade, onde não havia tido intervenção), tal apenas significaria que deixaria de existir um pacto de preenchimento e que, como tal, inexistia, entre a Exequente e a Recorrida uma qualquer relação subjacente com base na qual se pudesse afirmar que a livrança estava no âmbito das relações imediatas e que lhe permitisse a invocação de um preenchimento abusivo; RR. Subsistiria, portanto, a obrigação cambiária resultante da aposição do aval, obrigação essa que não seria afectada pela nulidade do contrato de preenchimento ou pela exclusão das cláusulas do negócio que se reportavam aos termos do preenchimento da livrança, Cfr. Acórdão do STJ de 15/05/2014, proc. N. 1419/11.7TBCBR-A.C1.S1, disponível em http://www.dgis.pt. SS. Refira-se a este propósito, o que se escreve no sumário do Acórdão do STJ de 22/10/2013, Proc. nº 4720/10.3T2AGD-A.C1, disponível em http://www.dgsi.pt: “Se o avalista opta por lançar mão da invalidade da cláusula que integra pacto de preenchimento em que interveio, com a respectiva exclusão do contrato, auto-exclui-se da intervenção no acordo de preenchimento e, consequentemente, do posicionamento que detinha no campo das relações imediatas com a beneficiária da livrança, a coberto das quais poderia invocar e fazer valer a excepção do preenchimento abusivo. TT. Para que se coloque uma questão de preenchimento abusivo, enquanto excepção pessoal do obrigado cambiário, é necessário que se demonstre a existência de um acordo, em cuja formação tenham intervindo o avalista e o tomador-portador do título, acordo que este último, ao completar o respectivo preenchimento tenha efectivamente desrespeitado. Se, em substituição do pacto inválido e excluído nenhum outro se invoca, como obrigação desrespeitada no acto de preenchimento da livrança, então não há objecto sobre o qual possa ser alegado e discutido preenchimento abusivo, carecendo o avalista de fundamento para discutir uma eventual excepção, por isso que nenhuma violação de convenção consigo celebrada imputa aos demais signatários do título cambiário, por via da qual se mantivesse nas relações imediatas. UU. De todo o modo – reafirma-se – as únicas cláusulas contratuais nas quais a Recorrida teve intervenção (o acordo de preenchimento da livrança) não correspondem a um contrato de adesão e não contêm cláusulas contratuais gerais que a Exequente tivesse o dever de informar ou comunicar, sendo que o dever de comunicação e informação que sobre esta impendia no que toca às cláusulas contratuais gerais inseridas no contrato de locação financeira apenas tinha como destinatário o aderente/outorgante nesse contrato, inexistindo qualquer dever específico de comunicação e informação dessas cláusulas relativamente a quem – como era o caso da Recorrida– não foi interveniente nesse contrato. VV. Ora admitindo, conforme se refere na decisão recorrida, que não foram cumpridos os deveres de comunicação e informação, relativamente à referida cláusula (pacto de preenchimento), qual a repercussão da exclusão do contrato daquelas cláusulas de autorização de preenchimento da livrança no aval prestado pela Recorrida? Essa exclusão leva à nulidade do contrato? WW. A resposta encontramo-la no artigo 9.º, nº 2 do citado DL 446/85 segundo o qual “os referidos contratos são, todavia, nulos, quando, não obstante a utilização dos elementos indicados no número anterior, ocorra uma indeterminação insuprível de aspectos essenciais ou um desequilíbrio nas prestações gravemente atentatórias da boa fé”. XX. Fazendo o confronto das cláusulas em apreço, referente à autorização do preenchimento das livranças, com o estatuído no citado normativo, logo se constata que a exclusão dessa cláusula, nomeadamente, à luz do artigo 280.º do C.Civil, não leva à nulidade do contrato, já que não ocorre qualquer indeterminação insuprível em aspectos essenciais do contrato em apreço. YY. Importa ainda sublinhar neste domínio que a nulidade ou anulação parcial não determina a invalidade de todo o negócio, salvo quando se mostre que este não teria sido concluído sem a parte viciada (cfr. art. 292.º do C. Civil) demonstração que, aqui, não foi feita. Portanto a não comunicação à Recorrida da cláusula relativa ao pacto de preenchimento da livrança exequenda não leva à nulidade do contrato, mas tão só a expurgação do contrato dessa cláusula, [art. 8.º als. a) e b) do citado DL nº 446/85] circunstância que não leva á ocorrência de uma indeterminação insuprível de aspectos essenciais do contrato. ZZ. Expurgado, assim, o contrato de abertura de crédito da apontada cláusula relativa ao pacto de preenchimento de livrança, o que acontece ao aval pela Recorrida? A exclusão das cláusulas do contrato de prestação de garantia autónoma não leva à sua nulidade (por não se verificar a previsão do citado art. 9.º nº 2) e consequentemente também essa exclusão não pode afectar os avais prestados (negócio cambiário). Na verdade, a embargante aceitou, como confessa, constituir-se garante das obrigações assumidas pela Avrotel nos contratos de financiamento. AAA. Neste sentido, a Recorrida assinou os instrumentos relativos aos contratos de financiamento e à prestação de garantias autónomas na qualidade de avalista (cf. Contratos juntos aos autos). BBB. Sobre esta temática, Carolinha Cunha (In Manual de letras e livranças, 2016, Almedina, 222-223), pronuncia-se nestes termos: “Mas quem subscreve e entrega uma letra ou livrança em branco no instante em que celebra um contrato de financiamento não poderá, em princípio, deixar de possuir uma noção sumária de que está com esse comportamento a assumir uma garantia de cumprimento do contrato, a qual poderá, portanto, ser acionada (através do preenchimento do título) em caso de incumprimento. Sendo assim, como é possível sustentar que a cláusula que, afinal, se limita a reproduzir graficamente semelhante conteúdo de vontade, não foi “comunicada” ao aderente”? CCC. Portanto, como a nulidade e consequente exclusão da cláusula 4) dos contratos de prestação de garantia autónoma não eliminam a livrança que a Recorrida reconhecidamente assinou, mantém-se esta obrigada cambiariamente em função do aval que prestou à subscritora da livrança. DDD. Por outro lado como é doutrina e jurisprudência dominante, a obrigação do avalista é uma obrigação autónoma da obrigação do avalizado, de tal modo que se mantém a primeira mesmo que seja nula, por qualquer razão, a segunda, a menos que a nulidade decorra de vício de forma (Art.º 32 da LULL). Por isso mesmo se tem entendido que o avalista, ao contrário do que acontece com o fiador (Art.º 637 nº1 do C.C.), não pode defender-se com as excepções do avalizado, salvo as que importem a liberação ou extinção dessa obrigação. EEE. De facto, não é possível conceber, quanto à obrigação do subscritor, uma nulidade por vício de forma que não comprometa, ao mesmo tempo, a própria existência da livrança, como acontece com a falta de assinatura do subscritor, porque se trata de menções essenciais da declaração de vontade da pessoa que cria ou emite a livrança, de requisitos essenciais desta, condições de que depende a sua existência. A nulidade daí resultante não altera a obrigação do avalista, que se mantém, porquanto não tem a ver com as condições externas de forma do acto de onde emerge a livrança garantida, com os requisitos de validade extrínseca da mesma, sendo certo que só a nulidade, por vício de forma, compromete, simultaneamente, a eficácia cambiária do título. Concluindo, FFF. Decidiu erradamente o douto Tribunal a quo na fixação da matéria de facto provada, devendo ser revogada a parte final do n.º 5 e deveria a douta sentença recorrida ter considerado provado o seguinte ponto: a. Os termos em que se obrigava a Recorrida foram-lhe explicados e eram do seu conhecimento. b. Ao subscrever os contratos e as livranças, pretendeu constituir-se garante das obrigações assumidas nos ditos contratos pela Avrotel. GGG. E, em consequência, ter julgado os embargos de executado totalmente improcedentes. HHH. Ainda que assim não se entenda, a eventual não comunicação das cláusulas que constituem o pacto de preenchimento das livranças à Recorrida não pode eximi-la das responsabilidades livremente assumidas, pois que a inobservância do dever de comunicação e informação das cláusulas contratuais gerais do pacto de preenchimento não gera a nulidade da livrança executada nem a nulidade do pacto de preenchimento. Tendo a Recorrida invocado a nulidade das cláusulas gerais, e embora declarada procedente essa arguição, mantém- se a obrigação cambiária resultante do aval. III. Não tendo entendido e decidido conforme exposto, a sentença recorrida fez incorrecta interpretação e aplicação ao caso das pertinentes disposições legais, designadamente dos artigos 5º, 8º e 9º do regime jurídico das cláusulas contratuais gerais (DL n.º 446/85, de 25 de Outubro) 10º, 32º e 77º da LULL, 280º e 292º do Código Civil. JJJ. Pelo que, no provimento do presente recurso, deve revogar-se a douta sentença recorrida e, em sua substituição, ser proferida outra que, considerando provados os factos supra aludidos e/ou que a nulidade do pacto de preenchimento não obsta à exigibilidade da obrigação cambiária do avalista, julgue totalmente improcedentes os embargos de executado. Nestes termos e nos melhores de Direito que Vossas Exas. doutamente suprirão, deve ser concedido provimento ao presente Recurso, revogando-se a sentença recorrida e, consequentemente, ser substituída por sentença que julgue os embargos de executado totalmente improcedentes, com as demais consequências legais.». * A embargante contra-alegou, defendendo a confirmação a sentença recorrida. * Em 19/05/2025 oi proferido o seguinte despacho pela relatora: «Na sentença recorrida exarou-se: «Fica assim prejudicada a apreciação das excepções de caducidade, preenchimento abusivo (por “abuso de Direito”) e prescrição (que sempre seria julgada improcedente, por a data de vencimento da livrança ser a que nela está aposta, e não qualquer outra).» O artigo 665.º do CPC estabelece: «(…) 2 - Se o tribunal recorrido tiver deixado de conhecer certas questões, designadamente por as considerar prejudicadas pela solução dada ao litígio, a Relação, se entender que a apelação procede e nada obsta à apreciação daquelas, delas conhece no mesmo acórdão em que revogar a decisão recorrida, sempre que disponha dos elementos necessários. 3 - O relator, antes de ser proferida decisão, ouve cada uma das partes, pelo prazo de 10 dias.» No entanto, afigura-se plausível, a procedência da impugnação da decisão sobre a matéria de facto quanto ao ponto 5. Assim, no prazo de 10 dias poderão as partes dizer o que tiverem por conveniente sobre as questões da caducidade, preenchimento abusivo e prescrição.». * Apenas se pronunciou a apelada, alegando, em síntese: - foi violado o pacto de preenchimento, pois só em 2021 foi a apelante contactada e foram preenchidas as livranças, apesar de o incumprimento dos contratos de crédito ser anterior a 2014; - além disso, a declaração de insolvência da Avrotel é de 2018 e não era expectável que as livranças fossem preenchidas volvidos mais de sete anos sobre o incumprimento e três anos sobre a declaração de insolvência da devedora, - pelo que o preenchimento das livranças constitui abuso do direito; - a boa fé determina que a livrança seja preenchida coincidentemente com a resolução do contrato, sendo nesse momento que se inicia o prazo de prescrição previsto no art. 70º da LULL, - concluindo-se assim que as livranças se venceram em data anterior a 2014 e que à data da instauração da execução estavam prescritas; - as garantias prestadas pela apelante ao Banco Santander caducaram, como previsto na alínea e) do pacto de preenchimento, caducidade que se repercute nas garantias subsequente, como é o caso das livranças, - pois o Banco não solicitou o pagamento nos 90 dias seguintes ao vencimento dos montantes em dívida, - e a autorização de prorrogação dos prazos de caducidade das garantias foi dada apenas pela Lisgarante, vinculando somente esta e o Banco, não prejudicando os avalistas. * Colhidos os vistos, cumpre decidir. II – Questões a decidir O objecto do recurso é delimitado pelas conclusões da alegação da apelante, sem prejuízo de questões que sejam de conhecimento oficioso e tendo ainda consideração o disposto no art. 665º nº 2 do CPC (Código de Processo Civil) pelo que as questões a decidir são: - se deve ser alterada a decisão sobre a matéria de facto - se inexiste fundamento para exclusão da cláusula 4º de cada um dos pactos de preenchimento. - caducidade da garantia bancária autónoma e consequência quanto às livranças - violação do pacto de preenchimento das livranças - abuso do direito - prescrição * III – Fundamentação A) Na sentença recorrida vem dado como provado: 1 - Em 02/03/2010 a embargante assinou o “CONTRATO DE EMPRÉSTIMO Linha de Crédito PMR Investe III – Banco Santander Totta, S.A.” junto a fls 69 a 72 (cujo teor se dá aqui por reproduzido). 2 - Em 02/03/2010 embargante e embargada assinaram a “Emissão de garantia autónoma” junta a fls 11 a 14, e 36 a 41 (cujo teor se dá aqui por reproduzido) – tendo sido entregue à embargada, parcialmente em branco, a livrança nº .... 3 - Em 25/01/2011 a embargante assinou o “CONTRATO DE EMPRÉSTIMO Linha de Crédito PMR Investe VI – Banco Santander Totta, S.A.” junto a fls 73 a 76 (cujo teor se dá aqui por reproduzido). 4 - Em 25/01/2011 a embargante assinou a “Candidatura nº 721.491” junta a fls 41v a 44v (cujo teor se dá aqui por reproduzido) – tendo sido entregue à embargada, parcialmente em branco, a livrança nº .... 5 - A embargante não participou na elaboração dos documentos supra – que não foram lidos ou explicados à embargante. 6 - Em 04/03/2011 foi registada a venda da quota da embargante na “Avrotel” a DD (fls 21v-22). 7 - Em 04/03/2013 a embargada enviou ao “Santander Totta” um cheque no valor de 13.392,85€ (fls 52v) – referente à “Garantia 2009.17339”, e relativa a “50% da prestação vencida em 02.6.2012”. 8 - Em 21/02/2013 a embargada recebeu, do “Banco Santander Totta S.A.” a carta junta a fls 45-46 (cujo teor se dá aqui por reproduzido) – relativa à “Garantia Bancária nº 2009.17339”, e pedindo o pagamento de 13.392,85€. 9 - Em 05/06/2013 o “Santander Totta” enviou à “Avrotel” a carta junta a fls 48v (cujo teor se dá aqui por reproduzido) – declarando resolvido o “Contrato de abertura de crédito nº 0032.... ‘Linha de Crédito PME Investe III (…)’. 10 - Em 05/06/2013 o “Santander Totta” enviou à “Avrotel” a carta junta a fls 51 (cujo teor se dá aqui por reproduzido) – declarando resolvido o “Contrato de abertura de crédito nº 0032.... ‘Linha de Crédito PME Investe VI (…)’. 11 - Em 11/06/2013 a embargada recebeu, de “Santander Totta S.A.” a carta junta a fls 47-48 (cujo teor se dá aqui por reproduzido) – relativa à “Garantia Bancária nº 2009.17339”, e pedindo o pagamento de 227.678,59€. 12 - Em 11/06/2013 a embargada recebeu, de “Santander Totta S.A.” a carta junta a fls 49v-50 (cujo teor se dá aqui por reproduzido) – relativa à “Garantia Bancária nº 2010.13976”, e pedindo o pagamento de 14.062,50€. 13 - Em 08/07/2013 a embargada enviou a “Santander Totta” um cheque no valor de 227.678,59€ (fls 53v) – referente à “Garantia 2009.17339”, e relativa a “50% do valor do capital em dívida”. 14 - Em 08/07/2013 a embargada enviou ao “Santander Totta” um cheque no valor de 14.062,50€ (fls 54v) – referente à “Garantia 2010.13976”, e relativa a “50% do valor do capital em dívida”. 15 - A Avrotel incumpriu as suas obrigações para com o Banco Santander em data anterior a 2014. 16 - Em 21/08/2018 foi declarada a insolvência da “Avrotel” (fls 20v e 80). 17 - Em 30/06/2020 foi encerrado o processo de insolvência da “Avrotel” (fls 21 e 81) – e, em 15/07/2020, o encerramento da liquidação e o cancelamento da matrícula. 18 - Em 11/03/2021 a embargada enviou à “Avrotel” e à ora embargante as cartas juntas a fls 57 e 60 (cujos teores se dão aqui por reproduzidos) – relativa à “garantia nº 2009.17339”, e declarando ter preenchido a livrança com o valor de 380.412,30€. 19 - Em 11/03/2021 a embargada enviou à “Avrotel” e à ora embargante as cartas juntas a fls 63 e 66 (cujos teores se dão aqui por reproduzidos) – relativa à “garantia nº 2010.13976”, e declarando ter preenchido a livrança com o valor de 21.943,34€. * B) Visto que os documentos são meios de prova dos factos e por isso é incorrecto remeter para o seu teor na matéria de facto como fez a 1ª instância, passamos a transcrever os segmentos dos documentos que são relevantes para a decisão da causa. * 1 - a) No CONTRATO DE EMPRÉSTIMO Linha de Crédito PMR Investe III – Banco Santander Totta, S.A.” assinado pela embargante em 02/03/2010 lê-se, designadamente: «Entre 1º - BANCO SANTANDER TOTTA, SA (…) adiante designado abreviadamente por BANCO e 2º - AVROTEL – SOCIEDADE DE INVESTIMENTOS HOTELEIROS, LDA (…), adiante designada abreviadamente por MUTUÁRIO e 3º - CC (…), e GG (…), e BB (…) e DD e marido AA (…) adiante designado abreviadamente por GARANTE, É celebrado e reciprocamente o presente contrato de empréstimo que se regerá pelas cláusulas seguintes, as quais foram cada uma ajustadas e aceites pelos outorgantes que, deste modo, afastam do presente contrato a qualificação e natureza de ‘contrato de adesão’: Cláusula 1ª (Montante e forma de utilização) 1. O MUTUÁRIO solicitou e obteve do BANCO um empréstimo no montante de € 750,000,00 (…) 2. A referida quantia, da qual o MUTUÁRIO aqui se confessa devedor, é disponibilizada pelo BANCO, por crédito na conta de depósitos à ordem abaixo indicada. (…) Cláusula 8ª (Garantias) 1. Para garantia do pagamento pelo MUTUÁRIO ao BANCO da percentagem de 50% do capital em dívida, a LISGARANTE – Sociedade de Garantia Mútua, SA prestou (aram) a favor do BANCO garantia(s) autónoma(s) à primeira solicitação que fica(m) anexa(s) ao presente contrato e dele se considera(m) materialmente acessória(s) - Anexo I. (…)» 2 -a) No documento respeitante à garantia autónoma à primeira solicitação assinado pela embargante e pela embargada lê-se, designadamente: «Cascais, 2 de Março de 2010 Assunto: Emissão de garantia autónoma à primeira solicitação em nome e a pedido da AVROTEL – Sociedade de Investimentos Hoteleiros, Lda e a favor do Banco Santander Totta SA Na sequência da proposta apresentada e no âmbito Linha PME Invest III – Sector Turismo, informamos que prestamos por este documento, por conta e a pedido de V. Exas, a garantia autónoma nº ..., à primeira solicitação, a favor do Banco Santander Totta, SA, adiante designado abreviadamente por BANCO, nos seguintes termos e condições: a) Montante máximo garantido € 375,000,00, assegurando a LISGARANTE – Sociedade de Garantia Mútua, SA, (…), adiante designada abreviadamente por SGM, ao BANCO o bom e atempado cumprimento da obrigação de reembolso quanto a 50% do capital mutuado em dívida em cada momento do tempo, emergente do contrato de empréstimo celebrado nesta data, no montante de € 750.000,00, pelo prazo de 84 meses. b) O montante máximo garantido referido supra será progressivamente reduzido à medida que a empresa efectuar os reembolsos de capital previstos no contrato de empréstimo, mantendo-se, no entanto, a garantia pela percentagem garantida, ou seja, 50% do capital em dívida em cada momento do tempo. c) Se qualquer um dos montantes garantidos não for pago pela Empresa, total ou parcialmente, nas datas do respectivo vencimento, a SGM obriga-se, incondicional e irrevogavelmente, e sem possibilidade de oposição de quaisquer meios de defesa, incluindo por excepção, de que a Empresa se pudesse prevalecer contra o BANCO a pagar os montantes garantidos, na percentagem em que os mesmos se encontram garantidos, sem quaisquer juros, sobretaxas ou encargos, no prazo máximo de dez dias após a recepção de carta registada com aviso de recepção, solicitando o pagamento devendo para esse efeito, o BANCO dirigir à SGM uma declaração e um recibo de quitação nos termos dos anexos 1 e 2 a este contrato. (…) e) A garantia caduca e fica sem efeito, em relação a cada um dos montantes garantidos, se o BANCO não solicitar o seu pagamento à SGM nos 90 dias imediatamente posteriores ao respectivo vencimento, acima indicado, (…) (…) Como contrapartida da garantia autónoma por nós prestada emergem para V. Exas as seguintes obrigações: (…) 2) Pagar à SGM todos os montantes que a SGM venha a pagar ao BANCO em cumprimento da garantia prestada no prazo máximo de cinco dias após a interpelação que, para esse efeito esta vos faça, findo o qual serão devidos juros moratórios sobre o montante em débito. (…) 4) Para garantia de todas as responsabilidades que para V. Exas emergem do presente contrato, deverão: - entregar nesta data à SGM livrança em branco por V. Exas subscrita e avalizada pelas entidades abaixo identificadas, as quais expressamente e sem reservas dão o seu acordo ao presente contrato e às responsabilidades que para si emergem do mesmo. A referida livrança ficará em poder da SGM, ficando esta desde já expressamente autorizada, quer pelo subscritor quer pelos avalistas, a completar o preenchimento da livrança quando o entender conveniente, fixando-lhe a data de emissão e de vencimento, local de emissão e de pagamento e indicando como montante tudo quanto constitua o seu crédito sobre V. Exas. (…) O presente contrato bem como a garantia que dele consta a favor do BANCO produzirá os seus efeitos logo que V. Exas e bem assim os avalistas infra indicados nos dêem o acordo às estipulações elencadas, formalizem as garantias requeridas e comprovem terem adquirido as acções mencionadas na cláusula terceira. Com os melhores cumprimentos LISGARANTE – Sociedade de Garantia Mútua SA (…) 1) Damos o nosso acordo, em 02/03/2010 (data do contrato de financiamento) expresso e sem reservas, às condições emergentes da prestação da garantia pela SGM a favor do BANCO. (…) AVROTEL – SOCIEDADE DE INVESTIMENTOS HOTELEIROS, LDA (assinaturas dos representantes legais da “Empresa” (…) AVALISTAS HH (…) residente na Rua 1, (…) (…)» 2 - b) Na livrança mencionada em 2 consta na sua frente, além do mais: «No seu vencimento pagaremos por esta única via de livrança à Lisgarante – Sociedade de Garantia Mútua, Sa ou à sua ordem, (…) e no seu verso, consta a assinatura da embargante a seguir aos dizeres «Bom por aval à firma subscritora» 3 -a) No “CONTRATO DE EMPRÉSTIMO Linha de Crédito PME Investe VI – Banco Santander Totta, S.A.” assinado pela embargante, pela embargada e pelo Banco Santander Totta, SA em 25/01/2011 lê-se, designadamente: «Entre 1º - BANCO SANTANDER TOTTA, SA (…) adiante designado abreviadamente por BANCO e 2º - AVROTEL – SOCIEDADE DE INVESTIMENTOS HOTELEIROS, LDA (…), adiante designada abreviadamente por MUTUÁRIO e 3º - HH (…) DD e marido AA (…) BB (…) e GG (…) adiante designado abreviadamente por GARANTE (…) É celebrado e reciprocamente o presente contrato de empréstimo que se regerá pelas cláusulas seguintes, as quais foram cada uma ajustadas e aceites pelos outorgantes que, deste modo, afastam do presente contrato a qualificação e natureza de ‘contrato de adesão’: Cláusula 1ª (Montante e forma de utilização) 1. O MUTUÁRIO solicitou e obteve do BANCO um empréstimo no montante de € 50,000,00 (…) 2. A referida quantia, da qual o MUTUÁRIO aqui se confessa devedor, é disponibilizada pelo BANCO, por crédito na conta de depósitos à ordem abaixo indicada. (…) Cláusula 8ª (Garantias) 1. Para garantia do pagamento pelo MUTUÁRIO ao BANCO da percentagem de 50% do capital em dívida, a LISGARANTE – Sociedade de Garantia Mútua, SA prestou(aram) a favor do BANCO garantia(s) autónoma(s) à primeira solicitação que fica(m) anexa(s) ao presente contrato e dele se considera(m) materialmente acessória(s) - Anexo I. (…)» 4 -a) No documento respeitante a «Candidatura nº 721.491» assinado pela embargante e pela embargada lê-se, designadamente: «Lisboa, 25 de Janeiro de 2011 Assunto: Emissão de garantia autónoma à primeira solicitação em nome e a pedido da AVROTEL – Sociedade de Investimentos Hoteleiros, Lda e a favor do Banco Santander Totta SA Na sequência da proposta apresentada e no âmbito Linha de Crédito PME Investe VI, Linha Específica Micros e Pequenas Empresas, informamos que prestamos por este documento, por conta e a pedido de V. Exas, a garantia autónoma nº ..., à primeira solicitação, a favor do Banco Santander Totta, SA, adiante designado abreviadamente por BANCO, nos seguintes termos e condições: a) Montante máximo garantido € 25,000,00, assegurando a LISGARANTE – Sociedade de Garantia Mútua, SA, (…), adiante designada abreviadamente por SGM, ao BANCO o bom e atempado cumprimento da obrigação de reembolso quanto a 50% do capital mutuado em dívida em cada momento do tempo, emergente do contrato de empréstimo celebrado nesta data, no montante de € 50.000,00, pelo prazo de 48 meses. b) O montante máximo garantido referido supra será progressivamente reduzido à medida que a empresa efectuar os reembolsos de capital previstos no contrato de empréstimo, mantendo-se, no entanto, a garantia pela percentagem garantida, ou seja, 50% do capital em dívida em cada momento do tempo. c) Se qualquer um dos montantes garantidos não for pago pela Empresa, total ou parcialmente, nas datas do respectivo vencimento, a SGM obriga-se, incondicional e irrevogavelmente, e sem possibilidade de oposição de quaisquer meios de defesa, incluindo por excepção, de que a Empresa se pudesse prevalecer contra o BANCO a pagar os montantes garantidos, na percentagem em que os mesmos se encontram garantidos, sem quaisquer juros, sobretaxas ou encargos, no prazo máximo de dez dias após a recepção de carta registada com aviso de recepção, solicitando o pagamento devendo para esse efeito, o BANCO dirigir à SGM uma declaração e um recibo de quitação nos termos dos anexos 1 e 2 a este contrato. (…) e) A garantia caduca e fica sem efeito, em relação a cada um dos montantes garantidos, se o BANCO não solicitar o seu pagamento à SGM nos 90 dias imediatamente posteriores ao respectivo vencimento, acima indicado, (…) (…) Como contrapartida da garantia autónoma por nós prestada emergem para V. Exas as seguintes obrigações: 1) Pagar à SGM uma comissão de garantia (…) 2) Pagar à SGM todos os montantes que a SGM venha a pagar ao BANCO em cumprimento da garantia prestada no prazo máximo de cinco dias após a interpelação que, para esse efeito esta vos faça, findo o qual serão devidos juros moratórios sobre o montante em débito. (…) 4) Para garantia de todas as responsabilidades que para V. Exas emergem do presente contrato, deverão entregar nesta data à LISGARANTE – Sociedade de Garantia Mútua, SA: X LIVRANÇA EM BRANCO – Entregar, nesta data, à SGM livrança em branco por V. Exas subscrita e avalizada pelas entidades abaixo identificadas, as quais expressamente e sem reservas dão o seu acordo ao presente contrato e às responsabilidades que para si emergem do mesmo. A referida livrança ficará em poder da SGM, ficando esta desde já expressamente autorizada, quer pelo subscritor quer pelos avalistas, a completar o preenchimento da livrança quando o entender conveniente, fixando-lhe a data de emissão e de vencimento, local de emissão e de pagamento e indicando como montante tudo quanto constitua o seu crédito sobre V. Exas. (…) O presente contrato bem como a garantia que dele consta a favor do BANCO produzirá os seus efeitos logo que V. Exas e bem assim os avalistas infra indicados nos dêem o acordo às estipulações elencadas, formalizem as garantias requeridas e comprovem terem adquirido as acções mencionadas na cláusula terceira. Com os melhores cumprimentos LISGARANTE – Sociedade de Garantia Mútua SA (…) 1) Damos o nosso acordo, em 02/03/20’10 (data do contrato de financiamento) expresso e sem reservas, às condições emergentes da prestação da garantia pela SGM a favor do BANCO. (…) AVROTEL – SOCIEDADE DE INVESTIMENTOS HOTELEIROS, LDA (assinaturas dos representantes legais da “Empresa” (…) AVALISTAS HH (…) residente na Rua 1, (…) (…)» 4 - b) Na livrança mencionada em 4 consta na sua frente, além do mais: «No seu vencimento pagaremos por esta única via de livrança à Lisgarante – Sociedade de Garantia Mútua, Sa ou à sua ordem, (…) e no seu verso consta a assinatura da embargante a seguir aos dizeres «Bom por aval à firma subscritora» 8 -a) Na carta que a embargada recebeu de Banco Santander SA relativa à garantia bancária nº 2009.17339 lê-se: «Lisboa, 18 de Fevereiro 2013 Assunto: Garantia Bancária nº 2009.17339 AVROTEL Sociedade de Investimentos (…) Exmos Senhores Na falta de pagamento das prestações referentes ao contrato supra identificado, vencida(s) em 2/12/2012, serve a presente para reclamarmos o pagamento de 50% do capital garantido ou seja o valor de Euros 13.392.85 (treze mil trezentos e noventa e dois mil euros e oitenta e cinco cêntimos).» 9 -a) Na carta enviada por Banco Santander SA à Avrotel em 05/06/2013 referente ao Contrato de abertura de crédito nº 0032.... lê-se: «Lisboa 05 de Junho de 2013 Assunto: AVROTEL – Sociedade de Investimentos Hoteleiros Lda Contrato de abertura de crédito nº 0032.... Linha de crédito PME Investe III – Banco Santander Totta, Sa Exmos Senhores Como é do vosso conhecimento, o empréstimo em assunto encontra-se em incumprimento desde 2 de Dezembro de 2012, pelo que procedemos à resolução do contrato, nos termos do ponto 2.1 da cláusula 5ª. Desta forma, informamos que o valor em dívida pela AVROTEL – Sociedade de Investimento Hoteleiros, Lda à presente data é de (…) (…) Aguardaremos até ao dia 14 de Junho de 2013, pelo que findo o prazo seremos forçados a promover a cobrança coerciva do valor em dívida.» 10-a) Na carta enviada por Banco Santander SA à Avrotel em 05/06/2013 referente ao Contrato de abertura de crédito nº 0032.... lê-se: « Lisboa 05 de Junho de 2013 Assunto: AVROTEL – Sociedade de Investimentos Hoteleiros Lda Contrato de abertura de crédito nº 0032.... Linha de crédito PME Investe III – Banco Santander Totta, Sa Exmos Senhores Como é do vosso conhecimento, o empréstimo em assunto encontra-se em incumprimento desde 25 de Janeiro de 2013, pelo que procedemos à resolução do contrato, nos termos do ponto 2.1, da Cláusula 5ª. Desta forma, informamos que o valor em dívida pela AVROTEL – Sociedade de Investimento Hoteleiros, Lda à presente data é de (…) (…) Aguardaremos até ao dia 14 de Junho de 2013, pelo que findo o prazo seremos forçados a promover a cobrança coerciva do valor em dívida.» 11 -a) Na carta que a embargada recebeu de Banco Santander SA relativa à garantia bancária nº 2009.17339 pedindo o pagamento da quantia de 227.678,59 € lê-se: «Lisboa, 05 de Junho 2013 Assunto: Garantia Bancária nº 2009.17339 Contrato de abertura de crédito nº 0032.... “Linha de Crédito PME Investe III – Banco Santander Torra, SA Exmos Senhores Na presente data enviamos carta registada cuja cópia se anexa em que comunicamos a resolução do contrato em assunto, nos termos do ponto 2.1 da Cláusula 5ª, dado o incumprimento registado desde 2 de Dezembro de 2012. Desta forma informamos que o valor em dívida pelos AVROTEL – (…) De acordo c/ a v/ autorização de 2013-05-24 foi prorrogado o prazo de caducidade da prestação que se venceu 2013-03-02, até ao dia 29 de Agosto de 2013, pelo que se mantem plenamente em vigor e exigível o valor correspondente a esse período. Pelo que, ao abrigo da alínea c) da Garantia Bancária nº 2009.17339 prestada por V. Exas, solicitamos que procedam ao pagamento de Euros 227.678,59 (…) correspondente a 50% do capital em dívida, à data de 2 de Março de 2’013, (…)» 12 -a) Na carta que a embargada recebeu de Banco Santander SA em 11/06/2013 relativa à garantia bancária nº 2010.13976 pedindo o pagamento da quantia de 14.062,50 € lê-se: «Lisboa, 05 de Junho de 2013 Assunto: Garantia Bancária nº 2010.13976 Contrato de abertura de crédito nº 0032.... “Linha de Crédito PME Investe VI – Banco Santander Totta, SA Exmos Senhores Na presente data enviamos carta registada cuja cópia se anexa em que comunicamos a resolução do contrato em assunto, nos termos do ponto 2.1 da Cláusula 5ª, dado o incumprimento registado desde 25 de Janeiro de 2013. Desta forma informamos que o valor em dívida pelos AVROTEL – (…) De acordo c/ a v/ autorização de 2013-04-17 foi prorrogado o prazo de caducidade da prestação que se venceu 2013-01-25, até ao dia 24 de Julho de 2013, pelo que se mantem plenamente em vigor e exigível o valor correspondente a esse período. Pelo que ao abrigo da alínea c) da Garantia Bancária nº 2010.13976 prestada por V. Exas, solicitamos que procedam ao pagamento de Euros 14.062,50 (…) correspondente a 50% do capital em dívida.» 18 -a) Nas cartas enviadas pela Lisgarante à Avrotel e à embargante em 11/03/2021 relativa à garantia nº 2009.17339 lê-se, designadamente: «Assunto: Solicitação de Pagamento Exmos Senhores, No âmbito da garantia nº 2009.17339, emitida pela Lisgarante – Sociedade de Garantia Mútua, SA a pedido de V. Exas, o beneficiário, Banco Santander, SA, solicitou-nos até à presente data, o pagamento do(s) seguinte(s) valore(es): Garantia Estado Valor executado Data pagamento (…) Executada parcialmente € 13.392,85 2013-03-04 (…) Executada totalmente € 227.678,59 2013-07-08 Total € 241.071,44 Acontece que V. Exas têm ainda em dívida o valor global de €9.567,81, relativo à(s) seguinte(s) notas de débito/fatura(s) vencida(s) e não paga(s): (…) Nos termos do contrato subjacente à emissão da garantia nº 2009.17339, celebrado em entre V. Exas, a Lisgarante e o(s) avalistas aí mencionado(s), V. Exas, obrigaram-se a pagar-nos todos os montantes que viéssemos a pagar ao beneficiário em cumprimento da garantia (…) Assim, de acordo com o previsto no referido contrato, procedemos ao preenchimento da livrança (…)». 19 -a) Nas cartas enviadas pela Lisgarante à Avrotel e à embargante em 11/03/2021 relativa à garantia nº 2010.13976 lê-se, designadamente: «Assunto: Solicitação de Pagamento Exmos Senhores No âmbito da garantia nº 2010.13976, emitida pela Lisgarante – Sociedade Garantia Mútua, SA a pedido de V. Exas, o beneficiário, Banco Santander, SA, solicitou-nos até à presente data, o pagamento do(s) seguinte(s) valore(es): Garantia Estado Valor executado Data pagamento 2010.13976 Executada totalmente € 14.062,50 2013-07-08 Acontece que V. Exas têm ainda em dívida o valor global de €9.567,81, relativo à(s) seguinte(s) notas de débito/fatura(s) vencida(s) e não paga(s): (…) Nos termos do contrato subjacente à emissão da garantia nº 2010.13976, celebrado em entre V. Exas, a Lisgarante e o(s) avalistas aí mencionado(s), V. Exas, obrigaram-se a pagar-nos todos os montantes que viéssemos a pagar ao beneficiário em cumprimento da garantia (…) Assim, de acordo com o previsto no referido contrato, procedemos ao preenchimento da livrança (…)». * C) Mais é de considerar: 20 – A execução foi instaurada em 30/03/2021. 21 - Nas duas livranças consta como data de vencimento «2021-03-22» e os dizeres «Titulação da garantia autónoma 17.339» na livrança referente à importância de 380.412,30 € e «Titulação da garantia autónoma 2010.13976» na livrança referente à importância de 21.943,34 €» * D) Da impugnação da decisão sobre a matéria de facto Entende a apelante: - que a parte final do ponto 5 - «que não foram lidos ou explicados à embargante» deve ser julgada não provada, - e que deve ser julgado provado: . Os termos em que se obrigava a recorrida foram-lhe explicados e eram do seu conhecimento . Ao subscrever os contratos e as livranças, pretendeu constituir-se garante das obrigações assumidas nos ditos contratos pela Avrotel Invoca os depoimentos das testemunhas, trabalhadores do Banco Santander. A 1ª instância deu esta fundamentação: «A matéria do ponto 5 foi julgada contra a parte onerada com a prova (artigo 5º/3 do DL 446/85 de 25-X) – não tendo as testemunhas (funcionárias da “Santander”) EE e FF estado presentes ou negociado com a embargante» Da audição dos depoimentos destas duas testemunhas resulta evidente que não presenciaram as negociações nem os actos de assinatura dos documentos pela embargante, não sabendo se lhe foram lidos ou explicados os seus conteúdos, os termos em que se obrigava, nem o que a embargante pretendia quando subscreveu os contratos e as livranças. Por isso, não pode ser julgado provado o que pretende a apelante. Apreciemos agora se o normativo legal invocado pela 1ª instância impõe que se mantenha a decisão quanto à parte final desse ponto 5. O art. 5º do DL 446/85 (regime jurídico das cláusulas contratuais gerais) prevê: «1 - As cláusulas contratuais gerais devem ser comunicadas na íntegra aos aderentes que se limitem a subscrevê-las ou a aceitá-las. 2 - A comunicação deve ser realizada de modo adequado e com a antecedência necessária para que, tendo em conta a importância do contrato e a extensão e complexidade das cláusulas, se torne possível o seu conhecimento completo e efectivo por quem use de comum diligência. 3 - O ónus da prova da comunicação adequada e efectiva cabe ao contratante que submeta a outrem as cláusulas contratuais gerais.» Portanto, este normativo respeita ao ónus da prova da comunicação adequada e efectiva. Por seu lado, o art. 6º estatui: «1 - O contratante que recorra a cláusulas contratuais gerais deve informar, de acordo com as circunstâncias, a outra parte dos aspectos nelas compreendidos cuja aclaração se justifique. 2 - Devem ainda ser prestados todos os esclarecimentos razoáveis solicitados.» Este normativo respeita ao dever de dar explicações sobre cláusulas. Destes normativos decorre: - o art. 5º não impõe que o conteúdo dos documentos seja lido; - o art. 6º só impõe que sejam explicados os aspectos cuja aclaração se justifique e que sejam prestados os esclarecimentos razoáveis que sejam solicitados. No caso concreto não foi produzida prova de que foram lidos ou explicados à embargante os conteúdos dos documentos ou alguma das cláusulas dos contratos. Mas também não foi produzida prova do contrário. Ora, o que resulta do art 414º do CPC (Código de Processo Civil) ao dispor que «A dúvida sobre a realidade de um facto (…) resolve-se contra a parte a quem o facto aproveita.», é que o facto deverá ser julgado não provado. Por quanto se disse, procede parcialmente a impugnação quanto ao ponto 5, julgando-se não provado «que não foram lidos ou explicados à embargante», pelo que se mantém provado apenas: «5 - A embargante não participou na elaboração dos documentos supra» * E) O Direito 1. A fundamentação de direito exarada pela 1ª instância é esta: «A primeira questão a decidir é a de saber se a cláusula 4 do “pacto de preenchimento” (ponto 2) – e a resposta não pode deixar de ser afirmativa, face à matéria provada no ponto 5: não tendo existido uma “comunicação adequada e efectiva”, a cláusula deve ter-se por excluída do contrato, nos termos do artigo 8º/a) do regime das C.C.G.; assim sendo, e apesar de a embargada poder preencher a livrança (atentos os demais subscritora e avalistas), tal preenchimento deve ter-se por ineficaz relativamente à ora embargante – que, consequentemente e por força da ineficácia do título apresentado, deve ser excluída da execução. A embargada invoca (através de jurisprudência) a regra do artigo 17º da L.U.L.L., referente a letras e livrança transmitidas por endosso – não existindo regra (artigos 30º a 32º da L.U.L.L., aplicáveis por força do seu artigo 77º) que impeça o avalista de impugnar o preenchimento unilateral da livrança, em especial no caso de livrança entregue parcialmente em branco: de outra forma, o avalista estaria sempre sujeito a pagar qualquer quantia que a portadora quisesse, sem se poder defender. Fica assim prejudicada a apreciação das excepções de caducidade, preenchimento abusivo (por “abuso de Direito”) e prescrição (que sempre seria julgada improcedente, por a data de vencimento da livrança ser a que nela está aposta, e não qualquer outra).». O art. 8º do RJCCG (DL 446/85 de 25/10) estabelece: «Consideram-se excluídas dos contratos singulares: a) As cláusulas que não tenham sido comunicadas nos termos do artigo 5.º; b) As cláusulas comunicadas com violação do dever de informação, de molde que não seja de esperar o seu conhecimento efectivo; c) As cláusulas que, pelo contexto em que surjam, pela epígrafe que as precede ou pela sua apresentação gráfica, passem despercebidas a um contratante normal, colocado na posição do contratante real; d) As cláusulas inseridas em formulários, depois da assinatura de algum dos contratantes.» Neste acórdão foi alterado o ponto 5 da matéria de facto. Mas, ainda que tal alteração inexistisse, nem por isso deveria considerar-se excluída a cláusula 4 dos pactos de preenchimento das livranças, porquanto: - essa cláusula consta de documentos escritos de fácil legibilidade e assinados pela embargante com cerca de um ano de intervalo - o primeiro em 02/02/2010 («Emissão de garantia autónoma») e o segundo em 25/01/2011 (»Candidatura nº 721.491») -, datas em que a embargante também assinou os dois contratos de empréstimo e em que foram entregues as livranças em branco, - e essa cláusula nenhuma complexidade tem, - não está provado e - nem sequer vem alegado - que a embargante não sabe ou não consegue ler. Em suma, inexiste fundamento para exclusão da cláusula 4º de cada um dos pactos de preenchimento. * 2. Da caducidade da garantia bancária autónoma e consequência quanto às Livranças O preenchimento abusivo da letra ou da livrança em branco deve ser alegado e provado pelos executados, atento o disposto no art. 342º nº 2 do Código Civil. Nos contratos pelos quais foram prestadas estas duas garantias autónomas pela Lisgarante – Sociedade de Garantia Mútua, SA, neles designada SGM, está clausulado: - «e) A garantia caduca e fica sem efeito, em relação a cada um dos montantes garantidos, se o Banco não solicitar o seu pagamento à SGM nos 90 dias imediatamente posteriores ao respectivo vencimento, acima indicado, ou no caso de vencimento antecipado, a omunicação deste à empresa», - «O presente contrato bem como a garantia que dele consta a favor do BANCO produzirá os seus efeitos logo que V. Exas e bem assim os avalistas infra indicados nos dêem o acordo às estipulações elencadas, formalizem as garantias requeridas e (…)». Vem alegado na contestação: «38. Ora, a empresa Avrotel – Sociedade de Investimentos hoteleiros, Lda não procedeu ao pagamento das prestações a que estava obrigada no âmbito dos contratos de mútuo celebrados com o Beneficiário acima melhor identificado, pelo que, ao abrigo dos contratos juntos comos docs 1 e 2, aquele (Beneficiário) solicitou à Lisgarante o pagamento do montante global de € 255.133,94 (docs 3 a 5). 39. Conforme resulta dos referidos documentos, o Banco resolveu os contratos de mútuo no dia 5 de junho de 2013, sendo que os acionamentos das garantias datam, igualmente, de junho de 2013 (com exceção do acionamento de fevereiro de 2013, que apenas executou uma prestação vencida em dezembro de 2012) 40. É pois evidente que entre o vencimento das prestação de dezembro de 2012 e o seu acionamento em fevereiro de 2013 e entre a resolução dos contratos e o acionamento final das garantias, não decorreram mais de noventa dias. 41. Motivo pelo qual não ocorreu a alegada caducidade.» * No que respeita à garantia nº 2009.17339, está provado: - em 21/02/2013 a apelada (Lisgarante) recebeu carta datada de 18/02/2013 enviada pelo Banco Santander Totta, SA reclamando o pagamento da quantia de 13.392,85 € na sequência da falta de pagamento da prestação vencida em 01/12/2012 [factos 8, 8 a)] – portanto, esta garantia foi accionada dentro do prazo de 90 dias relativamente a tal quantia - em 11/06/2013 a apelada (Lisgarante) recebeu carta datada de 05/06/2013 reclamando o pagamento da quantia de 227.678,59 €, «dado o incumprimento registado desde 2 de Dezembro de 2012» e que «De acordo c/ a v/ autorização de 2013-05-24 foi prorrogado o prazo de caducidade da prestação que se venceu 2013-03-02, até ao dia 29 de Agosto de 2013,» [factos 11,11 -a)] – portanto, quanto a tal quantia a garantia foi accionada quando estava ultrapassado o prazo de 90 dias, mas foi invocada a prorrogação do prazo de caducidade autorizada pela apelada (Lisgarante) Porém, não está provado – nem sequer foi alegado - que a apelada também autorizou a prorrogação do prazo de caducidade. * No que respeita à garantia nº 2010.13976, está provado: - em 11/06/2013 a apelada (Lisgarante) recebeu carta datada de 06/06/2013 enviada pelo Banco Santander Totta, SA reclamando o pagamento da quantia de 14.062,50 € «dado o incumprimento registado desde 25 de janeiro de 2013» e que « De acordo c/ a v/ autorização de 2013-04-17 foi prorrogado o prazo de caducidade da prestação que se venceu 2013-01-25, até ao dia 24 de Julho de 2013,» [factos 12, 12 -a)] – portanto, esta garantia foi accionada quando estava ultrapassado o prazo de 90 dias, mas foi invocada a prorrogação do prazo de caducidade autorizada pela apelada (Lisgarante) Porém, não está provado – nem sequer foi alegado - que a apelada também autorizou a prorrogação do prazo de caducidade. * Conclui-se que só não havia decorrido o prazo de 90 dias no que respeita à quantia de 13.392,85 € vencida em 01/12/2012, cujo pagamento foi reclamado pelo Banco Santander Totta à apelante (Lisgarante/SGM) ao abrigo da garantia nº 2009.17339 por carta recebida por esta em 21/11/2013. Ora, os pactos de preenchimento de cada uma das livranças constam nos contratos em que foram prestadas as garantias autónomas e neles é interveniente a apelada na qualidade de avalista. Daí que tenhamos de ter em consideração que o art. 406º do Código Civil estabelece: «1. O contrato deve ser pontualmente cumprido, e só pode modificar-se ou extinguir-se por mútuo consentimento dos contraentes ou nos casos admitidos na lei.». Significa que a prorrogação do prazo de caducidade só poderia produzir feitos quanto à apelada se esta tivesse autorizado essa alteração contratual ou a tivesse ratificado. Por quanto se disse, no que respeita à apelada, caducaram as garantias autónomas relativamente às quantias de 227.678,59 € (garantia nº 2009.17339) e de 14.062,50 € (garantia nº 2010.13976), tendo como consequência que a inclusão desses valores no preenchimento das livranças constitui violação dos pactos de preenchimento, implicando a inexistência de título executivo quanto aos mesmos. Assim, com esses fundamentos: - procedem os embargos de executado quanto à importância de 21.943,34 € inscrita na livrança ... referida nos factos 4 e 19 (preenchida por referência à garantia autónoma nº 2010.13976); - procedem os embargos de executado quanto à importância que inscrita na livrança nº ... que excede excede 13.392,85 € e acréscimos a título de juros de mora e imposto de selo (preenchida por referência à garantia autónoma nº 2009.17339). Procede, pois, parcialmente este fundamento dos embargos de executado. Em consequência, fica prejudicada a apreciação da questão da alegada prescrição do crédito da apelante e do abuso do direito quanto a essas quantias (cfr art. 608º nº 2 – 1ª parte do Código de Processo Civil) 3. Da prescrição Apreciemos agora a questão da alegada prescrição do crédito da apelante no que respeita à importância de 13.392,85 € incluída na livrança nº ... referida nos factos 2 e18 e acréscimos a título de juros de mora e imposto de selo, por referência à garantia nº 2009.17339. Entende a apelada que a boa fé determina que a livrança seja preenchida coincidentemente com a resolução do contrato e por isso, o seu preenchimento decorridos mais de sete anos configura abuso do direito e permite invocar com sucesso a prescrição, por preclusão do prazo de 3 anos consagrado no art. 70º da LULL (Lei Uniforme Sobre Letras e Livranças). Vejamos. Os art. 70º e 32º da LULL (aplicáveis à livrança – cfr art. 77º) dispõem: Art. 70º «Todas as acções contra o aceitante relativas a letras prescrevem em três anos a contar do seu vencimento. (…)» Art. 32º «O dador de aval é responsável da mesma maneira que a pessoa por ele afiançada (…)» Portanto, o prazo de prescrição da obrigação cambiária é de três anos a contar da data do vencimento da letra/livrança (neste sentido, Ac do STJ de 04/07/2019 – P. 4762/16.5T8CBR-A.C1.S1 – in wwwdgsi.pt). O art. 304º do Código Civil estabelece: «1. Completada a prescrição, tem o beneficiário a faculdade de recusar o cumprimento da prestação ou de se opor, por qualquer modo, ao exercício do direito prescrito.». Mas, a extinção da obrigação cambiária por prescrição não atinge a obrigação subjacente/causal. No caso concreto, como a execução foi instaurada no dia seguinte à data de vencimento indicada na livrança, tem de improceder a excepção de prescrição. Questão diferente é a de saber se há preenchimento abusivo da livrança ao ser aposta como data de vencimento 22/03/2021, porque o contrato de empréstimo Linha de Crédito PMR Investe III – Banco Santander SA foi resolvido pelo Banco por carta recebida pela Avrotel em 05/06/2013 e a apelante já tinha sido interpelada pelo Banco para pagar por carta recebida em 21/02/2013. No pacto de preenchimento lê-se: «(…) A referida livrança ficará em poder da SGM, ficando esta, desde já, expressamente autorizada, quer pelo subscrito, quer pelos avalistas, a completar o preenchimento da livrança, quando o entender conveniente, fixando-lhe a data de emissão e de vencimento (…)». Portanto, face ao pacto de preenchimento, a apelante tinha o direito de apor aquela data de vencimento. Cabe então apreciar se a aposição dessa data configura abuso do direito. O art. 334º do Código Civil estatui: «É ilegítimo o exercício de um direito, quando o titular exceda manifestamente os limites impostos pela boa fé, pelos bons costumes ou pelo fim social ou económico desse direito.» No Ac do STJ de 07/06/2022 (P. 1819/20.1T8STB-A.EI.S1 – in ww.dgsi.pt) lê-se: «Quanto à matéria do preenchimento abusivo da livrança (abuso do direito), refira-se o acórdão deste Supremo Tribunal de 19-10-2017 (proc. n.º 1468/11.5TBALQ-B.L1.S1), disponível em www.dgsi.pt, assim sumariado, na parte relevante: “III - Ao dar o aval ao subscritor em livrança em branco, fica o avalista sujeito ao direito potestativo do portador de preencher o título nos termos constantes do contrato de preenchimento, assumindo mesmo o risco de esse contrato não ser respeitado e de ter de responder pela obrigação constante do título. IV - O abuso de direito na sua vertente de “venire contra factum proprium”, pressupõe que aquele em quem se confiou viole, com a sua conduta, os princípios da boa fé e da confiança em que aquele que se sente lesado assentou a sua expectativa relativamente ao comportamento alheio. V - O simples decurso do tempo, sem que tenha sido exigido o pagamento da dívida por parte do credor, não é suscetível de, sem mais, criar no devedor a confiança de que não lhe vai mais ser exigido o cumprimento da obrigação que sobre ele impende. VI - O preenchimento de uma livrança, entregue em branco ao credor quanto ao montante e data de vencimento, decorridos mais de doze anos sobre a data da constituição da obrigação e mais de sete anos sobre a declaração de insolvência da sociedade subscritora da livrança, e a instauração da ação executiva contra a avalista desta sociedade, só por si, não consubstanciam fundamento bastante para o reconhecimento do abuso de direito previsto no art. 334.º do CC, na modalidade de "venire contra factum proprium". Entende-se que, em tese, o exercício do direito ao livre preenchimento pode considerar-se abusivo se se verificar que o portador da livrança adoptou uma conduta censurável e atentatória da dos “limites impostos pela boa fé, pelos bons costumes ou fim social ou económico desse direito” (cfr. art. 334.º do CC). Sucede que tal comportamento censurável ou gravemente chocante não ocorreu no caso concreto, pelos motivos indicados no referido acórdão de 21-04-2022 (proc. n.º 3941/20.5T8STB-A.E1.S1), que se retomarão de seguida. Desde logo, pelo facto de o embargante recorrente ter tido intervenção no negócio subjacente, podendo, por isso, ter conhecimento do estado da sua execução e podendo acompanhar o desenrolar dos acontecimentos. Podia, assim, ter cumprido voluntariamente a obrigação face ao incumprimento, evitando a execução da livrança. Por outro lado, se o recorrente tinha conhecimento dos riscos assumidos com o aval prestado, o mero decurso do tempo e a inércia do portador não podem servir de fundamento para que se exima à sua responsabilidade. Acresce que fazer depender o vencimento da livrança do incumprimento da obrigação subjacente, para além de não resultar do pacto de preenchimento, beneficiaria os devedores inadimplentes e impossibilitaria a tentativa de renegociação da dívida que ocorre, em regra, na prática bancária. De facto, como é comumente sabido, as negociações com entidades bancárias em caso de incumprimento são, em regra, morosas, tendo em consideração, não só os valores envolvidos, como também a complexidade dos negócios em causa e a circunstância de os mesmos envolverem, como é o caso, diversas entidades. Ademais, as próprias entidades bancárias têm interesse na resolução extrajudicial do litígio, de forma a evitar o registo de perdas ou de imparidades. Todos estes aspectos podem determinar – e, em regra, determinam – um atraso no preenchimento da livrança, não sendo, de todo, imputáveis ao portador da mesma. Por outro lado, como se salientou no dito acórdão de 21-04-2022, fazer depender a data de vencimento da livrança da dissolução da sociedade subscritora equivaleria a fazer depender da vontade da própria subscritora do título a data de vencimento, para o que bastaria promover a dissolução da sociedade devedora, com total subversão das normas legais que regem as letras e livranças. Ademais, a simples verificação da dissolução administrativa da sociedade subscritora não implica, por si só, a conclusão de que a portadora da livrança actuou abusando do seu direito, sendo que, como se realçou no acórdão de 21-04-2022, cuja fundamentação vimos seguindo de perto, em raciocínio que aplica também ao caso dos presentes autos: «Tão pouco existem sinais de que se configure um abuso do direito (…), quer dizer, simplificadamente, de que o facto de o recorrido não ter exercido o direito imediatamente a seguir à dissolução/extinção da sociedade subscritora tenha criado no recorrente, pelas circunstâncias que rodearam essa inacção, a confiança que o mesmo já não viria a ser exercido e de que por essa razão o seu exercício agora não seja admissível». Atento o exposto, não tendo sido acordado entre as partes uma data-limite para o preenchimento da livrança e não resultando a fixação de tal data do princípio da boa-fé, consideramos que não se revela como abusivo o preenchimento da livrança nas circunstâncias descritas nos autos, seja na vertente de violação do pacto de preenchimento, seja na vertente de abuso do direito ao livre preenchimento da livrança.». Em suma, o simples decurso do tempo sem que o credor tenha exigido o pagamento da dívida não permite considerar que o devedor criou legitimamente a convicção de que já não teria de cumprir. No caso concreto nenhum facto está provado que indicie sequer que a apelante fez crer à apelada que não iria preencher a livrança e exigir-lhe o pagamento na qualidade de avalista, pelo que, acolhendo as considerações expostas no citado arresto, concluímos não estar demonstrado que a apelante actuou em abuso do direito ao apor aquela data de vencimento ao abrigo do pacto de preenchimento. Improcede este fundamento dos embargos de executado. * IV – Decisão Pelo exposto, julga-se parcialmente procedente a apelação e em consequência, revogando-se a sentença recorrida, julgam-se apenas parcialmente procedentes os embargos de executado, decretando-se que a execução prossegue para pagamento da quantia de 13.392,85 € e acréscimos a título de juros de mora e imposto de selo, referente à livrança nº ... e fica extinta quanto ao demais. Custas por apelante e apelada na proporção de vencido. Lisboa, 11 de Setembro de 2025 Anabela Calafate Elsa Melo Cláudia Barata |